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Juízo, Torcida Brasileira!

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O fato de ter escrito um livro com o editor deste blog, não afetará em nada do que será dito a respeito desse cidadão. Vladir Lemos acaba de ter mais um livro publicado: “Juízo – Torcida Brasileira!” (Editora Realejo). Trabalhamos juntos, durante vários anos, na TV Cultura, e sem medo de errar, sempre lhe dizia que um dia aquelas mãos seriam as de um escritor. Um dos melhores repórteres da TV brasileira, com sensibilidade ímpar. Assinar uma obra com ele foi apenas a “cereja do bolo”.


A Magia da Camisa 10 (Verus Editora), correu o mundo, publicado em alguns países desse planetinha obsceno. Não nos trouxe riqueza, somente orgulho da cria parida a quatro mãos. Agora, as mãos de Vladir, escreveram em conta gotas, na reflexão do dia a dia sobre o futebol, crônicas saborosas, várias publicadas no seu blog http://blogdovladir.blogspot.com.br/. Por isso, se você, leitor, achar pouco o que irá ler aqui, fique a vontade para se deliciar com as linhas criadas por Vladir Lemos, no livro, no blog e por aí. Esse, conhece!




O futebol que imita a vida e vice-versa
Xico Sá

“Por uns quatro anos, tive o prazer de participar, ao lado de Vladir Lemos, do “Cartão Verde” (Cultura), um dos mais resistentes e democráticos da televisão brasileira. Para completar a festa, tínhamos as companhias do doutor Sócrates e do Vítor Birner.

A mesma elegância usada para comandar o programa, Vladir aplica neste livro. Tive a honra de selecionar as crônicas, a partir da sua vasta produção para “A Tribuna”, de Santos, cidade que o autor divide com São Paulo.

Foi um trabalho difícil deixar alguns textos de fora. É do jogo de qualquer edição. O que ficou neste volume é muito representativo do que foi e do que é o nosso futebol nos últimos anos. Sempre com um olhar que foge daquilo que o centenário Nelson Rodrigues, nosso craque maior da crônica esportiva, chamava de “idiotas da objetividade”.

Muito ao contrário. Vladir olha pela lente do lirismo. Em algumas ocasiões, tem a capacidade de desfocar do jogo para vê o homem que está à frente de tudo, como na página em que conta sobre um torcedor embriagado que corria risco de vida nas arquibancadas do Parque Antártica diante das câmeras que preferiam a tragédia à mínima solidariedade humana.

Vladir sabe que uma partida de futebol tem uma complexidade que não permite apenas uma leitura. E para ler o absurdo que pode representar  uma peleja esportiva, sempre imitando a vida e vice-versa,  o cronista busca  na escrita maluca e genial de Luigi Pirandello a surpresa de enquadrar as coisas. 

Não é simplesmente o esquema tático que interessa ao autor. Ele foge o máximo dessa frieza. Porque sabe, como deixa patente, que “torcer é um tipo de esperança”. Porque sabe, e deixa evidente em uma imagem bonita, que “o futebol está nu” diante de incontáveis câmeras na cobertura de uma partida.

Outro ponto marcante do livro é um certo enfado com o futebol tosco. Na convivência com o doutor Sócrates, esse aspecto foi sempre ressaltado. O craque do Botafogo de Ribeirão Preto, do Corinthians e da Seleção Brasileira não tinha a menor paciência, muitas vezes não suportava dez minutos, de um jogo feio. Cada passe errado que via doía no coração, como o amigo lerá em um dos mais comoventes textos desta coletânea.

Boa leitura a todos.”

Literatura na Arquibancada destaca abaixo duas crônicas de Vladir Lemos:

Um olhar sobre a história

Os dias têm me insinuado que ver o tempo passar e não se render ao saudosismo é um desafio dos grandes, muito maior do que esse que o Corinthians acaba de encontrar ao iniciar sua saga pela Série B. O futebol é uma boa prova disso, mas não é a única. Tá cheio de gente por aí, debruçada sobre as referências do passado como se ele ainda fosse possível. E o pior, é que essa insistência em comparar épocas distintas só ajuda a deixar ainda mais evidente a pobreza dos gramados atuais.

Nesta hora, os saudosistas já devem estar bradando algo como: “Quem esse moleque pensa que é? Diz isso porque não viu Pelé jogar!”. Tá certo, não vi mesmo, mas que culpa tenho por não ter nascido antes?

Saibam que isso não me alegra nem um pouco. Ao tocar no assunto, quase não me perdôo, por jamais ter perguntado ao meu pai, se um dia, ele me levou a um estádio em que se apresentava o Rei. Ainda que minha memória não tenha gravado um único flash do acontecido, a confirmação me confortaria.

Saudosistas, fiquem calmos, ninguém será capaz de apagar o virtuosismo e a elegância de um Nilton Santos, de um Didi ou de um Zizinho.

Ninguém será capaz de ameaçar aqueles que por meio da bola ganharam outra dimensão.

