Dr. Osmar de Oliveira se foi. E com ele, uma rica história do jornalismo e da medicina esportiva. Muitas dessas histórias ele deixou registradas em um livro autobiográfico lançado, inicialmente, no segundo semestre de 2007, como um livreto intitulado “Causos do Esporte”, com distribuição exclusiva para médicos, feita pelo Laboratórios Ache. No início de 2008, ganhou mais causos e histórias e virou livro editado pela Companhia Editora Nacional. Muitos desses causos também podem ser acessados no site que Dr. Osmar alimentava frequentemente http://drosmar.band.uol.com.br/categoria/causos-do-esporte/.
Que ele era um corintiano apaixonado pelo clube, todos sabiam, até porque nunca escondeu de ninguém, nem mesmo quando passou a atuar como jornalista. Dr. Osmar de Oliveira era, como afirmou em depoimento no livro sobre o centenário do Corinthians (Corinthians, 100 anos de paixão, Editora Magma Cultural, 2010), “dos corintianos vivos estou em primeiro lugar em presença nos estádios”.
Mas você, leitor, imagina como essa paixão surgiu? E como ele “virou” jornalista por causa do Corinthians? É exatamente nesse texto sensacional que podemos ver, em detalhes, como tudo aconteceu.
E reparem que nesse mesmo texto, Dr. Osmar cita uma passagem pelo departamento médico do clube, também no basquete. E poucos sabem também que por essa experiência, Dr. Osmar acabou sendo o responsável pela participação de nossa maior estrela do basquete feminino, Hortência, em seu primeiro mundial. A história faz parte de uma biografia da atleta que não foi publicada.
Literatura na Arquibancada resgata esses dois textos, importantes para entendermos um pouco da importância deste médico, jornalista e ser humano extraordinário.
Texto Dr. Osmar para o livro
“Corinthians – 100 anos de paixão”
Por Dr. Osmar de Oliveira
Perdi a conta de quantas vezes vi o meu Corinthians jogar. Sem exageros, penso que dos corintianos vivos estou em primeiro lugar em presença nos estádios. Explico: além do fanatismo, igual a tantos outros corintianos, tive a sorte e a felicidade de estar nos estádios a serviço da medicina e da televisão.
Meu pai Antonio, exímio alfaiate, transmitiu-me essa doença. O rádio esportivo era seu companheiro inseparável...e meu também. Em 1950 – portanto, há 60 anos –, lá estávamos nós, no Pacaembu, num Corinthians x Vasco. Minha primeira vez num estádio. Chovia muito. Papai me ergueu nos ombros na Concha Acústica (o tobogã de hoje). Ingresso barato, mas assistia-se em pé. Vencemos de virada: 2 a 1, gols de Cláudio e Baltazar. Jamais esquecerei de Bino, Newton e Belfare; Idário, Touguinha e Hélio; Cláudio, Luizinho, Baltazar, Nelsinho e Noronha. Nessa época, o Corinthians jogava o campeonato paulista e o Torneio Rio-São Paulo. China, um grande amigo e também fanático, tinha um táxi Cadilac, fazia ponto na Praça da Sé. Qualquer jogo no interior (Campinas, Piracicaba, Mococa, Jaú, Lins, etc), em Santos e no Rio de Janeiro, lá íamos nós no Cadilac preto. China não cobrava nada, só se dividia o valor da gasolina. Essas aventuras duraram bem uns dez anos. No começo da década de 1960, papai não tinha dinheiro para todos os jogos, mas nas cidades mais próximas, íamos de ônibus.
Em 1966 (eu já estava na faculdade de medicina), comprei um exemplar da Revista do Corinthians, que voltava a circular, para continuar a antiga coleção. Vi alguns erros na revista, reclamei com o editor e acabei virando “repórter”. Minha primeira matéria foi a inauguração da capela do Parque São Jorge. Então, por obrigação profissional (que bom!), passei a ir de novo a todos os jogos. Ano seguinte, eu e o editor da revista lançamos o semanário Coringão. Em 1969, o presidente Wadih Helu me convidou para fazer parte do departamento médico do Corinthians (trabalhava no futebol amador, no basquete e na natação). Em pouco tempo, já estava no futebol profissional. Foram sete anos presente em todos os jogos do paulista, do nacional (que tinha 40 clubes), Copa Brasil (e excursões). Quando saí do Corinthians em 1976, no dia mais triste da minha vida, só pude assistir aos jogos da capital.
