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O futebol no dia internacional da literatura infantil

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No país onde o futebol é o esporte número um de quase todo brasileiro, a literatura infantil poderia e deveria ser muito mais explorada do que efetivamente acontece hoje e sempre. Em um país onde existem diversas campanhas para formação de novos leitores temos a certeza de que se livros da literatura esportiva, especialmente aqueles que utilizam o futebol como pano de fundo, fossem mais utilizados, nas escolas, em casa, nos clubes, e, principalmente, nas livrarias, teríamos, com certeza, o despertar do interesse pela literatura de uma maneira geral, esportiva ou não.

2 de abril é o Dia Internacional do livro infantil. 

A data foi escolhida em homenagem ao dia do nascimento do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen, um dos que mais escreveram sobre o gênero. 

Entre as histórias mais famosas estão “O patinho feio”, “O soldadinho de chumbo” e “A pequena sereia”.

A literatura infantil surgiu no século XVII com o propósito de educar as crianças moralmente. 

Com o tempo a literatura infantil e as histórias surgidas com ela tornaram-se ferramenta poderosa para o aprendizado e a reflexão de diversos valores do cotidiano das crianças. 

Uma ferramenta que passou a desenvolver o imaginário dos pequenos leitores.

No Brasil, também temos uma data importante para comemorar o dia do livro infantil. Dezoito de abril, dia do nascimento de Monteiro Lobato. Curiosamente, ele, Lobato, foi um fiel defensor do futebol quando da juventude dele e do esporte. Em 1905, quando tinha 23 anos e o futebol, 11 de existência, Lobato escreveu:

"Não se pode dizer que o futebol seja o fator da formidável raça anglo-saxânica, porque ele é um filho dela. Mas não errará quem afirmar ser esse um bom filho um dos conservadores máximos  da energia imensa da sua loira mãe. E na verdade o futebol é o estimulante mais poderoso que entre os fortes estimulantes encontra o sangue anglo-saxão.

É por isso que se tornou ele o esporte nacional da Inglaterra e da terra Ianque. Nos colégios, no Exército, na Marinha, em toda e a toda hora joga-se o futebol, religiosamente, como quem cumpre um dever. 

É um ritual, quase. Vêm daí em parte, as eminentíssimas superioridades do inglês. Porque o futebol dá em primeiro lugar uma grande força física.

Dá resistência, dá tática. Dá agilidade. Dá calma, sobretudo nas emergências mais escabrosas. Dá golpe de vista pronto, seguro e firme.

Monteiro Lobato
Dá energia moral, porque a energia moral é quase sempre um reflexo da energia física. Dá iniciativa. Dá confiança em si próprio.

Dá responsabilidade. Os porquês da tantos "dás"? Dá energia muscular porque o jogo movimenta a musculatura do corpo, os músculos do pé e da perna em primeiro lugar, e os do torso e do pescoço em seguida.

Essa energia cria resistência, é lógico, uma sendo recíproca da outra. Dá tática porque nas múltiplas fases dum ataque ou duma defesa, num dribling, inesperado, num chute falho, em qualquer das mil peripécias da luta, o espírito dos foot-ballers, pela tensão prolongada de todas as suas faculdades, acarreta o aperfeiçoamento da mais necessária e da de mais evidência, a presteza da percepção, a tática. (...)

E assim mil outras faculdades morais e qualidades físicas este precioso jogo aprimora. (...) Rimos (o brasileiro reacionário e conservador) alvarmente de quem afirma que um esporte como este é mais fecundo em benefícios para o presente e para o futuro  da nossa raça do que todas as academias de Direito, todos os grupos escolares somados, multiplicados e elevados à décima potência. Mas a resposta-rolha ao nosso boçal risinho está no ianque e no inglês, esses modernos Alexandres , conquistadores de tudo, ante os quais os povos se curvam. (...) Um ditador que tomasse conta desta República (o Brasil) e acabasse com as fábricas de bacharéis e normalistas, substituindo-os por severos teams de futebol, faria mais pelo Brasil que as dez gerações de Feijós, Zés Bonifácios e Cotegipes e demais estadistas que nos têm governado". 

Curiosamente, mais tarde, quando já era “adulto”, Monteiro Lobato se tornou um ferrenho crítico do futebol, como revela o biógrafo do escritor, Edgar Cavalheiro: "'O futebol', escreve Monteiro Lobato a Godofredo Rangel, 'empolgou-me de corpo e alma; escrevo crônicas de futebol e jogo. O futebol apaixona e contunde.' Em dois longos artigos Lobato extravasa seu entusiasmo pelo novo esporte, estimulante poderoso, dá resistência, tática, agilidade (...) E dá também, acrescentamos nós, contusões. O que leva Monteiro Lobato a abandoná-lo às primeiras caneladas. Nunca mais jogou e quando adulto manifestou sempre o maior desprezo pelo jogo. Pode afirmar que o futebol em Lobato não passou de um ligeiro 'sarampo da mocidade'”.

A literatura infantil que se utiliza do futebol como ferramenta de aprendizado para as crianças brasileiras é grande, mas, infelizmente, muito mal aproveitada. Ruth Rocha, por exemplo, uma das autoras de livros infantis que mais vendem no país tem em “Marcelo Marmelo Martelo” uma passagem sensacional:

(...)

“...Daí a alguns dias, Marcelo estava jogando futebol com o pai: — Sabe, papai, eu acho que o tal de latim botou nome errado nas coisas. Por exemplo: por que é que bola chama bola?


— Não sei, Marcelo, acho que bola lembra uma coisa redonda, não lembra? — Lembra, sim, mas... e bolo? — Bolo também é redondo, não é? — Ah, essa não! Mamãe vive fazendo bolo quadrado...O pai de Marcelo ficou atrapalhado.


E Marcelo continuou pensando: "Pois é, está tudo errado! Bola é bola, porque é redonda. Mas bolo nem sempre é redondo. E por que será que a bola não é a mulher do bolo? E bule? E belo? E bala? Eu acho que as coisas deviam ter nome mais apropriado. Cadeira, por exemplo. Devia chamar sentador, não cadeira, que não quer dizer nada. E travesseiro?Devia chamar cabeceiro, lógico! Também, agora, eu só vou falar assim".

Ruth Rocha também escreveu outra história fantástica que demonstra bem valores que podem ser utilizados com o tema futebol como pano de fundo. Em “Faca Sem Ponta Galinha Sem Pé”, a autora cria os personagens Maria e Pedro, onde o preconceito da menina jogar futebol é discutido de uma maneira inteligente. Abaixo reproduzimos apenas o início da história, mas se quiser saber o final, acesse: http://www2.uol.com.br/ruthrocha/historias_19.htm

Esta é a história de dois irmãos.
Com eles aconteceu uma coisa muito esquisita, muito rara e difícil de acreditar.
Pois eram dois irmãos: um menino, o Pedro. E uma menina a Joana.
Eles viviam com os pais, seu Setúbal e dona Brites.
E os problemas que eles tinham não eram diferentes dos problemas de todos os irmãos.
Por exemplo...

Pedro pegava a bola para ir jogar futebol, lá vinha Joana:
- Eu também quero jogar! 
Pedro danava:
- Onde é que já se viu mulher jogar futebol?
- Em todo lugar.
- Eu é que não vou levar você! O que é que meus amigos vão dizer?
- E eu estou ligando pro que os seus amigos vão dizer?
- Pois eu estou. Não levo e pronto!

Joana ficava furiosa, batia as portas, chutava o que encontrasse no chão, fazia cara feia.
Dona Brites ficava zangada:
- Que é isso, menina? Que comportamento! Menina tem que ser delicada, boazinha...
- Boazinha? Pois sim! - respondia Joana de maus modos.

Às vezes Pedro chegava da rua todo esfolado, chorando.
- Que é isso? - Espantava-se seu Setúbal. - O que foi que aconteceu?
- Foi o Carlão! foi o besta do Carlão! Me pegou na esquina - choramingava Pedro. 
Seu Setúbal ficava furioso:
- E você? O que foi que você fez? Por acaso fugiu? Filho meu não foge! Volte pra lá já e bata nele também. E vamos parar com essa choradeira!
Homem não chora!” (...)

Existem inúmeras opções de livros e autores que se utilizam do futebol na literatura infantil. A editora Cosac Naify, por exemplo, lançou "Ora Bolas", um livro ilustrado com CD de músicas compostas por Paulo Tatit e Edith Derdyk, que nada mais é do que uma viagem ao mundo da bola.

Como diz a sinopse da editora: “A bola que está no pé do menino, que mora na casa, que está na rua, dentro da cidade...

O limite para o jogo é o espaço sideral. Numa seqüência de perguntas e respostas, que lembra a embolada nordestina, o coro infantil dá ritmo a essa infinita partida de futebol. 

Como o enfrentamento de duas torcidas. Andrés Sandoval criou ilustrações que se desdobram pelo livro, acentuando o efeito de continuidade da embolada e os malabarismos da letra manuscrita.”



Vale a pena ver e ouvir a bela canção...


Outra história surgida nas páginas da literatura infantil utilizando o futebol e que por pouco não ganha até mesmo o primeiro Oscar de Hollywood foi o livro escrito por José Roberto Torero, “Uma história de Futebol” (Objetiva). Trata-se da história de nada menos do que o maior jogador do planeta, por um “acaso” um brasileiro chamado Pelé. O livro ganhou prêmios dos Estados Unidos à Índia e disputou o Oscar de Melhor Curta-Metragem de 2001.

Zuza é um menino como tantos outros. Adora se reunir com os colegas para uma partida de futebol. Mas, quando chegamos às páginas finais de Uma história de futebol, percebemos que, na verdade, Zuza não é como os outros. 

Afinal, você conhece algum outro menino que tenha jogado futebol com Pelé?

Zuza jogou. 

E era o melhor amigo de Dico, apelido de infância de Edson Arantes do Nascimento, que, ao crescer, ficou famoso nos quatro cantos do mundo como 'O Rei Pelé'.


Pelé, primeiros chutes no futebol. 
Esta novela, como bem define Ana Maria Machado, trata de começos. Começo de vida nova, começo de carreira. Mas nela nada é exatamente o que parece à primeira vista. Como se de algum modo houvesse um jogo de revelar e ocultar, uma brincadeira de esconde-esconde. O jeito é entrar no jogo e ir descobrindo aos poucos.

Enquanto vamos recolhendo as pistas, descobrindo o encoberto, nos deliciando com as aventuras desta turminha de Bauru, o tempo vai passando na vida de Zuza, Dico e demais garotos.

Dico, como todos do time Sete de Setembro desconfiavam, levava mesmo jeito para a bola. Ou, como escreve Torero, "a bola gostava dele". E deu no que deu: o maior de todos os tempos dentro das quatro linhas.

Já Zuza foi trabalhar numa grande empresa. E, certa vez, para curar a tristeza do amigo Paulo Machline, após uma derrota do Santos, resolveu contar-lhe uma história... Machline, diretor de cinema, transformou a história em filme, com roteiro de José Roberto Torero.”

É fácil perceber por esses poucos exemplos que o Literatura na Arquibancada traz que a literatura infantil poderia e deveria ser melhor explorada. 

Mas há também um outro lado nessa história que o escritor mineiro Léo Cunha expõe de forma brilhante em texto publicado alguns dias atrás em sua página do Facebook. 
Constatações conhecidas só mesmo por quem tenta viver da literatura no Brasil. 

Vale a pena a leitura.



Como (não) funciona a literatura infanto-juvenil no Brasil – 13 apontamentos insolentes

Por fora da Copa

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Um livro com olhar diferente sobre o maior evento do futebol mundial. Em época de “desova” de títulos sobre o tema Copa do Mundo, “Por fora da Copa” (Editora Dublinense) aparece como uma “grande sacada”. 

O autor, Eduardo Menezes, já havia ousado antes, em 2010, quando lançou outro “guia” diferente sobre o tema Copa do Mundo, com “A Copa que interessa”, também da editora Dublinense e que o Literatura na Arquibancada recomenda (http://www.dublinense.com.br/livros/a-copa-que-interessa/).






Sinopse (da editora):

Um guia da Copa sobre: crises de crédito, linguística, sexo, maconha, xadrez, televisão, arrocho salarial, medo da vitória, revolucionários, Mona Lisas, placas tectônicas, psicologia barata, máfias, reis, neve, filipinos, leis de mercado, racismo, estrangeirismos, diplomacia, primavera árabe, expedições, ursos, guerras, imigrantes, xamanismo, narcisismo, macumba, tango, hinos, burocracia, aiatolás, fogueteiras, maioridade penal, jogos arranjados, presidentes exilados, cartolas, doenças coronárias, passaportes — e um pouco de futebol.

O futebol é um saco. Ao menos o que acontece dentro de campo.

Principalmente porque algumas das histórias mais interessantes e bizarras e dos fatos mais curiosos que esse esporte é capaz de produzir acontecem bem longe dos estádios.



São, muitas vezes, estopins de guerras, catalisadores de tratados de paz, o que faltava para a união de um povo ou para a separação de um país, retratos da cultura de um grupo ou até mesmo a desculpa perfeita para os mais impensáveis absurdos.

Com descompromisso e bom-humor, este guia prova que talvez o futebol não explique o mundo. 

Mas que ele dá uma boa pista, disso não há dúvida.

Capítulo da obra

A expedição
Por Eduardo Menezes

Até 1950, o Brasil já havia vivido o ciclo do ouro, do açúcar e do café. Quando, naquele ano, o Uruguai conquistou a Copa vencendo nossa seleção por 2 a 1 em um Maracanã lotado por duzentas mil pessoas, começaríamos a viver o ciclo do futebol. O silêncio do estádio e do país inteiro indicava que era preciso entender por que aquele esporte nos unia tanto, ainda mais em um momento de dor. Começava então uma expedição para entender o jovem Brasil e talvez encontrar a cura para a tristeza através da bola. Este processo dá sinais de estar se encerrando justamente agora, quando sediaremos de novo uma Copa do Mundo.

A nação que organizou a Copa de 50 era um país essencialmente rural e com a metade da idade republicana que tem hoje. A unidade federal não existia, e as rivalidades regionais entravam em campo. Na partida contra a Suíça, realizada em São Paulo, dirigentes paulistas exigiram que a escalação da seleção fosse alterada para prestigiar os jogadores locais. O time, que era praticamente formado por cariocas, atuou desfigurado e ficou em um modesto 2 a 2 contra os europeus. Por sorte, este foi nosso único jogo longe do Rio de Janeiro, e os melhores logo voltaram a ser escalados. Rixas idênticas já haviam atrapalhado o time nas Copas de 30 e de 34, sinalizando que deixar desavenças como essas para trás era o ponto de partida.

O esforço de nacionalização do esporte funcionou. Tanto que hoje o futebol é o único dos estereótipos que nos une como país. Não somos todos do samba, tampouco todos mulatos, mas cada um de nós é um pouco futebol. Enquanto os ritmos musicais e as etnias se confundem de região em região, qualquer canto do Brasil tem futebol como um dos pilares sociais. E se por um lado o esporte segue fazendo parte da formação dos jovens e da diversão dos adultos, a seleção brasileira parece estar cada vez menos presente nessa rotina. Sua representatividade cresceu a partir de 1950, atingiu o ápice e começou a cair. Não significa que deixaremos de gostar do time canarinho, mas sim que ele parece cada dia menos importante.
Os sinais do processo podem ser vistos em nossas conquistas.

Na Suécia, em 1958, um time formado de jogadores vindos tanto do morro quanto do engenho venceu nossa primeira Copa do Mundo. A seleção desembarcou para uma festa pelas principais cidades do país em uma turnê que decretou feriados por onde passava. Estávamos, segundo Nelson Rodrigues, perdendo o complexo de vira-lata que nos fazia agir como cidadãos de segunda classe do mundo. A primeira de nossas cinco conquistas foi acompanhada apenas pelo rádio e por rolos de filme em preto e branco, o que não impediu a sintonia entre time e nação, sentimento bem diferente do experimentado em nosso título mais recente.

Em 2002, em um torneio realizado em conjunto pela Coreia do Sul e pelo Japão, um desacreditado Brasil fez uma campanha impecável para levantar a taça. Os jogos aconteciam entre a madrugada e o começo da manhã em nosso fuso horário, e por si só essa condição já convidava à desmobilização. O time campeão foi recebido com festa, mas a imagem mais lembrada de toda a comemoração é a do jogador Vampeta alcoolizado dando cambalhotas na rampa do Palácio do Planalto. Sem dúvida, a estrela conquistada em 2002 parecia brilhar bem menos que a de 1958.

O ponto de ruptura parece ter acontecido em 1982, exatamente o meio do caminho entre hoje e nosso trauma de 50. Naquela Copa, nosso time conseguiu jogar o mais próximo do que se idealiza como futebol brasileiro desde sempre. Uma equipe leve, que colocava muita beleza e plasticidade no jogo, sem se preocupar tanto em ser objetivo, mais artística do que os times vencedores de 58, 62 ou 70. A seleção que encantou o mundo com dribles e toque de bola em 82 foi derrotada pela Itália por 3 a 2, e os três gols do italiano Paolo Rossi não acabaram apenas com nossas chances, mas soterraram para sempre a unanimidade no Brasil.

De 1982 para cá, ainda seríamos campeões mais duas vezes, mas sempre divididos sobre como devemos seguir jogando. Metade acredita que devemos apostar na alegria do entretenimento, metade acredita que devemos atuar exclusivamente para vencer. Ao mesmo tempo que precisamos de jogadores criados no futebol de rua, tendo o improviso como principal arma, queremos atletas disciplinados taticamente, que marquem o adversário como marcam os europeus. Se antes as torcidas discutiam quem era melhor, hoje o conceito de melhor depende da função que o técnico vai dar ao atleta em campo. Enquanto não se encontra um lado para dar a razão, o gosto pela seleção vai desaparecendo. Seguimos unidos, mas não próximos a ponto de nos reconhecermos, exatamente como aconteceu no início dessa história.

Os finalistas que perderam para o Uruguai no Maracanã eram estranhos para muitos brasileiros, já que jogavam todos no centro do país. A maioria das pessoas que acompanhava a transmissão da partida nunca havia tido a chance de vê-los jogar e usava a imaginação para desenhar na mente os lances e os próprios atletas. Hoje, nosso time é formado por homens que jogam ainda mais longe, na Europa, e que foram para lá antes mesmo de ter idade para dar um beijo em suas namoradas. O êxodo de menores de idade criou um time do Brasil no qual alguns dos seus componentes nunca viajaram pelo país para jogar um Brasileirão, e para quem o Maracanã é tão estranho quanto seria para um croata.

Nossos jogadores são menos expedicionários e mais estrangeiros, e não é de se estranhar que cada vez mais alguns deles prefiram jogar por seleções das ligas onde atuam, como Espanha ou Itália.

Parte dos brasileiros não reconhece os jogadores em campo, e outra parte sequer reconhece a importância do Mundial. Dizer que vamos jogar a Copa em casa se tornou um conceito bastante relativo, e muitos torcem o nariz para a Fifa e para o modo como a preparação do torneio foi conduzida. Grande parte do país definitivamente não sofrerá caso uma derrota como a de 1950 se repita. Não porque deixamos de ser brasileiros, mas porque talvez estejamos curados.

Sobre Eduardo Menezes:
Nasceu em 1981, e a primeira Copa do Mundo que acompanhou com clareza foi a da Itália, em 1990. Apesar do começo traumatizante que foi ver o time de Sebastião Lazaroni jogar, desenvolveu já naquela época o gosto pelo esporte e pela cultura que o cerca. "Por fora da Copa"é o segundo guia para Mundiais do autor, que traz a mesma visão singular do torneio presente em "A Copa que interessa" (Dublinense, 2010). Além dos livros, Menezes já teve textos publicados por jornais e revistas brasileiras, como a Superinteressante e a Mundo Estranho, e foi notícia com seus projetos pessoais em praticamente todos os grandes veículos de mídia do Brasil.

Paixão S.A

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Marketing Esportivo: uma área cada vez mais estudada e com bibliografia cada vez maior no futebol mundial. Mas são poucos aqueles que vivem no “olho do furacão” do mundo dos negócios das grandes equipes brasileiras e mundiais que se atrevem a descrever soluções e métodos para o sucesso de uma equipe de futebol. Compartilhar as experiências vencedoras em um livro pode parecer incoerência em um país que o sucesso da equipe de coração está em jogo. “Dar o ouro ao bandido”, irão dizer os fanáticos torcedores.

Marcelo Guimarães, consultor de planejamento e gestão, botafoguense de coração, quebra esses paradigmas com o seu livro “Paixão S.A – Como anda o marketing do seu clube de coração?” (Editora CRV).

Sinopse (da editora):

O livro, publicado pela Editora CRV, aborda as técnicas capazes de enfrentar o dilema de promover marketing e boas práticas de gestão no ambiente turbulento e muito particular do futebol. “Desenvolvi toda a minha carreira na iniciativa privada em empresas de diversos segmentos de mercado e nada se compara a dinâmica enlouquecida do futebol. Depois de minha passagem pelo Botafogo, percebi que não tínhamos literatura em escala sobre o assunto e achei que poderia colaborar com o avanço da dinâmica corporativa dos clubes, organizando minhas práticas e visões a respeito do marketing e seus múltiplos desdobramentos no mundo da bola”, afirmou Marcelo Guimarães.

O livro aborda vários temas relacionados ao marketing nos clubes de futebol e propõe dar luz e estimular a reflexão, sobre um assunto, que segundo o autor, é tratado a base de muito improviso e descompromisso organizacional. “É claro que existem clubes que romperam as barreiras iniciais e que praticam marketing em bom nível, mas mesmo esses clubes ainda precisam avançar muito para produzir efeitos positivos em escala. E nos clubes que ainda não entenderam a importância do marketing, tem sempre um amigo criativo, que assume a responsabilidade de tocar o departamento, sem planejamento, nem estruturação organizacional”, dispara o autor.

Dentre outras coisas o livro indica como elaborar um plano estratégico, como estratificar o mercado consumidor da bola e como estruturar uma equipe de marketing. Fala ainda das relações do marketing com o futebol, relaciona os principais erros cometidos pelos gestores, menciona sobre como estruturar a operação de uma arena e reflete sobre os programas de sócio torcedor.

Assuntos em destaque: 

1) A Paixão – Quando esse sentimento é corporativo

(Como controlar esse sentimento incontrolável? Aproveitar seus bons momentos e atenuar possíveis efeitos negativos? Transformar esse estado emocional tão extremo em ganhos para sua marca e lucros para a sua empresa?)

2) BOM OU RUIM - PAIXÃO MOVIMENTA O MUNDO!

“A paixão (do verbo latino, patior, que significa sofrer ou suportar uma situação difícil) é uma emoção de ampliação quase patológica. O acometido de paixão perde sua individualidade em função do fascínio que o outro exerce sobre ele. É tipicamente um sentimento doloroso e patológico, porque, via de regra, o indivíduo perde parcialmente a sua individualidade, a sua identidade e o seu poder de raciocínio”.

3) PAIXÃO PELO PRODUTO: “Agora, imagina quando uma considerável parcela dos seus consumidores é APAIXONADA por seu produto. Como proceder diante de tal desafio? “Ninguém ama uma MARGARINA ou um BANCO”.

4) Boas-vindas

(Mais bombas, mais dúvidas, mais insegurança. A sensação de que algo maior acontecia, se acentuava, até que algum dos veteranos da área administrativa afirmou resignado: é a torcida). “Consumidor vira inimigo, detrator, quer te agredir.”

Eram 11 da manhã, bombas começaram a explodir dentro dos limites do casarão histórico. Corações sobressaltados e dúvidas desencontradas no ar. Os funcionários se levantaram assustados, quase em pânico. Os mais antigos faziam cara de entendimento sobre o que se passava, enquanto os mais novos tentavam entender os acontecimentos, com olhar frágil e inseguro. Bombas, mais bombas, explosões...

5) A GÊNESE DO PROBLEMA (A relação dos remunerados com os não remunerados)

A missão cumprida por esses clubes, de entreter, disputar competições populares e reunir a nata do estrato social das cidades, em um país que viu o futebol ascender a um status de paixão nacional, se sobrepunha a qualquer tentativa de questionamento de modelo de gestão. Um dos grandes desafios dos clubes de futebol é modernizar e dar eficiência a um modelo de gestão muito particular.

6 ) PROFISSIONALIZAÇÃO DO MUNDO DA BOLA

Contratar métodos e processos organizacionais testados e customizados ao formato dos desafios dos clubes de futebol é tão importante quanto cobrar bons profissionais do mercado. Refletindo em profundidade sobre a profissionalização da administração, relacionamos aqui os seis erros mais comuns cometidos pelos administradores de clubes de futebol no Brasil.

7) O mercado do futebol de massa - Análise do perfil do consumidor da bola

Existe uma tendência de desqualificar o consumidor do futebol, o que é uma lógica equivocada. Existe e impera, preguiçosamente na cabeça de pensadores do mundo da bola, um mito de que títulos e ídolos resolvem tudo. Além dos aspectos esportivos e mercadológicos, existem aspectos psicológicos que movimentam o dinâmico mercado do futebol de multidão e mapear e conhecer em detalhes o seu consumidor é o primeiro grande desafio para quem pensa em montar uma estratégia de marketing bem-sucedida. Qual o torcedor que nos vem à cabeça quando pensamos em futebol? Qual o melhor discurso para alcançar esse consumidor? Como tratar consumidores de diferentes faixas etárias e contornos socioeconômicos variados?

A briga agora é global. Recém-nascidos \ Crianças de 6 a 11 anos \ Adolescentes \ Jovens (de 18 a 30 anos) \ Os Novos Jovens (30 a 40 anos) \ Consumidor Pleno \ Consumidor Sênior \ Torcida Organizada \ Ex Consumidores.

8) Ambiente virtual – O novo universo do relacionamento humano

O que precisa ficar disso tudo é a insana necessidade de buscar novos caminhos, de experimentar e trabalhar com especial ousadia quando o tema é relacionamento humano virtual. Quem não entender que no ambiente virtual se desenvolve uma considerável parcela da vida dos adolescentes, jovens e adultos-jovens, vai perder muito negócio.

9) Interação do marketing com o futebol

Claro que o objetivo final de um jogador é jogar bola em alto nível e esse é o norte principal a ser considerado, mas sua capacidade de dar retornos adicionais ao clube tem que ser considerada.

Seedorf e o autor Marcelo Guimarães.
10 ) Como montar uma equipe de marketing para clubes de futebol

Um misto de ações que orbitam em torno de um planejamento estratégico elaborado coletivamente, um plano operacional claro, baseado em muito trabalho e talento. Um dos primeiros grandes dilemas que se apresentam quando avaliamos o desafio de gerenciar as ações de marketing de um clube de massa é qual o modelo a ser adotado na estruturação do staff executivo e operacional do departamento.

11) Plano Estratégico de Marketing – passo a passo

Esse é um fenômeno e um hábito que precisa ser considerado e entendido: o consumidor do futebol defende o seu produto. Um plano de marketing bem-sucedido precisa vir embasado de sólidos conhecimentos sobre o segmento, sobre a empresa e sua linha de produtos. Todo cuidado é pouco na formalização de suas convicções. Dispõe-se, nesse aspecto, de um arsenal de técnicas de coleta de informações que aumentam a chance de êxito.

12 ) Estratégias comerciais e principais ativos do clube

A antecipação de contratos e empréstimos com garantias relacionadas ao passe de jogadores são práticas características do mercado do futebol, com profundos efeitos sobre o patrimônio e o endividamento dos clubes. Estádio e seus ativos \ Produtos licenciados.\ Programa de Sócio Torcedor \ Espaço publicitário na camisa do time de futebol profissional \ Direito de transmissão e de imagem \ Compra e venda de atletas profissionais \ Formação de jogadores na base do Futebol.

13) Programas de Sócio Torcedor

Julguei importante também fazer um amplo levantamento sobre os principais programas de Sócio Torcedor do país e uma análise básica sobre suas principais características e desempenho o estímulo individual e coletivo ligado à decisão de aderir a um programa de sócio torcedor está vinculado a diversos fatores motivacionais. Os programas de sócio torcedor cresceram muito no Brasil nos últimos anos e passaram a integrar o rol de ativos capazes de gerarem receita previsível e em boa escala, além de estabelecerem um diálogo produtivo entre o clube e os seus torcedores.

14 ) Promoções com ídolos – a história e o consumidor juntos

Tenho uma profunda convicção sobre a importância da aproximação entre o ídolo e a torcida. Em tempos de consolidação das relações virtuais como uma condição do relacionamento humano, o encontro cara a cara com o craque ainda produz efeitos devastadores na cabeça do torcedor. Esse capítulo será inteiramente destinado ao relato de ativações promocionais específicas que fiz a frente do marketing do Botafogo. Entretanto, acredito tanto da adequação dessa aproximação que estou seguro de que vale para qualquer equipe, atleta e para todos os torcedores do mundo.

LOCO CONVIDA - O lançamento da camisa Celeste Alvinegra do atleta Loco Abreu;
O FEIJÃO NO FOGÃO ITINERANTE - evento alvinegro de relacionamento que passou a circular o Brasil, cooptando associados e fortalecendo vínculos nacionais com a torcida do alvinegro carioca.
CHEGADA DO SEEDORF – a maior recepção já realizada por um clube do futebol carioca a um atleta contratado. PRATAS DA CASA - o maior evento da história do futebol brasileiro envolvendo exclusivamente jogadores da base do futebol fora de um dia de jogo.

15 ) Estruturando sua arena como uma ferramenta de afirmação comercial

Temos uma longa tradição em frequentar arenas de futebol mal estruturadas. Costumo dizer que arenas como o velho Maracanã prestaram um grande serviço ao futebol mundial e um enorme desserviço na consolidação de um mercado de consumo relacionado a esses espaços.

Análise legal Estudo de acesso e sinalização
Análise da operação e dos serviços prestados
Estratégias de terceirização Praça de alimentação Estratégia de hospitalidade Pacotes Vips e lounges corporativos
Estratégia comercial (naming rights, circuitos publicitários etc)
Novo projetos e empreendimentos Reformas e adaptações

Sobre Marcelo Guimarães:
Marcelo Guimarães é carioca, criado no bairro da Urca, morador de Copacabana e totalmente apaixonado pelo que faz. Formado em Administração de Empresas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, com especialização em Marketing pela Fundação Getúlio Vargas e Marketing Digital pela Escola de Comunicação e Design Digital do Instituto Infnet, é consultor de planejamento e gestão, especialista em elaboração de projetos corporativos, palestrante, conferencista e professor da cadeira de Marketing Esportivo do MBA da Trevisan Escola de Negócios. Possui sólida experiência executiva adquirida trabalhando em grandes grupos nacionais e internacionais, dentre eles: C&A Modas, Aladdin Industries, Nutrícia Dietil, Scott Papper e Laboratório Merck. Além disso desenvolveu projetos em parceria com a Petrobras, Sebrae, Michelin, Valesul, Grupo Gerdau, Furnas e Faculdade de Economia da UFRJ. Durante quase cinco temporadas atuou como Diretor de Marketing e Comercial do Botafogo de Futebol e Regatas do Rio de Janeiro, sendo um dos 5 finalistas do prêmio Profissional de Marketing de Clubes no ano de 2011, promovido pela Pluri Consultoria, Trevisan Escola de Negócios e Agência FanClub.

Os clássicos do futebol brasileiro

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Um inédito e levantamento histórico dos maiores clássicos do futebol brasileiro. Este é o livro lançado pela dupla de amigos e pesquisadores do futebol, José Renato Santiago e Marcelo Unti: “Os clássicos do futebol brasileiro” (edição dos autores).

Um livro obrigatório para pesquisadores, jornalistas e leitores que adoram histórias e curiosidades sobre o clube do coração. Os autores “viajaram” no tempo, desde o princípio do século 20, até os dias de hoje. Um livro repleto de curiosidades, fatos e registros históricos que envolve o futebol de todos os 27 estados. São mais de 200 clássicos, mais de 1.000 histórias, emoções infinitas e rivalidades que se perpetuam a cada dia e alimentam a maior paixão do brasileiro: o futebol.

Apresentação
Por Maurício Noriega

Jogos comuns, vocês que me perdoem, mas os clássicos são fundamentais!

Muito da magia que faz do futebol o esporte mais popular do planeta tem origem nos clássicos, esse conjunto de partidas especiais cujos resultados muitas vezes são até mais importantes do que alguns títulos.

