Uma seleção que entrou para a história do futebol mundial mesmo derrotada antes do jogo final. O Brasil de 1982. O Brasil de Zico, Sócrates, Falcão e companhia. O Brasil de Telê Santana. Muitas versões, pesquisas, estudos, contestações e teses foram feitas sobre o fatídico jogo contra a seleção italiana.
Faltava um livro na literatura esportiva com a visão dos protagonistas daquele time espetacular. É assim que surge o livro de Paulo Roberto Falcão, personagem central desta história, jogador-autor de “Brasil – O time que perdeu a Copa e conquistou o mundo” (AGE Editora)
O texto nas “orelhas” da obra é assinado pelo narrador Galvão Bueno. E mais abaixo, Literatura na Arquibancada destaca as razões que levaram Falcão a fazer este livro.
Um lugar na história
Por Galvão Bueno
Quando recebi o telefonema de meu amigo Paulo Roberto Falcão, que me pedia uma colaboração para a iniciativa dele de escrever um livro que iria passar a limpo toda a trajetória da Seleção de 82, me senti ao mesmo tempo honrado e apavorado.
Afinal, se ele, o Oitavo Rei de Roma, o Bola Bola, e mais todos os gênios que formavam aquele timaço iriam deixar seus depoimentos, o que teria eu a acrescentar?
Eu estava em Nova Jersey, no estádio, preparando minha transmissão para Brasil e Colômbia no dia 14 de novembro de 2012.
Não era um jogo qualquer.
Era o milésimo jogo da Seleção que representa a mais linda história do futebol mundial.
Em uma rápida viagem no tempo, e, depois de algumas contas, cheguei à conclusão de que Deus tinha me dado a honra de fazer mais de 400 transmissões dessa epopeia.
Foram três finais seguidas de Copas do Mundo, 94, 98 e 2002, dois títulos mundiais, e em duas delas tendo Falcão ao meu lado.
São mais de 30 anos correndo junto com nossa Seleção, sendo a voz que levava a alegria e a tristeza a milhões e milhões de brasileiros.
Vi a seleção vencer, perder, dar espetáculo, passar vexames.
Gritei “É Tetra”, abraçado a Pelé e Arnaldo. “É Penta”, com Falcão, Arnaldo e Casagrande.
Gritei até perder a voz, de alegria e desespero.
Mas, confesso, nunca vi nada como o time de 82.
Waldir Peres, Leandro, Oscar, Luisinho, Júnior, Cerezo, Falcão, Zico, Sócrates, Serginho, Éder. E todos mais que entraram ou saíram pelo caminho. Gente como Batista, Paulo Isidoro, Dirceu, Edinho, Edevaldo...E Mestre Telê Santana.
Foram anos, porque tivemos eliminatórias, de puro encantamento.
De um futebol inigualável.
Não aceito e jamais aceitarei que a tragédia de Sarriá possa ter transformado essa fantástica Seleção em um grupo de perdedores.
Perderam um título, mas ganharam um lugar na história!
I – Nem sempre ganha o melhor
Saída de Jogo
Por Paulo Roberto Falcão
Se você nasceu no século passado e gosta de futebol, certamente já ouviu falar em nós.
Se você nasceu neste século e acompanha esporte, também deve ter visto reportagens e teipes da nossa equipe.
Se você não liga muito para este jogo em que 22 marmanjos passam uma hora e meia correndo atrás de uma bola, brigam por ela e depois saem de campo sem levá-la, talvez seja bom ler este livro para entender como um time de futebol perdeu a competição mais importante do mundo sem perder o encanto e sem deixar de ser amado por milhões de pessoas.
Na verdade, a Seleção Brasileira de 1982 só não ganhou a taça oferecida pela Fifa: ganhou o aplauso do torcedor, ganhou a admiração de apoiadores e adversários, ganhou o reconhecimento da crítica e, o mais importante, ganhou um lugar de honra na história do esporte mais popular do planeta.
Durante 30 anos ouvi elogios para o que fizemos na Espanha, conjugados com manifestações de solidariedade e com uma pergunta insistente: por que perdemos?
Este livro, baseado numa vida inteira de dedicação ao futebol e no depoimento dos participantes daquela epopeia, tenta respondê-la.
Querida leitora. Amigo leitor.
Entre comigo em campo e jogue aquela final conosco.
Preleção
Este livro tem muitos porquês. Um deles é: por que resolvi escrever um livro sobre a Seleção de 82 três décadas depois de sua participação na Copa do Mundo da Espanha?
O pontapé inicial foi uma provocação feita por minha mulher, Cristina, durante o jantar em que celebrava com um amigo jornalista o sucesso regional do livro O Time que Nunca Perdeu, que escrevi sobre o título de campeão brasileiro invicto do Internacional em 1979. Ela olhou para mim e para o amigo que fez a revisão daquele primeiro trabalho e disse:
– Já que vocês escreveram sobre o time que nunca perdeu, por que não escrevem sobre aquele que perdeu, mas ninguém esqueceu?
O comentário acordou um antigo projeto que eu tinha, de deixar um registro pessoal sobre aquela experiência tão marcante. Aí veio a Espanha de 2010, veio o Barcelona multicampeão e vieram as comparações com o nosso time. O próprio Guardiola, então técnico do Barça, comparou sua equipe com a nossa.
Com a passagem dos 30 anos da copa espanhola, foram publicadas várias reportagens sobre a nossa seleção. Então, concluí que era chegada a hora. E que esse registro tinha que ser feito por alguém que viveu aquilo, que esteve dentro de campo, nos vestiários, nas concentrações. Muitos já escreveram sobre o que viram. Eu decidi escrever sobre o que vivi, juntamente com meus companheiros de seleção. E tive o cuidado de ouvir cada um dos que entraram em campo comigo para o jogo final contra a Itália. Trinta anos depois, eles estão respondendo a pergunta que não calou durante um só dia desse período: por que perdemos?
Recuo
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Ilustração: Gonza Rodrigues |
Antes da resposta coletiva, porém, permito-me fazer uma reflexão. Aquela não ficou marcada como uma geração perdedora. Todos os integrantes da Seleção de 82 foram vencedores nos seus clubes. E nosso time ainda hoje é citado como exemplo de futebol bonito e objetivo. O sonho de muitos treinadores é ver suas equipes jogando como nós jogamos.
O próprio Guardiola, então técnico do grande Barcelona de Messi, Xavi e Iniesta, disse que sua equipe tinha semelhança com a Seleção Brasileira de 82. Chego a pensar que nosso time era mais objetivo do que o Barcelona, pois não demorávamos tanto tempo para buscar o gol. Eram dois toques, no máximo, por cada jogador, e logo vinha uma ultrapassagem, e logo alguém estava concluindo.
Às vezes me pergunto se realmente perdemos.
O jornalista Juca Kfouri me disse certa vez: “Vocês não perderam, vocês ganharam. Não trouxeram o caneco, mas deixaram um conceito de futebol para o mundo”.
É verdade. Naqueles cinco jogos do Mundial, fizemos tantas jogadas bonitas e tantos gols espetaculares que ninguém mais conseguiu esquecer. Nenhuma outra seleção que foi eliminada de um Copa é lembrada como aquela. E mesmo as vencedoras, talvez com exceção da Seleção Brasileira de 70, mereceram tantas homenagens e tantos elogios.
Antes da derrota para a Itália, tivemos vitórias verdadeiramente marcantes. No jogo contra a Argentina, atingimos quase a perfeição. E estávamos enfrentando o campeão mundial, reforçado de Maradona.