Dois anos depois (eu já estava na faculdade de jornalismo), fiz minha estreia na TV Gazeta, em 1981 fui para a TV Globo, depois Band, SBT, Manchete, PSN, TV Cultura, TV Record e agora na Band novamente. Nessa maratona, muitas vezes fui escalado para narrar ou comentar jogos do Corinthians. Quando não, e sempre que possível, lá estava eu (e ainda estou).
Com este resumo de minha presença em jogos do Corinthians, dá para perceber que não fui exagerado quando escrevi o primeiro parágrafo. Nem estou considerando jogos assistidos pela TV, porque quando eu comecei a ver de perto o Corinthians, a TV não existia.
Não quero nenhum mérito por estes números. Penso até que minha presença é obrigação.
Texto sobre Dr. Osmar para
a biografia sobre Hortência
Por André Ribeiro
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Hortência, no Higienópolis, Catanduva/SP. |
Era uma segunda feira tranquila e Hortência dirigia tranquilamente o seu Fiat pelas ruas de Catanduva quando de repente ao atravessar uma esquina bateu forte o carro em outro que cruzava a rua. Ao seu lado, o namorado José Paulo ficou atordoado com o impacto da batida. Hortência levou a pior: “Eu ia às 15h00 para Bauru, mas um pouquinho antes resolvi comprar algumas coisas. Eu vinha pela rua Pará e ia atravessar a avenida Brasil. Ali tem uma curva perigosa, o cara do corcel (José Mateus Zanelado) vinha chutado e houve a batida”. O acidente poderia ter sido muito mais grave, com um capotamento, se o carro de Hortência com o impacto não fosse arremessado contra um caminhão estacionado próximo ao local.
Para quem dependia das mãos para trabalhar, a notícia dos médicos da clínica Santa Helena, para onde foi levada após o acidente, não era nada animadora. Dedos fraturados na mão direita e um provável longo afastamento das quadras. Pior ainda foi saber que havia a necessidade de operar imediatamente.
Hortência desabou, ficou desesperada. O Brasil estava às vésperas de embarcar para a disputa do Campeonato Mundial. Sem acreditar no diagnóstico apresentado pelos médicos de Catanduva, Hortência tentou reverter o quadro. Dois dias depois, com um galo na cabeça e a mão cheia de dor, pegou um ônibus no início da madrugada junto com o namorado rumo a São Paulo para fazer exames mais detalhados e passar pela avaliação de um médico especialista. Era noite ainda quando os dois desembarcaram. Às 6 horas da manhã, ela já estava na rua Dr. Agostinho Gomes, no prédio do extinto INPS. De lá, ligou para o Dr. Osmar de Oliveira, que lhe pediu para que fosse direto ao Hospital Leão XIII, no bairro do Ipiranga. Com o braço na tipoia, Dr. Osmar levou-a até a sala 128 do setor de raio-X, tirou o gesso que fora colocado e ao ver o inchaço no local, ambos se desanimaram quanto à possibilidade de melhora para a disputa do Mundial.
Dr. Osmar não queria perder as esperanças antes de ver o resultado do raio-X. Enquanto aguardava ansiosa pelas radiografias, Hortência ainda comentou com o médico sobre seus antecedentes de acidentes: “Uma vez, eu estava num Maverick que capotou. Não aconteceu nada comigo. No ano passado (1978), cai da moto e machuquei um pouquinho só a perna. Agora, justo agora, foi acontecer essa da mão”.
O envelope amarelo com a radiografia chegou ao consultório. Dr. Osmar abriu, pegou a chapa, colocou-a no aparelho iluminado, olhou, viu e reviu e deu o seu diagnóstico.
Ansiosa, Hortência começou a se sentir aliviada: “Você teve fratura total no 3º e 4º metacarpio da mão direita, mas não há necessidade de operação. Normalmente, nesses casos, a consolidação se dá em 20 dias. A consolidação desses ossos é mais ou menos rápida. A cada dez dias vamos tirar novas radiografias, ver se o osso está fechando. E assim que estiver consolidado, vamos fazer fisioterapia quatro vezes ao dia”.
Conhecendo a fama da paciente, de irrequieta e obcecada por jogar a qualquer custo, Dr. Osmar foi além nas ordens para sua recuperação plena: “Nem que precise internar você, acho que vai dar tempo de viajar, pelo menos para jogar o Mundial na Coreia, sem tomar parte nos amistosos. Normalmente, em 20 dias você ficará boa. Agora, se não ficar, eu não vou deixar você ir. Não vou lhe arrebentar”.