Qualquer torcedor que se preze certamente saberá dizer onde estava e o que fazia no dia em que se disputou determinado clássico entre seu time do coração e o maior rival. Isso se ele não estava no estádio, engrossando a multidão.

O clássico não é um jogo qualquer. Ele começa antes e termina muito depois do que os 90 minutos regulamentares. É num clássico que o garoto talentoso se transforma em adulto bom jogador. Clássicos constroem e destroem carreiras e reputações.

O futebol brasileiro é pródigo em grandes jogos. Dérbis, expressão emprestada dos criadores ingleses, ou o nosso clássico. Tem para todo gosto.

Embarque nessa viagem por rivalidades que nasceram de bairros, vizinhos e até mesmo parentes e evoluíram para alguns dos principais jogos do futebol planetário. Dos trilhos de trens por onde também passou a história do futebol no Brasil até chegarmos a disputas milionárias que envolvem jogadores, patrocinadores e até estádios, esse livro já nasce clássico e certamente abastecerá pesquisadores atuais e futuros, além daqueles que procuram boa leitura e informação honesta sobre o futebol.

Prefácio
Por Edgardo Martolio

A única rivalidade não presente nesta obra – impecável como todas as que surgem do esforço e talento de seus autores –, é dessa que nasceu antes do que o futebol mesmo e que enfrenta realidade x fantasia...

Pois, para amar alguma coisa a vida toda é preciso não enxerga-la como ela realmente é. Assim, para escalar o time da fantasia é necessário sonhar em tempo completo, recriar os bons momentos, eliminar o descartável, limpar as manchas e esquecer as mágoas; e só, porque seu clássico adversário, o clube da realidade, luta a cada dia para nos acordar e derrotar. E a realidade do futebol, uma das mais severas e persistentes entre todas as crueldades do cotidiano, mais ainda: jogos que não acontecem, pancadarias, adiamentos, tapetões, pontos descontados, sanções não cumpridas, agruras impares, regras ignoradas, festas aguadas, injustiças revidadas, amizades terminadas, corrupção em cada canto...

Mas, cultores da paixão pelo futebol e renovadores vitalícios do carnê societário da Liga dos “mil amores”, como os autores, conseguem tirar dessa rivalidade um histórico onde sempre a hegemonia é do time da fantasia. Ganha todas em casa e, só às vezes, empata fora. Vence com muitos goles e só cai por um pênalti mal sancionado. Então, se o jogo do presente não é o mais prometedor, eles vão lá, nas memórias, nas lendas, nas estatísticas e montam uma nova partida: escrevem um novo livro.

Poucos esclarecidos para enxergar o time da realidade; pois, que a drible, como Garrincha a um zagueiro sueco, o que não significa que não a enxerguem. Simplesmente sabem que disso já temos muito, é o pão de cada dia, é a folha de cada jornal e o relato de qualquer cronista, então viram página e, como um olhar diferente, renova nosso encanto pelo futebol. Como fazemos com nossos filhos para transmitir a eles nossa paixão, esta obra nos leva ao vestiário do time da fantasia, nos apresenta o lateral Esperança e o goleiro História, permite que nos tomemos uma foto com o artilheiro Pesquisa e nos facilita o autógrafo dos três mediocampistas: Passado, Presente e Futuro.

Listo, outra vez, estamos cheios de entusiasmos. E prontos para descobrir que durante os anos de 1970 e 1980, o Brasília conquistou oito títulos do campeonato do Distrito Federal, perdendo apenas uma vez para o Gama; ávidos para saber que a ‘grande depressão’ americana de 1929 mexeu com o futebol de Ribeirão Preto; e predispostos para lembrar que Palmeiras e Santos voltarão a disputar o ‘clássico da saudade’. Já o disse a autora francesa Anais Nin: ‘Não vemos as coisas como elas são, mas como nós somos’.

Obrigado aos autores por nos reviver todos os clássicos do Brasil e por nos permitir ver o futebol não como ele é, com seu profissionalizado clube da realidade no topo da tabela, mas como nós somos, torcedores do time da fantasia, único elenco que não entende o que é rebaixamento.

Algumas curiosidades dos clássicos pelo Brasil:

Em Goiás:

Atlético x Goiás
As equipes viveram tempos distintos de maior popularidade. O Atlético teve a maior torcida do Estado durante o amadorismo. A partir da década de 1960, com o profissionalismo no estado, veio o crescimento do Goiás e de sua torcida, que passou a ser a maior, e o declínio do Atlético, em campo e nas arquibancadas.

Padaria e Capitão
Os rivais se enfrentaram em 26 de novembro de 1952. Os rubro-negros abriram 2 a 0. O Goiás se recuperou e empatou com um gol de Padaria. Um dos grandes nomes do jogo foi o goleiro esmeraldino Capitão, que seria um dos ídolos de outro rival, o Vila Nova, cujo estádio tem o seu nome: Onésio Brasileiro Alvarenga, o Capitão.

Em Minas Gerais:

Atlético x Cruzeiro

Sorriso na hora errada
Um dos grandes confrontos aconteceu em 26 de novembro de 1967, pelo Campeonato Mineiro. O Cruzeiro era o atual bicampeão estadual e campeão da Taça Brasil e buscava o tricampeonato, naquele momento improvável, uma vez que o Galo tinha vantagem de cinco pontos e, com uma vitória, conquistaria o título de forma antecipada. O Atlético abriu uma vantagem de 3 a 0 e a saída do craque Tostão, contundido, somada à expulsão de Procópio, deu a entender que tudo já estava resolvido. Mas não. O Cruzeiro foi à frente e empatou. O pior estava por vir para o Galo, quando seu goleiro, Hélio, foi flagrado sorrindo ao pegar aa bola no fundo da rede após o empate da Raposa. A torcida alvinegra não perdoou e passou a acusar o goleiro de estar vendido. Sendo assim, os gritos de “Wanderléa”, dedicados para o goleiro cruzeirense Raul, foram rapidamente alterados para “Vendido”, em direção a Hélio. O Atlético acabou perdendo o foco e o título de um campeonato que tinha nas mãos.

Em São Paulo:

Palmeiras x Santos

Grande seca do Nordeste
O Palestra Itália tinha menos de um ano de vida e queria participar do estadual de 1916. A federação de futebol da época impôs uma condição, que era vencer uma equipe de ponta. Embora o Santos não disputasse o campeonato naquele ano, foi o escolhido para esse amistoso, que também serviria para arrecadar fundos para as vítimas da grande seca do Nordeste de 1915. Os palestrinos foram impiedosamente derrotados por 7 a 0, em partida realizada no Velódromo, naquela que ainda é a maior goleada santista no duelo e que quase enterrou as pretensões futebolísticas do Palestra.

No Piauí:

Flamengo x River

Bandeirinha expulso
Um fato inusitado marcou o clássico de 2 de fevereiro de 1969. Durante a partida, muita confusão, sobretudo entre o árbitro Antônio Rodrigues Santa Rosa e seu auxiliar Jamil de Miranda Gedeon Filho, diante as inúmeras decisões distintas tomadas. Chegou um momento da partida que o auxiliar não aguentou, e passou a ofender seu colega, o árbitro, sendo expulso por ele. O jogo acabou 0 a 0.

No Rio de Janeiro:

Flamengo x Vasco

Torcedor “salva” o Fla
1981 é considerado o ano mais vitorioso do Flamengo, e a final do estadual contra o Vasco contribuiu. O time cruz-maltino precisava vencer os três jogos da decisão do estadual, enquanto um empate seria suficiente para os rubro-negros. Às vésperas da primeira partida, a morte do ex-treinador do Flamengo, Claudio Coutinho, parecer ter impactado o controle emocional de seus ex-comandados, uma vez que os vascaínos dominaram e ganharam por 2 a 0. No segundo jogo, o 0 a 0 que daria o título aos rubro-negros, encaminhava-se para o seu final, até que Roberto Dinamite marcou o gol que adiaria novamente a final do campeonato. Na derradeira partida, o favoritismo do Flamengo já não era o mesmo. Foi quando o time se superou e fez 2 a 1 no Vasco. Quando os vascaínos partiram com tudo para cima, em busca do empate nos momentos finais, um torcedor do Flamengo invadiu o campo para comemorar. Foi agredido por jogadores do Vasco e preso. O episódio esfriou o jogo, e o resultado se manteve. Posteriormente, no vestiário, o invasor ganhou a camisa de Zico como prêmio.

Sobre os autores:
José Renato S. Santiago Junioré nascido em São Paulo, em 1970. É engenheiro e atua nas áreas de tecnologia e inovação. Ao longo de sua vida profissional desenvolveu inúmeros projetos voltados para a criação e disseminação de conhecimentos. É mestre em Engenharia de Produção pela USP, com pós-graduação em Marketing pela ESPM e em Engenharia da Qualidade pela USP. No esporte, foi reconhecido pelo Guiness, o “Livro dos Recordes”, como dono e criador do maior acervo de livros, jornais e revistas esportivas do mundo. É autor também de vários livros sobre o tema futebol: “Os arquivos dos Campeonatos Brasileiros”, “Almanaque do São Paulo”, “Copas do Mundo: das eliminatórias ao título” e “Os distintivos de futebol mais curiosos do mundo”.

Marcelo Cavichio Untié advogado formado pela PUC/SP, jornalista, escritor, pós graduado em Administração e Marketing Esportivo pela Universidade Estácio de Sá. Advogado militante, atualmente trabalha como Assessor Jurídico no Comitê Paulista da Copa (Estado de São Paulo). Escritor, autor do livro “Clássicos do Futebol Brasileiro”, palestrante e estudioso da história do esporte. Secretário Geral do Instituto Brasileiro de História e Memória do Esporte – IBHME, tendo colaborado com a concepção e criação do Memorial Charles Miller no SPAC e com exposições inclusive estrangeiras.




Serviço:
Como a obra foi editada e publicada pelos autores, os interessados em adquirir o livro devem entrar em contato pelo e-mail jrssjr@uol.com.br

Guia Politicamente Incorreto do Futebol

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Um livro completamente diferente de tudo (e sobre tudo) o que já foi publicado na literatura esportiva. Coragem dos autores, Jones Rossi e Leonardo Mendes Jr., com o “Guia politicamente incorreto do futebol” (Editora Leya). O livro é polêmico porque tenta reescrever episódios marcantes e decisivos na história do futebol brasileiro. E logo no primeiro capítulo, desafia: “Charles Miller não é o pai do futebol brasileiro” (vale a pena ler também sobre essa polêmica do verdadeiro “pai do futebol”, aqui, no Literatura na Arquibancada nos links http://www.literaturanaarquibancada.com/2012/04/cruzando-os-bigodes.htmle http://www.literaturanaarquibancada.com/2012/04/donohoe-o-novo-pai-do-futebol.html).

Sinopse (da editora):

O jeito mais fácil de parecer especialista em futebol é repetir ideias com as quais quase todo mundo concorda. Seleção brasileira de 82? Basta dizer que "foi a melhor que já tivemos, apesar de não ter conquistado o Mundial" e pronto: a turma do sofá vai te passar uma latinha e te olhar com respeito durante o jogo. Também é assim quando se fala sobre o Ricardo Teixeira ("Frio, mesquinho, sem escrúpulos!") ou o Galvão Bueno (?"se não entende nada de futebol!"). O problema é que, no meio dos clichês futebolísticos repetidos a cada escanteio, há teses cambaleantes e frangos historiográficos. Esses mitos são o alvo do Guia Politicamente Incorreto do Futebol. Com coragem e conhecimento para defender opiniões divergentes, os jornalistas Jones Rossi e Leonardo Mendes Júnior repassam quase tudo o que sabemos sobre futebol. A Seleção de 82 tinha talentos acima da média? É verdade, mas era ingênua e autoconfiante a ponto de mal se preocupar em estudar os adversários. Ok, Galvão Bueno pode não ser um mestre da técnica, mas sua capacidade de transformar o futebol numa novela dramática torna o esporte muito mais divertido. E lembra aquela história da Democracia Corintiana? Bobagem: a Democracia Corintiana era uma ditadura. Depois da História do Brasil, da política da América Latina e do Mundo, é hora de continuar o trabalho, de jogar tomates nas verdades politicamente corretas sobre o futebol.

Capítulo 1

Ele não é o pai do futebol brasileiro

Clécio Régis e a obra polêmica.
Uma enorme cabeça de girafa, produzida por um outdoor em três dimensões, e uma igualmente vistosa bandeira do Bangu Atlético Clube fazem o ateliê de Clécio Régis se destacar entre as casas de uma das muitas e idênticas ruas de Bangu, subúrbio do Rio de Janeiro. Do lado de dentro do galpão funciona uma fábrica de sonhos. Cenários de novela, painéis para divulgação de lançamentos do cinema, alegorias e adereços de escolas de samba, mascotes oficiais dos Jogos Olímpicos de 2016, decorações para comerciais de TV...Tudo é construído com cuidado artesanal e em ritmo industrial, sob supervisão do mais conceituado cenógrafo do Rio.

Nenhum outro sonho, porém, recebe atenção tão especial quanto a estátua de 4 metros de altura, encostada em uma parede logo na entrada do ateliê. Um gigante de resina pintado de bronze, esculpido como se estivesse vestindo um uniforme de jogador de futebol. Por se tratar de um boleiro do fim do século 19, o calção preso por um cinto desce até a altura dos joelhos e a camisa, comprida, é percorrida do colarinho até a barra por cordas e botões. O bigode farto marca o rosto-padrão de um homem daquela época.

Sempre que se aproxima da estátua, Clécio Régis a observa e faz algum retoque. Busca reproduzir com perfeição a imagem inspirada nas poucas fotos que conseguiu do personagem, quase todas enviadas digitalmente do outro lado do Atlântico. O objetivo é fincar o gigante no marco zero do futebol brasileiro. O herói que trouxe da Europa a maior paixão nacional homenageado no pedaço de terra onde tudo começou.

Charles Miller é o pai da cartolagem 
no futebol brasileiro

Charles Miller na Inglaterra
O número 24 da rua Monsenhor de Andrade, no bairro do Brás, era um pedaço do Império Britânico na São Paulo de meados do século 19. A chácara da família Miller mantinha, nos pequenos detalhes, os hábitos dos súditos da rainha Vitória na época em que o sol nunca se punha no Império, dada a extensão de seu território – da costa oeste da América do Norte às ilhas polinésias, passando por colônias na África e na Ásia.

Nas fotos de família podia-se ver o símbolo da São Paulo Railway no ombro do patriarca John Miller. Como mandava a tradição britânica, era de bom tom ostentar o emblema da empresa em que era empregado no momento de posar. Em um retrato solitário, o caçula Charles aparecia vestido com um típico kilt escocês. As tardes eram marcadas pelo pontual chá das cinco, acompanhado de piese puddings. Aos domingos, os Miller atravessavam a rua para rezar com a crescente colônia britânica na St Paul’s Church, a primeira igreja anglicana do Brasil. Faltava apenas uma escola em que a nova geração da família pudesse não só aprender o inglês ancestral, mas também ser educada no mesmo modelo do país.

Justamente por causa dessa carência, John Miller decidiu mandar os dois filhos homens, John Henry e Charles William, estudarem na Inglaterra. Os garotos de 11 e 9 anos, respectivamente, embarcaram com o primo William Fox Rule no navio Elbe, da Royal Mail Steam Packet Company Limited, no outono de 1884. Chegaram dois meses depois a Southampton, sul da Inglaterra, para estudar na Banister Court School.

As escolas funcionavam não apenas como centros de ensino, mas também de pratica esportiva. As horas livres eram passadas nos pátios com a prática de diferentes modalidades. O tradicional críquete ainda arrebatava muitos adeptos, mas era crescente o interesse pelos recém-criados rugby football e football association.

As duas modalidades tinham origem semelhante nas escolas inglesas. Como não havia unificação de regras, em alguns pátios era permitido o uso das mãos para conduzir a bola e em outros apenas chutes e cabeceios; em alguns o ponto era concedido ao chutar a bola entre traves, em outros, simplesmente ao ultrapassar a linha de fundo com ela dominada. O número de jogadores também variava: 6, 11, 15, 20...Diferenças que se tornavam um estorvo quando os alunos de diferentes colégios se encontram nas universidades e não conseguiam chegar a um acordo sobre as normas do jogo.

Em 1863, a Universidade de Cambridge publicou suas próprias regras, determinando o nascimento formal do futebol. Advogado e fã de esportes, Ebenezer Cobb Morley reuniu clubes onde a modalidade era praticada e criou a Associação Inglesa, amealhando aqueles que se propunham a jogar segundo os preceitos estipulados em Cambridge.  Um dos clubes, o Blackheath, discordou das regras e preferiu juntar-se à corrente que consolidaria o rúgbi.

A escola de Banister aderiu ao jogo normatizado por Cambridge e popularizado no sul da Inglaterra pelo St Mary’s. O clube criado nos corredores da Associação Cristã de Moços da cidade foi um dos mais populares do início do futebol. No fim do século 19, venceu seis das sete edições da Southern League, a liga do sul da Inglaterra.

O ambiente futebolístico conquistou rapidamente Charles Miller. A habilidade com a bola no pé fez um dos professores da Banister Court School recomendar ao treinador do St Mary’s, entre os vários garotos bons de bola da escola, “um chamado Charles Miller”, que veio do Brasil e parece ter nascido para esse jogo. Um raro talento, ouro puro. É um artilheiro nato e recomendo sua escalação. Não vai se arrepender”.

O treinador de St Mary’s escalou Charles Miller e não se arrependeu. Logo na estreia, o brasileiro marcou um gol na vitória por 3 a 1 sobre a equipe do Quartel de Aldershot, em abril de 1892. Miller voltaria a campo dois dias depois, contra o Corinthian inglês. E seria presença assídua no time até decidir voltar para o Brasil, depois de dez anos de Inglaterra – não sem receber uma homenagem da escola. O anuário da Banister Court School, relativo a 1894, publicou:

“Charles Miller não foi somente um esplêndido jogador, mas organizou todas as atividades esportivas da escola até o dia de embarcar. Também se interessou muito pela organização do futebol do Condado de Hampshire. Essa eficiência, ou melhor, altruísmo e perseverança, é o que leva um homem a ter sucesso na vida”.

Primeiros jogos de futebol, em São Paulo.
O futebol havia conquistado Charles Miller. Quando deixou Southampton em 24 de setembro de 1894, não estava apenas formado academicamente como desejava uma década antes seu pai – estava formado como jogador e dirigente de futebol. A Inglaterra nos devolveu não só o primeiro jogador brasileiro, mas também o primeiro cartola. Na bagagem, seus diplomas: um livro de regras, uma camisa da Banister Court School , outra do St Mary’s, duas bolas de capotão, um par de chuteiras e uma bomba de ar para encher bolas. Na sua cabeça, seguiria a pratica normal do futebol. Tinha certeza de que o esporte já havia chegado ao Brasil a bordo de algum navio da Mala Real Inglesa.

O cenário encontrado em São Paulo, porém, era bem diferente. A comunidade britânica no Brasil conhecia o futebol, mas ainda preferia o críquete como lazer. Miller começou um processo de catequização. Aos sábados, reunia amigos e colegas de trabalho para ensinar o beabá do esporte: chutes, cobrança de lateral, passes, dribles, marcação. Os melhores da peneira de Charles Miller eram chamados para o time da São Paulo Railway – os pernas de pau continuavam na escolinha, até aprender ou reconhecer sua ruindade e desistir. O time da São Paulo Railway entrou em campo em 14 de abril de 1895, entre as ruas do Gasômetro e Santa Rosa, para enfrentar o The Gas Works Team, da companhia de gás, no primeiro jogo de futebol registrado no Brasil. Havia 11 jogadores de cada lado, seguindo as regras consolidadas pela Universidade de Cambridge, e uma espécie de súmula, com o nome de todos os presentes em campo, que foi arquivada por Miller, a essa altura uma mistura de jogador e cartola britânico com um cartorário brasileiro. Foi uma estreia formal, mas não exatamente a primeira partida de futebol no Brasil.

Sem Charles Miller, 
também seríamos o país do futebol

Charles Miller registrou como seu um jogo que já existia no Brasil. Algo de que ele mesmo desconfiava. A Revolução Industrial tinha espalhado pelo mundo milhares de britânicos, praticantes do futebol, para trabalhar em fábricas, ferrovias e no comércio.

Um deles, o professor escocês Alexander Watson Hutton, desembarcou em Buenos Aires em 1882 com um livro de regras, bolas, camisas e chuteiras. Como ninguém por lá sabia o que era esse negócio de football, decidiu organizar as primeiras partidas por conta própria. Não com os companheiros de fábrica, mas entre os muros de uma escola. Em 1893, o Lomas Athletic Club venceria o primeiro torneio disputado no país.

O curioso é que Hutton viajou a Buenos Aires em um dos navios do Correio britânico. Todas as embarcações da companhia seguiam o mesmo roteiro a partir da Grã-Bretanha. Antes de parar na capital argentina, havia escalas em Santos e no Rio de Janeiro. É difícil acreditar que em nenhuma dessas paradas, antes da viagem de Hutton ou desde sua chegada à América do Sul em 1882, nenhuma bola de futebol tenha sido desembarcada em território brasileiro. Difícil acreditar, não. Impossível. Foram várias experiências extraoficiais com o futebol no país antes do marco zero determinado por Charles Miller.

Desde meados do século 19 há registros da prática do futebol por marinheiros no litoral brasileiro. Ingleses, franceses e holandeses, a bordo de navios mercantes ou de guerra, que aproveitavam uma escala ou a chegada ao destino definitivo para bater uma bola. O futebol brasileiro nasceu da sua mais legítima expressão: dois times improvisados, na beira da praia, time com camisa de um lado, time sem camisa do outro, linhas riscadas na areia, gols delimitados por pedaços de qualquer coisa e alguns goles de cerveja na cabeça. Uma pelada legítima, sem dono, sem juiz e sem cartola. É o futebol de onde nasceriam Leônidas, Pelé, Garrincha, Romário, Neymar e Nelson Rodrigues.

Isso aconteceu pela primeira vez em 1874, no pedaço de areia em frente aonde hoje fica o Hotel Glória, no Rio de Janeiro. Quatro anos mais tarde, a tripulação do navio britânico Crimeiaorganizou uma pelada em frente ao palácio da princesa Isabel, em Laranjeiras, zona sul do Rio, com o consentimento de sua alteza. Entre os dois jogos à beira-mar, em 1875, empregados brasileiros e ingleses de empresas de navegação, docas, cabos submarinos e bancos enfrentaram-se no campo do Club Brazileiro de Cricket, também no Rio.

Em vez de filho de um zeloso pai tupiniquim que aprendeu sua arte na Inglaterra, com os inventores do jogo, o futebol brasileiro é filho bastardo de marinheiros europeus que só queriam gastar energia e passar o tempo antes de se divertir com as exóticas mulheres locais. Uma biografia surpreendentemente relacionada com a malandragem e o improviso que, anos depois, virariam a marca do futebol brasileiro, escondida em prol de outra mais condizente com a elite brasileira da virada do século 19 para o 20.

Na apresentação do livro de José Moraes dos Santos Neve, Visão de Jogo: Primórdios do Futebol no Brasil, José Geraldo Couto escreve:

“Os primórdios do futebol no Brasil sempre estiveram envoltos nas brumas do mito, de onde emergia a figura impávida e bigoduda de Charles Miller, herói meio inglês, meio brasileiro, que teria trazido da Europa uma bola embaixo de cada braço e ensinado sozinho o esporte bretão aos nossos compatriotas. Tal gênese servia como uma luva a determinada visão das origens de nosso futebol, como produto da ação voluntariosa de uma elite em contato direto com as fontes britânicas do esporte”.

Calma, seu José, segure a sociologia: talvez o futebol de Charles Miller tenha sido mais organizado e influente para o Brasil. Levou as peladas que – Miller não sabia – já corriam de forma improvisada nas praias para dentro dos clubes. Conquistou a elite e ajudou a transformar o jogo em algo incontrolavelmente grande, até formar o país do futebol, que, de um jeito ou de outro, teria existido mesmo sem ele. Fosse por obra de marinheiros beberrões, fosse por meio de padres que admiravam o poder moralizante do jogo.

Sobre os autores:
Jones Rossié um jornalista curitibano. Foi editor de ciência e saúde do site da revista Veja, editor da revista Galileu e repórter do G1.com e do extinto Jornal da Tarde.
Leonardo Mendes Júnioré um jornalista curitibano. Repórter e colunista do jornal Gazeta do Povo, já trabalhou nas rádios LBV, Clube, CBN e 98 e na extinta Revista ESPN.         

Anatomia de uma derrota

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Um livro obrigatório, para todos os tipos de leitores: torcedores, jornalistas, pesquisadores e até mesmo jogadores e comissão técnica da seleção brasileira que irá disputar a Copa 2014. “Anatomia de uma derrota” (Editora L&PM, 2000), é a mais completa obra sobre a fatídica derrota brasileira, na primeira Copa disputada no país, em 1950.

O autor, Paulo Perdigão, infelizmente, nos deixou em 2006. Mas sua obra, esgotada e somente encontrada em sebos por preços absurdos, de até 350 reais, voltará ao mercado após várias reportagens relacioná-lo, nesta onda de lançamentos pré-Copa, como um dos principais livros da literatura esportiva. Pena não voltar “em papel”, somente em e-book, pela mesma L&PM.

É neste livro histórico que Perdigão publicou o conto “O dia em que o Brasil perdeu a Copa”. Somado a parte do texto de introdução da obra, que você verá mais abaixo, com certeza, o cineasta Jorge Furtado produziu o curta-metragem, “Barbosa”, onde um homem volta no tempo para tentar evitar a falha do goleiro Barbosa na final da Copa de 1950. 

Como o prefaciador da obra, João Máximo, escreveu: “Anatomia de uma derrota” é um livro “definitivo”.

Um livro definitivo
Por João Máximo

Jovens amantes do futebol me perguntam por que nós, testemunhas do 16 de julho de 1950, lamentamos tanto a perda daquela Copa do Mundo, uma vez que, depois dela, o Brasil ganhou quatro outras. Para que chorar sobre o leite derramado – bancar a viúva siciliana de Nelson Rodrigues, como se o mais precioso dos gestos fosse o pranto e não o riso? Paulo Perdigão é uma das testemunhas do 16 de julho de 1950. Mais que isso, é o seu maior historiador. Não é possível entender as dimensões daquela “tragédia brasileira” (ou mesmo considerá-la uma tragédia) sem ter vivido a época, sem saber que pensava o jovem então, o que era futebol para todos nós e o que representaria, em termos de afirmação como povo e como nação conquistarmos ali a taça de ouro. Uma visão equivocada do que fossem povo e nação, é verdade, mas era assim que nos faziam ver as coisas. Por isso choramos. É claro que vibramos com cada uma das quatro taças que ganharíamos depois. E que o riso é bem mais prazeroso que o pranto.

Vocação para viúva siciliana à parte, lamentamos até hoje a taça perdida porque foi o nosso grande sonho desvanecido, o sonho que carregamos na adolescência, ou mesmo na infância que ainda guardamos dentro de nós. Ainda não sabíamos que ganhar ou perder uma Copa do Mundo não melhora nem piora nossas vidas. Ou o Brasil. Por isso choramos. Esta edição revista e aumentada do livro de Paulo Perdigão vai responder ao jovem torcedor de hoje todos os porquês que lhe ocorram a respeito. É história com agá maiúsculo, é aula de pesquisa, é exemplo de jornalismo, é lição para os cientistas sociais que andam escrevendo tão complicado sobre o futebol. Em duas palavras, é obra definitiva: depois dela nada mais poderá ser acrescentado à crônica do 16 de julho de 1950, como nada se pôde acrescentar à tragédia dos Clutter depois de A sangue frio.

Introdução
Por Paulo Perdigão

(...)

É costume do pensamento comum levar a crer que vivemos no tempo e cabe-nos somente registrar o transcurso de uma corrente temporal que avança ininterruptamente, tal como um fenômeno do meio exterior constituído por uma sucessão de “agoras” que “passam no mundo” e na qual somos “arrastados”. Chega-se inclusive a calcular matematicamente pelos relógios esse “tempo mundano”. Heidegger verifica, porém, que não encontramos o tempo em parte alguma: aquilo que já passou e aquilo que ainda virá estão sempre “em outro lugar”. Um princípio derivado da teoria de Santo Agostinho, segundo a qual presente, passado e futuro só existem porque a consciência humana é ela mesma temporal: “Eu sou o tempo”. Assim sendo, enquanto passado, a Copa de 50 não tem existência própria nem está “ocupando” um “lugar” no tempo, como também não está nessas velhas fotos, nesses recortes de jornais, nas folhas deste livro. Tornou-se perpetuamente algo de irreal sustentado somente pela memória. Também enquanto passado, não pode impedir-se de ser o que é, tem de conservar-se como coisa inerte e já plenamente constituída, fato irreparável, sem qualquer possibilidade de não ser o que já é. A isso deve a Copa de 50 seu fatalismo de tragédia, sua aparência de mundo de trevas, morto e crepuscular, indolente e em repouso, imutável, constante e todo já acabado, submisso a um destino ubíquo e prefixado. Continuará assim até o final dos tempos: naquela tarde, aqueles jogadores brasileiros, diante daquela multidão, perderam a Copa do Mundo para sempre. Nunca mais o Brasil ganhará a Copa de 50.

Obdulio Varela (direita), na final de 1950.
Mas posso tentar imitar Proust e “reencontrar-me” no Maracanã, em 16 de julho de 1950. Deparo então com uma “realidade” estranha e febril, na qual mal me reconheço, pois já não sou o mesmo que era e, no entanto, continuo sendo (uma “presença-ausência”, diria Sartre): eis-me de calças curtas, começando a vida em segurança, na proteção de meus pais, sonhando com Margaret O’Brien – minha “paixão” de 13 anos – e fascinado por aqueles super-heróis fantasiados de uniforme branco. Em meus entornos, as roupas das pessoas, os modos, a linguagem, fisionomias e olhares pertencem a “outra época” há muito tempo extinta. Só encaro “futuros mortos” ao redor. E todos parecem mais velhos do que eram, inclusive os jogadores: não daria menos de 50 anos a Obdúlio Varela, o “bandido” de sinistro traje azul e preto. À falta de registros visuais a cores, a “realidade exterior” de 1950 tem aspecto sombrio: a própria forma arquitetônica do estádio é claustrofóbica, e, nesse 16 de julho, causa uma impressão de angústia tenebrosa, uma atmosfera pesada de huis clos que sufoca e apavora – uma “descida ao inferno” (Na época, a Rádio Nacional transmitia o seriado As Aventuras do Anjo, com a trilha de Miklós Rózsa para o filme O Segredo da Casa Vermelha (The Red House, 1947), e suas novelas, nas cenas mais melodramáticas, traziam o movimento Lento Lúgubre da Sinfonia Manfredo, de Tchaikovsky. O “pavor” sentido pelas crianças sempre lembrava o que tinha acontecido no Maracanã).

Também posso seguir o pensamento estético de Hegel e, desse modo, transcender uma simples evocação pragmática e concreta dos fatos de 50 e reportar-me á essência poética do 16 de julho no Maracanã, com nostálgico lirismo como “estado d’alma”. A função da estética, diz Hegel, é “animar a severidade e a aspereza da razão”: permite-nos um entendimento mais completo, profundo e elevado, desvelando tudo que não aparece, alçando-nos a um “algures” sempre para além do dado, um “algures” onde o mundo é contemplado sensivelmente, um abstrato sem estatuto de existência real – tal como a luz através da qual podemos ver os objetos que ilumina, mas não pode ser, em si mesma, fonte de conhecimento. Em busca dessa “transparência do invisível”, desvendamos o que refulge de sagrado nas memórias da Copa de 50 – sobretudo na hora da derrota, com suas amarguradas figuras: a beleza do infortúnio da condição humana ante a adversidade inevitável do mundo. Porque, como escreveu Schiller, se “a vida tem seriedade, a arte tem serenidade”. Não importa qual o limite do desespero, a estesia ultrapassa-o no rumo da contemplação sensível, bastando lembrar o exemplo citado por Hegel no mito espanhol El Cid Campeador, no qual o romanceiro se detém nas dores de sua amada Ximena – belas nas lágrimas”.

