São poucas as publicações na literatura esportiva voltadas para as crianças. E quando surge um lançamento importante, Literatura na Arquibancada está de olho.
E a dica imperdível é o livro Ora Bolas!, que reúnehistórias sobre o universo do futebol, narradas do ponto de vista da criança.
A autora é Selma Maria com ilustrações de sua filha Nina Anderson. O livro mostra como o futebol está presente na cultura nacional e se expressa nas mais diversas e divertidas situações do cotidiano.
Selma Maria é palmeirense “de verdade”, basta ver de onde surgiu essa paixão:“Sou uma amante verde e branco do futebol desde Dudu, Chevrolet e Ademir da Guia”.
Literatura na Arquibancada destaca abaixo um dos textos do livro.
Sinopse (da editora):
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Arte: Nina Anderson |
Pisar na bola, dar bola fora, pendurar a chuteira são termos próprios do universo do futebol que, de tão compartilhadas, incorporamos ao nosso vocabulário e utilizamos em contextos dos mais variados. Em Ora bolas!, publicado pelo Tordesilhinhas, Selma Maria potencializa essa característica nacional e incorpora muitas outras palavras a esse meio ao brincar com seus sentidos.
Selma cria e recria significados, como nos contos Quilombolas e Mané. São resignificações divertidas. Afinal, para quem aprecia um bom futebol, ser chamado de mané é antes de tudo um elogio. É o que pensa o menino que, no livro, ao ser chamado de mané por uma garota, afirma confiante: “Hoje Mané, amanhã Garrincha”.
As ilustrações de Nina Anderson dão um tom vibrante e marcadamente brasileiro ao livro, que reúne 14 textos escritos a partir do ponto de vista da criança: do menino que joga bola no campinho esburacado com a cabeça na lua, da menina que sonha em ganhar uma bola no Natal, do menino que só dava beijo de escanteio e da menina que tem a cabeça da boneca arrancada pelo irmão após um lance sujo no jogo. Olhares particularizados que trazem em si uma paixão comum: o futebol.
Ora Bolas!
Por Selma Maria
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Arte: Nina Anderson |
Sua irmã fez o gol que queria. Para ela, um golaço. Só porque o chute dele acertou a cabeça daquelas bonecas que viviam rindo por nada. Só porque ele destruiu toda a casinha que estava arrumada no meio do campo, ou seja, no meio do quintal.
Apesar de lindo, o gol da irmã começou com um lance sujo. Com as mãos na bola, ela o driblou com toda a ginga de seu pequeno corpo de bailarina. Ele só teve tempo de ver a gorducha riscar o ar, passar por cima do muro e cair no canto direito do quintal do seu Jurandir, diante do Goleiro, o cachorro contratado pelo vizinho ranzinza para atacar as bolas da molecada. Ora bolas!
Vermelho de ódio, decidiu descontar a raiva arrancando a cabeça da boneca da irmã. Escolheu a mais feia. Os fios loiros do cabelo estavam todos virados para cima, duros. Parecia que ela tinha levado um choque elétrico. Puxou com força, apertou a bochecha gorda e sorridente. Já era feia, virou uma monstra. Nada de a cabeça sair. Tentou pelos cabelos, como as meninas fazem quando brigam. Ora bolas!
Quando finalmente conseguiu arrancar o cabeção, olhou o buraco lá dentro e enxergou os pés pelo avesso, um vazio escuro. Se eles jogassem bola, seriam mais iluminados. Era engraçado ver a boneca assim oca, sem nenhum pensamento.
Aqueles olhos bem abertos que tudo olhavam, mas nada sentiam. Que nunca sentiriam a emoção de fazer um gol. Bonecas! Que coisa mais sem graça ficar penteando cabelo, ajeitando com carinho! Ajeitar com carinho, só a bola na hora de bater uma falta, um escanteio, um pênalti.
Olhando para a cabeça feia, gorda e despenteada, teve uma ideia de craque. Correu para o campinho da rua e pimba na gorduchinha! O chute saiu torto, pois a cabeça desmiolada a nada obedecia. Com uma bola assim, quem precisa de goleiro?
Ora bolas!
Sobre Selma Maria:
Nasceu em São Paulo, em 1965, e estudou artes plásticas na FAAP. Desde 1986 trabalha como arte-educadora e tem viajado pelo Brasil observando como a criança se relaciona com o mundo, seus brinquedos, movimentos, pensamentos; como aprende as coisas e cria sua linguagem. Ela trabalha no Projeto Brincar do Cenpec e em outros projetos educacionais, ensinando poesia e brinquedos para os professores da rede pública. Já publicou três livros de poesia: Um pequeno tratado de brinquedos para meninos quietos, Isso Isso e Um pequeno tratado de brinquedos para meninos quietos da cidade, Superimã e o mar, A menina que nunca terminava nada.
Selma ama futebol e costumava frequentar os estádios junto com os pais e os irmãos. Para escrever este livro ela contou com a parceria preciosa das pessoas que mais ama na vida: a filha, Nina, que fez as ilustrações, e o filho, Camilo, que foi seu assessor técnico. Camilo tem no sangue o amor pelo esporte trazido pelo pai, o ciclista Cleber Anderson, que lhe ensinou os primeiros passes e os jogos de rebatida que disputavam na sala nos dias de chuva, quando não era possível jogar bola no campinho.
Sobre Nina Anderson:
É filha da Selma, nasceu também em São Paulo, em 1992. Desde pequena ela sente o mundo com mais atenção e gosta de desenhar, cantar e dançar. Com 17 anos fez sua primeira viagem sem a família e foi para a França, onde conheceu a ponte do Van Gogh, do Monet, do rio Sena. Mais tarde foi para a Espanha ver os contornos do Gaudí e para a Alemanha, onde encontrou as galerias alternativas de Berlim. Ela estuda artes visuais no Instituto de Artes da UNESP e este é a quinta história que conta com linhas e cores que não se desgrudam! As outras foram Um pequeno tratado de brinquedos para meninos quietos da cidade, Alice, Superimã e o mar, A menina que nunca terminava nada.
Sobre o Tordesilhinhas
Criado em 2011, o selo Tordesilhinhas tem como proposta divertir e estimular as crianças a desenvolver a imaginação e a ver no livro um companheiro de viagens e brincadeiras para toda a vida. Sem perder de vista também o aspecto pedagógico, as publicações do selo trabalham ainda valores e temas educacionais.