Hortência saiu do hospital Leão XIII com o braço na tipoia, mas feliz da vida com a perspectiva positiva para sua recuperação. Era tudo que precisava ouvir para continuar acreditando em sua primeira participação em um Mundial. Hortência e a comissão técnica brasileira sabiam que a competição na Coreia do Sul não seria fácil, contudo, sabiam também que a ausência da poderosa equipe soviética e de outros países comunistas que não mantinham relações diplomáticas com o país sede, trazia esperanças maiores de bons resultados. Para Hortência, os dedos quebrados não seriam problemas. Se dependesse dela, entraria em quadra até mesmo engessada.
Contudo, os jogos amistosos, pouco antes do início da competição, contra as norte-americanas, nos Estados Unidos e a seleção japonesa, no Japão, deixaram o técnico brasileiro pessimista quanto a possibilidade de uma medalha. Foram derrotas contundentes, uma para os Estados Unidos por 109 a 65 e outra para o Japão por 71 a 38. Nem mesmo o fuso horário, dado como justificativa para o péssimo desempenho do Brasil contra as japonesas, às vésperas do início do Mundial animavam o treinador.
Quando a bola subiu ao ar em quadra, a expectativa de Barbosa se confirmou. Derrotadas pela França, logo na estreia, na fase preliminar na competição por 76 a 64, a seleção brasileira teve de se conformar em participar de um Torneio de Consolação, onde enfrentou equipes fracas como Bolívia, Holanda, Senegal e Malásia. Nem mesmo a vitória apertada contra a seleção do Japão, por 57 a 55, ainda na fase de classificação, animou o grupo brasileiro.
Hortência jogou os seis jogos do Brasil no torneio com uma bandagem, e apesar de voltar ao Brasil com apenas a nona colocação, poderia se sentir feliz por retornar como cestinha da competição com os 127 pontos anotados.
Sobre Dr. Osmar (de seu site http://drosmar.band.uol.com.br/historia/):
Enquanto fazia o curso de medicina na PUC de Sorocaba, escrevia no jornal Cruzeiro do Sul e participava dos programas esportivos da Rádio Cacique. Em 1966 passa a ser redator da revista do Corinthians e ao mesmo tempo do jornal Coringão.
Durante o curso de jornalismo na Faculdade Cásper Líbero em São Paulo, foi convidado por Roberto Petri para trabalhar na TV Gazeta e na Rádio Gazeta em 1978, durante a Copa do Mundo da Argentina. Era narrador de TV, comentarista da rádio e participava da Mesa Redonda com Petri, Milton Peruzzi, Zé Italiano, Peirão de Castro, Rubens Pecci, Dalmo Pessoa, José Silveira, Geraldo Blota e Sérgio Baklanos. Formou-se em jornalismo no ano seguinte. Em 1980 passou a ser locutor da TV Globo e depois de três anos foi para a TV Bandeirantes tendo sido o primeiro narrador do Show do Esporte na equipe de Luciano do Vale que tinha ainda Juarez Soares, Jota Jr, Elia Jr, Eli Coimbra, Luiz Ceará, Eduardo Savóia, dentre outros.
Em 1986, convidado por Sílvio Santos, vai para a TVS ( hoje SBT) para comandar a equipe de esportes que tinha Juca Kfouri como comentarista e Jorge Kajuru como repórter. Após a Copa do Mundo do México, volta para a Band para cobrir os Jogos Olímpicos de Seul e em seguida passa a chefiar em São Paulo a equipe de esportes da TV Manchete (hoje Rede TV), onde trabalhou com João Saldanha, Paulo Stein, Márcio Guedes, Alberto Léo, Antonio Pétrin, José Carlos Conti e Mariana Godoy.
Em 1992, retorna ao SBT ao lado de Juarez Soares, Orlando Duarte, Silvio Luiz, Luiz Alfredo, Oscar Ulisses , Nivaldo Prieto, Eli Coimbra, Antonio Petrin, etc. Em 1999, trabalhou na PSN, emissora americana de canal fechado no Brasil e em 2000 tem rápida passagem pela TV Cultura no programa Cartão Verde, junto com Juarez e Flávio Prado. No mesmo ano começa seus trabalhos na TV Record, como locutor, comentarista e apresentador. Fica 7 anos nos programas Debate Bola e Terceiro Tempo comandados por Milton Neves. Em agosto de 2007, é convidado a voltar para a TV Bandeirantes.
O Dr. Osmar de Oliveira é o único jornalista esportivo que trabalhou em todos os canais de TV aberta em São Paulo.