O gol de Ghiggia que decretou a derrota brasileira.
No momento do gol de Ghiggia –, o segundo do Uruguai, que derrotou o Brasil – Bigode leva a mão direita à cabeça, e nesse ligeiro movimento resume-se o grito de terror de uma nação inteira perante a ruína imprevista, enquanto o goleiro Barbosa – com seu porte apolíneo e elegante – ergue-se solenemente, soberbo, até olhar o céu de relance, como um apelo à clemência divina.  No instante do apito final, Jair salta para a última tentativa da vitória, agarrando-se ao goleiro Máspoli: seu empenho porta o ideal do poder absoluto, um impulso agonizante e inútil, na honrosa tradição do guerreiro que, já vencido, nega a desesperança para arriscar o impossível. Zizinho, nessa mesma hora, retrai o corpo, olha para o juiz, ainda descrente do fim – e é descrente, em estado de choque, que se deixará abraçar por Máspoli e, no vestiário, entrega-se ao abatimento de um homem comum que acabou por dentro, incapaz de resignar-se com o “já dado e finito”. Quanto ao choro de Danilo, deixando o campo amparado por um locutor, além de ser a imagem mais famosa da “tragédia de 50”, traduz a resignação dos humildes, o luto aquiescente de quem ousou “ser alguém” perante o mundo e, como castigo, mereceu apenas a retirada vexatória à sua “insignificância”. Sim, porque, do modo como as coisas haviam se processado, não era o simples caso de ganhar ou perder uma competição esportiva, mas, com efeito, uma questão de arriscar-se entre dois pólos: de um lado, a graça e a bem-aventurança; do outro, a vergonha e a desonra.

Em cinco “tempos”, essas imagens clássicas sintetizam o ciclo patético da desventura humana, desde o momento em que se configura a possibilidade de fracasso dos projetos estabelecidos (Bigode, Barbosa) até a consumação final do revés e o surgimento do chamado “espírito penoso” (Zizinho, Danilo), passando pela “vontade de poder” e a negação da contingência (Jair). Eis as criaturas desse mundo sombrio e infernal, seres sofridos, de máscaras torturadas, cuja plasticidade – a mesma de clássicas esculturas gregas, como Gália Agonizante– está incorporada à iconografia do Brasil contemporâneo, eternizada na memória nacional. Beleza épica, composta de pompa e nobreza, pungente em sua solenidade, como as cerimônias de réquiem. Será assim evocada, embora tenha custado a derrota – ou, sobretudo, devido mesmo à derrota, que em 1950 produziu uma comoção nacional além das fronteiras do esporte, talvez só comparável ao suicídio de Vargas na vida contemporânea do país. A ausência da vitória fez com que a Copa de 50 sobrevivesse sempre como “aquilo que deveria ter sido e não foi”, ou seja, como o império de um Nada, de um não-ser, a apontar para um vazio, uma totalidade não preenchida, uma existência negada. Daí por que a derrota, que converteu o normal em excepcional, é necessária para que o fascínio perdure: não poderiam ser diferentes essas imagens, em sua grandeza trágica.

A locução completa de Brasil x Uruguai de 16 de julho, transcrita na II Parte desta monografia, pode dirimir dúvidas quanto a episódios que, através dos tempos, ganharam halo de legenda, narrativa mitológica (as transmissões radiofônicas eram pormenorizadas, em uma época sem os recursos da TV, substituindo, no possível, o que seria um videoteipe da partida). Testemunhados por quase 200 mil pessoas que foram desaparecendo com os anos, os fatos passaram de pais a filhos assumindo cada vez mais foros de imaginário, a tal ponto que, em determinado momento, tornava-se impossível diferenciar o que sucedeu no Maracanã daquilo que foi criado pela fantasia de muitos. O sociólogo Arno Vogel entrevistou várias pessoas a respeito, concluindo: “Às vezes, parecia estar ouvindo uma narrativa mitológica. Muitos, jovens demais para terem vivido os acontecimentos, reproduziam com variações mínimas a mesma história. Todos recordavam fatos, lances e cenas do evento. Emitiam juízos e analisavam as versões polêmicas. Atribuíam responsabilidades, mostrando um envolvimento profundo com tudo que se relacionava ao episódio. Vi um informante descrever o final da partida decisiva e a saída do estádio com lágrimas nos olhos e voz embargada. Falava de uma experiência radical, que tinha deixado marcas definitivas”.

Na sua estatura histórica e mitológica, a derrota de 16 de julho tornou-se não apenas o grande emblema do Imaginário do país, ou o próprio Mal em suspensão animada na ideologia nacional, com sua aura de imantação lendária que se conserva e se agiganta na imaginação popular, mas também uma das representações da nacionalidade brasileira em seu empenho por uma identidade própria. Traz o encantamento mágico de uma gesta efêmera, tendo por cenário suntuoso um Coliseu da era moderna, edificado como panteão para a glória nacional, e onde brotou a provação de heróis esquecidos e o infortúnio e a desesperança de um país inteiro. Não é gratuita a referência ao Coliseu (literalmente, “construção colossal”), com sua forma concêntrica do espaço reservado à plateia e o caráter cênico-simbólico do embates ali travados com vistas a um estado orgiástico de excitação do espectador – a mesma “paixão” dionisíaca do teatro grego. Em sua majestade, o Maracanã, frio e silencioso, perdura de pé, com a solidez e a perenidade do rochedo, em contraste com a fluidez das ações humanas que o tempo dissolveu, monumento às ruínas do passado, a recordar aquela história hoje perdida nas lonjuras – um modelo de classicismo, com sua “nobre simplicidade e calma grandeza”, na definição de Winckelmann.

Tragédia grega no Terceiro Mundo, dada a exatidão com que se encaixam as peças do fatalismo de sua estrutura dramática, a Copa de 50 teria inspirado Sófocles e Eurípides como epopeia conduzida pelas veleidades do destino. Dela teria feito Nietzsche um libelo contra a providência divina, e Jung uma exegese do inconsciente coletivo. Também nada faltaria a Wagner para compor um monumento operístico. Porque, de todos os exemplos históricos de transe nacional, este é o mais belo, o mais apoteótico: é um Waterloo dos trópicos, e sua verdade o nosso Gotterdammerung.

Sobre o autor (perfil da ABI – Associação Brasileira de Imprensa):
Paulo Perdigão A morte do jornalista Paulo Perdigão – ocorrida em 31 de dezembro de 2006, aos 67 anos de idade – deixa uma lacuna na crítica cinematográfica. Este ofício ele exerceu com maestria por mais de 30 anos, nos jornais Diário de Notícias, Globoe JB e nas revistas Manchetee Veja. Também atuou como programador de filmes da Rede Globo de Televisão, onde ingressou em 1967, foi editor do Guia de Filmes, publicação do antigo Instituto Nacional do Cinema (INC), entre as décadas de 1950 e 60, ajudou a organizar alguns dos mais importantes festivais internacionais de cinema realizados no país.

Paulo Perdigão era também um especialista em Jean-Paul Sartre, de quem fez a primeira tradução em português de O ser e o nada, e escreveu Existência e liberdade uma introdução à filosofia de Sartre, ensaio sobre o discurso filosófico sartriano. Em 2006, relançou Anatomia de uma derrota, de 1986 – além de ser considerado pela crítica e a mídia especializada como a obra definitiva sobre a derrota do Brasil na Copa do Mundo de 1950, o livro inspirou o curta-metragem Barbosa, de Jorge Furtado e Ana Luiza Azevedo.

Em 2002, chegou às livrarias a reedição de Western clássico Gênese e estrutura de Shane, sobre o filme de George Stevens, aqui batizado de Os brutos também amam– título que ele abominava – e ao qual ele assistiu 82 vezes. A adoração do jornalista por Shane era tanta que ele viajou diversas vezes a Hollywood para visitar as locações do filme, do qual tinha uma cópia, montada lá, em que se inseriu na cena do duelo final, avisando ao mocinho vivido por Alan Ladd que o personagem de Jack Palance planejava matá-lo.

Paulo Perdigão também tinha admiração pelo rádio, de que tratou em PRK-30, livro homônimo ao programa de humor que, por mais de duas décadas, foi uma das vedetes da Rádio Nacional, alcançando mais de 50% de audiência.

No artigo que escreveu sobre o colega naFolha de S. Paulo (edição de 6 de janeiro de 2006), Carlos Heitor Cony conta que foi seu companheiro no Correio da Manhã, onde “Paulo despontava como um dos jovens mais brilhantes de sua geração. (...) “Ele era um personagem que Justino Martins, então diretor de Manchete, classificaria de fascinante”. 

Quando o futebol não é apenas um jogo

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Há alguns anos o jovem torcedor brasileiro talvez cansado com a falta de qualidade e de ídolos em seus clubes de coração, passaram a entender e a acompanhar muito mais de perto o dia a dia dos grandes clubes europeus. É claro que, sem as transmissões desses respectivos campeonatos em canais fechados de TV, dificilmente essa nova leva de torcedores não existiria.

Mas só isso não basta para tentar entender mais sobre esse fenômeno. Por essas e outras razões, a editora Via Escrita reuniu em um livro diversas crônicas escritas pelo jornalista Gustavo Hofman, conhecedor como poucos da história do futebol jogado em outros países.

Em, "Quando o futebol não é apenas um jogo", você verá que, tanto aqui como lá, o futebol não é só dinheiro e glamour. E que nos grandes clubes espalhados pelo “planeta futebol”, muito além das quatro linhas, existem histórias incríveis.

Sinopse (da editora):

Quem vê, hoje em dia, em qualquer canto do mundo garotos desfilando com a camisa do Cristiano Ronaldo, Messi ou do Neymar – a do Barcelona, diga-se de passagem – pode até pensar que o futebol se resume a saber a escalação dos principais times da Liga dos Campeões.

Ledo engano. Primeiro, é preciso ter claro que o futebol é uma arte. E, como arte, deve ser reverenciada por quem o aprecia. Ainda mais em se tratando de um esporte em que cada um de nós assume sua porção de técnico e, muitas vezes, de jogador.

Estamos falando de uma paixão. E só quem tem dedicação e zelo é capaz de manter essa chama acesa, sempre procurando descobrir novos encantos, novas nuances, que nos permitam continuar apaixonados.

Além de arte, futebol é cultura. E Gustavo Hofman, como poucos, nos brinda com isso e muitas curiosidades, ao transformar em belas crônicas as viagens realizadas por Liechtenstein, Bósnia, Áustria, Croácia... Em resumo, ele mostra que o mundo do futebol vai muito além do que conhecemos e sabemos.

Prefácio
Por Celso Unzelte

Gustavo Hofman
Jornalista. Sempre à procura de boas histórias. É assim — e também como “pai do Victor”, “ex-jogador de basquete na base” e “comentarista dos canais ESPN” — que Gustavo Hofman se autodefine em sua conta no twitter. Onde, aliás, costuma driblar inteligentemente a exiguidade dos 140 caracteres remetendo os seguidores para seu blog por intermédio de links, só para poder contar melhor essas histórias que tanto procura.

Isso é “modéstia à parte” do Gustavo, como diria o meu velho amigo Lemyr Martins, histórico repórter da Placar dos anos 70 e outro grande contador de histórias esportivas, parafraseando o “causo” do jogador de futebol que não tinha a mínima ideia do que a expressão “modéstia à parte” significava, mas mesmo assim gostava de usá-la como sinônimo de modéstia. Outra história daquelas que, tenho certeza, o próprio Gustavo Hofman gostaria de contar. Mas, nesse caso (ou nesse “causo”), é modéstia do Gustavo, mesmo — embora não seja “à parte”, como queria o cracão não identificado dos anos 70.

É modéstia porque, tanto aqui quanto em suas tribunas eletrônicas e virtuais, Gustavo Hofman não se limita a procurar (e a colher) histórias, como escreveu lá no seu perfil no twitter. Ele faz muito mais do que isso. Conta-as com a graça e a leveza exigidas desde sempre, aliando-as às necessidades, principalmente as mais imediatas, desses tempos, de globalização, da Era da Informação, que estamos vivendo.

Por isso, quando o Gustavo me falou da intenção de reunir esse material em livro, vibrei. Primeiro, como leitor assíduo dessas histórias que ele costuma caçar para nós. Depois, porque tinha certeza de que o livro ia sair do jeito que saiu: despido de qualquer preconceito.

O autor gosta tanto do futebol, mas principalmente de tudo que esse esporte inspira e pode representar, que, para ele, um fato acontecido em uma final da Liga dos Campeões merece a mesma atenção de outro ocorrido “no mais remoto local”, só para eleger outra de suas expressões típicas.               

Do time galês cujo nome se escreve utilizando 58 letras, das quais 40 são consoantes e eu não me atreverei a tentar reproduzir aqui, ao clube sueco que representa a Assíria, povo que não tem território mas tem seu time de futebol, Gustavo passeia com desenvoltura da semântica à geografia, da política à produção de cerveja. Evoca jogos infanto-juvenis como War, detalha o dia a dia de um técnico brasileiro no comando da Líbia em plena revolução. Consegue ser, enfim, universal. Como é o próprio futebol, matéria prima deste livro e da própria vida.     

APRESENTAÇÃO
Por Gustavo Hofman

Nunca vi o futebol apenas como um jogo. Até mesmo por experiência própria. Afinal, por tudo que já sofri com esse esporte ele não pode ser apenas um jogo onde um time quer vencer o outro marcando mais gols. Se fosse tão simples assim, tão banal, como explicar a paixão de milhões e milhões de torcedores espalhados pelo mundo por um grupo de jogadores correndo com a mesma camiseta, pela qual você é capaz de gastar, muitas vezes, o dinheiro que não tem para comprá-la? Simplesmente porque o futebol extrapola todas as barreiras meramente esportivas.

E essa ligação com o futebol transcende em diversos casos o relacionamento afetivo pela coletividade esportiva. Ou seja, não se restringe ao fato de você ter escolhido um time para torcer por motivos geográficos ou familiares.

O futebol, através de uma equipe, pode representar uma pátria sem terra; mostrar ao mundo o sofrimento de um povo; explicar com outros olhos uma guerra; traduzir a indignação de uma torcida; exemplificar paixões; traduzir geopolíticas; trazer a economia mundial para uma roda de bar; ou simplesmente contar uma história curiosa.

Tudo isso é possível através dessa invenção espetacular chamada futebol, o esporte mais popular do planeta.

O mundo do futebol não é feito apenas de Liga dos Campeões, salários milionários e histórias cheias de glamour e fama. Ele é, acima de tudo, composto por histórias de superação, curiosidades e fatos históricos que mostram como o jogo, muitas vezes, é apenas um detalhe. Em diversos casos, e em determinados momentos, o detalhe mais importante da vida.

Muitas pessoas gostam apenas de assistir partidas espetaculares, com um nível de jogo altíssimo. Valorizam demais os principais times e torneios. Assim, menosprezam competições menores ou de países que não têm tradição na modalidade ou mesmo público. Deixam de conhecer histórias sensacionais.

Apresentação de jogadores do Shakhtar Donetsk
Histórias como a de política de contratações do Shakhtar Donetsk, que prioriza brasileiros para o ataque e ucranianos para a defesa; toda superação e o sofrimento na infância de Edin Dzeko, o “Diamante Bósnio”; a importância do Hajduk para toda população de Split, na Croácia; o complicado relacionamento entre bilionários e clubes de futebol no Cáucaso russo; o futebol jogado em um dos menores países do planeta, Liechtenstein.

Este livro pretende contar estas e outras histórias, as quais eu vivi fazendo matérias e entrevistas para Trivela e ESPN ou tendo visitado os locais.

Sobre o autor:
Gustavo Hofman nasceu em Belo Horizonte (MG), em 5 de maio de1981, mas cresceu em Campinas (SP). Mora em São Paulo (SP). É formado em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (Pucamp/SP) e tem pós-graduação em Comunicação e Marketing pela Faculdade Cásper Líbero (SP). Antes de ser jornalista, jogou basquete pela Sociedade Hípica e pelo Tênis Clube, ambos de Campinas, tendo disputado os campeonatos paulistas da base entre 1994 e 1998. Começou a carreira em sites e revistas customizadas de Campinas. Já como repórter, ingressou no jornal Folha de S.Paulo e pouco tempo depois foi contratado pelo portal Terra, exercendo a mesma função. Em 2005 foi editor do site e repórter da revista Trivela. É comentarista dos canais Espn, blogueiro do site Trivela.com e colunista do ExtraTime.com.br. 
(fonte: Portal dos Jornalistas- www.portaldosjornalistas.com.br)

Gol!: Todo sonho tem um começo

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A literatura esportiva brasileira, definitivamente, não segue as regras do mercado editorial dito “geral”. Além de pouco expor títulos lançados (também em baixo número) em lugares “nobres” nas livrarias (normalmente, estão todos “escondidos”, em seções que às vezes nem mesmo os vendedores da loja sabem identificar), a regra de dar prioridade às traduções e publicações de títulos internacionais corre longe quando o livro trata do tema futebol.

Por essa razão pouco ou quase nada se vê ou se lê do que é publicado em outros países, onde o futebol (e isso ocorre em quase todo o planeta) é tratado também como paixão popular.

E quando o gênero é o romance, quase impossível imaginar um título traduzido no Brasil. Quase, porque alguns poucos títulos já foram lançados no país. Um deles recebeu o título “Gol!” (Editora Record), de Robert Rigby, igual ao do filme dirigido por Danny Cannon, diretor de CSI, Eu sei o que vocês fizeram no verão passado e O juiz, estrelado pelo ator mexicano Kuno Becker, além da participação especial de astros do futebol, como David Beckham, Alan Shearer e Zinédine Zidane.

O livro já ganhou a segunda versão, “Gol II – Vivendo o sonho”. A prometida terceira versão, ainda não foi publicada no Brasil, mas já foi produzida. A história de Gol! é simples, pois retrata o sonho e a imaginação de crianças e jovens do mundo inteiro: jogar futebol e ser famoso como Ronaldinho ou Beckham. Em GOL!, leitores e fãs do esporte serão apresentados a um desses meninos, Santiago Muñez, um jovem mexicano que tem apenas um sonho na vida: ser um astro do futebol.

Você pode também assistir as duas versões (completas e dubladas) já produzidas sobre "Gol!", no final deste post.

Sinopse (da Editora):

“Quando a família Muñez decide deixar o México e cruzar ilegalmente a fronteira dos Estados Unidos em busca do sonho americano de uma vida melhor, Santiago, um menino de 10 anos, só tem tempo de recolher seus bens mais preciosos: uma foto antiga da Copa do Mundo e uma bola de futebol. Apaixonado pelo esporte mais popular do planeta, Santiago tem o sonho de, um dia, tornar-se jogador profissional.

A vida nos Estados Unidos é muito difícil, mas Santiago não desiste de sua paixão: durante o dia trabalha duro com o pai, cuidando de jardins de mansões, e quase todas as noites joga no Americanitos, um time amador de Los Angeles. Apesar do time não ter qualquer futuro, Santiago se empenha em todas as partidas e continua a sonhar com o dia em que poderá tornar o futebol sua profissão. Talento ele tem de sobra; a maior dificuldade é a falta de apoio do pai, que não acredita que ele possa conseguir seu objetivo.

Tudo começa a mudar quando Glen Foy, um ex-jogador britânico e descobridor de novos talentos, vê Santiago atuando em uma das partidas do Americanitos. Ele logo percebe que o jovem, além de um craque, é o tipo de jogador que o Newcastle United, time da primeira divisão inglesa, está procurando.

Sem pensar duas vezes, e contra a vontade do pai, Santiago parte para a Inglaterra em buscar de seu sonho. Lá, ele precisa provar que não apenas tem talento, mas que conseguirá se destacar no duro futebol inglês entre tantos outros novos jogadores e, assim, obter um contrato. O frio, o campo molhado, as faltas duras, a rapidez de alguns companheiros, a saudade de casa, as tentações da vida de um astro internacional do futebol são alguns dos desafios que irá encontrar em seu caminho até o gol...

Escrito por Robert Rigby, Gol! É o romance oficial do filme, dirigido por Danny Cannon, com o ator mexicano Kuno Becker no papel principal e a participação especial de astros do futebol internacional. Estão previstas duas continuações, tanto do filme quanto do livro, acompanhando a transferência de Santiago para um importante clube europeu e, depois, seu triunfo na Copa do Mundo de 2006”.

Todo sonho tem um começo...

Um

Agora a vida era melhor. Santiago relaxou o corpo magro e tonificado de costas na espreguiçadeira da piscina e olhou por sobre a água límpida e brilhante.

Ajeitou um pouco os óculos de aviador enquanto a luz solar da tarde descia de um céu azul e claro. Até o crucifixo em seu pescoço estava quente em contato com a pele morena.

Tudo em volta era luxo – o puro luxo do sul da Califórnia. Palmeiras ondulavam levemente na brisa quente e suave e os aspersores de água brincavam no gramado bem-cuidado, formando pequenos arco-íris quando as gotas pegavam a luz do sol. Para além da piscina, degraus levavam a um amplo terraço e além dele se esparramava a própria mansão.

Santiago viu de relance a tatuagem asteca que usava orgulhosamente na face interna do antebraço e seus pensamentos vagaram para o passado. Para antes. Para dez anos atrás...

***

Ele se vê, um menino de dez anos de idade, fascinando os companheiros de time em um jogo de futebol num pedaço poeirento de um terreno baldio no bairro mais pobre de uma cidade mexicana assolada pela miséria.

Perto do campo improvisado, barracos de zinco assentam-se entre prédios de apartamentos superlotados, com as paredes cobertas de grafites coloridos. Valas negras se estendem entre os barracos e o jogo de futebol das crianças é acompanhado de uma mistura sonora de salsa, gritos, choro de bebês e do rugir do trânsito.

Mas os meninos estão alheios a tudo isso. A única coisa em que pensam enquanto correm na terra é em seu jogo.

Santiago não tem rival. Mata a bola no peito, deixa que desça ao joelho e ao peito do pé e, em um movimento fluido, dribla outra criança e enfia a bola com habilidade entre os dois engradados de cerveja que servem de traves.

E depois a lembrança e o quadro mudam, como uma televisão passando de um canal a outro.

Santiago está dormindo. Sente-se sacudido e abre os olhos. Seu pai, Herman, o olha de cima.

- Pegue suas coisas, Santiago.

O menino sai da cama com dificuldade, esfregando o sono dos olhos. A avó, Mercedes, está tirando seu irmão bebê, Júlio, do berço.

- Rápido, Santiago.

O atordoado garoto de dez anos pega a foto da Copa do Mundo, que tinha recortado há tempos de uma revista velha, e procura embaixo da cama pela única posse verdadeiramente estimada: a bola de futebol.

O quadro mental muda novamente, avançando para o interior de um caminhão amassado que sacoleja na completa escuridão. Santiago e a família viajam em silêncio. Outra família e vários jovens também estão espremidos no velho caminhão. Todos entregaram os dólares necessários para esta viagem só de ida.

Um bebê começa a chorar. Um fósforo brilha quando um rapaz acende um cigarro e, naquela luz súbita, só o que Santiago vê são rostos assustados. Ele aperta ainda mais a bola.

Quando o caminhão para, os viajantes cansados saltam para a estrada de terra e, à medida que o veículo se afasta rugindo e ofegando, recebem a ordem de seguir os dois guias por um labirinto de cacto e Artemísia.

Chegam à fronteira. Holofotes, armados em uma viatura da polícia de fronteira americana, ceifam a escuridão. Os imigrantes ilegais sobem correndo um aclive em direção a um buraco aberto na cerca de dois metros e meio.

Assim que chegam ao buraco, a bola de Santiago escorrega de suas mãos. Quica para longe, descendo o barranco. Ele se vira para pegá-la, mas o pai lhe agarra o braço.

- Esqueça, é só uma bola idiota – sibila ele.

Santiago tem um último vislumbre fugaz de sua amada bola antes de ser empurrado pela brecha na cerca e ouvir a ordem do pai:

- Corre! Corre! Corre!

                                                                              *

Dez anos atrás. Quanto tempo.

Santiago olhou a tatuagem mais uma vez e suspirou. Ouviu passos, mas antes de conseguir se virar para ver quem estava se aproximando, uma pesada mão acertou, com força, a parte de trás da sua cabeça.

- Sai daí. Quer que a gente perca esse emprego? Tem folha para varrer na entrada de carros. Vai pegar a vassoura.


                                                                               Filme completo - 1ª versão 

Santiago não disse nada. Simplesmente se levantou, pegou a camiseta e deu de ombros enquanto se afastava para acatar as ordens do pai.

Sem dúvida agora a vida era melhor. Mas não muito.


                                                                 Filme completo - 2ª edição.



Os Hermanos e Nós

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Brasil X Argentina, o maior clássico do futebol mundial. Um das maiores rivalidades dentro dos gramados. Tudo é “maior” nesse caso. É assim há mais de um século. E sempre será. Durante a Copa do Mundo, no Brasil, dois dos maiores astros do futebol mundial (e que jogam juntos), estarão frente a frente: Neymar e Messi. Esse momento histórico, com certeza, estará presente em futuras edições de um “livraço” que dois craques do jornalismo escreveram.

Os Hermanos e Nós” (Editora Contexto), de Ariel Palacio e Guga Chacra, contudo, tem uma resposta diferente sobre essa tal rivalidade entre brasileiros e argentinos.

Sinopse (da editora):

Além da paixão pelo futebol, brasileiros e argentinos têm em comum a admiração que suas seleções despertam ao redor do planeta.

Quando elas entram em campo, param o mundo. Pergunte a um palestino e a um israelense, a um grego e a um turco para qual time torcem na Copa do Mundo, quando o deles não está na disputa. Se não for o Brasil, será a Argentina.

Neste livro, os jornalistas brasileiros Ariel Palacios – que vive em Buenos Aires – e Guga Chacra – que já morou lá – contam de forma deliciosa o que é o futebol argentino desde sua história até seu estilo de jogo. Como se manifesta o fanatismo das torcidas argentinas, aquelas que cantam sem parar, esteja o time ganhando ou perdendo? Quais seriam os equivalentes brasileiros de clubes argentinos como o River Plate, o Racing ou o Boca Juniors? E, afinal, é verdade que o maior rival da Argentina é o Brasil? (Já desvendamos o segredo: não é.)
Nós amamos odiá-los, eles odeiam nos amar, mas ambos somos os maiores praticantes do futebol-arte. Leitura imperdível e deliciosa.

Os argentinos e el fulbo
Por Ariel Palacios e Guga Chacra

Brasileiros e argentinos, quando entram em campo, param o mundo. Pergunte a um palestino e a um israelense, a um grego e a um turco para qual time torcem na Copa do Mundo, quando o deles não está na disputa. Se não for o Brasil, será a Argentina.

Brasileiros e argentinos são os únicos no mundo que, ao viajarem para outros continentes e dizerem ser naturais do Rio de Janeiro ou de Buenos Aires, ouvem uma simpática saudação de “Pelé”, “Maradona”, “Ronaldinho” ou “Messi”. A camisa amarela da seleção brasileira e a azul e branca da argentina são reconhecidas no Gabão, na Eslovênia, no estado americano de Wisconsin ou em um balneário no Azerbaijão, às margens do mar Cáspio.

As diferenças históricas entre Brasil e Argentina já estão resolvidas desde a metade do século XIX. Pode-se até dizer que, de certa forma, somos os melhores amigos um do outro. Mas, se no campo da política não existem divergências, em todo o universo dos esportes é difícil haver uma rivalidade tão forte quanto a de Brasil e Argentina no futebol.

Seria como na geopolítica internacional ser americano ou soviético nos tempos da Guerra Fria. Os demais apenas observam a nossa superioridade.

Tudo bem, Itália, Alemanha e mesmo a Espanha e a França podem fazer frente a Brasil e Argentina. Mas nenhuma dessas nações, nem mesmo os italianos com suas quatro Copas do Mundo, consegue despertar a magia do drible e do passe dos sul-americanos. E nem se fale de nossa capacidade de produzir tantos craques em todas as gerações.

Pergunte quem é o melhor jogador de todos os tempos e, no mundo todo, haverá quase unanimidade entre três nomes – Pelé, Maradona e, mais recentemente, Messi. Qual a melhor seleção de todos os tempos?

Provavelmente dirão – inclusive os argentinos – que o Brasil de 1970.

Apesar dessa rivalidade, colocada a prova em quatro jogos de Copa do Mundo, em 1974, 1978, 1982 e 1990, e em dezenas de partidas ao longo de um século de história, brasileiros e argentinos ainda desconhecem muito do futebol do país vizinho, de suas características e de sua história.

Neste livro, contaremos ao leitor brasileiro o que é o futebol argentino (a partir da ótica de brasileiros que, como no caso do Ariel, vivem na Argentina e, no do Guga, viveram na Argentina), desde sua história até seu estilo de jogo. Por que nas seleções argentinas há tantos jogadores com sobrenome italiano? Por que existem dois campeonatos argentinos por ano? Quais foram os títulos conquistados pela Argentina? Qual foi a ocasião em que argentinos e brasileiros – ao lado dos italianos – ganharam juntos uma Copa do Mundo?

Como se manifesta o fanatismo das torcidas argentinas, aquelas que cantam sem parar, o time esteja ganhando ou perdendo? Quais seriam os equivalentes brasileiros de clubes argentinos como o River Plate, o Racing ou o Boca Juniors? Qual o maior clássico argentino? O que são clássicos de bairro? Você sabia que o maior estádio de Buenos Aires não é a Bombonera (embora esta seja a “catedral” do futebol na Argentina)?

É verdade que eles chamam os brasileiros de “macaquitos”? E que, ao contrário de nós (que preferimos uma derrota argentina a uma vitória brasileira), a maior alegria deles não é sequer ganhar dos brasileiros?

Aliás, locutores esportivos argentinos não possuem frase alguma que sustente que “ganhar é bom, mas ganhar do Brasil é melhor”.

Os brasileiros querem saber o que, afinal de contas, aconteceu no tão falado jogo da Argentina contra o Peru em 1978, que alijou o Brasil daquela Copa. E se Messi já é melhor que Maradona.

Como o futebol é representado no tango, no cinema, na literatura e nos quadrinhos?

No Brasil seria uma heresia sair com a camisa da seleção argentina, mas lá é comum ver argentinos usando a “canarinha”, evidentemente, fora do período da Copa ou de outro tipo de campeonato. Essa informação pode ser estarrecedora para os defensores da perpétua rivalidade, mas os argentinos acham bonita a camisa brasileira para vestir informalmente no cotidiano.

E uma informação que pode deixar muitos torcedores brasileiros traumatizados: os argentinos admiram o futebol brasileiro e gostam do Brasil como um todo. Ou melhor, além de gostar, admiram o Brasil por uma longa lista de fatores, entre os quais está o lado mais frívolo ou de ócio, como as praias, a caipirinha, o Carnaval, a paisagem litorânea, o samba, a bossa nova e os cafés da manhã dos hotéis, pela vasta variedade de frutas tropicais que oferecem.

De quebra, os argentinos consideram as brasileiras o máximo da sensualidade. Conhecemos vários argentinos que tentam marcar um encontro pelo telefone com garotas, só por sabê-las brasileiras, sem nunca as terem visto pessoalmente.

No lado político-econômico, nas últimas duas décadas os argentinos passaram a admirar a industrialização brasileira, a influência regional crescente adquirida desde os anos 1990, o protagonismo político e econômico mundial do Brasil e, acredite se puder, até consideram a classe política brasileira “menos corrupta” e mais eficiente do que a da Argentina!

Mais um detalhe: não adianta contar a um argentino uma piada sobre argentinos. Eles conhecem todas, e até mais algumas que a gente não sabia. Acontece que essas piadas não foram feitas no Brasil, mas na própria Argentina, em função do ácido humor que os argentinos – especialmente os portenhos – possuem sobre si próprios.

Na Argentina existe o mito de que os brasileiros referem-se ao próprio país, à cultura, ao futebol e aos produtos brasileiros como “o maisgrande do mundo”. A frase é pronunciada costumeiramente em Buenos Aires como “o mais grandgi dú múndô”, com o erro gramatical incluído em vez da forma correta o maior do mundo”. E, em seu primeiro mandato, ao assinar um acordo com a Embraer, a presidente Cristina Kirchner citou a frase, apesar de errada, e além disso, ingenuamente, enfatizou: “Acho fantástico o orgulho dos brasileiros, que se referem assim, ‘o mais grande do mundo’! Isso mostra o orgulho que eles têm!”.

