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Jardim Brasil

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Parece mentira, mas é verdade. O “clima” de Copa no Brasil está frio. Poucas ruas pintadas, euforia popular contida. Dizem, reflexo dos vários problemas existentes no país, na política, na sociedade em geral. Mas há quem recomende esquecer tudo isso para no futuro não se arrepender.

JARDIM BRASIL
Por André Ribeiro

Copa do Mundo é sempre Copa do Mundo. Para quem viveu mais, evidentemente terá mais histórias para contar. O que é o meu caso. Como na dança da vida, boas e tristes lembranças. Tem torcedor que não abre mão de seu ritual. E tem todo tipo de mania (ou quase maníacos). Aquele que só se senta no mesmo lugar em frente a TV. Aquele que só usa a mesma roupa. Aquele que só assiste pela TV e ouve pelo rádio. Aquele que proíbe a presença de algum pé-frio de plantão, mesmo que a pessoa em questão seja a própria “dona patroa”. Aqueles que preferem “encher a cara” antes de o jogo começar para não ter de sofrer durante os 90 minutos. Enfim, cada um tem um jeito de sofrer, ops, torcer, para depois lembrar.

Sinto-me um privilegiado, daqueles que até na mesa de algum bar lá no céu (ou inferno), poderá, quando chegar minha hora de sair dessa para melhor, contar um bocado de vantagens. A razão é simples, pois, do tal pentacampeonato, em meus mais de cinquenta anos vividos, torci e fui campeão junto com a seleção em três títulos, a partir da Copa de 1970.

Por isso, você, amigo torcedor, que anda meio ressabiado de assumir o verde e amarelo e aquele jeito só seu de torcer, aproveite, e deixe pra lá essa frescura de “misturar as bolas” entre futebol, política e bem-estar social. Como diz o Zé lá do bar, “cada coisa é uma coisa”. Nas próximas eleições, você poderá (e deverá por obrigação) fazer o melhor e mais eficiente protesto: não eleger pilantras e enganadores de plantão. 

Se deixar passar esse momento de paixão pela bola, pela seleção, com certeza passará vergonha lá no boteco do céu quando chegar sua hora, porque, com certeza, na hora daquele baita papo com os amigos que não vê a um tempão, não se lembrará de quem fez o gol daquele título mundial brasileiro que você decidiu não ver para poder protestar, e muito menos do político que ajudou eleger, porque esses a gente esquece de propósito, mesmo.

Torcer pela seleção durante uma Copa, e ainda mais quando ela é disputada por aqui, não tem preço.  Não que isso represente só boas lembranças. Às vezes, são boas, mas misturadas com alguma espécie de dor. Tem a dor da saudade, do pai, da mãe, do irmão, do tio, do primo, do cachorro, do gato, da prima, do vizinho, ou de qualquer pessoa ou ser querido que sempre esteve presente nesses momentos de torcida coletiva, mas que agora não está mais entre nós.

E há aqueles, como eu, que curtiu o sabor da conquista de um título mundial, literalmente, doente. E ainda sim, essa foi a melhor Copa, o melhor título dos três que já comemorei. Tinha eu quase oito anos de vida. Ou seja, o auge do início de uma paixão, pela bola, a conquista mais fácil, e primeira, na vida de quase todo homem brasileiro. Uma prima e minha irmã fizeram-me o favor de transmitir a esse fedelho um dos vírus mais cruéis que uma criança pode contrair, o da hepatite. Para quem não sabe, além dos remédios, a recomendação médica para esses casos é de imobilização quase total, para que o fígado fique ali, bem quietinho, se recuperando.  Imagine você o tamanho da tortura que foi aquela Copa para mim. Oito anos, acostumado a ficar o dia inteiro na rua de terra com os amigos se ralando inteiro atrás de uma bola, e, naquele momento, tendo que ficar parado, esticado em uma cama, só ouvindo o eco da torcida, nas ruas, nos vizinhos e amigos na rua, e ali mesmo em casa, naqueles antigos aparelhos de tevê, ainda em preto e branco.