E olha, dizer que nunca pude ver Pelé jogar, não é uma verdade absoluta. Lembro muito bem do dia em que o CT do Santos foi inaugurado. As traves virgens aguardavam, claro, o Rei. Ainda posso ver a cena. Pelé chegou, segurou a bola. Mirou a luz do sol. Indicou o melhor lugar para o batalhão de fotógrafos e cinegrafistas. E, então, soltou a bola no chão e, narrando seus próprios movimentos, a chutou de encontro à rede. Deu até Jornal Nacional. E eu nunca mais esqueci aqueles segundos. Acho até que não seria muito diferente se o craque em questão fosse o Pagão ou o Garrincha.

Fazer o quê? Nessa vida não se pode tudo.

Mas, esta semana, ao ler o artigo escrito por José Miguel Wisnik para a revista Piauí, intitulado “São Vicente e Pelé”, vivi o inverso desse sentimento de limitação temporal.

Nas palavras do ensaísta embarquei num passeio delirante pelo futebol da Baixada Santista das décadas de 50 e 60. E nelas encontrei o Continental, o Beija-Flor, o Itararé. Times que eu vi jogar, como o Paulistano, onde o clima era sempre de rivalidade pura. Esses esquadrões cravaram nas minhas lembranças lances inesquecíveis, e gols que alegraram muitos domingos.
Então, em silêncio comigo, inundado por uma saudade imensa, pensei. Talvez não os tenha visto no auge, mas vi, ô se vi.

Da vida dos Reis

Da vida dos Reis costuma-se exaltar os grandes feitos, conforto, as facilidades da nobreza, as muitas mordomias. Tudo normal, quando o mundo, de tanto girar, fez desses nobres personagens fáceis.

Que Reis nos sobraram? O Juan Carlos, da Espanha? O que não se fala é que ao longo da história grande parte dos reis não teve vida fácil. Morriam cedo. Muitos passaram a maior parte da vida em meio a batalha ferozes, dormindo em camas de camas de campanha, cercado de homens e de uma realidade imunda. Assim, e só assim, conseguiam reafirmar a condição de líderes e manter a honra.

Metaforicamente com o Rei do Futebol não foi diferente. Lembro que uma década atrás, quando completava 60 anos, Pelé concedeu uma entrevista a uma rádio. Depois de cumprir o compromisso por lá, se entregou a um bate-papo em clima amistoso, como sempre, com os jornalistas que naquele dia tinham a missão de ouvi-lo e, mais importante, tinham a informação de onde ele estaria.

Recordo também que no final do encontro, quando o pessoal já dispersava, eu, e se não me engano, o Luciano Faccioli, estendemos um pouco a conversa e tomamos a liberdade de brincar com o fato de sua majestade não ter um único fio de cabelo branco. Usaria o rei uma tintura?

Nada como estar diante de um Rei diferente. Dessa vez, perto de completar 70 anos, Pelé decidiu não falar. Quantas perguntas sobre o tema fariam sentido?

Sinto, porque por outro lado, a idade costuma das aos homens uma lucidez impressionante. Além do mais, uma chance a menos de falar com o Rei será sempre uma chance a menos.

Mas queria dizer que parte dessa lucidez percebi na entrevista que Pelé concedeu na última sexta durante o lançamento de um programa educacional-esportivo. Disse, por exemplo, que chegou a dizer para Neymar que “o dom do futebol a gente ganhou de Deus. Mas o resto é a gente que tem que cuidar. A gente tem que cuidar da condição física”.

Acho até que isso pode explicar aquela ausência de cabelos brancos nessa divindade. Há quem diga ainda que Pelé foi muito ajudado pelo fato de ter brilhado em uma época em que a televisão já se fazia presente. Não entro nessa. Se pouco vi Pelé, imagina os que vieram antes dele. Respeito os homens pela história que deixam. Não é fácil construí-las.

O que sei do Rei é que poucas vezes na vida encontrei alguém com tamanha capacidade para lidar com a fama. Certa vez, quando o Santos inaugurava o CT ali perto da Santa Casa, percebi que não havia uma bola no locar.

Sim, o Centro de Treinamento estava sendo erguido. Perto do desespero, implorei a um guri que se amontoava entre os fotógrafos e cinegrafistas para que arrumasse uma bola. O menino deu conta do recado. Quando o Rei chegou, olhou aquela multidão de sedentos por imagens e declarações, mirou o sol, e decretou:
“Quem está com câmeras vai para lá. A luz está melhor para lá”.

Ordenou que todos se posicionassem atrás de um dos gols. E com a bola debaixo de um dos braços caminhou lentamente até a linha imaginária do meio-campo, que também não existia. Colocou a bola no chão e veio com ela dominada, narrando sua trajetória até o chute derradeiro. Finalizou dizendo:

– “Lá vai Pelé! É gol!!!”

Foi ao fundo da rede, pegou a bola e saiu dizendo: “O primeiro gol aqui nesse lugar foi eu que fiz!”

E eu nunca mais esqueci como era diferente de tudo ver Pelé fazer um gol.

Sobre o autor:
Vladir Lemos começou a carreira no início da década de noventa como repórter da TV Tribuna, na cidade de Santos. É autor de livros e documentários. Trabalhou como repórter e apresentador do programa "Grandes Momentos do Esporte, da TV Cultura, de São Paulo, onde atualmente apresenta o programa "Cartão Verde".

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