Voltando ao futebol: os argentinos definem a forma de jogar dos brasileiros com admiração, com a expressão “jogo bonito”, pronunciada quase sempre com um peculiar sotaque: “xóôgo bónito”.

O acadêmico Pablo Alabarces, da Universidade de Buenos Aires (UBA), que realizou com o brasileiro Ronaldo Helal (da UERJ) um debate interessante sobre a relação futebolística entre os dois lados da fronteira, cunhou uma frase que tenta resumir a intrincada trama de sentimentos mútuos: “Os brasileiros amam odiar a Argentina, enquanto os argentinos odeiam amar o Brasil”. Helal ressalta que “qualquer rivalidade contém uma dose de admiração e de inveja. Somente rivalizamos com alguém que tem algo que desejamos possuir ou superar”.

E, para encerrar: em meados de 2013, no Brasil, durante sua primeira viagem internacional depois de eleito, o papa Francisco (torcedor fanático do San Lorenzo) brincou com jornalistas sobre os cardeais brasileiros, supostamente candidatos derrotados por ele, um argentino: “Deus já é brasileiro... e vocês queriam também um papa brasileiro?”.

BRASIL X ARGENTINA,
UMA RELAÇÃO DE AMOR E ÓDIO
“Percam, por favor, rapazes, percam!”: o primeiro jogo Brasil x Argentina (trecho 1º capítulo)

Presidente Julio Argentino Roca
O presidente Julio Argentino Roca foi um dos símbolos do patriotismo argentino. Embora controvertido, Roca orgulhava-se de ostentar até o segundo nome de “Argentino”. Mas, em 1912, já ex-presidente, Roca preferiu renunciar circunstancialmente ao nacionalismo para evitar problemas com o Brasil. Naquele ano, os dois países estavam mergulhados em tensões comerciais e militares.

Roca, que havia protagonizado a primeira visita de um presidente argentino ao Brasil, em 1899, era considerado um “brasilianista”. Por esse motivo, foi enviado em missão especial pelo presidente Roque Sáenz Peña para desarmar os conflitos com o país vizinho.

A visita de Roca coincidiu com o 90° aniversário da proclamação da independência do Brasil. Enquanto participava das festas do Sete de Setembro no Rio de Janeiro, o combinado da Associação Argentina de Futebol jogava com o combinado de São Paulo. O jogo terminou com um placar a favor dos visitantes de 6 a 3. Ambos os lados festejaram o resultado esportivamente.

Haveria uma revanche, no dia 10, no Rio, quando os argentinos enfrentariam um combinado carioca. Mais uma vez, os visitantes venceram, com placar de 4 a 0. Enquanto isso, Roca negociava com o governo do presidente Hermes da Fonseca.

No dia 15, foi a vez do combinado brasileiro. Segundo o historiador Daniel Balmaceda, o jogo começou às 15h35, perante 7 mil torcedores.

Julio Roca e Campos Sales, presidentes da Argentina e Brasil.
Na época, o futebol não movimentava grandes volumes de dinheiro (era amador) nem ainda estava intrinsecamente amarrado aos sentimentos nacionalistas. Nas arquibancadas, os torcedores agitavam bandeirinhas do Brasil e da Argentina. A multidão cantou o hino brasileiro. Na sequência, os argentinos, como cavalheiros, posicionaram-se na frente do palco oficial e deram três hurras ao Brasil.

A partida começou, enquanto a torcida brasileira aplaudia os passes de ambos os lados. A Argentina fez o primeiro gol. Os jogadores argentinos foram parabenizados e abraçados pelos brasileiros.

Mas, três minutos depois, os argentinos fizeram o segundo gol. Houve aplausos, mas em menor volume. Antes de o primeiro tempo terminar, os argentinos fizeram o terceiro gol. As bandeirinhas argentinas começaram a sumir.

Roca, que assistia ao jogo, foi ao vestiário. Primeiro, parabenizou os jogadores. Depois, fez um apelo dramático: “Rapazes, o Brasil está festejando sua data nacional. Hoje vocês têm de perder. Por favor, façam isso pela pátria argentina! Percam pela pátria!”.

Os argentinos voltaram ao campo. E fizeram mais dois gols. O jogo terminou em 5 a 0. Segundo as testemunhas, eles obedeceram às ordens de Roca, pois afirmaram posteriormente que haviam dado uma “desacelerada”, caso contrário a goleada teria sido maior.

No entanto, a revanche seria brasileira. Em 1913, Roca doou uma copa, a Copa Roca, que posteriormente seria disputada entre times do Brasil e da Argentina. E, cerca de um ano depois, no dia 27 de setembro de 1914, o Brasil foi à Argentina e venceu por 1 a 0.

Os torcedores argentinos invadiram o campo e carregaram nos ombros o goleiro (goalkeeper na época) brasileiro Marcos Mendonça.

A Taça da Copa Roca, jogada em 12 ocasiões entre 1914 e 1976, ficou nas mãos do Brasil, o último campeão.

Um século de disputas
entre brasileiros e argentinos

A Argentina pode ter enfrentado a Alemanha em duas finais de Copa de Mundo, em 1986 e 1990. O Brasil, por sua vez, jogou contra a Itália em outras duas, em 1970 e 1994, além da fatídica eliminação em 1982, na segunda fase. E são as duas seleções com o maior número de títulos mundiais. Pela lógica, talvez esses clássicos – Alemanha x Argentina e Itália x Brasil – possuíssem uma dimensão maior do que Brasil versus Argentina. Mas a história demonstra que a maior rivalidade entre grandes seleções no mundo é a de brasileiros contra argentinos.

Em primeiro lugar, por ter cerca de um século. Em segundo, por serem nações vizinhas e disputarem torneios continentais. Terceiro, por desenvolverem talvez o futebol mais artístico do mundo, com cinco jogadores sempre na lista dos melhores da história – Pelé, Maradona, Messi, Di Stéfano e Garrincha. Quarto, por serem duas das seleções mais vencedoras em Copas do Mundo, somando sete ao todo. Por último, pela história envolvendo os mais de 100 jogos entre esses dois times, que quase sempre são encarados como se fossem de Copa do Mundo.

Crianças em Buenos Aires, Rosário, Córdoba, Santa Fé e La Plata, ao disputarem partidas em campos de terra, sonham um dia jogar a final de uma Copa do Mundo contra o Brasil, assim como seus pares brasileiros em Brasília, São Paulo, Rio, Manaus, Recife e Porto Alegre. Certamente Pelé, Rivellino, Zico, Romário, Ronaldo e Neymar já se imaginaram marcando um gol contra a Argentina.

Brasil x Argentina, 1939.
E, da mesma forma, um gol na final do Mundial contra o Brasil passou pela cabeça de Di Stéfano, Kempes, Maradona, Batistuta e Messi. Aliás, Jairzinho, Rivellino, Zico, Serginho, Júnior, Ramón Díaz, Brindisi e Caniggia atingiram esse objetivo em 1974, 1982 e 1990, apesar de não ter sido em uma final.

As disputas entre Brasil e Argentina podem ser divididas em três períodos. O primeiro seriam as partidas até os anos 1960, marcadas pela rivalidade em torneios da América do Sul. O segundo, em Copas do Mundo entre 1974 e 1990. E o terceiro, pós-Copas, quando a rivalidade migrou para outros torneios, como a Olimpíada, a Copa das Confederações e a Copa América.

Sobre os autores:
Ariel Palaciosfez o master de Jornalismo do jornal El País (Madri) em 1993. Desde 1995, é o correspondente em Buenos Aires do jornal O Estado de S. Paulo e, desde 1996, do canal de notícias Globo News. Foi também correspondente da rádio CBN e da rádio Eldorado. Participou de coberturas de eleições, crises políticas, tentativas de golpes de Estado, rebeliões populares e terremotos em diversos países da América do Sul. Em 2013, publicou o livro Os argentinos pela Editora Contexto. Criado em Londrina, Paraná, Ariel é formal e exclusivamente torcedor do Londrina Esporte Clube (L.E.C.).
Guga Chacra, comentarista de política internacional do Estadão e do programa Globo News em pauta em Nova York, é mestre em Relações Internacionais pela Universidade Columbia. Já foi correspondente do jornal O Estado de S. Paulo no Oriente Médio e em Nova York. Também trabalhou como correspondente da Folha em Buenos Aires. Participou das coberturas da Guerra de Gaza (2009), do terremoto no Haiti (2010), da crise em Honduras (2009), do furacão Sandy (2012), das eleições nos EUA (2013), da crise econômica argentina (2000), da crise econômica nos EUA (2009) e do crescimento da Al Qaeda no Iêmen (2012). Palmeirense, na Argentina acompanhava o Boca e simpatiza com o Racing, por ser o equivalente do alviverde paulista no país vizinho.

A Grande História dos Mundiais

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Muito mais do que uma “coleção”. Uma obra monumental sobre as Copas do Mundo de Futebol. “A Grande História dos Mundiais”, de Max Gehringer tem o tamanho da dedicação, pesquisa e elaboração para que tudo isso chegasse a nós, leitores. Um trabalho de “formiga”, mais de 20 anos juntando pequenos e grandes detalhes. Sete volumes históricos sobre as Copas do Mundo, o maior evento esportivo do planeta. Tanta informação assim merece a justificativa do próprio autor. E a resposta de Max Gehringer explica tudo: “Nenhuma outra competição esportiva se compara à Copa do Mundo. Nenhuma gera tantas histórias, lendas ou infindáveis discussões que vão continuar a ser repetidas e repisadas por décadas a fio.”

Uma obra com essa dimensão não caberia toda em papel e por essa razão só poderia ser publicada no formato e-book. Como nem todos ainda estão acostumados a esse novo formato de leitura, vale acessar informações no site da editora: http://blog.e-galaxia.com.br/todas-as-copas-do-mundo/.

Sinopse (da editora):

"A Grande História dos Mundiais" se destaca entre a bibliografia sobre as Copas do Mundo não só pela extensa pesquisa, de mais de 20 anos, nas mais variadas fontes, dentro e fora do Brasil, mas por seu autor: o já consagrado Max Gehringer.

A proposta desta série de livros, que cobre todas as Copas, é trazer a história completa dos jogos, as fichas técnicas comentadas em detalhes, minibiografias das equipes vencedoras, os festejos dos campeões; e ainda nos levar por uma viagem deliciosa pelos pôsteres, mascotes e transmissões das partidas. 

A seção “Enquanto isso, no Brasil...” relata a preparação da seleção brasileira, lembrando desentendimentos, polêmicas e confusões. Fatos curiosos sobre o Brasil no ano de cada Copa situam o leitor no tempo.

Nada é deixado de fora em "A Grande História dos Mundiais". 

Combinando rigor de pesquisa com o já conhecido estilo agradável e bem-humorado do autor, você vai conhecer novos fatos e relembrar outros tantos sobre o mais popular evento esportivo do planeta: a Copa do Mundo de futebol, essa competição em que um único erro individual põe tudo a perder por quatro anos. 

Este e-book é para fanáticos por futebol, como o autor, mas também para curiosos, que poderão conhecer a história do século XX de uma perspectiva inesperada. 

"A Grande História dos Mundiais"é um gol de placa de Max Gehringer. 



Antes que a bola comece a rolar...
Por Max Gehringer

Nenhuma outra competição esportiva se compara à Copa do Mundo. Nenhuma gera tantas histórias, lendas ou infindáveis discussões que vão continuar a ser repetidas e repisadas por décadas a fio. Tal fascínio pode ser explicado por dois motivos.

O primeiro é a periodicidade. Disputadas a cada quatro anos, as Copas possuem um reduzidíssimo número de vencedores. Se houvesse uma Copa por ano, como ocorre com os campeonatos nacionais e estaduais, teríamos quase uma centena de campeões mundiais desde 1930 e ninguém conseguiria mais se lembrar quem venceu quando. Assim como as Copas, os Jogos Olímpicos também são quatrienais, mas as conquistas que entram para a história são principalmente as individuais, e a atenção se concentra no número de medalhas, não importa de que esporte elas venham.

O segundo motivo é o sistema de disputa, por eliminação direta, ou mata-mata. Pode não ser o critério mais justo para se definir um campeão, mas é incomparavelmente o mais emocionante. Das oitavas de final em diante, cada partida é uma decisão, e em todas elas a glória e o drama convivem durante 90 minutos. E surpresas não são tão raras. No futebol, ao contrário do que acontece em qualquer outro esporte coletivo, uma equipe mais fraca pode vencer outra que lhe seja muito superior tecnicamente, o que acontece pelo menos uma vez em cada Copa. Além disso, há o fator humano – um simples erro de um jogador, que resulte na eliminação de seu país, nunca mais poderá ser consertado.

Foram esses dois motivos que me levaram a pesquisar a história das Copas. Mas, além deles, interessei-me também em tentar descobrir fatos pouco conhecidos e curiosos, como, por exemplo, a incrível aventura da delegação do México para chegar ao Uruguai em 1930. Comecei a garimpar dados ainda na era pré-internet, sempre usando como referência jornais da época, que registraram os fatos no momento em que eles aconteceram.

Fui duas vezes à biblioteca pública de Montevidéu para levantar informações sobre 1930 e 1950, e na Suíça tive acesso ao arquivo do jornal Sport, preciso nos fatos e neutro nas opiniões. Tive apenas a decepção de descobrir, em Zurique, que a FIFA não mantinha em seus arquivos nem as súmulas dos jogos da Copa, nem os relatórios dos árbitros, documentos vitais que ficam em poder das federações dos países-sede dos torneios. O atual site da FIFA, portanto, é uma das fontes possíveis de serem consultadas, mas não é a palavra final, por ter sido construído a partir de outras fontes.

Já em tempos de internet, muitas hemerotecas digitalizadas se tornaram públicas nos últimos anos, principalmente da Europa, o que me permitiu revisar meus textos e agregar a eles mais uma infinidade de fatos relatados no calor do momento. Tive também a preocupação de procurar em jornais antigos, dentro e fora do Brasil, referências a histórias repetidas através dos anos e aceitas como verdadeiras, como é o “gol descalço” de Leônidas em 1938. Com certa decepção, constatei que muitas dessas saborosas histórias foram, simplesmente, invenções de jornalistas brasileiros interessados em turbinar a venda de seus periódicos. Aprendi muito, também, nas reuniões do Memofut, um grupo cujo objetivo é preservar a memória do futebol e que se reúne mensalmente no auditório do Estádio do Pacaembu. Lá descobri que, por mais que um apresentador saiba sobre um assunto, tem sempre alguém na plateia que sabe alguma coisinha a mais.

Em 2006, publiquei pela primeira vez meus textos na revista Placar (A Epopeia da Jules Rimet, em nove fascículos que cobriam as Copas de 1930 a 1970). Fiquei orgulhoso por esse trabalho ter merecido uma coluna no prestigioso site da BBC de Londres, embora não pelo motivo que eu gostaria – o irado repórter me desancou por eu ter afirmado que a Inglaterra venceu a Copa de 1966 com um gol inexistente e outro irregular na prorrogação, além de outras benevolências da arbitragem no decorrer da competição.

Em 2010, publiquei o Almanaque dos Mundiais pela Editora Globo, mas com somente 20% do material que dispunha. Meu camarada Celso Unzelte ficou encarregado de tesourar a obra para que ela coubesse em um livro impresso, um trabalho que declinei de fazer, já que autores se recusam até a suprimir uma vírgula dos textos que escrevem, quanto mais páginas inteiras deles.

Eu já havia me convencido de que meu material integral jamais viria a público, dada a impossibilidade de encaixá-lo em livros analógicos (no total, são perto de 4 mil páginas), quando surgiu o milagre do e-book – no qual, ao contrário do que ocorre em outros departamentos, tamanho não é documento. Assim, com o apoio da e-galáxia, pude finalmente trazer a público mais de vinte anos de pesquisas, com todos os pontos e vírgulas intactos.

Antes de passarmos ao que interessa, uma breve explicação quanto ao formato. Cada Copa está dividida em quatro blocos. No primeiro, é mostrado como o país-sede ganhou o direito de promover a fase final e alguns detalhes específicos relacionados a ela (o pôster, a música oficial, as mascotes, os estádios e suas capacidades, as transmissões por rádio e televisão, os investimentos etc.).

No segundo bloco, é contada em detalhes a história das Eliminatórias. Fui fundo nessa parte (normalmente citada somente de passagem), porque, a partir da década de 1960, quando a quantidade de países inscritos passou a ser muito maior que o número de vagas oferecidas, as Eliminatórias assumiram um papel de “pequena Copa” para a maioria das nações do mundo, aquelas cujas chances de classificação são remotas ou nulas, e cuja glória muitas vezes consiste em conseguir uma única vitória nas partidas eliminatórias. Ou mesmo um único lance, como no caso do gol-relâmpago de San Marino contra a Inglaterra em 1993.

No terceiro bloco (“Enquanto isso no Brasil”), está o relato da preparação da seleção brasileira, não raramente cercada por desentendimentos, polêmicas e confusões. Esse bloco se inicia com uma lista de dados, fatos e curiosidades sobre o Brasil no ano da Copa, para que o leitor possa se situar melhor no tempo e, dependendo da idade, relembrar coisas de sua infância.

O quarto bloco é o que se convencionou chamar de “a Copa” – a fase final do torneio. A separação é feita por grupos, com a sequência cronológica de jogos em cada um deles. Na abertura, há um quadro mostrando o retrospecto dos países que compõem cada grupo. No exemplo a seguir, referente ao Grupo 2 da Copa de 1974, a primeira coluna mostra que o Brasil já havia disputado nove Copas, a Iugoslávia cinco, a Escócia duas e o Zaire nenhuma. Nas colunas seguintes, vê-se que o Brasil disputara 38 jogos nos nove torneios anteriores, com 26 vitórias, cinco empates e sete derrotas, marcando 103 gols (GF) e sofrendo 49 (GC).

Grupo 2               Copas   Jogos    Vit.        Emp.     Derr.     GF          GC
Brasil                  9            38          26          5           7            103         49
Iugoslávia           5            19          9            3           7            33           27
Escócia2            5             0            1            4           4            14
Zaire                   0

A seguir, são mostradas as fichas técnicas de todos os jogos, com comentários sobre cada um deles (mais longos nos casos dos jogos do Brasil). Na primeira faixa da ficha há três números, como se vê no exemplo abaixo. O maior, no canto direito, indica a ordem cronológica da partida desde a primeira Copa, em 1930. Brasil e Zaire disputavam então a partida de número 250 da história. Os números menores, após os nomes dos países, mostram que aquela era a 41ª partida do Brasil e a 3ª do Zaire.

Brasil 41                     3                             Zaire 3                   0                          250

Na parte final do quarto bloco, são apresentadas minibiografias do artilheiro, do juiz da final e dos jogadores da equipe campeã, além das repercussões da Copa no Brasil, com as costumeiras lamentações e acusações nas derrotas e os grandes festejos nas vitórias.

Estes e-books encerram o assunto? Nem de longe. É provável que existam alguns enganos (sempre existem, para desespero dos autores) e há informações que poderão ser acrescentadas, mas que só irei descobrir quando novas hemerotecas internacionais forem disponibilizadas pela Internet. A história das Copas jamais terá fim, e este é só o começo.

Já que você foi condescendente e leu até aqui, aguente, por gentileza, este derradeiro parágrafo. Muita gente me pergunta por que resolvi escrever sobre futebol, posto que me tornei mais ou menos conhecido por discorrer na mídia sobre carreiras e empregos. A resposta é simples. Eu comecei a me interessar pelo futebol em geral – e pelas Copas em particular – pelo menos dez anos antes de pensar em ingressar no mercado de trabalho. E não creio estar cometendo nenhuma heresia ao confessar que discuto futebol com muito mais paixão do que discuto currículos. Espero que os fanáticos por Copas como eu possam apreciar a leitura com a mesma satisfação que me dediquei às pesquisas e à redação.

Boa leitura!

Sobre o autor:
Max Gehringer é formado em Administração e pós-graduado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Apesar da carreira bem-sucedida como executivo de grandes empresas (Pepsi-Cola, Pullman/Santista Alimentos, Elma Chips, Frito Lay, nos Estados Unidos), Max abriu mão do poder e decidiu dividir sua experiência ministrando palestras pelo Brasil.

Palmeiras - 100 anos de Academia

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2014, ano do centenário de mais um grande clube brasileiro. Desta vez, o Palmeiras, ou Palestra, para os saudosos. E o “livro oficial” do clube é assinado por um “time” de craques do jornalismo. O multimídia Mauro Beting, palestrino de corpo e alma, coordenou a equipe formada por Fabio Chiorino, Marcelo Mendez, Leandro Beguoci e Gino Bardelli.

Palmeiras – 100 anos de Academia”, da Editora Magma Cultural, é livro mais do que importante para a literatura esportiva brasileira. É obrigatório, para torcedores, jornalistas e amantes da boa leitura.

Apresentação

Amor de Palmeiras para filhos
Por Mauro Beting

Quem me fez palmeirense foi bater uma bolinha divina com Waldemar Fiúme, Junqueira, Julinho, Jair Rosa Pinto, Heitor e companhia ilimitada na semana da mudança de A para B de um clube fora de série. Foi ali, na UTI, do baixo dos meus 46 anos, que aprendi que nada é para sempre.

Ou melhor: eterno é o amor incondicional que temos pelos pais que me fizeram Palmeiras, logo gente. Tutti buona gente que se ama e se desentende pelo nostro Palestra Italia centenário, pelo Palmeiras que, há 72 anos, nasceu campeão.

Meu pai, que me deu tudo junto com minha mãe, deixou-nos pouco depois de o nosso time ter caído. Mas não rebaixado. Nunca falei com ele a respeito da queda. Só sei que todos os palmeirenses vivos ou eternos celebraram o novo acesso. Algumas vezes, de raiva – que faz parte. Tantas vezes, acessos de riso, alegria, paixão. De Palmeiras – que faz festa.

Minha vida é você, Verdão – que veio, que venceu, que na veia se guarda, que de velho nos faz mais jovens a cada tempo de jogo, a cada etapa de vida.

Não estaria aqui se não fosse Palmeiras. Não seríamos todos nós se fossemos outra coisa, outro credo, outras cores.

Não precisa ser o time que mais venceu títulos nacionais no país que mais venceu títulos mundiais. Não precisa. Preciso é o Palmeiras. Não somos mais. Não somos menos. Somos Palmeiras. Basta!

Um livro de 100 anos de histórias e glórias não conta tudo. Nada precisa ser decantado para quem não fica contando quantos canecos incontáveis na galeria de troféus, quantas cabeças passaram pelas catracas dos campos, quantos corações pulsaram pelo Alviverde inteiro.

O Palmeiras é o amor de pai para filho. Passa para os netos com a categoria de Romeu. Repassa para bisnetos que nem nasceram com a classe dos dois Djalmas de todos os Dias. Amores que nascem incondicionais como nosso time. Crianças verdes de esperança que já são palmeirenses impagáveis da linhagem dos Imparatos. DNA verde. Herança genética e estética: na nossa casa, pode tudo porque só pode Palmeiras.

Clube de colônia que não renega raiz e planta Palmeiras pelo Brasil. Era bianco, verde e rosso como a Itália do Palestra. É verde, branco, pardo, negro, amarelo, vermelho, cafuzo, confusa aquarela do Brasil que ele abraçou. Do país que foi Palmeiras em 1951. Do Palmeiras que foi Brasil em 1965. Do meu time que é de todos nós. Do nosso time que é todo seu, centenário palestrino. Eterno palmeirense.

O que ganhamos nos gramados é o que vencemos na vida por ter como marca de nascença um P no peito. Tanto quanto um passe de Ademir da Guia, o que nos ganha é um toque do nosso hino imponente. Tanto quanto seguir o que ensina o Pai da Bola Waldemar Fiúme é ser filho da mesma fé que nos faz acreditar e cornetar na mesma frase, na mesma fase. Tanto quanto um carrinho de Junqueira é o carinho do toque da nossa camisa em nossa pele. Tanto quanto uma espalmada do anjo guardião Marcos são as mãos dadas com nosso filho na arquibancada do Palestra. Tanto quanto uma penalidade máxima guardada por Evair é a alma molhada e lavada na alegria máxima de um 12 de junho dos Namorados. Tanto quanto um drible de Julinho é a finta e a ginga para ouvir pelo rádio o que nossos olhos não creem pela TV. Tanto quanto perder a respiração e ganhar um jogo num lance de Luís Pereira é ler o minuto a minuto de uma partida pela Internet e a cada segundo se saber mais torcedor.  Tanto quanto honrar e encharcar a camisa como Djalma Santos é chegar e encher a nossa casa de espetáculos que não tem cabimento para tanta paixão.

Stadium Palestra Itália dos devotos de São Marcos, dos filhos do Divino Ademir que nos dá Guia. Ponto de encontro de almas e desencontros de opiniões de periquitos e porcos. Festa no chiqueiro de Perdizes, no poleiro da Água Branca. No Parque Antarctica da Turiaçu. No Jardim Suspenso do Allianz Parque. Na nossa casa. Onde todos berram e todos têm alguma razão. E toda a emoção sem noção na nação palmeirense de Felipão, Luxemburgo, Filpo e Brandão. Da TUP que nasceu em 1969 e canta por Leivinha, e da Mancha Verde que surgiu em 1983 e vibra por Rivaldo. Do palmeirense que faz parte de uma sociedade que não precisa de carteirinha para ser fã.  Do sócio que só precisa do SEP no endereço. No berço.

Gritar gol do Palmeiras só é menos importante que apenas sussurrar "Palmeiras" no ouvido da mulher amada de olhos e corações verdes. De ensinar Palmeiras aos filhos que sorriem e se saciam só de ouvir a palavra. Mantra que cobre como manto o lindo estádio de espírito que é sempre nosso pelo nosso canto – que faz de todo gramado verde o nosso cantinho alviverde, o campinho de casa.

Filhos de periquitos que são porquinhos que cresceram ouvindo proezas que podem ver pela tecnologia que perpetua 100 anos de aulas das Academias. Milagres de Marcos, divindades de Dudu e da Guia, chapéus de Alex, canetas de Edmundo, louros de Césares Sampaio e Maluco, loucos pazzi de tantos Palmeiras.

As novas técnicas podem conservar tudo que se fez. Mas nada inventado desde 26 de agosto de 1914 encerra tudo que abre a nossa alma com tamanha técnica catedrática em campo, com grandes técnicos no banco com crédito. Tudo e muito mais que aqui tentamos lembrar. Tudo que nosso clube fez. Tudo que nossa gente faz. Tudo que a escola do Palmeiras que nos acolhe apresenta. A Academia que o mundo aprendeu a respeitar. Palestra que nos ensina a amar. Sem condição. Só com Palmeiras.

Resumo da obra
Por Mauro Beting

São 350 páginas de textos e fotos do Palmeiras no único livro oficial da história palestrina-palmeirense. Oficial, mas não chapa branca. Apenas Alviverde. Fui convidado pela direção do clube e pela editora Magma para escrever o livro em outubro de 2013. Chamei um time de palmeirense para ajudar na reportagem, redação e produção: Fabio Chiorino, Marcelo Mendez, Leandro Beguoci e Gino Bardelli.

Juntos escrevemos. No final, canetei e assinei todo o texto. Imenso desafio por já ter escrito outros livros do Palmeiras: O dia em que me tornei palmeirense(Panda, 2007); Os 10 Mais do Palmeiras(Maquinária Editora, 2009); Memórias Futebolísticas de Mauro Beting – Palmeiras: Futebol é com a Rádio Bandeirantes (Panda Books, 2012); Os 20 Jogos Eternos do Palmeiras (Maquinária Editora, 2013); Nunca fui santo – O livro oficial de Marcos (Universo dos Livros, 2012, em parceria com Marcos Reis) e Sociedade Esportiva Palmeiras: 1993. O fim do jejum, o início da lenda (BB Editora, 2013, em parceria com Fernando Galuppo e Evair Aparecido Paulino).

Escrever algo diferente é outro enorme desafio. Por isso chamei mais gente para me ajudar, até por estar, ao mesmo tempo, fora o trabalho normal no Fox Sports, Rádio Bandeirantes, LANCE!, LANCENET! E Sporting Quiz, e mais palestras e apresentação de eventos, também estar entrevistando Luiz Thunderbird para uma autobiografia, estar preparando uma biografia do Osmar Santos, estar começando a escrever a de Zico, finalizar meu primeiro documentário – 12 de junho de 1993: O dia da paixão palmeirense, estar dirigindo uma série de cinco programas dos 100 anos da Seleção Brasileira para National Geographic e Fox Sports, e ainda ter assumido a curadoria do Museu da CBF e de uma exposição no Museu do Pelé. Tudo isso ao mesmo tempo. Meus companheiros me ajudaram demais. Mas tive de tentar dar uma identidade nos textos para o livro que, de fato, tem apenas a minha assinatura.

Honra maior que não esperava ainda ter depois de ter escrito as autobiografias de Marcos e Evair.

Honra de ser um dos cinco embaixadores do centenário, ao lado de Ademir da Guia, Dudu, Evair e Marcos.

E, agora, o privilégio de assinar o livro oficial de texto do centenário. O único.

Haverá outro de fotos, muito bonito, da Toriba.

Outro muito bom do Luciano Ubiraraja Nasser, mais temático, um grande almanaque.

E esse que conta a nossa história. Sobretudo a do futebol palestrino. Como é um livro oficial, não entro nas questões políticas mais profundamente. Em respeito aos próprios personagens. E, principalmente, ao clube. Todos os presidentes são citados. Os principais feitos também. Os problemas também são apresentados, dentro e fora de campo. Mas com o máximo possível de isenção e com a independência dada pela direção do clube.

Não me foi pedida uma linha de texto. Não foi cortada uma letra.

E, claro, ainda haverá polêmica. É do futebol. É do Palmeiras.

Falo também de acertos e erros de arbitragem. Mas sem vestir a camisa.

Até por não precisar ser palmeirense para tanto. O Palmeiras fala por ele próprio. Se fez por elas próprias.

Faz a nossa vida melhor há 100 anos.

Por isso a enorme honra de assinar um trabalho para mim eterno como o Palmeiras.

Sobre os autores:
Mauro Beting. Neto, filho, sobrinho, primo, e irmão de jornalistas, está na imprensa por esporte desde 1990. Fez curso de arbitragem para aprender a ser xingado, fez curso de treinador para aprender a ser chamado de burro, e tenta não ser clubista, bairrista e achista no meio mais passional, parcial e subjetivo que existe. Comenta futebol nos Canais Fox Sports, Rádio Bandeirantes, Yahoo!-Esporte Interativo e no PES 2015; apresenta futebol no Fox Sports; escreve futebol duas vezes por semana no LANCE!. Escreveu 14 livros. Dirige e roteiriza documentários futebolísticos para TV e cinema. Curador do Museu da CBF. Vale acessar também: http://www.literaturanaarquibancada.com/2011/10/o-multimidia-mauro-beting.html

Fabio Chiorinoformou-se em Jornalismo pela Universidade São Judas Tadeu e começou a trabalhar em jornais e revistas de bairro. Atuou durante três anos como redator da Agência Folha, antes de partir para a comunicação corporativa. Em 2006, entrou para a equipe da agência XComunicação e no mesmo ano concluiu a pós-graduação em Comunicação com o Mercado pela Escola Superior de Propaganda & Marketing. Em 2009, ministrou a disciplina “Relacionamento com a Imprensa” para turmas de pós-graduação lato sensu da Universidade Cruzeiro do Sul. É co-autor de dois livros: “Haja Saco – O Blog” e “Esporte Fino – O Esporte Além dos Resultados”.

Marcelo Mendezé uma espécie de Hunter Thompson de Puma suede a vagar de óculos escuros pelo ABC paulista. Jornalista, roqueiro, cronista do jornal ABCD Maior, Terra Magazine e outros blues.

Leandro Beguocié editor-chefe da F451 (empresa que publica o Gizmodo e a Trivela). É ainda professor da pós-graduação em comunicação multimídia da FAAP, professor da Escola São Paulo, colunista da revista VIP, editor da revista digital Oene e membro da OrbitaLAB (um laboratório de inovação em jornalismo e comunicação). Trabalhou na Folha de S.Paulo, Veja e criou o departamento de internet do grupo FOX no Brasil.