Mas não foi bem assim. Já que não poderia ir para a rua jogar minhas “peladas”, o jeito foi improvisar. O time inteiro não pôde entrar, mas uns quatro ou cinco amigos não me abandonaram. Todos, convocados para estarem em casa, algumas horas antes do início de cada jogo do Brasil, para “imitar”, dentro de um apertado quarto, as jogadas dos craques brasileiros no México. Imagine só, meia dúzia de capetas, dentro de um quarto jogando futebol. Como o espaço era pequeno e havia um “doente” em “campo”, decidimos que o gol seria o espaço da cama de onde eu não poderia sair por ordem expressa de minha mãe, sob pena de levar uma boa surra de “fio de ferro” (para os mais jovens, antigamente, os ferros de passar roupa tinham uma tomada na parte traseira onde era conectado um fio dali até a tomada. Nunca apanhei dessa forma, mas ameaça nunca faltou, e só de imaginar a dor, era preferível não vacilar).

Como só havia um gol, só poderia haver um goleiro. E como eu era o único que poderia estar ali em cima da cama, transformei-me em Félix, o goleiro da seleção brasileira na Copa de 1970. Um retângulo que imitava as traves de um gol de maneira quase real, já que nas duas extremidades havia duas pontas de madeira que simulavam quase que perfeitamente os pedaços de uma meta. Até rede tinha, disfarçada de cortina na parede. A bola era “artesanal”, feita com meias, várias juntas, dobrando e redobrando uma sobre a outra até ficar do tamanho que quisesse. Dois ou três pares de meias grossas rendiam uma pequena bola, perfeita. Algumas meias eram minhas, mas para a “bola” ficar ainda mais real, da cor das bolas de capotão (feitas de um couro que arrebentou a testa de muita gente), marrom, usávamos para revestir a “bola”, uma meia-calça roubada da gaveta de minha mãe.  

Ficava perfeita, macia e redonda. No espaço apertado, os amigos disfarçados de Rivelino, Jairzinho, Tostão e Pelé, disputavam as jogadas até dispararem potentes chutes em direção ao gol. Nunca fui goleiro, mas naqueles dias pratiquei as “pontes” mais incríveis que nem mesmo Félix faria, nem em campo, muito menos em cima de uma cama de solteiro. O único problema ou inconveniente era que não poderia haver comemoração com grito de gol, caso contrário, minha mãe ouviria e o “jogo” acabaria na hora. O mais incrível é que o “jogo” era narrado, ou melhor, sussurrado, bem baixinho, porque jogar sem narrar ao mesmo tempo, não tem graça nenhuma (não é assim com a geração videogame?). Impossível não se lembrar daquele bordão dos “craques” mirins imitando o narrador Geraldo José de Almeida na hora de um gol com o “olha lá, olha lá, olha lá...no placarrrr...Brasil, Brasil, Brasil...”.

O jogo na TV começava e a pelada parava. Torcíamos, como as milhares de pessoas no país, vendo com dificuldade as imagens geradas pela primeira vez para o Brasil. No intervalo, olhávamos para o céu repleto de balões coloridos, enormes. Rojões, ruas embandeiradas, calçadas e ruas (as poucas asfaltadas) pintadas. O cheiro do churrasco invadia a sala.

O resultado no México todos já sabem. Brasil tricampeão mundial. Em casa, os saltos para as defesas nas “peladas” disputadas no quarto provocaram um enorme problema para minha mãe. Se em três meses minha irmã e minha prima estavam recuperadas da hepatite, levei um ano para me curar. Foi a dor mais deliciosa que senti em toda a vida. 

Apesar de naquela Copa morar em um dos bairros mais violentos da periferia paulistana, e “ganhar” um mundial com a seleção brasileira, “doente” em uma cama, o que me vem à cabeça agora é o nome daquele bairro, que em época de Copa, no Brasil, deveria ser o mesmo em todo o país: Jardim Brasil.