Gino Bardellitrabalha na Rádio Sul América Trânsito. Trabalhou na Rádio Estadão ESPN. É formado pela UMESP – Universidade Metodista de São Paulo.


O País da Bola

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Uma “viagem” literal através do país do futebol. Um livro importante na história da literatura esportiva brasileira foi reeditado. A obra é “O País da Bola”, de Betty Milan, lançado em 1989 pela Editora Record, ganha agora, em 2014, nova edição, atualizada, com prefácio da autora.

Literatura na Arquibancada reproduz abaixo o texto de apresentação da primeira edição, além do primeiro capítulo da obra.

Sinopse (da editora):

Se a cultura francesa privilegia o direito - le droit -, a inglesa o fairplay e a espanhola a honra - el honor -, a brasileira, segundo Betty Milan, privilegia o brincar. Aconteça o que acontecer, diz ela, nós brincamos. Podemos prescindir de tudo, porque sabemos recorrer à imaginação. O resultado dessa cultura do brincar é um futebol particularmente inventivo, que produz jogadores capazes do impossível e propicia continuamente a surpresa. A autora mostra o que fez do football o futebol e dos nossos jogadores figuras lendárias. Com O país da bola, o leitor entra no Braaasilll, o Brasil que mais faz sonhar. Veja mais no site: www.bettymilan.com.br .






Introdução
Por Betty Milan



A cultura francesa privilegia o droit, a inglesa o fair play e a espanhola el honor. Nós, brasileiros, privilegiamos o brincar. Aconteça o que acontecer, nós brincamos, porque para isso podemos prescindir de tudo, só precisamos da imaginação. O samba que o diga:

Com pandeiro ou sem pandeiro
E, ê, ê, ê, eu brinco
Com dinheiro ou sem dinheiro
E, ê, ê, ê, ê eu brinco
(PEDRO CAETANO e CLAUDIONOR CRUZ, 1944)

Tanto podemos abrir mão do pandeiro quanto do dinheiro por sermos capazes de improvisar o que desejamos, valendo-nos do que estiver ao alcance da mão. Os brasileiros de todas as classes são escolados na improvisação, que pode mesmo ser considerada um traço cultural.

Essa tendência se manifesta claramente, por exemplo, no Carnaval, festa em que é hábito recorrermos ao que está no armário para fazer a fantasia. Assim, a partir de um top chegamos a uma bailarina, acrescentando apenas um saiote de tule e um chapeuzinho redondo feito com tampa de caixa de queijo e tecido bicolor. Uma frente única, um fuseau e alguns colares de pérolas falsas compõem a roupa da fantasia de turca, que só requer a compra de um chapéu — a menos que também o façamos em casa com feltro e pingente de borla.

O luxo da cultura brasileira é a imaginação, que nós muito valorizamos. As histórias infantis induzem a contornar o impossível imaginando e a realizar assim o desejo.

“Queres ir ao céu?”, pergunta o narrador de uma delas, já respondendo: “Toma o pó de pirlimpimpim”. Pó que, nós, crianças, tomávamos para com os personagens desembarcar na Lua, ver São Jorge espetar o dragão de língua vermelha com ponta de flecha e olhos de fogo. “Queres encontrar Branca de Neve, Peter Pan, Capitão Gancho, Dom Quixote e Sancho Pança, Aladim e Xerazade reunidos? Senta no tapete voador para ver”. E nós assistíamos à chegada simultânea deles todos no Brasil.

Somos formados desde pequenos para inventar e, por isso, o futebol brasileiro é particularmente criativo, produzindo jogadores capazes de fazer o impossível acontecer, propiciar a experiência da surpresa de que necessitamos para aplacar a nostalgia da infância, época em que todo dia deparávamos com alguma novidade absoluta. O estilo do nosso jogo é o de um povo que se entrega à imaginação porque vê nela uma saída.

Interessa aqui focalizar o estilo deste povo e, para isso, nós atravessaremos o país da bola, indicando o que faz do football o futebol e dos nossos jogadores, figuras lendárias. Na travessia, o leitor enveredará pelo Brasil que faz sonhar, o Braaasilll, e ele talvez se diga que o gol bem pode nos representar.

FUTEBOL ESPERANÇA

“Na França, um vilarejo é uma torre de igreja; no Brasil, uma bomba de gasolina e um campo de futebol”, me disse um jornalista esportivo francês voltando da Transamazônica. “Os brasileiros são feitos para o jogo e este para eles”, escreveu outro, acrescentando que os cariocas, antes de serem cristãos, comunistas, brancos ou negros, eram torcedores de Vasco, Fluminense, Flamengo ou Botafogo.

Tamanha paixão que o calendário esportivo serve para tudo rememorar — até a data do casamento, como na briga de marido e mulher narrada por um radialista mineiro:

— Você só pensa em futebol. Vai ver que já nem lembra do dia do nosso casamento, diz a esposa.
— Claro que me lembro! Foi na véspera de um jogo entre o Santos e o Corinthians, jogaço, Santos 4 a 1.

Os homens brasileiros sabem de si pelo futebol, cujos fatos conhecem a ponto de descrever gols ocorridos décadas atrás, a formação da jogada, a reação do goleiro etc.

O jogo a eles importa tanto quanto a vida, como é patente no diálogo seguinte:

— Você reza?
— Às vezes.
— Às vezes como?
— Andando de avião eu rezo.
— E quando mais?
— Quando o meu time joga, o Botafogo.

O sujeito ora pela vida e pela vitória do time, que é a da identidade. Ora para conjurar o risco da ferida narcísica que o fracasso imporia. Do jogo depende o seu ser, que assim se diz no cotidiano através das expressões do futebol.

Sentindo-se querido ou cobiçado, o brasileiro garante que o outro lhe “deu bola”. Tendo enganado o opositor, vangloria-se com o verbo “driblar”. Tendo se enganado, confessa que “pisou na bola”. Se excluído de atividade ou grupo, está “fora da jogada”. Se em dificuldade, mas com intenção de vencer, vai “derrubar a barreira” e então clama “bola pra frente”. Caso, no entanto, abra mão da luta, anuncia que “tira o time de campo”. Ameaça aposentar-se “pendurando as chuteiras”, seja homem ou mulher, presidente da República ou cantora de sucesso. O ex-presidente Jânio Quadros, eleito prefeito de São Paulo, então não mandou pendurar as suas no gabinete, para assim garantir que nunca mais se candidataria? Elis Regina declarou à imprensa que teria um dia a dignidade de “pegar a chuteira e pendurar, porque aí já era”.

A língua fez o football passar a futebol, deixando-se moldar por este. Já não bastaria isso para privilegiarmos o jogo? O futebol indubitavelmente nos espelha e a sua tática serve para diferenciar as nações. Isso não escapou ao estrategista Henry Kissinger. A seleção alemã, segundo ele, joga como o estado-maior se preparava para a guerra. Jogadas meticulosamente planejadas, homens treinadíssimos para o ataque e a defesa, tendo considerado tudo o que era humanamente previsível. Já a seleção italiana procura economizar energia para a tarefa decisiva e forçar o adversário a abrir mão da tática planejada. Daí ser defensiva, além de demolidora. O Brasil se caracteriza, em contrapartida, pelos jogadores mais acrobáticos do mundo, capazes até de esquecer que o objetivo do jogo é marcar gols, convencidos de que a virtude sem alegria é uma contradição; individualistas, porém dispostos aos ajustes práticos necessários a um desempenho eficiente.

Tanto pela tática quanto pelo modo de falar do jogo, diferenciamos um país do outro. Assim, em entrevista a Marguerite Duras, Michel Platini diz que o futebol não tem nenhuma lei e não é necessariamente o mais forte que ganha. Basta o goleiro escorregar e a seleção perde. Acrescenta que não terá sido culpa daquele, pois o futebol é feito de erros. Ninguém errasse, o resultado seria 0 a 0 — jogo perfeito, mas sem nenhum gol.

A interpretação de Platini é, para nós brasileiros, absolutamente surpreendente. Jamais assimilaríamos o escorregão ao erro. Tendemos antes a pensar no azar, invocar uma força desconhecida para a explicação do fato. Para os franceses, o limite da sua ação está no desempenho. Já nós nos consideramos sujeitos a algo que nos ultrapassa, que não podemos controlar e é absolutamente determinante. Por outro lado, jamais nos ocorreria que o jogo pudesse ser perfeito sem gols. Só o seria por uma goleada excepcional e lances inacreditáveis. Em suma, pela irrealidade. O critério da excelência da partida é a sua magia.

O futebol brasileiro, diz Roberto DaMatta, não é sport— como para americanos e ingleses —, é jogo, e por isso só dizemos jogo de futebol. Além de implicar sorte, depende de malícia. Isso porque o futebol nasce como brinquedo, brincadeira de bola, e não renuncia depois ao brincar, que se associa à manha. Garrincha teria sido Alegria do Povo se não fosse manhoso como era, sem tanto driblar?

À criança europeia, o adulto ensina com Chapeuzinho Vermelho a não desobedecer e com Pinóquio a não mentir. À brasileira, ensinamos com Emília, personagem de Monteiro Lobato, a fazer de conta. Vira e mexe, a ousada boneca zomba da “gente grande”, que é “bicho bobo”,
pois desconhece “essa coisa tão simples que é o faz de conta”, permite negar a geografia e a cronologia, encontrar o herói grego Belerofonte no Sítio do Pica-Pau Amarelo e os moradores desses confins paulistas na Grécia de Péricles.

Através da boneca, Lobato faz pouco de quem “não sabe se regalar com as delícias do brincar”, incitando a criança a desconfiar do adulto e este a gozar ainda das regalias daquela, desrecalcar-se tomando e distribuindo, se preciso for, o pó de pirlimpimpim, como supostamente fazia Pelé, segundo um torcedor.

O fato é que nós muito brincamos. No cotidiano, fazendo pouco do que nos incomoda ou mesmo fazendo de conta que é outra a realidade. O ano inteiro brincando com a pelota e todo ano no Carnaval. Se para jogar não dispusermos de bola oficial, improvisaremos uma. Que se
faça uma bola com as meias disponíveis no quarteirão! Se para sambar não houver instrumento, com uma lata qualquer nos bastamos:

Já que não temos pandeiro
Para fazer a nossa batucada
Todo mundo vai batendo
Para poder formar no samba
Para entrar na batucada
Fabriquei o meu pandeiro
De lata de goiabada
Sai do meio do brinquedo
Não se meta, Dona Irene,
Porque fiz o meu pandeiro
De lata de querosene...
(JOÃO DE BARRO e ALMIRANTE, 1931)

Precisamente porque vivemos sob o imperativo do brincar, o Carnaval e o futebol são paixões nacionais. O espanhol não se concebe sem a tourada, nós, sem os dois rituais em que existimos autorizados, como na infância, a fazer de conta, realizando a fantasia universal de apesar da idade poder brincar, beber assim na fonte de Juventa. Subversão de valores através de uma contracultura de massa, a cultura do faz de conta e do driblar.

Jogar futebol no Brasil é, portanto, natural. Se o menino inglês, italiano ou francês chega ao clube para aprender, o nosso já chega fazendo tudo com a bola e dizendo que, tirante o goleiro, ele brinca nas dez posições. O treinador não ensina o primeiro chute, seleciona entre moleques capazes de amortecer a bola em plena corrida, driblar e chutar com os dois pés.

Ganhando a Copa ou não, somos campeões na paixão pelo jogo, que nos dá a certeza de sermos quem imaginávamos e confirma assim a identidade. Mais ainda: ele oferece a realidade igualitária com que sonhamos. O futebol, no Brasil, não é exclusividade de ninguém. Quem não joga no clube joga na várzea ou na praia. Qualquer um pode, desde que no time haja vaga e o candidato tenha a palavra certa para entrar. O que vigora é a regra, a civilidade.

A todos, pois, é dado brincar e mesmo tentar a sorte na vida pelo jogo, onde só o desempenho conta. “Ninguém pode ser promovido a astro do futebol pela família, pelo compadre ou por decreto presidencial.”

Ascensão e queda só dependem da competência, e não das relações pessoais, como normalmente ocorre na sociedade brasileira, na qual “quem é bom já nasce feito”, rico e destinado a ser doutor.

O sucesso no jogo sendo sinônimo de talento, o futebol significa, para os deserdados, uma promessa de renascimento. O jogador, como o sambista, não se faz pelo berço e faz pouco do bacharelado. O grande compositor Lamartine Babo que o diga:

Para fazer meu samba
Não tirei diploma
(LAMARTINE BABO, 1931)

O fato é que, entre nós, futebol é democracia. Todos iguais perante ele, ainda que desiguais perante as leis.

Regras universais inalteráveis no jogo, leis sujeitas a casuísmo na política. Razão demais para se privilegiar o futebol, experiência de legitimidade e acatamento das leis.

Isso explica o ocorrido na Copa de 1970. A palavra de ordem da oposição à ditadura militar era, então, de que se torcesse contra a Seleção Brasileira. Qual nada! A consciência crítica não resistiu ao nosso primeiro ataque bem-sucedido. A cada vitória dos “canarinhos” era um Carnaval espontâneo nas ruas das grandes cidades, e, no dia do tricampeonato, o país inteiro se entregou à folia, apossou-se das praças e das ruas, celebrando freneticamente o título.

Braaasilll! gritava a multidão entre as escolas de samba, os blocos e as bandinhas mais eufóricas. O país da bola raiou e pôde a pátria ser amada, o dramaturgo Nelson Rodrigues declarar oportunamente que já não era preciso ter vergonha de ser patriota.

Do Braaasilll pudemos nos orgulhar. Deu as copas, fazendo jus à palavra democracia. No seu espaço vigorava a lei e também a sanção. Já isso bastaria para que o país da bola servisse de exemplo ao outro.

Nós, brasileiros, mais nos fazemos através do Braaasilll, e é por isso que na Copa do Mundo nos vestimos de verde e amarelo, nos apropriamos da bandeira para agitar no estádio ou no corso e assim, torcendo, nos certificamos da unidade nacional. Nossa identidade não se molda através do Estado, da Igreja ou da Universidade. Os nossos heróis são os jogadores e os carnavalescos, os homens que desafiam em campo a própria lei da gravidade e os que vemos sambar numa corola iluminada de penas e de plumas, nos carros alegóricos da Avenida. São humanos como eu ou serão divinas estas aparições da Maravilha?, perguntamo-nos extasiados, querendo neles todos nos espelhar.

Sou quem?, indaga o nosso guri, sabendo-se do povo de Pelé, já dependendo do futebol para amar a si mesmo, comemorar nas ruas a sua existência ou se recolher arrasado pela derrota. Quem se esquece do silêncio que na Copa de 1986 tomou o país, se alastrou como a peste, esvaziando as ruas da cidade? O jogo contra a França perdido por um pênalti! Teria mesmo sido possível?, indagávamos sem falar, pois que brasileiramente não fazíamos alarde da tristeza.

Trancafiados em casa e em nós mesmos, esperávamos só do tempo a cura daquela ferida narcísica. O “canarinho” já não retornaria glorioso, o Braaasilll havia soçobrado como o Titanic.

Adeus, vitória!

De luto estávamos porque, no Brasil, o futebol nos leva ao céu, mas também pode se converter numa tragédia.

Assim foi em 1950.

Sobre a autora:
Betty Milan é paulista. Autora de romances, ensaios, crônicas e peças de teatro. Suas obras também foram publicadas na França, Argentina e China. Colaborou nos principais jornais brasileiros e foi colunista da Folha de S. Paulo e da Veja. Trabalhou para o Parlamento Internacional dos Escritores, sediado em Estrasburgo, na França. Em março de 1998, foi convidada de honra do Salão do Livro de Paris, cujo tema era o Brasil. Antes de se tornar escritora, formou-se em medicina pela Universidade de São Paulo e especializou-se em psicanálise na França com Jacques Lacan.

Dali o Joca não perde

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Faltam autores na literatura esportiva iguais ao mineiro Victor Kingma. O futebol é feito de histórias, lendas e mitos criados por toda espécie de gente interessada no assunto. Na mesa do bar, na redação, nas ruas e campinhos de várzea ou ainda nas arquibancadas dos estádios surgem histórias mil.

E Victor Kingma não poderia decepcionar a tradicional “escola mineira” dos grandes contadores de histórias e causos. Mais um livro de sua autoria chega ao mercado: “Dali o Joca não perde”(Editora Nova Terra), com prefácio do craque Zico. Vale a pena conferir também os outros títulos do autor em http://www.historiasdofutebol.com.br/.

Sinopse (da Editora):

Arte: Eklisleno Ximenes
Dali o Joca nunca perderia aquele gol... Afinal, ele é o craque do time!

Nosso país vive com milhares de “Jocas”, “Manés”, “Joãos”, “Zicos” e outros apelidos que damos aos nossos craques e pernas de pau.

Victor Kingma conseguiu capturar a essência e transformou os causos que vivenciou, presenciou ou ouviu falar numa obra deliciosamente divertida e transformada em realidade pela sua veia literária.

Foram escolhidos 100 dos melhores causos do autor para demonstrar o misto de paixão e emoção de momentos marcantes do futebol que tomam conta de cada lance, cada passe, cada jogada do esporte mais popular do planeta Terra.

O livro, que tem prefácio do mestre Zico, ídolos de muitos brasileiros, tem seu título baseado em um dos seus causos, considerado o melhor deles. Já povoou as páginas da coluna de Renato Maurício Prado, no jornal O Globo, em 1997. 

PREFÁCIO
Por Arthur Antunes Coimbra – Zico

Fiquei pensando no que escrever sobre um livro que conta histórias do futebol.

Achei que contar um causo seria muito longo. Bom, a verdade é que eu adoro contar, ver, ouvir e ler essas histórias. Até hoje, quando encontro ex-companheiros de bola, uma das nossas diversões é relembrar esses momentos, alguns divertidos, outros muito curiosos, situações de todos os tipos. Não é por acaso que nos últimos dez anos venho publi­cando no meu site e guardando algumas dessas passagens que devem virar um livro também.

Victor Kingma é autor experiente e competente para reunir histórias. Não vou antecipar nada do que você lerá nas páginas a seguir, mas posso dizer que dei diretamente minha cota de colaboração contando a ele um causo do meu irmão Edu com o saudoso Gentil Cardoso. Mas sem dicas, afinal não quero tirar esse gosto da volta no tempo ou de descoberta para quem não viveu e, como eu, gosta como eu de ler boas histórias. É só deixar o autor guiá-lo por personagens e situações, muitas delas que só o futebol mesmo poderia produzir.

Boa leitura!

JOCA, O CRAQUE INFALÍVEL
Por Victor Kingma

Arte: Eklisleno Ximenes
Para encerrar, uma das minhas histórias de que mais gosto e que me inspirou a escolher o nome ao livro.

Finalíssima de campeonato no interior mineiro e o time da casa preci­sava com desespero da vitória. O empate daria o título ao arquirrival.

Para piorar as coisas, um problemão: Joca, o grande craque da re­gião, o Pelé da época, muito gripado, não podia jogar. A pedido do técnico fica no banco de reservas, apenas para intimidar o adversário.

Rola a bola e o jogo é tenso, fechado, nada de oportunidade de gol para nenhum dos times. Já no finalzinho, o técnico, em desespero, chama o Joca e pede:
Vai pro sacrifício, meu craque! É tudo ou nada. Só você pode nos salvar!

E o nosso herói entra em campo, aos 41 minutos do segundo tempo. Aos 44, em um contra-ataque, o ponta direita Fumaça vai ao fundo e cruza: Joca mata a bola no peito, tira o beque da jogada e dispara...

A torcida se levanta, os locutores enchem os pulmões para gritar gooool!...

De repente, os refletores do estádio se apagam... Ninguém con­segue ver a conclusão do lance... Pânico geral, somente cinco minutos depois as luzes começam a voltar... Em meio à confusão, a bola sumiu.

E, afinal, o que aconteceu?

Sereno e impassível, o juiz se dirige ao centro do gramado...

Os repórteres o cercam:

– O que foi, seu juiz?

E ele, com toda a segurança:

– GOL!

Mas ninguém viu a bola entrar após o chute do Joca, argumentam os repórteres atônitos e os adversários enfurecidos...

E o juiz, com a maior calma:

– Vocês que acompanham futebol sabem muito bem:

“DALI, O JOCA NÃO PERDE!”

Sobre o autor:
Victor Kingma tem vários livros publicados (ver link http://www.historiasdofutebol.com.br/). É Administrador de Empresas, Desportista, Escritor e Historiador. Tem quatro livros publicados no Brasil e um no exterior (Holanda). Ex-atleta, é um estudioso do lado folclórico do futebol e possui um dos maiores acervos de histórias e causos da bola. Escreve para vários jornais e sites do Brasil. Sua obra literária começou em 2003, com o lançamento do primeiro livro, A Oficina do Tião Sapateiro. A trama narra os acontecimentos e costumes de uma época, tendo como cenário uma pequena oficina de consertos de calçados, ponto de encontro da juventude do bairro onde ele morava no início dos anos sessenta, em Juiz de Fora, Minas Gerais. Aficionado por literatura e esporte, reuniu essas duas paixões no segundo livro, Causos da Bola, lançado em 2005. A obra, uma coletânea de suas histórias e causos, abordando o lado folclórico do futebol, tema do qual é um estudioso e apaixonado, teve grande repercussão na mídia esportiva do país, naquele ano. Em 2007, lançou o seu terceiro trabalho, Da Frísia à Mantiqueira, traduzido também na Holanda e que narra a saga de seu avô, João Kingma, imigrante holandês, um pioneiro da indústria laticinista no país. Contar histórias é uma arte, e o mineiro, em especial, sabe como ninguém contar as histórias e causos de sua terra e dos personagens tão interessantes que formam as suas “gentes”.


Enciclopédia das Copas do Mundo

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Mais um livro obrigatório nas redações esportivas, universidades e, evidentemente, na biblioteca do leitor que acompanha a boa literatura esportiva brasileira. Em época de Copa, “brotam” livros no mercado, mas quando a obra se propõe como uma Enciclopédia, poucas são as que trabalham bem a parte de histórias e causos.  

Não é o caso da Enciclopédia das Copas do Mundo (Editora Nova Terra), de Luiz Fernando Baggio. São mais de 700 páginas, uma viagem pela história do maior evento do planeta bola. Na primeira parte o leitor encontrará o contexto político de cada edição do torneio e os acontecimentos dentro de campo. Na metade final, a alegria dos estatísticos de plantão nas redações: número de gols, artilheiros dos torneios, público dos jogos, as curiosidades escondidas nos recordes.

O leitor apaixonado pelas histórias das copas encontrará também respostas para perguntas como o motivo da Índia não ter participado da Copa de 1950 no Brasil. Ou ainda, descobrir qual seleção ficou invicta por quatro anos, mas perdeu justo na final da copa de 1954.  E como foi encontrada a taça Jules Rimet, quando roubada após a Copa de 1966 na Inglaterra.

Luiz Fernando Baggio não é “marinheiro de primeira viagem”. Para chegar até essa edição de sua Enciclopédia das Copas do Mundo, ele começou, em 2005, com a publicação do livro Copas do Mundo - Histórias e Estatísticas (editora Axcel). Depois, em 2010, chegou a primeira edição, pela Editora Nova Terra, desta Enciclopédia das Copas do Mundo.

Apresentação
Por Luiz Fernando Baggio

O JOGO MAIS POPULAR DO MUNDO
”O Futebol é a coisa mais importante dascoisas menos importantes!”

Um jogo de regras simples, que pode ser praticado por atletas de qualquer tipo físico e pratica­mente em qualquer lugar. O único esporte coletivo em que, nem sempre, quem joga melhor vence. Injusto? Certamente, mas também este é um dos motivos que fazem do futebol o jogo mais popular do mundo.

A partida final da Copa de 2006 realizada no estádio Olímpico de Berlim, entre Itália e França, foi assistida por uma plateia estimada em mais de 2,2 bilhões de pessoas, um terço da população mundial. Este fato, por si só, demonstra a popularidade e a força do futebol.

Futebol, Fussball, FuBball, Calcio, Soccer, Futbol, Football, são muitos os idiomas espalhados por todo o mundo, que traduzem a mesma paixão.

O planeta Terra, de Leste a Oeste, de Sul a Norte adora este jogo, que, já se disse, é uma metáfora da vida. 

A gênese desta metáfora remonta à Antiguidade. Na China praticava-se há 2.200 anos o Tsu Chu, no Japão do século V d.C. o Kemari era jogado como parte do culto a Buda. Aonde viria a ser, novecentos anos depois, o continente americano, os astecas praticavam o Tlachti. Os gregos antigos disputavam o Epyskiros, que era jogado com uma bola feita da bexiga de boi, coberta por uma capa de couro. E os romanos, ao dominarem a Grécia, copiaram as regras e criaram o Harpastum.

Séculos mais tarde, em Florença, surgiu o Giuoco del Calcio. Em 1529, políticos florentinos deci­diram resolver demandas disputando um jogo de bola. Dois times com 27 integrantes cada dis­putavam a posse da bola feita de pano e couro, sob a supervisão de nada menos que dez juízes que evitavam que a disputa descambasse para a pancadaria generalizada. Vencia o time que mais vezes acertasse a pelota na meta adversária. Até hoje, anualmente, é disputado um jogo em que se conserva a tradição. Na mesma época, na França, era disputado o Soule.

Na Inglaterra o ancestral do futebol era chamado de Mob Football, uma violentíssima disputa entre centenas de pessoas que ia do nascer ao pôr do sol e resultava em dezenas de mortos e feridos. Por razões óbvias foi terminantemente proibido.

Apesar da proibição, continuou a ser praticado ao longo do tempo e lentamente foi incorporado pelas diversas escolas da aristocracia. Cada uma delas possuía suas próprias regras e o Rugby Col­lege de Londres acabou por criar o Rúgbi, que podia ser jogado também com o uso das mãos.

Finalmente, em 1848, representantes de quatorze universidades inglesas reuniram-se em Cam­bridge para unificar as regras, o que permitiu, a partir daí, que fossem disputadas partidas entre diferentes instituições. 

O esporte já então era praticado pelos plebeus em clubes de iatismo, remo, tênis, etc. O seu crescimento acelerado fez surgir a necessidade de organização. Assim, no dia 26 de outubro de 1863, reunidos na Freemason’s Tavern, em Londres, onze representantes de instituições de toda a Grã-Bretanha fundaram a Football Association: nascia oficialmente o Futebol.

A Football Association tratou das regras até 1886, quando foi criada a International Board, que até os dias atuais é responsável pela manutenção ou modificação das regras do jogo.

Por possuir, à época, a economia mais poderosa do planeta, a Inglaterra tinha relações comerciais nos cinco continentes e, através dos marinheiros de seus navios, que aproveitavam as paradas nos portos em que atracavam para disputarem animadas partidas, o futebol foi sendo disseminado e, em poucas décadas, até o final do século XIX, já era praticado em diversos países, os quais também foram criando suas associações nacionais.

Em 1896 os primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna foram realizados em Atenas, Grécia. O criador dos Jogos, o francês Pierre de Fredi (1863-1967), Barão de Coubertin, não permitiu que esportes coletivos fizessem parte do programa dos Jogos.

Devido principalmente à insistência de Robert Guérin, jornalista e secretário da União das Sociedades Atléticas da França e amigo de Coubertin, o futebol foi incluído nos Jogos de Paris em 1900.

Foi esta a primeira grande competição internacional na qual o futebol foi incluído.
Seria questão de tempo o esporte voar com as próprias asas.

Guérin passou a fazer contatos em diversos países da Europa, visando à criação de um órgão internacional que cuidasse da organização do futebol.

O jornalista francês sonhava com um torneio mundial exclusivo para o futebol e durante quatro anos lutou contra todas as dificuldades, principalmente o desdém dos ingleses.

Conseguiu finalmente o apoio de algumas federações nacionais e de pessoas influentes, entre as quais estavam o belga Louis Muhlinghaus e o banqueiro holandês Carl Hirschmann.
Hirschmann redigiu então a minuta dos estatutos de criação do órgão internacional que regeria o futebol.

No dia 21 de maio de 1904, em Paris, Guérin, como representante da França, Hirschmann, da Holanda e mais cinco outros representantes de países europeus, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Suécia e Suíça, reuniram-se na sede da federação francesa, rapidamente aprovaram o estatuto e elegeram Guérin seu primeiro presidente. Estava criada a Fédération Internationale de Football Association - FIFA.

Presente à reunião encontrava-se um homem que seria decisivo para o crescimento do futebol e a criação da Copa do Mundo, Jules Rimet.

Rapidamente outros países deram seu apoio à nova entidade: Alemanha, Áustria, Hungria e Itália. A Inglaterra, que esnobara Guérin, solicitou em 1905 sua inscrição.

A FIFA, que realizou seu segundo congresso em 1905 e desejava promover um campeonato já em 1906, estipulou o prazo de inscrição até 31 de agosto de 1905, porém ninguém se inscreveu. A razão é simples: vários países já contavam com times profissionais e não queriam participar com seleções amadoras, exigência da FIFA.

A intransigência de Guérin em manter o amadorismo criaria um cisma na entidade que acabaria resultando na renúncia do francês. O inglês Daniel Woolfall assumiu a presidência da FIFA em 1906 e preferiu deixar as coisas como estavam. O futebol continuaria a participar dos Jogos Olím­picos e um torneio mundial exclusivo teria que esperar.

A FIFA ficaria estagnada até 1921 por diversos fatores, internos e externos, principalmente o pou­co empenho de Woolfall e a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Passado o conflito, foi eleito para presidi-la Jules Rimet, que levaria o sonho da Copa do Mundo adiante.

O torneio de futebol nos Jogos Olímpicos ganhava, a cada edição, importância e prestígio. O Uru­guai venceu os Jogos de 1924 em Paris, apresentando aos europeus um estilo de jogo refinado.

Rimet, cada vez mais convencido de que o futebol poderia realizar um campeonato independen­te, redobra os esforços para conseguir seu objetivo.

No congresso realizado em fevereiro de 1927, foram apresentadas propostas para a realização de uma Copa da Europa, que se realizaria de dois em dois anos, e outra da Copa do Mundo a ser disputada de quatro em quatro anos.

A Copa do Mundo era quase uma realidade, todavia teria ainda que esperar um pouco mais. No congresso de Amsterdã em maio de 1928, finalmente a 1ª Copa do Mundo foi oficial­mente marcada.

Seria realizada em 1930, entre os meses de maio e junho. Cinco países apresentaram suas can­didaturas à sede da competição: Espanha, Holanda, Hungria, Itália e Suécia. A Copa do Mundo, porém, aconteceria bem longe de qualquer um destes países.

Nos Jogos de 1928, o Uruguai conquistou o Bicampeonato Olímpico. O país sul-americano es­corado pelo prestígio esportivo e a força política de seu governo desejava promover um grande evento para comemorar o centenário de sua independência. Apresentou sua candidatura e ofereceu todas as garantias para a realização do torneio, inclusive prometendo construir um grande estádio.

Em 1929, no congresso de Barcelona, os cinco países europeus retiraram suas candidaturas e o Uruguai, na condição de único postulante, ganhou o direito de realizar a 1ª Copa do Mundo de futebol.

Depois de um quarto de século, enfim, a Copa do Mundo era uma realidade.

Os homens que sonharam com sua realização não poderiam imaginar que a Copa do Mundo, ao longo do tempo, se tornaria a mais importante competição de um único esporte e que a cada quatro anos mobilizaria a atenção de bilhões de pessoas nos quatro cantos do planeta.

Sobre o autor:
Luiz Fernando Baggio Monclar nasceu em 1958, exatamente quando o Brasil conquistou sua primeira Copa do Mundo, na cidade de Curitiba, Paraná. É formado em Administração de Empresas e torcedor apaixonado da seleção brasileira de futebol. Teve seu interesse despertado para as Copas do Mundo aos nove anos, durante a Copa de 1966 na Inglaterra. Após a Copa de 2002, deu início a esta obra baseado em seu conhecimento do assunto e na vontade de transmiti-lo a outras pessoas.

Um jogo cada vez mais sujo

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Mais um livro “explosivo”. Depois de “Jogo Sujo – O mundo secreto da Fifa” (ver artigo aqui http://www.literaturanaarquibancada.com/2013/10/jogo-sujo-o-mundo-secreto-da-fifa.html), lançado em 2011, o jornalista escocês Andrew Jennings e a editora Panda Books trazem a você, leitor, o “livro-bomba”, “Um jogo cada vez mais sujo – O padrão Fifa de fazer negócios e manter tudo em silêncio”.

Considerado o inimigo número 1 da Fifa, Jennings investiga os bastidores da entidade há 20 anos. Foram suas denúncias que acabaram resultando nas expulsões de João Havelange e Ricardo Teixeira da entidade.

Um dos capítulos do livro denuncia o esquema fraudulento da venda ingressos na Copa, fato que já começamos a ver no país, um mês antes do início da competição. Evidente que os denunciados não iriam ficar em silêncio. Mesmo com ameaças, a Editora Panda Books também entrou na briga. Assim que tomou conhecimento das denúncias do novo volume de Jennings, o escritório de advocacia BM&A, que representa a Fifa no Brasil, enviou uma notificação para a editora, ameaçando processá-la por “falsas acusações, conteúdo calunioso, conteúdo inverídico e danos à honra e à imagem” caso o livro seja publicado no país. Segundo a editora apurou, o escritório BM&A tem como um dos sócios Francisco Müssnich, advogado e amigo de Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF, ex-membro do comitê executivo da Fifa e uma das figuras centrais do, como diz Jennings, “Padrão Fifa de fazer negócios e manter tudo em segredo”. Por meio dessa amizade, Müssnich ganhou de Teixeira um cargo no comitê organizador da Copa e também uma vaga no Superior Tribunal de Justiça Desportiva.

Apresentação
Por Andrew Jennings

Agora que este livro está concluído, vamos aguardar para ver se o FBI vai indiciar os principais membros da família Fifa-Blatter. As investigações do esquadrão do FBI contra o crime organizado, com sede em Nova York, começaram em 2010. Conheci a equipe em Londres, formada por agentes especiais e funcionários do Departamento de Justiça.

Em março de 2013, a Reuters informou que o filho de Jack Warner, Daryan, estava cooperando como testemunha, presumivelmente revelando as contas bancárias do papai nos paraísos fiscais. Foi dito também que havia evidencias interessantes nos vídeos das câmeras de segurança do Casino Bellagio, em Las Vegas.

É provável que Chuck Blazer também esteja cooperando. O FBI e a Receita Federal tomaram conhecimento, no final do verão de 2011, de que Blazer mantinha seus esquemas de evasão fiscal através de bancos no Caribe. Mas quase três anos depois, ele ainda não foi indiciado.

Será que o Barrigão vai para a cadeia? Será que Warner, Blatter e os outros líderes da Fifa são células adjacentes?

Prólogo
Em Palermo – Aprendendo sobre a máfia

Palermo, fevereiro de 1987. Estamos em um pomar de laranjeiras nos arrabaldes da cidade, filmando um pequeno edifício industrial. Agora o lugar está deserto, mas até recentemente era uma fábrica de processamento de suco. De acordo com solicitações apresentadas junto ao departamento de subsídios da União Europeia, era a fábrica de suco mais movimentada do mundo.

A máfia costumava submeter gigantescos pedidos fraudulentos de subsídios para a produção de suco de laranja que jamais existiu. Os mafiosos subornavam e intimidavam funcionários para endossar os pedidos – e roubavam milhões de dólares. O esquema foi desbaratado, os bandidos escaparam. Mas aqui é a Sicília e eles estão por toda parte, de olho.

Um enorme sedã preto com vidros escuros passa por mim e minha equipe de filmagem e estaciona. De dentro do carro desce um homem corpulento que caminha na minha direção. Faz gestos por cima do ombro apontando para uma pessoa invisível, mas obviamente importante, atrás dos vidros escuros e anuncia rispidamente: “Ele dizer vocês num filmare qui” (“Ele esta dizendo que vocês não podem filmar aqui”).

Finjo que não entendo, o que dá ao meu cinegrafista tempo para fazer mais algumas tomadas externas do edifício abandonado. No exato instante em que os olhos do sujeito começam a ficar arregalados de fúria, agarro a mão dele, aperto com firmeza, digo “arrivederci” e grito para a equipe: “Hora de ir embora!”.

Não foi um bom dia. Mais cedo tínhamos ido até a cidadezinha de Altofonte, nas colinas acima de Palermo. Sabíamos que se tratava da terra natal de um chefe da máfia que agora era um dos cabeças da organização em Londres. As ruas eram estreitas, e o nosso carro alugado se espremia entre muros altos e brancos dos dois lados. Erramos o caminho, demos uma guinada à esquerda e entramos em outra viela estreita – e demos de cara com quatro cavalos pretos com plumas pretas na cabeça. Oh, não! Um funeral. Encontramos espaço suficiente para passar raspando pelos cavalos e o rabecão. Não ousamos encarar nenhum rosto na fileira de gente enlutada que caminhava atrás do carro fúnebre. Sem demora, encontramos outra estrada e saímos da cidade.

Na noite seguinte, fomos escoltados por policiais armados através dos corredores de concreto e espessas portas de aço à prova de explosões em um labirinto sob o Palácio da Justiça em Palermo. Por fim chegamos ao minúsculo gabinete do magistrado investigador Giovanni Falcone. Um homem jovial, cujas bem-sucedidas campanhas contra a máfia fizeram dele o principal alvo da Cosa Nostra, Falcone deixou de lado os relatórios de inteligência que estava analisando, tirou da gaveta uma garrafa de uísque escocês e nos brindou com informações sobre os criminosos que estávamos investigando.

Giovanni Falcone
Cinco anos depois, a máfia siciliana matou Falcone e sua esposa – a juíza Francesca Morvillo –, além de três agentes da sua escolta. O carro do magistrado foi desintegrado por uma carga de dinamite na autoestrada que ligava o aeroporto militar siciliano de Punta Raisi a Palermo. Próximo à cidade de Capaci, um comando militar mafioso havia enchido de explosivos um largo duto de escoamento de águas pluviais que passava debaixo do asfalto da pista de rolamento.

Concluí as minhas filmagens, revelando de que maneira a máfia lavava milhões de dólares provenientes da venda de heroína por meio de bancos em Londres, dinheiro que mais tarde voltava para a Itália. Depois eu quis saber mais sobre como a máfia funcionava. Estudei ensaios e li relatórios de policiais tarimbados e criminologistas experientes, examinando as definições e as estruturas dos Sindicatos do Crime Organizado. Isso se tornou uma preparação essencial para o trabalho de investigação das federações esportivas internacionais.

Vasculhei e bisbilhotei a Fifa na década de 1990 e a partir do final de 2000 comecei a concentrar as minhas investigações em torno de Joseph “Sepp” Blatter e João Havelange. Logo me dei conta de que estava de volta ao éthos sombrio da Sicília – mas transferido para outro continente. Voltei ainda mais no tempo, pesquisando e lendo, e cheguei ao Bangu de cinquenta anos atrás. Do mundo dos bicheiros eu viajei de volta a Europa e descobri maletas secretas carregadas de lingotes de ouro arrebanhados em Zurique. Seguindo as barras de ouro, completei o círculo de volta a Copacabana, e agora... à Copa do Mundo de 2014.

Andrew Jennings
Cumbria, abril de 2014

Bem-vindos ao Rio
A violência dos amigos de Havelange não tem fim

8 de abril de 2010. Avenida das Américas, Rio de Janeiro. Bum!  O Toyota Corolla é blindado para resistir a tiros de fuzil, mas a couraça extra de aço das portas não dá conta de proteger o motorista adolescente da bomba amarrada debaixo de seu banco. Tudo que os guarda-costas armados nos dois carros que vinham atrás podem fazer é lamentar a morte instantânea de Diogo Andrade, de 17 anos de idade. Talvez jamais consigam encontrar todos os pedaços de seu corpo.

Rogério, o pai do garoto, sentado no banco do passageiro, escapa com o nariz quebrado. Mais tarde, em uma cama do Hospital Barra d’Or, ele começa a tramar o seu plano de vingança. Ele sabe quem deu a ordem para o atentado à bomba. Como a sua equipe de segurança cometeu o vacilo de não ver o artefato?

Chocados, os motoristas engarrafados atrás dos destroços, ao longo do bulevar paralelo às praias reluzentes na Barra da Tijuca, saem de seus carros para observar o trabalho da polícia e dos paramédicos, que na claridade da ensolarada manhã usam luvas para recolher os pedaços chamuscados do rapaz espalhados pela calçada e na sarjeta. Embasbacadas e boquiabertas, as pessoas olham com espanto para o Corolla fumegante e outro veículo incendiado – também destruído pela explosão. São as guerras de quadrilhas em sua violenta disputa pelo milionário mercado do jogo ilegal. Será que nunca terão fim?

Primavera de 2010. Os empreiteiros e seus amigos poderosos estão extorquindo os contribuintes com planos extravagantes para reconstruir e remodelar o estádio Maracanã, reduzindo a capacidade das arquibancadas populares de modo a abrir espaço para uma fileira de camarotes que somente os playboys internacionais podem pagar.

Bem-vindo ao Rio de Janeiro, cidade em que os homens de colarinho branco, usando como armas advogados e políticos, estão travando uma batalha para se apoderar da riqueza que a Copa do Mundo e as Olimpíadas podem propiciar. A batalha bem visível – aquela da avenida das Américas – é mais um episódio nas guerras por território em curso no Rio: as disputas de uma organização dividida em facções que rosnam e arreganham os dentes na tentativa de comandar os lucros da contravenção da cidade, a exploração do jogo do bicho, das máquinas caça-níqueis e do tráfico de cocaína.

Esqueça os traficantes pés de chinelo nas ladeiras das favelas com lindas vistas para o oceano, trocando tiros com a Polícia Federal e o Exército, os agentes da limpeza étnica preparando o terreno para a chegada das redes de hotéis. A terra é uma das mercadorias mais preciosas na cidade, e, se for preciso, vão derrubar casas com escavadeiras de terraplenagem – é isso que se faz para construir uma economia de primeiro mundo e esconder os lucros em bancos do Caribe.

Os assassinos no bulevar são membros de outra elite da cidade, duradoura e celebrada na mídia e no mundo dos esportes, protegida pela polícia e pelos políticos corruptos.

Havelange, Teixeira e Castor de Andrade.
Os ecos da explosão ricocheteiam nos morros. Será que o Cristo Redentor, lá no alto do Corcovado, derrubou uma lágrima pelo rapaz morto? Descansando em seu elegante apartamento, João Havelange estremece. Essa violência vulgar e desnecessária. Ele não tinha feito tudo pela família Andrade? Não havia posto o poderoso chefão do Rio no comando da delegação da Seleção Brasileira? Não lhe dera prestígio no futebol? Não tentou impedir a ação da polícia antimáfia? Quando aquela maldita juíza se recusou a ser intimidada, não foi visitá-lo na cadeia?

Seu velho amigo Castor, tio-avô do jovem morto no ataque à bomba, tinha mantido a cidade em ordem. Número mínimo de assassinatos. Financiava o Carnaval para as massas cariocas. Ao mesmo tempo, o aristocrata Havelange estava aprendendo a receita de como criar uma organização global sem matar ninguém, sem precisar quebrar uma perna sequer. O combustível era o dinheiro, fornecido pelas marcas globais e pelas redes mundiais de televisão, todas competindo para abocanhar uma fatia da mercadoria que ele controlava.

Em outra parte da cidade, Romário está conversando com dirigentes do Partido Socialista Brasileiro (PSB). Quer destronar Ricardo Teixeira, o longevo presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e sua súcia de conspiradores, que dominavam e se apropriavam dos recursos do esporte brasileiro havia décadas. Uma das maneiras seria concorrer a uma cadeira de deputado federal nas eleições para a Câmara dali a seis meses. Os políticos tem poder. E há a pequena Ivy, a filhinha de cinco anos de Romário, portadora da síndrome de Down. Romário descobriu e sentiu na pele quanto o Brasil cuida mal de seus deficientes. Ele passa alguns fins de semana jogando partidas beneficentes em cidadezinhas de todo o país para arrecadar recursos destinados a entidades de apoio a pessoas com necessidades especiais, como a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae).

Os chefões da cartolagem brasileira dão risada. Romário? Ele não passa de mais um playboy, um ex-astro do futebol. Já pendurou as chuteiras. Seus dias de artilheiro chegaram ao fim. Que tipo de ameaça esse filho das favelas pode representar para eles, homens poderosos, ricos, e com um esquadrão de políticos obedientes em sua folha de pagamento?

Em São Paulo, José Maria Marin, um dos queridinhos da ditadura militar – ao lado de seu parceiro, o político Paulo Maluf –, e agora vice-presidente da CBF. Tudo bem, o povo há muito tempo se esqueceu de como Marin ajudou a dar sustentação política à ditadura e como um discurso dele foi decisivo para que o corajoso jornalista Vladimir Herzog fosse preso e torturado até a morte. E se Ricardo Teixeira tem de fugir abruptamente do país – no tradicional estilo latino-americano –, buscando refúgio em uma de suas lindas casas na Flórida, José Maria Marin o substituirá, encarregando-se de cuidar do pote de mel.

O estrondo da mortífera explosão na avenida das Américas não pode ser ouvido na longínqua Johannesburgo. Faltando oito semanas para o jogo de abertura no Soccer City, Sepp Blatter e seus capos sul-africanos já estão enfrentando problemas demais. Revoltados com os preços extorsivos dos ingressos, os torcedores e fãs de futebol vão ficar em casa. Nas cidades, os cidadãos protestam todos os dias; os motins mandam uma mensagem clara para os políticos: o dinheiro público deveria ser gasto na construção de casas, nas redes de abastecimento de água e estações de tratamento de esgoto e na criação de empregos, e não em estádios que se tornarão elefantes brancos. Por que os políticos lhes dariam ouvidos? Eles contam com a polícia para espancar os manifestantes.

A Copa do Mundo de 2010 é uma boa notícia para Danny Jordaan, dirigente da Federação de Futebol Sul-Africana e agora chefe executivo do Comitê Organizador Local (COL) do torneio. Na surdina, seu irmão Andrew ganhou de bandeja um emprego muito bem remunerado como agente de hospitalidade junto a MATCH Events Services no estádio de Port Elizabeth. Um dos acionistas da MATCH é Philippe Blatter, sobrinho de Sepp Blatter. Os sócios majoritários são os irmãos mexicanos Jaime e Enrique Byrom, baseados em Manchester, na Inglaterra, e em Zurique, na Suíça, com movimentação de contas bancárias na Espanha.

Os irmãos Byrom não estão felizes. Sepp Blatter agraciou-os com o lucrativo contrato de exclusividade na comercialização de pacotes de hospedagem para a Copa do Mundo, pacotes cujo alvo são os abastados “clientes” e endinheirados “consumidores” do futebol, na maioria estrangeiros. Como se isso não bastasse, Blatter também lhes deu o contrato para gerenciar e distribuir os 3 milhões de ingressos. Os irmãos Byrom estão cobrando preços exorbitantes pelos hotéis e voos internos, e a essa altura esperavam ter lucros monumentais. Em vez disso, estão em via de amargar um prejuízo de 50 milhões de dólares. Planejam recuperar essas perdas na Copa do Mundo no Brasil, dali a quatro anos. Enquanto isso, estão sorrateiramente mexendo os pauzinhos e tomando providências para fornecer a Jack Warner, um dos vice-presidentes da Fifa, uma enxurrada de ingressos para serem vendidos no mercado negro, como fizeram na Alemanha em 2006.

Os advogados de Zurique receberam seus honorários. Em poucas semanas virá a público o anúncio de que está concluída a investigação criminal de altos dirigentes da Fifa, que receberam propinas da International Sports and Leisure (ISL) em troca de facilidades na obtenção de contratos de marketing. Os advogados conseguiram uma proeza e tanto; os nomes serão mantidos em sigilo para todo o sempre. Apenas uma ninharia do dinheiro será devolvida. Caso encerrado. Os dirigentes brasileiros estavam envolvidos? Sem comentários. E quanto ao senhor, presidente Blatter? Nada a declarar.

O presidente da Fifa andava preocupado, temeroso de que a polícia divulgasse a prova concreta de que em março de 1997 ele havia segurado em suas mãos uma ordem de pagamento de 1 milhão de francos suíços (cerca de 1,5 milhão de reais), a propina destinada a João Havelange. Alguém tinha dado com a língua nos dentes e fornecido a informação àquele maldito jornalista britânico. Se a história voltasse de novo à tona, ele contrataria seus próprios investigadores a fim de ser inocentado. Meses depois, naquele mesmo ano, um dos investigadores suíços levou o jornalista britânico para jantar em um restaurante com vista para um lago. “Não desista”, ele disse.

O presidente da Fifa está visivelmente deprimido. Será que seu reinado está chegando ao fim? Em fevereiro ele concede uma entrevista a uma repórter do jornal Al-Ahram, do Cairo. De repente, Sepp enceta uma grandiloquente lista de suas supostas realizações e conquistas. Parecia o seu obituário. Uma vez que a jornalista era uma árabe bem informada, Blatter não conseguiu se conter. “Sempre me dei muito bem com Mohamed, sempre fomos amigos, até o último congresso em maio”, diz Blatter. “De repente a nossa amizade se rompeu. Pergunte a ele: ‘Por quê?’. Eu não sei”.

Não é verdade. Sepp sabe, sim. Mohamed, a jornalista bem sabe, e Mohamed Bin Hammam, dirigente do Catar e presidente da Confederação Asiática de Futebol (Asian Football Confederation ‒ AFC). Durante 12 anos ele forneceu o dinheiro para comprar os votos que mantiveram Blatter no trono de presidente. Agora Bin Hammam quer o emprego para si mesmo. Ele é capaz de arrecadar mais dinheiro do que Sepp e vai vencer. A eleição seria realizada dali a um ano e, enquanto o coitado do Diogo foi pelos ares, Mohamed segue empilhando seus sacos de dinheiro e envelopes marrons. Sim, ele realmente guarda suas propinas em envelopes de papel marrons. Em 2011, alguém fotografaria um deles.

Mohamed Bin Hammam e Blatter.
Os velhos gananciosos da Fifa não ouvem o estrondo da explosão. Eles só têm ouvidos para o farfalhar das verdinhas. Esse ano, 2010, será o ano mais rentável. Quatro meses depois da Copa do Mundo na África, eles decidirão que país realizará a Copa do Mundo de 2018. Temendo a possibilidade que talvez não vivam mais quatro anos, perdendo assim a chance de encher os bolsos com mais propinas durante o processo de escolha do país anfitrião da Copa do Mundo de 2022, os cartolas decidem que em dezembro de 2010 anunciarão de uma só vez as sedes das Copas de 2018 e 2022. Presentes de Natal em dobro.

Vamos dar uma olhada nos países concorrentes! Putin está doido para levar a Copa do Mundo para a Rússia. Os homens ricos do Catar, vestindo suas jalabiyas – típicas túnicas longas brancas ou em cor pastel –, também querem o torneio.Duas das nações mais ricas do mundo em petrodólares estão implorando. Uau! Que alegria! Ricardo Teixeira passou o ano todo com um sorriso estampado no rosto. Do outro lado da fronteira, em Assunção, capital do Paraguai, Nicolás Leoz, presidente da Confederação Sul-Americana de Futebol (Confederacion Sudamericana de Futbol ‒ Conmebol), sente cheiro de dinheiro – e mais.Ele coexistiu tranquilamente com Alfredo Stroessner, e há uma eternidade vem usando o futebol como fonte de propinas. Ele ainda não sabe, mas seus hábitos vorazes serão tema de um programa da televisão britânica dali a sete meses.

Amos Adamu
O nigeriano Amos Adamu é membro do Comitê Executivo da Fifa – que conta com 24 integrantes – há quatro anos. Passou com facilidade no teste para fazer parte do órgão executivo responsável por tomar as principais decisões na entidade: pegou cada centavo que pôde do esporte na Nigéria. Até hoje ainda não entregou as contas dos Jogos Pan-Africanos de 2003, realizados em Abuja. Enquanto as coisas estão boas, e a dinheirama corre solta, seu filho Samson espera receber uma fatia do bolo.

No norte do continente, no Cairo, o camaronês Issa Hayatou, presidente da Confederação Africana de Futebol (Confederation Africaine de Football ‒ CAF), não está ficando mais pobre. Meses depois a BBC identificou um pagamento de propina feito a ele. Há muitos e muitos dirigentes que suscitam dúvidas e suspeitas, mas é difícil obter provas. Outro dos que estão sempre em evidência é o tailandês Worawi Makudi, também membro do Comitê Executivo da Fifa. As acusações de corrupção e irregularidades em sua gestão à frente da Associação Tailandesa de Futebol se acumulam: Worawi rebate e se safa, seus colegas da Fifa se calam e o protegem.

Seis meses antes, João Havelange, o mais antigo membro do Comitê Olímpico Internacional (COI), liderou a delegação brasileira que foi a Copenhague apresentar a candidatura do Rio de Janeiro a sede das Olimpíadas de 2016. O evento não custaria caro, porque apenas dois anos antes a cidade fora sede dos Jogos Pan-Americanos e as instalações esportivas precisavam apenas de uma demão de tinta e estariam prontas para as competições.

Nominalmente, o líder da candidatura carioca era Carlos Nuzman, membro do COI e presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), mas Havelange estava acompanhado de Jean-Marie Weber, o “Homem da Mala”, o gerente de marketing da ISL que distribuiu 100 milhões de dólares a dirigentes esportivos – incluindo Havelange – no século passado. O presidente Obama discursou em nome de Chicago. Weber falou com seus velhos amigos do COI – e deu no que deu.

Uma saraivada de tiros de fuzil atingiu o sargento do Corpo de Bombeiros Antônio Carlos Macedo enquanto pilotava sua Harley-Davidson pelas ruas do Rio. Ele atuava como chefe da segurança do próprio Rogério Andrade e foi executado no final de 2010, um mês antes do anúncio das sedes das Copas de 2018 e 2022. Rogério tinha concluído que Macedo fora o responsável por plantar a bomba que explodira seu filho. A família Andrade vinha se matando desde que o bicheiro Castor de Andrade, o patriarca do clã e amigo de Havelange, morrera depois de um infarto em 1997. Paulinho de Andrade, filho e herdeiro direto do império de negócios ilegais de Castor, foi assassinado em 1998, supostamente por Rogério. Diversos outros bandidos foram eliminados, mas é improvável que a cidade volte a ser estável como antes, no tempo em que Castor mandava.

Sobre o autor:
Andrew Jenningsé repórter investigativo há mais de trinta anos, cineasta, consultor e comentarista. Trabalhou nos jornais britânicos The SundayTimes e Daily Mail, na BBC, além de contribuir em diversas publicações. Autor de documentários e livros sobre corrupção nos esportes, Jennings tornou-se conhecido no mundo todo como o “único profissional de imprensa banido das coletivas da Fifa”. Traduzido para mais de 12 línguas, Jogo Sujo (Foul!) foi transformado em documentário da BBC e exibido em todo o mundo.

Coligay: Tricolor e de todas as cores

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Não há na literatura esportiva brasileira um livro parecido com o que o jornalista Léo Gerchmann acaba de lançar. Coligay – Tricolor e de todas as cores(Editora Libretos) reconstitui a trajetória da torcida gremista pioneira dos anos 1970, formada por homossexuais.

Se o tema é polêmico hoje, imagine no período em que tudo aconteceu, em plena ditadura militar, de 1977 a 1983.

Sinopse: (da Editora):

Coligay, tricolor e de todas as cores (editora Libretos) ressalta a corajosa atitude dos rapazes que desejavam apenas torcer para o seu clube, sem concessões à hipocrisia, mas acabaram subvertendo paradigmas. Passados quase 40 anos, a homossexualidade ainda é um tabu no ambiente futebolístico.

Gerchmann realizou uma intensa pesquisa, além de entrevistas com ex-integrantes da torcida, dirigentes e jogadores do Grêmio da época, jornalistas e outras tantas testemunhas daquela audácia épica. “Eles foram muito corajosos, porque surgiram em uma época de repressão. Era uma torcida que nunca se envolvia em confusão e sempre apoiava o time”, relembra o autor.

Criada por Volmar Santos, gerente e depois proprietário daboate gay Coliseu, a Coligay foi recebida com frieza, em princípio, mas depois conquistou até um espaço reservado no Estádio Olímpico para guardar seus instrumentos. Considerada pé-quente a alegre torcida chegou a receber um convite do Corinthians para assistir à final do histórico Campeonato Paulista de 1977, contra a Ponte Preta. E deu certo. O Corinthians conquistou o título depois de 23 anos de jejum.

O escritor e jornalista David Coimbra destaca no prefácio a importância deste registro inédito: “...ainda hoje a Coligay é motivo de gozação dos torcedores de clubes rivais do Grêmio, como se fosse algo de que os gremistas devessem se envergonhar, quando é justamente o contrário. A Coligay foi um episódio de coragem, tolerância e respeito à diversidade na história do Grêmio. A Coligay não é um desdouro ao clube; ao contrário, enobrece-o”, observa.

Prefácio
David Coimbra

O Léo resolveu escrever sobre um bando de bichas. Sobre os rapazes da Coligay, alegre torcida organizada do Grêmio que floresceu nas arquibancadas de pedra do Estádio Olímpico em 1977 e virou purpurina em 1983.

Ainda hoje, o ambiente do futebol rejeita qualquer insinuação de homossexualidade. Em pleno 2013, Emerson, atacante do Corinthians, publicou nas redes sociais uma foto dando um selinho em um amigo e torcedores do seu clube protestaram ferozmente. “Não temos nada contra os homossexuais, mas não queremos veados no nosso time”, disseram os líderes da torcida em um manifesto na internet.

Isso na segunda década do século 21. Imagine uma torcida de gays nos anos 70, todos paramentados com longas túnicas listradas, saltitando em meio aos torcedores, digamos, convencionais.

Pois o Grêmio teve sua torcida gay, que no início causou certa estranheza, mas depois foi aceita e até considerada pé-quente. Tanto que esse mesmo Corinthians, que em 2013 estremeceu ante um beijinho entre amigos, convidou os garotos da Coligay para assistirem à final do histórico Campeonato Paulista de 1977, contra a Ponte Preta. Isso porque a Coligay, supostamente, já havia “dado sorte” ao Grêmio, que, depois de oito anos, retomara a hegemonia do futebol gaúcho, vencendo o grande Inter de Falcão e Valdomiro. E deu certo. Os rapazes da Coligay viram Basílio marcar o gol da vitória que garantiu ao Corinthians o seu primeiro título em 23 anos. Os rapazes da Coligay davam sorte mesmo.

Todas essas histórias são contadas pelo Léo neste livro que você tem em mãos. Contadas e documentadas em entrevistas com líderes da torcida, dirigentes e jogadores do Grêmio da época, jornalistas e outras tantas testemunhas daquela saga pioneira.

Com um texto agradável e escorreito, o Léo recupera uma bela história e, o principal, devolve-lhe a dignidade.

Porque ainda hoje a Coligay é motivo de gozação dos torcedores de clubes rivais do Grêmio, como se fosse algo de que os gremistas devessem se envergonhar, quando é justamente o contrário. A Coligay foi um episódio de coragem, tolerância e respeito à diversidade na história do Grêmio. A Coligay não é um desdouro ao clube; ao contrário, enobrece-o. Deveria ser retomada, e talvez o seja depois deste livro. Porque, ao cabo da última página, o leitor entenderá, com satisfação, que conheceu a história de mais do que um bando de bichas. Conheceu a história de pessoas que mostraram, na prática, que a vida é a arte da convivência. Ou, como diria Vinicius, é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.

Um dom natural
Por Léo Gerchmann

Tive motivações especiais para escrever este livro. Uma: minha paixão pelo Grêmio, algo que, por questão de honestidade com o leitor, devo reconhecer já nas primeiras linhas. Outra: a certeza, quase religiosa, de que a diversidade é uma vocação divina (ou natural, como diria Espinoza, o filósofo panteísta Baruch, não o ex-lateral-direito e mais tarde técnico campeão mundial gremista Valdir Espinosa), um dom a nos caracterizar como humanos. E humanos, diga-se, não só no sentido do termo substantivo que identifica um ser, uma espécie animal. Também no sentido adjetivo, certamente o mais importante deles, que implica aceitar – e não apenas “tolerar” – o diferente, algo próprio da nossa condição de seres destinados a evoluir, com um ou outro aparente e inevitável retrocesso.

Feita a breve digressão filosófica, fica aqui o recado oportuno: este livro foi escrito para aficionados de todos os clubes ou mesmo de nenhum deles, para héteros e homossexuais, para pessoas das mais diversas orientações ou condições existentes na riqueza plural da nossa vida.

Coligay
Tricolor e de todas as cores
Por Léo Gerchmann

A Coligay é um símbolo da luta pela diversidade. Sua ousada aparição no Grêmio provocou efeitos na época e para o porvir. Eis alguns deles:

1) restrições iniciais dentro do próprio clube, que depois, gloriosamente, a acolheu e adotou com dignidade e respeito;

2) maledicências preconceituosas de adversários, que se aproveitaram da situação para os deboches machistas de praxe – quem fosse à internet no momento em que eu escrevia este livro, em 2013, e lançasse a palavra “Coligay” num buscador veria que, além dos diversos erros de informação, a maior parte das referências citadas possuía teor homofóbico. Talvez isso já tenha mudado quando você estiver lendo as presentes linhas, o que me deixaria gratificado pela possível contribuição desta obra para causa tão justa e nobre;

3) uma coleção de anedotas na crônica esportiva politicamente incorreta de então, que, por ser desprovida de viés homofóbico, tinha aceitação do seu irreverente alvo, como veremos adiante. Era época de intensa cultura conservadora, de um público reprimido e ávido por piadinhas como as referidas acima.

Mas também de brechas que se abriam para tempos mais arejados ou, como se convencionou dizer, “tolerantes”. Por isso, com a devida solenidade, relaciono o quarto e mais importante
dos efeitos citados nesta lista:

4) o oportunismo da Coligay ao ter aproveitado essas brechas no ferrolho conservador e superado a retranca do preconceito, erguendo sua bandeira do pluralismo para que todos a vissem.

Em julho de 2013, o papa Francisco, principal representante da Igreja Católica e de toda a tradição que ela significa, visita o Brasil e faz uma declaração inconcebível quatro décadas
atrás, quando a Coligay deu os ares da graça:

– Se uma pessoa é gay, procura Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?

Não é irrelevante nem casual o fato de iniciativas ousadamente desafiadoras como a da Coligay terem surgido, com todas as restrições da época, justamente no Grêmio. Uma visão sociológica do clube gaúcho faz justiça à sua história.

O Grêmio tem a pecha da elitização, resquício dos anos de racismo no futebol. Acentue-se, no entanto, que todos os clubes de Porto Alegre eram segregacionistas, bem como toda a sociedade brasileira, herdeira de vergonhosa cultura escravocrata nos usos e costumes.

Como o Internacional, o Grêmio é um clube de massas.

A tal “alma castelhana”, nas arquibancadas do Olímpico e agora da Arena, é um signo de identidade cultural, que mais afirma do que renega essa essência. Nas cadeiras, predomina uma típica classe média, característica da qual dão prova os dirigentes, com formação principalmente jurídica e também médica, cujos exemplos mais notórios, por suas trajetórias históricas, são Fábio Koff e Hélio Dourado. Este, aliás, era o cirurgião torácico que presidia a agremiação tricolor naquele 1977 em que a Coligay teve o peito e a hombridade de exalar novos ares.

A lógica subjacente da “casa grande e senzala” não é a mentalidade do clube, diferentemente de outros setores da sociedade e até de algumas agremiações. Dizer que inexiste é demasia em se tratando do Brasil, com sua renitente desigualdade social, racismo (nem sempre) dissimulado e contraditória cultura moralista em um país tão vocacionado para a diversidade. Vê-se, por vezes, um ou outro torcedor traindo essa essência plural com gestos ou gritos intolerantes e intoleráveis.

Enfim, a diversificação aparece até nesses instantes vergonhosos de presença do mal, no já citado aparente retrocesso em meio à evolução.

***

Na minha turma do Colégio Israelita Brasileiro, naquele 1977 de ditadura militar em que a Coligay surgiu como um sopro de criatividade e renovação, organizamos nossa própria torcida, os Pardais da Fiel (pardal, no autoirônico humor judaico, é o judeu, com sua por vezes necessária vocação de se adaptar aos diversos ambientes para onde as circunstâncias já o conduziram). Uma brincadeira adolescente, da qual ainda hoje lembramos com a seriedade reservada às paixões.

Marcávamos presença em quase todos os jogos. Na época, o Grêmio amargava oito anos sem títulos, situação parecida com a do Corinthians em São Paulo. Daí o “fiéis” dos pardais, como os gaviões paulistas. No Olímpico, íamos para as cadeiras.

Nos Gre-Nais do Beira-Rio, para a arquibancada, e lá nos divertíamos vendo a faceirice dos vizinhos da Coligay, com sua coreografia cadenciada, pernas jogadas de um lado para o outro no compasso da charanga, os cânticos e a dança, imunes a derrotas e intempéries. A ousadia e a alegria transgressora.

Mas o fato é que íamos, sempre íamos, naquele 1977 em que o Grêmio de Telê Santana rompeu a hegemonia colorada e, com o título gaúcho, deu o primeiro passo para a conquista do país, quatro anos depois, e do mundo, seis anos mais tarde.

O segredo disso: a fidelidade de quem, se necessário, voava como um pássaro errante ou seguia até a pé, para o que desse e viesse.

***

A respeito de gremismo, fé e diversidade, aproveito as linhas acima para enganchar uma história que me diz muito e que, enfim, ilustra o terceiro e talvez mais poderoso motivo para eu escrever este livro: o Hershel.

O Hershel sempre foi um folgado, essa é a verdade. Um adorável folgado, brincalhão até com quem mal conhecia. Homem de conduta exemplar. Pai amoroso, dedicado e generoso. E divertido! A todos os jogos do Grêmio que ia, e ele ia a todos os jogos do Grêmio, a rotina se repetia, como devem se repetir as rotinas. Acompanhado do mais novo de seus dois filhos, estacionava o carro sempre na mesma elevada perto do Olímpico.

E quase sempre estava lá o Gilberto, um menino negro sorridente, comunicativo, que guardava o veículo numa época em que não se havia difundido a atividade de flanelinha – aliás, nem se conhecia essa palavra como se conhece hoje. O Hershel falava Gilberto pronunciando o “l” com a língua colada no céu da boca: “Gilllberto”, como dizia “Brasilll”, “filllme”, “jornalll”, “tropicalll”.

Quando não era o Gilberto, o Hershel saía do carro e tascava para o guardador que o substituía:

– Por que esse movimento todo aqui hoje?
– Tem jogo. O Olímpico está lotado.
– Ahhh, o estádio do Grêmio, né? Pois eu vou a uma reunião de militares aqui perto. Nem gosto de futebol, para ser bem sincero. Cuida direitinho, tá?

O menino emudecia. Eram anos 70, 80, regime militar. Na dúvida, melhor ficar quieto e acreditar. Mas com o Gilberto era diferente. O Hershel brincava, mas não sacaneava. Até falava em iídiche com o Gilberto.

Passaram-se os anos. O Hershel adotou a prática de ir com os amigos ao Olímpico, sem o tal filho mais novo, que, jornalista, foi para Buenos Aires ser correspondente de um grande jornal brasileiro. Tempos depois, o filho voltou para o Brasil. Teve seu próprio filho, mais tarde uma filha, os dois netos do Hershel. E aquele hábito se rompeu.

Certa feita, o Hershel e o filho retomaram a rotina, saudosos que eram do antigo ritual. Estacionaram no mesmo lugar.

E apareceu o Gilberto, que morava ali perto, o mesmo sorriso, o olhar emocionado por ver os antigos amigos, exibindo orgulhoso a sua penca de filhos gremistinhas.

Depois do jogo, outro velho hábito se repetiu.

Ouvindo rádio, comendo paçoquinhas de amendoim sob um sol ameno de fim de tarde, pai e filho subiram a elevada para pegar o carro no lugar de sempre. Encontraram novamente o Gilberto, brincaram com os filhinhos dele, todos fardados de gremistas, e, espantados, os ouviram balbuciar palavras em iídiche.

Posso garantir: o repertório do Gilberto em iídiche era quase tão abrangente quanto o do filho mais novo do Hershel. Predominavam expressões chulas e pitorescas, claro, naquela mistura de hebraico com alemão que os judeus forjaram para perpetuar sua cultura, perenizar seus hábitos e compensar a dispersão a eles imposta justamente pela intolerância em relação à prática de costumes étnicos e de uma fé diferentes da dominante.

Acho que o leitor não precisa ser muito perspicaz para concluir: o filho mais novo do Hershel sou eu.

***

À memória do eterno conselheiro gremista Henrique Gerchmann (o Hershel), que faleceu no dia 1º de junho de 2009 e mereceu comovente homenagem do Grêmio com um minuto de silêncio três dias após a sua morte (uma reverência feita antes de se iniciar a vitória de 3 a 0 sobre o Náutico, no Olímpico, que não foi pedida pela família, o que só aumenta o valor do gesto). A ele dedico este livro sobre o valor da diversidade, assim como à minha mãe, a Miriam, companheira de 50 anos do Hershel. Também o dedico aos meus filhos, o Pedro e a Paula, e à minha mulher, a Dione, com quem pretendo emplacar mais de meio século de parceria, fazendo da ida à Arena uma renovada rotina familiar.

Sobre o autor:
Léo Gerchmann é formado em Comunicação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUCRS). Jornalista, 49 anos, é repórter especial do jornal Zero Hora, de Porto Alegre, onde escreve sobre temas internacionais. No portal zerohora.com, mantém o blog Território Latino, que trata de temas latino-americanos. Teve passagem também por redações como a da revista Placar e trabalhou durante 11 anos no jornal Folha de S.Paulo, do qual foi correspondente em Buenos Aires de 1997 a 1998. Entre outras coberturas internacionais, fez a da Copa do Mundo da França, em 1998, eleições em países sul-americanos, a histórica crise argentina de 2001 e a abertura dos “arquivos do terror”, que comprovaram a existência da Operação Condor, no Paraguai.

Pelada Poética

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Uma seleção de craques da literatura brasileira volta a “atacar”. É a quarta edição do livro Pelada Poética, organizado pela tradicional livraria e editora Scriptum.  São 26 escritores “escalados” pelos técnicos/organizadores da obra, Mário Alex Rosa e Welbert Belfort, o Betinho. A maioria dos autores é de mineiros, como André di Bernardi, Ana Elisa Ribeiro, Renato Negrão, Kaio Carmona, Carlos Britto de Melo e Chico Alvim, mas alguns também vieram de outros lugares para completar o time, como o pernambucano Fabiano Calixto, e os cariocas Zuca Sardan e Armando Freitas Filho, além do crítico literário Victor da Rosa, que assina a orelha do livro.

Como nas outras edições, a Scriptum elege um homenageado. E neste ano de Copa no Brasil, o escolhido foi o craque Nelinho, ídolo das eternas torcidas rivais de Atlético e Cruzeiro, e autor do gol antológico, na Copa de 1978 vestindo a camisa 2 da seleção brasileira contra a Itália. Logo após a sinopse e texto de apresentação dos autores, Literatura na Arquibancada traz para você o texto sobre Nelinho assinado por Armando Freire.

Um time de primeira. Dos “técnicos” aos “jogadores”.

Sinopse (da Editora):

Pode até não ter Copa, vai saber, mas a Pelada Poética, que chega à sua quarta edição, pode ter certeza que sai do papel. Pelada é assim: faça chuva ou sol, faltando ou sobrando gente, com a bola meio murcha, a chuteira apertada ou o campinho em declive, coisa muito comum nesta cidade que é cheia de montanhas, enfim, nada disso é impedimento. Aliás, em pelada não tem impedimento. Pelada é a instância máxima do futebol amador, ou seja, com o perdão da obviedade, o futebol praticado por aqueles que amam.

Apresentação
Por Mário Alex Rosa e Welbert Belfort

O que é uma pelada poética? Mas, primeiramente, qual é a origem da palavra pelada? Normalmente, fala-se que pelada é um jogo de futebol no qual jogadores amadores, para não dizer peladeiros, jogam uma partida, às vezes, mais de uma, em campos descampados, sem grama mesmo. De fato, são “atletas” sem compromisso, tanto é assim que, após o certame, jogadores e torcedores, rivais ou não, encontram-se em algum boteco para discutirem os melhores e piores lances. A discussão costuma ser calorosa, às vezes, mais que o próprio jogo. São amadores, no sentido mais profundo dessa palavra. Ou seja, amam, descompromissados com a rivalidade, com a vaidade, porque fazem da pelada um encontro de amigos.

A pelada, com todas as suas tensões futebolísticas literárias, é sobretudo fraterna. E é com fraternidade que a Pelada poética chega à sua quarta edição; três Copas, quem diria! E muitos dos peladeiros continuam sendo convocados, outros mudaram de time, outros preferiram ficar na torcida, afinal, jogadores saem, chegam, são vendidos. Entretanto, o jogo tem que continuar, independentemente de os dicionaristas chegarem a um acordo sobre essa palavra (pelada) tantas vezes repetida entre os craques da bola e os da escrita.

Aliás, é a palavra o que mais nos interessa aqui, pois o assunto é uma...Pelada poética, no sentido de os nossos jogadores serem convocados a escreverem um poema, um breve conto ou até mesmo uma reflexão, digamos, mais teórica, como de fato já aconteceu em outras Copas. A escrita é livre, mas o tema é futebol. E, se sair muito das quatro linhas, o jogador poderá ficar na “reserva”, ou, na pior das hipóteses, não ser convocado para a Pelada. Mas podemos dizer que todos cumpriram o desafio e treinaram muito bem para a partida, ainda que alguns tenham chegado já na prorrogação. Afinal, ninguém quer ficar de fora, ainda mais que essa Copa especial é no Brasil, na Savassi, na Livraria Scriptum, local de encontros memoráveis. 

Affonso Ávila
Um deles foi o show literário e futebolístico com que o poeta e ensaísta Affonso Ávila nos brindou em 2010. Quem esteve presente sabe bem do que estamos falando. O poeta, com seus 82 anos, passeou com elegância sobre fatos históricos, literários, anedotas, lance de alguns jogos, escalação de times dos anos 1930, 40, 50..., e, ao final, leu o seu belo poema “Cantiga do Rei Pelé”. Enfim, são momentos vividos, seja na literatura, seja numa partida de futebol, dos quais jamais nos esqueceremos.

Sim, a verdadeira pelada poética estava ali, ao vivo, para todos nós, jogadores, poetas e torcedores. E, se nos permitem dizer, foi uma epifania, daquelas bem raras de acontecer. Talvez porque o sentimento de amizade estava em comunhão entre todos os participantes.

Acreditamos que, depois de 2010, todos os nossos atletas se empenharam com afinco, e, se o resultado não foi aquele de colocar o coração no bico da chuteira, certamente aproximou-o da ponta do lápis, na folha em branco, jogando de cabeça erguida rumo ao sonho, porém sem esquecer a realidade antes e atual do Brasil, como se verá aqui, nos 26 textos altamente titulares.

Nelinho, biografia
Por Armando Freire


Era uma tarde de domingo, mais um clássico entre Atlético e Cruzeiro, Mineirão lotado como de costume naqueles saudosos anos de 1980. Nelinho enfrentava pela primeira vez o seu ex-clube. Lá pelas tantas, jogo nervoso e catimbado, uma falta a favor do Cruzeiro, pelo lado direito do seu ataque, bem a feição para um bom chutador com a perna direita. As torcidas em silêncio, grande expectativa. De repente, assim sem mais, um torcedor, zombeteiro, ousou gritar: “bate Nelinho”. E a torcida atleticana, num coro ensaiado, agora cantando de “galo”, antes vítima por tantos anos, entoou: “Nelinho, Nelinho...”. Dizem que a torcida do Cruzeiro também aderiu ao apelo. Consagração maior?

                                                                                              *

Aos 26 de julho de 1950, no bairro Boca do Mato, Rio de Janeiro, nasceu Manoel Rezende de Mattos Cabral, de ascendência paterna e materna portuguesa, que a crônica esportiva mundial consagrou como um dos maiores laterais-direito de todos os tempos, tornando-se famoso como NELINHO, de futebol refinado, com um potente e certeiro chute com a perna direita. Sua trajetória profissional iniciou-se no América do Rio de Janeiro, de onde se transferiu para o Barreirense de Portugal, jogou no Anzoategui na Venezuela, retornando ao Brasil para jogar no Bonsucesso, Remo/PA, em seguida contratado pelo Cruzeiro/MG, onde se consagrou em definitivo, notadamente pela técnica apurada, ofensividade e precisão nas cobranças de faltas. No clube estrelado permaneceu por 9 anos, marcando 105 gols, conquistando 4 estaduais (73/74/75 e 77), 1 Libertadores (1976) e 1 Taça Minas Gerais (1973). 

Nelinho, com a camisa do Grêmio.
Em 1980 foi campeão gaúcho pelo Grêmio e em 1982 se transferiu para o Clube Atlético Mineiro, onde jogou até o ano de 1987, quando encerrou a sua carreira. Pelo Galo, foi campeão estadual em 82/83/85/85/86, tendo marcado nesse período 52 gols. Sempre convocado para defender a seleção brasileira nos anos 70 e 80, participou dos mundiais de 1974 e 1978.

No mundial de 1978, na vitória contra a Itália (2x1), decidindo a terceira colocação, marcou um gol antológico, escolhido entre os mais bonitos de todos os mundiais, exatamente pela potência e precisão do arremate.

Em 1993 teve uma rápida experiência como treinador, comandando o Atlético, e da mesma forma em 1994 comandando o Cruzeiro. Jogador de personalidade forte, sempre foi intransigente na defesa, não apenas de seus direitos, mas também de seus colegas, e por isso goza do respeito e admiração de todos aqueles que com ele conviveram ao longo de sua carreira. Sua atuação não se restringiu aos gramados. Sempre bem articulado, objetivo em suas colocações, de expressão fácil, foi eleito Deputado Estadual/MG, exercendo o mandato no período de 1987 a 1990. 

Nelinho, comentarista da TV Globo.
Mais recentemente, atuou como comentarista esportivo da Rede Globo. É casado há 34 anos com Wanda Bambirra, tem três filhas e um neto. Radicado em Belo Horizonte, não perdeu ao longo desses anos o jeitão carioca, bom de prosa e de “causos”, sempre rodeado de amigos e admiradores. Tornou-se ídolo das duas maiores torcidas de Minas Gerais, o que nos dá a dimensão do seu carisma e profissionalismo, fato incomum em razão da eterna rivalidade entre os dois clubes mineiros.

No ano de realização do mundial em nosso país, certamente uma das referências nacionais é o Nelinho, por tudo quanto ele representa no cenário futebolístico mundial. No festejado romance O Drible, do mineiro Sérgio Rodrigues (Ed. Companhia das Letras), em meio aos acalorados diálogos entre pai e filho, na tormentosa tentativa de reaproximação entre eles, por mais de uma vez Nelinho é lembrado nas reminiscências do personagem Murilo.

Vale o registro de algumas dessas passagens: “...mas a cabeça velocista do velho já estava lá na frente garantindo que o maior chutador de todos os tempos passados e futuros era o fabuloso Nelinho, nenhuma dúvida quanto a isso, e quem dissesse o contrário era um energúmeno de quatro costados”. Mais adiante, “Murilo ponderava que Nelinho tinha uma patada tão violenta que arrebentou as veias do peito do pé direito e teve que fazer uma angioplastia. Jair Rosa Pinto tinha um canhão no pé, Rivelino e Roberto Carlos também, mas outro igual àquele Manoel Rezende de Mattos Cabral nunca houve, nunca mais ia haver”.

Este o Manoel Rezende de Mattos Cabral, o fenomenal Nelinho, que as duas maiores torcidas do futebol mineiro consagraram ídolo, indistintamente, tantas e tamanhas alegrias ele proporcionou a toda uma geração de torcedores desses dois dos mais importantes e tradicionais clubes do futebol brasileiro.

Sobre os organizadores:
Mário Alex Rosa (São João del Rei-MG, 14/01/1966). Poeta, artista plástico e crítico literário, formado em História, mestre e doutorando em Literatura Brasileira na USP. É professor de Literatura Brasileira no Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH). Tem poemas publicados nas revistas Dimensão, Inimigo Rumor, Cacto, Teresa e no Suplemento Literário de Minas Gerais. Participa da antologia O achamento de Portugal (Org. Wilmar Silva. Belo Horizonte: Anomelivros/Fundação Camões, 2005), que reúne 40 poetas mineiros e portugueses contemporâneos. É autor do livro de poemas infantis, ABC futebol clube e outros poemas (Editora Bagagem, 2007),Ouro Preto (Editora Scriptum, 2012), Via férrea e Formigas (Cosac Naify, 2013).

Welbert Belfort, o Betinho, é mineiro de Ouro Preto, mas vive em Belo Horizonte há duas décadas. Ex-bancário e ex-estudante de história, em 1997, montou a livraria Scriptum, uma das mais tradicionais da cidade, no bairro Savassi.  Em 2004, criou a editora de mesmo nome. O primeiro livro lançado pela editora foi a coletânea de poemas “Trívio”, de Ricardo Aleixo. Já publicou cerca de 90 livros de gêneros diversos, como poesia, contos, romances, ensaios, crítica literária e história, entre outros.

De Charles Miller à Gorduchinha

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Dizem que a profissão mais complicada do Brasil é a de técnico de futebol. Pudera, são quase 200 milhões de “técnicos” sempre a palpitar na vitória ou derrota, especialmente, nas derrotas, quando quase todos tem a solução do problema que se apresenta.

Entre tantos “técnicos” palpiteiros, existem aqueles que fizeram a história dessa difícil profissão. Técnicos e treinadores, sim, porque há diferença entre um e outro. Técnicos que entraram para a história construíram estratégias de jogo que revolucionaram toda uma geração de competições e jogadores. Enquanto há aos montes aqueles que apenas treinam uma equipe, com variações táticas aproveitadas dos verdadeiros mestres da profissão.

Livros que mostrem a evolução tática do futebol em seus 150 anos de existência são poucos. Mas agora, o leitor tem a sua disposição uma obra de referência sobre o tema: De Charles Miller a Gorduchinha - A evolução tática do futebol em 150 anos de história (1863 – 2013) de Darcio Ricca (Editora Livrosdefutebol.com).

Literatura na Arquibancada agradece ao autor e editora pela cessão de um dos capítulos da obra, "Bola de ferro".

INTRODUÇÃO
Por Darcio Ricca

Dizem que escolher o nome do livro, também chamado de “obra”; funciona não somente para ilustrar, mas, sim, deixar um legado histórico para qualquer um tê-la em suas mãos; seja quando o leitor sedento buscá-la, seja quando esta simplesmente “cair em seu colo”.

Mas, o projeto (mais elegante!) e o sonho (mais idílico!), tornou-se, porque o tempo é senhor das coisas, das pessoas e das conquistas; agora, uma realidade.

De Charles Miller a Gorduchinha - A evolução tática do futebol em 150 anos de história (1863 – 2013)aconteceu.

Até porque chegou até você e de alguma forma vocês se encontraram!

Um livro em 17 capítulos cronológicos, tais como as 17 regras do futebol e com a honraria de cada capítulo ter um nome de bola na abertura.

Porque sem bola, não importando de que material ela é feita, claramente, não começa o futebol!

Uma publicação que enaltece este esporte, sobretudo no Brasil que sedia a Copa do Mundo de 2014, desde as bolas trazidas (e o livro de regras junto!) por Charles Miller até os dias de hoje.

Um nome de bola que, aliás, para nós, deveria, de fato, ser o nome mais emblemático e condizente com nossa paixão: Gorduchinha!

Fica registrada nossa preferência por quem ama o futebol.

E porque o pensamento pode mais que os papéis.

Mas, voltando ao livro, sabemos do empenho que o “buscarmos os três pontos para assim conseguirmos a vitória”, produziu nele. E do sabor materializado que ele causou.

Orgulho sim, vaidade não. Porque é um produto com o apoio de muitas entrevistas, pensamentos e muita papelada.

Num país de rala memória, este livro tem o objetivo, puro e simples, de registrar, analisar e, obviamente homenagear, a evolução tática do futebol brasileiro e do mundo e vice-versa.

Como na jocosa expressão imortalizada popularmente, “clássico é clássico e vice-versa”.

Um país abaixo da Linha do Equador, uma linha imaginária, que se multiplicou em outras, como gramados, terras e até pastos.

Do oficial ao oficioso, do regrado ao desregrado, do amador ao profissional, da bagunça à organização e, principalmente, com o mundo de “pano de fundo”, em seus 150 anos mágicos de existência do jogo.

Desde a famosa taverna em Londres, lá no berço deste esporte, renascido do rugby e de tantos outros, regado à cerveja e a folhas de papel com as regras de seu nascimento, em 26 de outubro de 1863. Que, em 8 de dezembro do mesmo ano, após seis reuniões, sacramentou-se!

Falar da gente, sem esquecer o que nos influenciou e o que influenciamos!

Uma troca tão rica de experiências e testes que o futebol permite, até hoje, em suas mais variadas formas de leitura tática, a busca pelo novo, pelo ousado diante da vida.

E, se o futebol, em sua história, fosse autoescalado jogaria com:

Paixão no gol;

Velocidade e empenho nas laterais;

Força e garra na zaga;

Criatividade, inteligência, estudo e dedicação no meio de campo;

Sagacidade e vitória no ataque;

De treinador, a tática, o sistema de jogo e a forma de jogar;

De camisa, as diferentes cores do patrimônio;

De campo, a técnica e a habilidade;

De juiz, a precisão e a esportividade;

De bandeirinhas, os torcedores;

De hino, a irreverência, a alegria e a paz na alma.


BOLA DE FERRO

Seleção da Itália, campeã da Copa 1938.
Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), um fato triste para a humanidade como um todo. Caberia uma resenha a respeito, haja vista que tivemos duas Copas do Mundo canceladas. Uma guerra que teve seu estopim na Europa e espalhou-se pela África e Ásia. Sobre isso, o jornalista Roberto Sander escreveu o livro “Anos 40 – Viagem à década sem Copa” (Maquinaria, 2004).

Na década de 1930, na Europa, se consolidavam governos totalitários com fortes objetivos militaristas e expansionistas. Na Alemanha surgiu o nazismo, liderado por Hitler e que pretendia expandir o território alemão, desrespeitando o Tratado de Versalhes, inclusive reconquistando territórios perdidos na Primeira Guerra Mundial. Na Itália estava crescendo o Partido Fascista, liderado por Benito Mussolini, que se tornou o Duce da Itália, com poderes sem limites.

E os italianos tinham duas Copas do Mundo conquistadas.

Alemanha e Itália passavam por uma grave crise econômica no início da década de 1930, com milhões de cidadãos sem emprego. Uma das soluções tomadas pelos governos fascistas desses países foi a industrialização, principalmente na criação de indústrias de armamentos e equipamentos bélicos como aviões de guerra, navios, tanques, entre outros. Na Ásia, o Japão também possuía fortes desejos de expandir seus domínios para territórios vizinhos e ilhas da região.

Estes três países, com objetivos expansionistas, uniram-se e formaram o Eixo.

Um acordo com fortes características militares e com planos de conquistas elaborados em comum acordo.

Alemanha x Suíça, Copa 1938, jogadores fazendo saudação nazista.
A bola de couro dos gramados mais competitivos no futebol começava a ficar mais pesada e dura, como se esta não a fosse, tal qual o bélico cenário geopolítico que se instalava no mundo. A bola de ferro ainda ganharia mais força e adeptos.

Um pontapé inicial não realizado pelos praticantes, amadores ou profissionais, do universo do futebol.

Em 1939, quando o exército alemão invadiu a Polônia, a França e a Inglaterra declararam guerra à Alemanha. De acordo com a política de alianças militares existentes na época, formaram-se dois grupos: Aliados (liderados por Inglaterra, URSS, França e Estados Unidos) e Eixo (Alemanha, Itália e Japão).

No que, infelizmente, estas divisões não eram separações por chaves de grupos em disputa de campeonatos de futebol, mas eram sim divisões militares e maniqueístas do ponto de vista social.

Entre 1939 e 1941, as vitórias e expansões territoriais penderam para o lado dos países do Eixo, lideradas pelas forças armadas da Alemanha, que conquistou o Norte da França, Iugoslávia, Polônia, Ucrânia, Noruega e territórios no norte da África. O Japão anexou a Manchúria, enquanto a Itália conquistava a Albânia e territórios da Líbia.

Aquilo que, no futebol era apenas uma conquista de campeonatos e títulos, na vida real as conquistas eram de invasão de divisas e aumento de poder sobre um novo povo e uma nova nação de forma dominadora e impositiva, tentando justificar uma supremacia de uma raça sobre as outras pela força e pela ignorância. Seguindo esta estupidez, com reflexos significativos em nossa história, em 1941 o Japão ataca a base militar norte-americana de Pearl Harbor no Oceano Pacífico (Havaí).

O ataque a Pearl Harbor.
Esse fato, considerado uma traição pelos norte-americanos, fizeram os Estados Unidos entrarem no conflito ao lado das forças aliadas. Entre 1941 a 1945, ocorreram as derrotas do Eixo, iniciadas com as perdas sofridas pelos alemães no rigoroso inverno russo. Nesse período, ocorre uma regressão das forças do Eixo que sofrem seguidas derrotas. Com a entrada dos Estados Unidos, os Aliados ganharam força nas frentes de batalhas. Parece o jogo de tabuleiro, mas sem a brincadeira, sem a menor graça.

O Brasil participa diretamente, enviando para a Itália, região de Monte Cassino, os pracinhas da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Cerca de 25 mil soldados brasileiros conquistam a região, somando uma importante vitória ao lado dos Aliados.

Por fim, para rememorar a história e, por isso, sustentarmos a tese de que quanto mais nos lembramos dos fatos ruins, menos nos deixamos levar pelas suas repetições ou repaginações, é que esta introdução também se faz útil.

Por fim, este importante e triste conflito terminou somente no ano de 1945, com a rendição da Alemanha e Itália. O Japão, último país a assinar o tratado de rendição, ainda sofreu um forte ataque dos Estados Unidos, que despejou bombas atômicas sobre as cidades de Hiroshima e Nagazaki. Uma ação desnecessária que provocou a morte de milhares de cidadãos japoneses inocentes, deixando um rastro de destruição nestas cidades.

A bola de ferro passaria como uma espécie de rolo compressor.

E do bélico conceito de esquadrões, muitos times e seleções de futebol iriam agregar o conceito de esquadrão, que se descaracteriza, para melhor, ao longo dos períodos vindouros. Porque não nos esqueçamos que, depois desta guerra intensa e cruelmente discriminatória, ainda teríamos um rescaldo na Guerra Fria, ora ativa, ora contemplativa.

Uma medição de forças entre Estados Unidos e seus aliados que se ostentavam por serem democráticos e a URSS e seu socialismo comunista com seus aliados que fariam questão de implantar a tão alardeada turma da Cortina de Ferro.

E dá-lhe mudanças no futebol, desde sua maneira de se jogar taticamente até como lidaria com vitórias e derrotas!

O extracampo atingiria conotações bélicas de ocupações territoriais e sociais. E todos tendo que chutar esta bola de ferro, contando com as devoluções, num tradicional “toca-recebe”, cada vez mais complicados. A bola de ferro passava a conviver diariamente com quem tinha que, à força, lidar com ela.

Dori Kruschner
E quem não tinha, remava contra a maré e ainda poderia, e muito, contribuir para as transformações coletivas, táticas e técnicas que o esporte mais praticado no Planeta sofreria, inevitavelmente.

No campo do futebol, saindo do prejudicial e estúpido campo de batalha, o Brasil seria influenciado, novamente, por uma revolução tática, técnica, física e de treinamentos por um estrangeiro: o ex-futebolista e treinador Dori Kruschner.

Em abril de 1937, o húngaro Dori Kruschner chega ao Brasil para treinar o Flamengo e achou estranho não ter um médico específico, mas para apenas para tratar de doenças venéreas. 

Kruschner tinha uma filmadora para registrar os treinamentos. (Pedro Zamora, 1969)

O mundo em transformação e nosso país ainda com a bola de ferro no pé e na evolução do jogo!



Gentil Cardoso
Vale lembrar que “Kruschner e Gentil Cardoso, ambos tentaram a implementação do moderno WM, mas sem sucesso. Gentil muito inteligente, apesar de levarem seus pensamentos para um lado mais folclórico, e com frases, estímulos, desenhos táticos”, disse o pesquisador e escritor Ivan Soter.

A prepotência ainda nos impedia de crescer no futebol.

Kruschner fazia treinamento sem bola, botaram ele pra fora porque achavam estranho este tipo de treinamento. Jornais da época não tinham preocupação em documentar estas informações mais detalhadas, no Brasil. Ele veio por indicação de alguém de dentro do Flamengo, que era um clube elitista. Veio, fugindo da guerra. Ninguém sabe se ele tinha essa importância toda na Suíça, apesar de ter treinado o forte Grasshoppers. (Roberto Assaf)

Vale registrar, descontando a avaliação da importância do feito, que Kruschner, com seu time, conquistou sete títulos nacionais, na fria e simpática Suíça.

Kruschner apenas colocou em prática o conceito de treinamento que vinha da Europa porque ninguém sabia e muito menos presenciava nada. Foi considerado um maluco pelos brasileiros. Os treinadores estrangeiros eram basicamente argentinos e, principalmente, uruguaios.
(Roberto Assaf)

Aliás, eram as seleções de Uruguai e Argentina que incomodavam a chamada “elite do futebol” na Europa. Que, como relembramos, era ferida pela guerra, deixando sua bola cada vez mais ser rotulada como “de ferro”.

Eles [Kruschner e Gentil] foram fundamentais para o futebol brasileiro. Éramos a terceira ou quarta força sul-americana, disputando o posto com os paraguaios, em termos de aprendizado e organização dentro e fora do campo. Passavam-nos um modelo que não tínhamos.
(Roberto Assaf)

Mas a história sempre aparece para colocar mais dúvidas.

O Kruschner trouxe o WM. Você vai encontrar as escalações nos jornais, até meados dos anos 1950, na formação clássica (2-3-5). A numeração que confundia a escalação. (Alberto Helena Jr.)

Os times brasileiros jogavam em pirâmide com numerações oriundas da disposição tática do WM e vice-versa. E na hora de transcrever para o jornal, escalações difusas entre vários veículos de comunicação, sobretudo em jornais. Isto é sempre um dilema para qualquer pesquisa.

A numeração começou no Brasil em 1948 por conta da Copa de 1950.
(Alberto Helena Jr.)

Uma bagunça que se somava à ingenuidade tática e física porque, em questões técnicas, nossos jogadores em nada deviam aos de fora. Além disso, erros de interpretação, como a escalação da esquerda para direita por setores, era diferente da realidade na comparação entre a escalação oficial e a prática tática no jogo.

O sistema táctico, aliás, não é senão o conjunto de princípios, de ideias ou de esquemas de jogo destinados a combater o adversário. A anular o seu sistema atacante e a destroçar o seu dispositivo de defesa (Candido de Oliveira, 1949)

Fausto, "A Maravilha Negra".
No Flamengo de Dori Kruschner, uma revolução tática, mas que causou tanta polêmica, que naufragou mais uma tentativa de evolução, mas deixou marcas para o futuro.

O estopim: Kruschner recua o centromédio Fausto, a “Maravilha Negra", para zagueiro, reconhecendo sua experiência e alta capacidade técnica e defensiva, além da percepção de sua idade avançada para o desempenho físico da função de centromédio que o consagrou.

Fausto foi aos tribunais com advogado por conta de Kruschner ter mudado sua posição tática de centromédio para full-back. O juiz não sabia julgar isso, Fausto foi suspenso, multado e obrigado a comparecer aos treinos. Comparecia, mudava de roupa e não treinava.

No Flamengo, o Dr. Padilha apoiava Kruschner. E se ele quisesse, sem exageros, por exemplo, mudar o goleiro Yustrich do gol para a ponta-esquerda, teria o aval de Padilha.

O Fausto era um center-half que, para os europeus, era o zagueirocentral e, no Brasil era uma espécie de pivô e o time jogava em função dele. Com esta mudança, polêmica, Kruschner trouxe o WM por aqui.
(João Máximo)

Tudo isso porque Kruschner tentou Fausto no Flamengo para ter três beques.

Lembram do moderno WM da época?

Dori Kruschner recuou o Fausto dos Santos de meio-campo, mais precisamente era um centro médio, para zagueiro. Para Fausto, era depreciativo um ser zagueiro, uma ofensa a um ícone! E ainda ele estava com tuberculose. (Ivan Soter)

Gentil Cardoso e o estrangeiro Kruschner tentando implantá-lo num Brasil de ótimos futebolistas, mas coletivamente ingênuos. Candido de Oliveira veio ao Brasil e treinou o Flamengo por 40 dias. Estava invicto e iria voltar para Portugal quando, num jantar, pediram para ele ficar. Ficou e o Flamengo não ganhou mais nada.

Ele voltou.

E foi triste saber que Kruschner deixou um legado que somente seria compreendido após literalmente termos sofrido derrotas significativas. Um aprendizado que levaria mais cerca de quinze anos.

Kruschner acreditava que o jogador brasileiro era diferenciado, mas que estava atrasado no futebol. Confiava-se muito no improviso e no virtuosismo. Ele treinava fundamentos com seu elenco e era criticado por acharem que jogador já nascia feito (uma curiosidade: Kruschner sugeria treino de boxe para o goleiro Yustrich, para aumentar sua agilidade no gol).

Mas Kruschner deixou discípulos como seu ex-auxiliar Flávio Costa e Zezé Moreyra.

Dori Kruschner dizia a Leônidas da Silva: “Prá que correr tanto com a bola? Correndo, assim, com a bola, você chega à zona de tiro quase sem forças para chutar. Experimente, Leônidas, correr mais sem a bola do que com ela. Receba, passe e desloque-se para recebê-la novamente. Faça isso e depois verá o resultado.” (Pedro Zamora, 1969)

Flamengo de Dori Kruschner, em 1937.
Kruschner estava tentando ensinar a um ídolo. Tudo pela coletividade, sempre.

Esta história do embate entre o jogador Fausto e o treinador Dori Kruschner foi crucial para acender a chama no futebol brasileiro.

Todos os times fora do Brasil passaram a recuar o seu centro médio para tapar o buraco entre os dois beques. Kruschner foi chamado para ensinar a gente a jogar futebol. E tentou montar o Flamengo no WM. Tentou colocar Fausto na posição de zagueiro-central. Desencadearam contra ele a maior campanha que um técnico já sofreu entre nós. Ninguém queria saber de três zagueiros. (Pedro Zamora, 1969)

E ainda...

Lembro-me de haver almoçado certa tarde com o simpático Candido de Oliveira, num restaurante da Barra da Tijuca. Conversamos longamente sobre futebol e ele situava a instabilidade dos técnicos como um grande mal da nossa organização desportiva (...) ninguém pode trabalhar tranqüilo se houver o temor das derrotas. (Luiz Mendes, 1963)

Curiosidade: o Fluminense pediu para Fred Brown traduzir o livro de Herbert Chapman sobre o WM, por respeitar o Flamengo de Kruschner.

No mundo do futebol, muita coisa acontecia; ainda mais numa situação bélica que realmente pesava no campo e na bola. De ferro?

Boris Arkadyev
Boris Arkadyev (1899–1986), de São Petersburgo para o mundo, em seu livro "Football Tactics” (1946), conta-nos um pouco do panorama que o futebol tinha nesta época tão conturbada territorialmente.

Um respeitado jogador e técnico de futebol que, por conta do conceito da prática da esgrima, percebeu muito cedo a importância do contra-ataque. Aliás, diante de uma situação de guerra, os times começaram a utilizar a filosofia do contra-ataque como uma das alternativas de jogo. E estamos falando da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a URSS.

Não dá para negar influência, na prática do jogo, como, por exemplo, o momento crucial da guerra, o desembarque das tropas alemãs na Normandia, o famoso “Dia D”. O inverno na Sibéria e por aí vai!

Voltando a Arkadyev...

Ele havia deixado, como treinador, o Metallurg Moscow, um dos menores clubes da capital, em terceiro lugar na Supreme League em 1936. Mudou-se para Dinamo Moscow, que tinha conquistado aquele primeiro título. Lá, sua inquieta e fértil imaginação – sem falar no seu hábito de levar seus jogadores em visita a galerias de arte antes de grandes jogos – concedeu-lhe reputação por seu brilho excêntrico. (Jonathan Wilson, 2009)

Era o Leste europeu se movimentando. Arkadyev repensava sua tática de jogo, causando uma revolução no futebol soviético. Ainda no sistema de contra-ataque, Arkadyev tinha, no Dinamo Moscow de 1940, uma variação do WM, na questão ofensiva.

Dinamo Moscow, de Arkadyev.
O ataque, diante de uma defesa com três zagueiros, ficava marcado por conta de posições fixas. Então, um dos interiores, se tornaria o responsável pela mudança do padrão ofensivo da equipe, iniciando um movimento ofensivo diagonal da esquerda para direita, ou ao contrário. Esse movimento fazia com que um dos três zagueiros tivesse que o acompanhar defensivamente, liberando outros atacantes para tentarem entrar na defesa adversária e receberem o passe.

Nossos jogadores trabalhavam para mudarem de um esquema WM para um sopro de alma russa dentro da invenção inglesa, somando nossa negligência de dogma com a utilização da linha defensiva para um jogo de marcação por zona de campo ao oponente. (Jonathan Wilson, 2009)

Uma forma diferente de marcar. O WM era mais ortodoxo, numa marcação aos seus pares, como num espelho. Mas como se faz numa movimentação e constante troca de posições. Os russos, de Arkadyev, já estavam pensando nisso.

A tática de jogo resume-se em ajustar os diferentes jogadores de uma equipe de modo a poder atender ao único objetivo que se tem em mira: atacar bem. Não se cogita propriamente de defender, mas de atacar. Ao dispor as coisas para atacar implicitamente se trata de defender. Essa razão de se tornar tão corriqueira a frase “o ataque é a melhor defesa”. Em tática, pois, não se pensa em defesa, mas em ataque, muito embora a forma de se resolver a questão resulte em ajustar as duas coisas, mas sempre com o propósito de ter maior predomínio de uma sobre a outra. (Prof. Miranda Rosa, 1946)

E o professor Mario ainda acrescenta...

Para se atender ao ataque de um quadro, deve-se dispor os jogadores de tal forma que não fique mais do que um para igual número de adversários. Assim, lançamos dois ou três homens numa determinada combinação, prevendo que, no máximo, dois ou três adversários poderão antepor-se a eles. Em relação à defesa, da mesma forma, procuramos evitar que maior número tenha que defrontar um menor número de lances. Isso se passa dessa maneira porque a tática não se baseia em maior número senão momentaneamente, pois que os dois quadros são compostos dos mesmos onze jogadores. As probabilidades, pois, de se estar em vantagem numérica em certos lances, dependem exclusivamente da mobilidade da tática do jogo, que permitirá a deslocação de elementos de um para outro lado, de maneira a apresentar essa supremacia numérica. (Prof. Miranda Rosa, 1946)

Palestra, no dia em que virou Palmeiras, 1942.
Ano de 1942 e um fato pitoresco aconteceu no futebol. Era a penúltima rodada do Paulistão, e em meio à Segunda Guerra Mundial, o Palestra Itália, havia mudado seu nome para Sociedade Esportiva Palmeiras há seis dias.

O duelo, considerado o primeiro clássico entre as equipes, corria bem até os 19 minutos do segundo tempo, quando o Alviverde vencia por 3 x 1. Porém, após Virgílio, do São Paulo, dar um carrinho em Og Moreira, cometer pênalti e ser expulso, os tricolores se revoltaram e, seguindo ordens do seu presidente, abandonaram o campo.

Antes disso, Luisinho Mesquita, o capitão do time, impedira a cobrança do pênalti. O juiz, então, apitou o final da partida e o Verdão foi declarado campeão paulista – o primeiro título com o novo nome, o nono na história. Também inconformados com a decisão, os torcedores do Tricolor invadiram o gramado e tentaram agredir o árbitro, que precisou sair do estádio sob escolta policial.

Estávamos formando nossos esquadrões, mas tínhamos uma tremenda desorganização. E ainda jogávamos no clássico 2-3-5.

Sobre o autor:
Darcio Riccaé administrador de empresas e escolheu a profissão, porque, quando criança, ouvia especialistas dizerem que a “Tragédia do Sarriá” poderia ter sido talvez evitada por uma melhor leitura da partida naquela tarde. Ao estudar tática e estratégia, descobriu, anos mais tarde, que isso poderia ter aplicação no mundo empresarial. É membro do Memofut – Grupo de Literatura e Memória do Futebol (do qual já foi coordenador, em 2013-2014) e criador do site www.3nacopa.com.brno ar desde 2009.

1950: O Preço de uma Copa

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Mais do que discutir a convocação e resultados da Seleção Brasileira na Copa 2014, o brasileiro parece ter aprendido a questionar a gastança desnecessária para a realização deste evento. Dizem que entender o passado é fundamental para compreendermos o presente, ainda mais quando a copa é realizada no Brasil.

Um livro importante para aqueles que querem aprofundar ainda mais todas as questões que envolvem a realização do maior evento do futebol mundial é 1950: O Preço de uma Copa”, da Editora Letras do Brasil. Uma copa traumática para o torcedor brasileiro, mas que colaborou de maneira definitiva na construção da paixão do brasileiro pelo futebol.  

Literatura na Arquibancada agradece aos autores pela cessão de trechos da obra, que você, leitor, pode acompanhar mais abaixo.

Sinopse (da Editora):

Há 64 anos, o Brasil estava em situação parecida com a que vive atualmente: obras atrasadas, ampliação e construção de estádios, preocupação com mobilidade urbana e uso de dinheiro público em eventos esportivos. Esse era o cenário do país em 1950, às vésperas da primeira Copa do Mundo disputada no País. O mesmo acontece hoje, a menos de cinco meses da abertura do Mundial 2014.

Enquanto a imprensa, os brasileiros e o mundo se preocupam com a preparação brasileira para a Copa 2014, os jornalistas Beatriz Farrugia, Diego Salgado, Gustavo Zucchi e Murilo Ximenes foram atrás dos erros e acertos cometidos em 1950.

O grupo passou um ano percorrendo as seis cidades-sedes da competição (Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Recife, São Paulo e Rio de Janeiro) e reconstruindo os passos das autoridades daquela época.

O resultado é o livro “1950: O Preço de uma Copa”, da Editora Letras do Brasil. A obra resgata toda a preparação para o Mundial de 1950 e traz à tona a construção de estádios, os interesses políticos por trás dos jogos, o dinheiro público envolvido e a história de pessoas que tiveram suas vidas marcadas profundamente por essa Copa do Mundo.

Obras no Maracanã para a Copa 1950.
Em 180 páginas, figuras como Zagallo, Luis Fernando Veríssimo, Orlando Duarte, Fernando Bivar e Thomas Farkas contam sua versão daquele Mundial, com análises e interpretações de especialistas políticos e historiadores, como Lúcia Hippólito, Roberto Assaf e Carneiro Neto. 

A obra traz ainda relatos da filha do responsável pela construção do Estádio Independência, do funcionário mais antigo do Maracanã e de um ex-jogador e dirigente do América-MG.

O livro “1950: O Preço de uma Copa” também contém uma galeria de fotos e tabelas de cada jogo disputado no Brasil, com público, renda, escalação e arbitragem. Além disso, a obra traz em detalhes os gastos de cada uma das seis cidades-sede da competição.

A obra é leitura obrigatória para os amantes do futebol, jornalistas, estudiosos e brasileiros, que acompanham os preparativos do país para a Copa 2014.

Introdução

Não seria necessário perguntar o ano para saber que se está em 1950. A  esperança de uma década melhor paira no ar, diferente de 20 anos antes, quando a quebra da bolsa de Nova York havia feito um 1930 melancólico, e bem diferente de 1940, quando uma Guerra Mundial fez o ano-novo nascer de maneira silenciosa em diversas capitais do mundo. Apesar da rixa entre as duas superpotências, Estados Unidos e União Soviética, o mundo está em paz, e as coisas parecem voltar à normalidade. No Brasil, há um general –Eurico Gaspar Dutra– no poder, mas não uma ditadura em vigor. Definitivamente, as coisas parecem melhores. Os homens continuam elegantes, desfilam pelas capitais tropicais do Brasil com seus ternos perfeitamente alinhados, seus bigodes milimetricamente cortados, cabelos penteados e chapeus dando o ar necessário a um cavalheiro. As mulheres aproveitam o fim da Segunda Guerra Mundial para refazer seus guarda-roupas, tão maltratados em tempos de racionamento de tecidos e cosméticos. Mais femininas e sensuais, agora os ícones são as apimentadas Marilyn Monroe e Elizabeth Taylor, fazendo dos cabelos curtos e roupas mais reveladoras uma tendência nas ruas (...) No esporte, páginas e mais páginas de jornais dedicadas a um dos favoritos do público: turfe. Futebol? Também estava presente, mas dividindo espaço com o turfe. As corridas de cavalo reuniam multidões e geravam muito dinheiro. A importância era tanta que diariamente saíam nos principais jornais do país resultados, comentários e previsões para as próximas corridas, colocando os favoritos em destaque.

Obras construção Maracanã.
No entanto, mais do que de roupas, filmes e carnaval, 1950 era ano de futebol. Ou melhor, football, já que o termo ainda não havia sido aportuguesado. Naquele começo de década, o Brasil ia sediar a Copa do Mundo. Os acontecimentos das duas décadas anteriores, que muita gente preferia ter esquecido, levaram para a terra do samba o esporte que estava se tornando um símbolo daquele povo alegre.

Desde 1938 que a Taça do Mundo, como era chamada a Copa naquele tempo, não era disputada. Um total de 12 anos. O maior torneio de futebol do planeta foi interrompido por uma força maior. Pouco tempo após a Itália ter se sagrado campeã do mundo na França, as tropas nazistas de Hitler se movimentavam, prévia do mais sangrento conflito armado do século 20, a Segunda Guerra Mundial. 

Consta que a preparação da Fifa para a Copa de 1942 começou logo após o fim do Mundial anterior, consultando eventuais interessados em sediar o torneio. Três nações competiam para recebê-lo: Alemanha, Argentina e Brasil.

Trechos do livro

Obras na Vila Capanema para Copa 1950.
Curitiba:

O som do apito é ouvido na Vila Capanema. Familiar aos moradores,  ecoa pelo ar. Não se trata, porém, do apito de um juiz arbitrando um jogo de futebol e, sim, do aviso da chegada do trem que traz as primeiras doações para a construção do estádio do Clube Atlético Ferroviário do Paraná. O ano é 1943, e sob supervisão de Durival Britto e Silva, responsável pela RVPSC (Rede Viação Paraná-Santa Catarina), a composição descarrega as primeiras madeiras para o início das obras (...)

O time do Ferroviário, como o próprio nome diz, era basicamente formado pelos funcionários da rede ferroviária. A maioria dos jogadores trabalhava durante o dia na construção da ferrovia Paraná-Santa Catarina e depois se divertia batendo bola. Entre os poucos jogadores profissionais, destacava-se João Maria Barbosa, que atualmente é o historiador do Paraná Clube. Ele entrou Curitiba para o time em 1944 e, quando chegou ao campo para treinar, viu a precariedade das instalações do Ferroviário. “Não tinha nada. Tinha o campo, mas era campo de treinamento aberto, campo de várzea mesmo”, afirmou o ex-atleta.

O Ferroviário era bancado pelos próprios funcionários da rede espalhados por todo o Paraná. Muitos, porém, não sabiam que eram contribuintes do clube, já que uma pequena quantia do salário era descontada automaticamente da folha de pagamento todo mês.

Mas o montante arrecadado não era suficiente para cobrir os custos da obra de um grande estádio de futebol (...) Uma das doações mais notáveis encontra-se no estádio até hoje e serve de referência para o clube. Trata-se de um relógio de corda datado de 1884, com grandes ponteiros, oferecido pela antiga estação de trem da rua Barão do Rio Branco. Ele foi instalado bem no meio do estádio, no alto das arquibancadas e entre duas torres. O responsável por dar corda e manter o relógio funcionando é José dos Santos, o “Seo Zé”, que trabalha no clube desde 11 de setembro de 1958.

Recife:

Era a 4ª Copa do Mundo de futebol. Recife seria a cidade representante da região nordeste no torneio. Mas, para isso, era necessária uma reforma na Ilha do Retiro. O clube resolveu, então, pedir o apoio de todos, inclusive da sua torcida, para realizar um mutirão para adequar o estádio (...) Durante as reformas da Ilha, Recife sofre outra baixa. A seleção francesa se retira do Mundial por não aceitar a distância de milhares de quilômetros que teria de percorrer entre as cidades de Porto Alegre e Recife, locais de seus jogos. 

A capital pernambucana garante, assim, apenas uma partida do Mundial em terras nordestinas. Mas os torcedores não desanimaram e continuaram a reforma da Ilha. Ainda mais porque, entre os convocados para jogar na seleção brasileira, estava Ademir de Menezes, apelidado de Queixada, jogador do Vasco e ex-Sport, e que viria a ser o artilheiro da Copa. 

Sobre os autores:
Beatriz Farrugia Foina, é natural da cidade de São Caetano do Sul (SP). Formada em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), já trabalhou em jornal impresso, revista especializada e assessoria de imprensa. Atualmente é jornalista na agência italiana ANSA e curso MBA em Relações Internacionais na FGV-SP.

Diego Salgado é jornalista desde 2008, formado na Universidade Metodista de São Paulo. Após passagem pelo SBT, ingressou no jornalismo esportivo. É repórter do Portal 2014 há três anos onde acompanha os principais fatos da preparação brasileira para a Copa do Mundo. Participou da cobertura da Copa da África do Sul. Em 2011, ingressou na Web Rádio Voz do Futebol. Também trabalhou na Rede Nacional de Notícias. É também colaborador do Blog do Torcedor do Corinthians, na Globo.com, e coautor do livrorreportagem "1950: O Preço de uma Copa".

Gustavo Zucchié graduado em jornalismo pela Universidade Metodista de São Paulo. Participou do projeto Acervo Estadão, sendo autor de diversos perfis de esporte e cobriu a Olimpíada de Londres pelo Estado. Escreveu para o finado JT. Atualmente, dá uma mão na editoria de esportes do portal do Estadão.

Murilo Ximenesé formado em Jornalismo e Comunicação Social - Rádio e TV. Trabalhou em grandes empresas como TV Record, Pirelli Pneus e Senac São Paulo. Já atuou com comunicação interna, sendo responsável por criação de campanhas, envio de e-mail informativo e marketing, jornal mural e outros tipos de comunicação entre empresa/funcionário.

Planeta Neymar

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Ele foi o primeiro jornalista a escrever sobre o craque Neymar, quando ele ainda tinha treze anos. Paulo Vinícius Coelho, o PVC, deixa de lado as estratégias técnicas e táticas para “jogar” nos bastidores da formação de uma estrela mundial do futebol.

“O Planeta Neymar”(Editora Paralela – selo da Companhia das Letras), define já em seu subtítulo, “Um perfil”, não se tratar de uma biografia completa. Mas pelos dois capítulos disponibilizados pela editora em seu site http://www.editoraparalela.com.br/detalhe.php?codigo=88091e que você pode ler logo abaixo, percebe-se a riqueza de detalhes obtidos pelo talento do repórter PVC ao escrever, principalmente, sobre os primeiros passos do craque no litoral paulista quando ainda jogava o Futsal. E ainda, sobre o pioneirismo no planejamento da carreira de Neymar.

O livro entra no mercado editorial (nacional e internacional, pois a edição é bilíngue) nas duas versões, papel e e-book. Em papel ou digital é leitura obrigatória.

1. A descoberta

Em 2005, José Ely de Miranda entrou na sala do então presidente do Santos, Marcelo Teixeira, com a frase perfeita caso o objetivo daquele encontro entre os dois fosse a contratação de um craque de futebol já consagrado para o alvinegro praieiro: “O senhor tem de ver!”. Miranda era responsável pelas chamadas categorias de base do Santos Futebol Clube, ou seja, pelos pré-adolescentes e adolescentes que são treinados pelo time para eventualmente serem, no futuro, aproveitados como jogadores profissionais (o que só acontece com muito poucos). Ele entrou para a história sob o apelido de Zito, um volante que foi nove vezes campeão paulista e duas vezes campeão mundial de clubes pelo Santos (em 1962 e 1963) — além de duas vezes campeão mundial pela seleção brasileira (nas Copas do Mundo de 1958 e 1962). 

Zito e Pelé
Zito também se tornou uma lenda por nunca ter se intimidado com um certo companheiro de time chamado Pelé e por, no campo, gritar para que o melhor jogador da história do futebol voltasse para a defesa e ajudasse na marcação dos adversários, ou até mesmo para que se movimentasse mais na partida. Sobre ele, o grande cronista mineiro Paulo Mendes Campos um dia escreveu: “Zito é mensageiro de dois mundos:/ o da vida, na área adversária (onde residem os mistérios gozosos)/ e o da morte, na área do coração brasileiro (onde residem os mistérios dolorosos)”. Aos setenta anos, seu entusiasmo parecia ser o da época em que jogava no mesmo time de jogadores épicos do Santos, como o elegantíssimo goleiro Gilmar, o curinga Lima (que jogava em várias posições) e o ponta-esquerda Pepe, dono de um formidável chute. Zito estava encantado com o talento futebolístico de um guri sessenta anos mais novo do que ele.

Diego e Robinho
Naquele momento, o time do Santos comemorava as descobertas preciosas dos jogadores Robinho (que foi para o Real Madrid, Manchester City e, depois, para o Milan, da Itália) e Diego (que circulou pelos grandes campeonatos da Europa, como o alemão e o italiano, até chegar ao Atlético de Madrid), da segunda grande geração dos “Meninos da Vila” — que fez o clube voltar a ser respeitado e a conquistar o Campeonato Brasileiro de 2002. Apesar de o time santista ser a “bola da vez”, “seu” Zito, como Neymar Jr. o chama até hoje, queria mais, bem mais.

No início, o presidente Teixeira não compartilhou o entusiasmo de Zito. Disse ao ex-volante — Zito fez na seleção brasileira, ao lado de Didi, uma das mais importantes duplas de meio-campo da história do futebol mundial — que se o menino tinha apenas dez anos e o Santos só tinha categorias de base a partir de Sub-13 (da qual só podem participar garotos que completem doze ou treze anos no ano do campeonato), não havia razão para ir vê-lo jogar. Seria melhor esperar o moleque amadurecer mais um pouco. Zito reagiu imediatamente: era preciso não só contratá-lo, mas criar categorias mais jovens em que o menino pudesse se desenvolver. A decisão não era simples: ela envolvia não apenas o aproveitamento de um talento bastante precoce — que poderia não se confirmar no futuro —, mas o investimento na criação de várias categorias infantis para aproveitar aquele noviço. No início de 2003, Teixeira finalmente atendeu ao apelo de Zito. “Vamos ver esse seu jogador aí!”, disse, e foi assistir ao menino Neymar jogar no Gremetal, o Grêmio dos Metalúrgicos da cidade de Santos. Sem saber que o poderoso presidente do Santos estava na arquibancada naquele dia, Neymar não jogou bem. “Eu também não quis mostrar muita empolgação. Evitei fazer parecer que eu iria apadrinhá-lo. Naquele dia, ele jogou bem, mas não foi tudo aquilo que esperávamos”, lembra Marcelo Teixeira.

Semanas depois, Zito insistiu mais uma vez e Teixeira resolveu assistir a uma partida de Neymar Jr. em São Vicente (aliás, cidade natal de Robinho e do professor de literatura, músico e torcedor do Santos José Miguel Wisnik, que escreveu que nela “o futebol estava em toda parte”), onde o garoto morava. Naquele dia, Neymar já sabia do interesse do presidente do time da Vila Belmiro — que começava a firmar a imagem de um dos clubes que melhor aproveitavam os jogadores das categorias de base no Brasil.

Se havia tido uma participação não mais do que discreta na primeira partida a que Teixeira havia assistido, na segunda o menino foi um assombro! “Ele já sabia que eu o estava observando. Quando cheguei, ele não se intimidou. Acabou com o jogo! Acabou! Deu drible, chapéu, fez de tudo. Só não fez chover porque o ginásio era coberto”, diz o homem que presidiu o Santos entre 1991 e 1993 e entre 2000 e 2009.

A partir daquele dia em São Vicente, Teixeira passou a ser o principal avalista de Zito na teoria de que o clube estava descobrindo um novo diamante bruto. A única dúvida era sobre o seu quilate: “O Zito nunca me falou em um novo Pelé. Nós achávamos que estávamos prestes a encontrar outro Robinho”.

Marcelo Teixeira conta que se encantou com o garoto a ponto de precisar atender ao pedido daquele ex-volante que aliviara toda a nação, em 17 de junho de 1962, quando, no Estádio Nacional de Santiago, no Chile, vestindo a camisa canarinho com o número 4 às costas, subiu de cabeça, aos 24 minutos do segundo tempo, para virar o jogo — o Brasil, com mais um gol de Vavá dali a pouco, faria 3 a 1 na então Tchecoslováquia e ganharia o bicampeonato mundial (“quando Zito chegou foi só alçar a infiel por cima da muralha eslava”, assim o gol foi descrito pelo cronista Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, que cobriu aquela Copa). Ou seja, seria necessário encontrar um lugar para acolher aquele menino extraordinário. Por determinação de Teixeira, criou-se um centro de treinamento chamado significativamente de Meninos da Vila. Qualquer garoto na faixa de dez anos teria onde jogar na cidade de Santos, desde que fosse no time do Santos, é claro. Inicialmente, o clube passou a se organizar para ter jogadores abaixo dessa idade, embora não no futebol de campo, mas no futsal.

“Eu não tinha orçamento para investir nas categorias de jogadores mais novos, e disse isso ao Zito. Mas, quando vi aquele menino jogar, percebi que precisávamos criar a estrutura. Não só para ele, mas para uma legião de jogadores que poderiam aparecer no Santos.” Em dois meses, a nova estrutura estava criada. Não era só para Neymar, mas era sobretudo por Neymar.

2. A grande viagem

Ficha de inscrição de Neymar no Real Madrid
O menino talentoso foi procurado pelo Real Madrid logo depois da chegada de Robinho ao clube espanhol, em 2005. Ele tinha treze anos. Não era pura coincidência. Junto com Robinho, chegara à capital espanhola o conhecido empresário brasileiro de jogadores de futebol Wagner Ribeiro.

Ele conhecia Neymar Jr. tão bem quanto o presidente Marcelo Teixeira ou o craque Zito. Fora apresentado ao Neymar, pai, por Roberto Antonio dos Santos, o Betinho, o primeiro treinador do garoto, que investiu nele quando Neymar Jr. tinha apenas doze anos.

Na apresentação do novo jogador “merengue”, já se discutia o próximo negócio entre as duas equipes que têm o uniforme número um inteiramente branco e que dominaram o futebol mundial na década de 1960. O início da temporada 2005-6 marcou a estreia de Robinho no Real Madrid, contratado por 50 milhões de dólares, e também a chegada do argentino Lionel Messi ao time principal do Barcelona.

Robinho chegara à Espanha no início daquela temporada, estreando em agosto de 2005 depois de uma enorme novela — que se repetiria, anos depois, com a contratação de Neymar pelo Barcelona, mas em circunstâncias diferentes. O Santos recusava-se a vendê-lo por valor menor do que o estipulado na multa por rescisão contratual. O Real Madrid teria de pagar os 50 milhões de dólares da multa ou não levaria o jogador. Robinho argumentava que, por ser dono de 40% do contrato, poderia franquear ao time espanhol depositar “apenas” 30 milhões de dólares. O negócio emperrou e o jogador decidiu entrar em greve enquanto o imbróglio não se resolvesse. Ficou sem atuar por quinze dias e ganhou a briga. Ou pelo menos parte dela.

O time brasileiro aceitou liberá-lo do contrato desde que o Real Madrid pagasse integralmente os 60% do valor correspondente à parcela controlada pelo Santos Futebol Clube. Os outros 40% pertenciam ao jogador, que abria mão de receber 20 milhões de dólares. Robinho estava ansioso para jogar na Europa e decidira negociar sua parte com o Real Madrid posteriormente.

Ele foi. Wagner Ribeiro foi junto. E foi avisando a quem quisesse ouvir que o Real Madrid poderia ter um jogador equivalente àquele argentino supertalentoso que o Barcelona acabara de lançar. Messi havia ido para a Espanha aos treze anos. Neymar estava chegando aos treze anos. O time dos sonhos da capital espanhola conseguiu levar o pré-adolescente para viver na charmosa Madri.

Nessa época, outro Neymar, o pai, ex-jogador do Coritiba e do União de Mogi das Cruzes, era mecânico da Companhia de Engenharia de Tráfego (cet) de Santos. Recebia um salário em torno de 2 mil reais mensais. A família morava em uma casa alugada em São Vicente. O sonho de Neymar Jr. de mudar de vida e de poder conviver com todos os grandes craques galácticos do Real Madrid era inseparável da dor de ficar longe da família e dos amigos e das vicissitudes de morar na Espanha. A oportunidade de conviver e de aprender com os melhores e mais famosos jogadores de futebol do mundo era extraordinária: ele ficou hospedado na casa de Robinho. Nos treinos do time madrilenho, encontrava-se com Ronaldo Fenômeno, Zinédine Zidane, Roberto Carlos...

Neymar Jr., como qualquer garoto perna de pau que tivesse essa oportunidade, tirou fotos com todos os ídolos. Há momentos marcantes na relação com Robinho, seu ídolo de Santos, e com Ronaldo. Ele jogava e via jogar. Via o Real Madrid ganhar partidas consecutivamente, embora quem tivesse vencido o Campeonato Espanhol naquela temporada tivesse sido o histórico rival da cidade de Barcelona.

Durante dezenove dias o garoto viveu o glamour de assistir aos jogos do Real Madrid no emblemático estádio Santiago Bernabeu e a certeza de ser um futuro craque, motivada pela convivência com os gênios do time espanhol.

Nesse período de testes, marcou 27 gols nos treinos e deixou os técnicos das divisões de base do Real com água na boca. Apesar das vantagens aparentes, o menino tinha dúvidas. Ele não estava certo de que ficar naquela equipe de uniforme alvo como o do Santos seria a melhor decisão para a sua vida. Será que, num futuro não muito distante, haveria espaço para ele em um elenco inchado de supercraques cujos passes haviam custado uma fortuna para o Real? Ou será que ele, como muitos outros jovens talentos, seria obrigado a aceitar um plano B e ser emprestado para times espanhóis de menor expressão como o Granada, da cidade do mesmo nome, ou o Rayo Vallecano, do bairro de Vallecas, em Madri, e correr o risco de não cumprir o destino de grande estrela do futebol que tudo indicava que para ele estava reservado? O que seria melhor para o menino pobre que ele era: continuar na Espanha, próximo dos grandes centros futebolísticos da Europa, ou voltar para o Brasil?

Neymar não estava feliz na Espanha. Ao contrário de Messi, mais introspectivo, o brasileiro era expansivo, alegre, gostava de estar com os amigos, de cantar, de dançar.

As dúvidas e a sua infelicidade atormentaram toda a família Silva Santos. Mas estava decidido: por mais que os pais intuíssem que o melhor para ele seria voltar para o litoral paulista, a escolha final seria de Juninho. Como em tantas partidas decisivas que jogaria nos anos seguintes, a responsabilidade recairia sobre os ombros do garoto.

Sobre o autor:
Paulo Vinícius Coelho nasceu em São Paulo, no dia 30 de agosto de 1969. Decidiu ser jornalista aos 14 e sempre pretendeu trabalhar com esportes. Começou a carreira em 1987 no jornal Gazeta do ABC. Passou pelo Diário do Grande ABC(1990), pela revista Ação, como estagiário (1991), pela revista Placar(1991 a 1997) e foi fundador do diário Lance!, no qual começou a trabalhar em agosto de 1997, três meses antes do lançamento em banca. No Lance!, foi repórter especial e editor executivo antes de retornar a Placar em junho de 2000, quando já era comentarista do canal ESPN Brasil. Passou um ano em Placar, voltou ao Lance! para editar a revista Lance! A+ (setembro a dezembro 2001). Desde janeiro de 2002 vem trabalhando como comentarista na ESPN Brasil.É também colunista do jornal Folha de S.Paulo.



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