Sobre o autor:
André Ribeiroé jornalista, pesquisador, produtor de televisão, desde 1978, quando ingressou na extinta TV Tupi. De 1983 a 1988, trabalhou na TV Manchete. Foi produtor executivo na TV Cultura de São Paulo durante treze anos. A partir de 1998, escreveu: Diamante Eterno – Biografia de Leônidas da Silva (Editora Gryphus, 1998); Fio de Esperança – Biografia de Telê Santana (Editora Gryphus, 2000); A magia da camisa 10(Verus Editora, 2006), publicado no Brasil, Portugal, Hungria, Polônia e Japão; Uma ponte para o futuro (Editora Gryphus, 2007); Os donos do espetáculo – Histórias da imprensa esportiva do Brasil (Editora Terceiro Nome, 2007); Uma janela para a serra – A história de Extrema, Portal de Minas (Prefeitura de Extrema, MG, 2008)e Leopoldo – Os caminhos de Leopoldo Américo Miguez de Mello para um Brasil maior (Editora Cenpes/Petrobras, 2010).


O Brasil em todas as Copas

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Uma verdadeira Bíblia sobre a história da seleção brasileira. Assim pode ser definida a mais nova obra do pesquisador e historiador Airton Fontenele, o oitavo livro do escritor cearense sobre o tema Copa do Mundo. Incansável, mesmo aos 87 anos, esse cearense da cidade de Viçosa, aborda várias temáticas no livro “O Brasil em todas as Copas do Mundo – 1930/2014 – História, Curiosidades e Estatísticas” (Editora LCR).

Você vai conhecer as origens do futebol no mundo e no Brasil, a criação da FIFA e o evento Copa do Mundo. Terá também um retrato sintético das 19 Copas do Mundo (1930/2010), o desempenho do Brasil, campeão cinco vezes; dados técnicos dos 97 jogos na competição e dos 92 nas eliminatórias; os 45 adversários nos mundiais e os nove nas eliminatórias; os 368 jogadores brasileiros envolvidos naqueles certames, além de uma alentada série de curiosidades e estatísticas.

A Bíblia da Seleção Brasileira
Por André Ribeiro

Se Padre Cícero foi eleito "O Cearense do Século", Airton Fontenele deveria ser considerado o rei da literatura sobre a seleção brasileira. Não. Não é exagero e muito menos heresia. Airton Fontenele construiu após uma longa carreira dedicada à vida de bancário, um dos maiores acervos (senão o maior) históricos sobre a seleção brasileira. Cada linha escrita por ele – e não foram poucas – contém não somente o conhecimento adquirido pelo rigor da pesquisa, mas a paixão da paixão de todo e qualquer brasileiro amante do futebol.

O pequeno espaço de sua casa, onde estão cuidadosamente guardadas centenas de livros, revistas, jornais, fotos, entrevistas em áudio, vídeos e álbuns, bem que poderia ser comparado a um “santuário” da literatura esportiva da seleção brasileira.

Mas Airton Fontenelle não é daqueles que sabem tendo que consultar algo de seu rico acervo histórico. Está duvidando? Encontre-o caminhando por qualquer rua de sua querida Fortaleza. Faça-o parar, e pergunte qualquer coisa que queira saber sobre a história da seleção brasileira.

Tanto conhecimento adquirido só poderia resultar em vários livros publicados sobre o tema seleção brasileira. O oitavo, sim, acredite, o oitavo livro de Airton Fontenele rende a ele a merecida alcunha de “Enciclopédia” viva quando o assunto é seleção brasileira.

Mas, acredite também, como fazem os milhares de fiéis de Padre Cicero. Airton Fontenele é o Papa da literatura quando o tema é seleção brasileira. Embora não tenha feito nenhum milagre pelo scratch canarinho, deixa agora, para você, leitor apaixonado pela seleção, uma verdadeira Bíblia do tema.

Como nasceu o futebol
Por Airton Fontenele

Existem muitas versões sobre as origens do mais popular dos esportes de bola, o futebol association ou soccer.

Alguns historiadores apontam a Grécia como berço de um desporto que mais tarde se transformaria no futebol. No programa de educação física da mocidade grega figurava um jogo, o spiskiros, que consistia na disputa de uma bexiga de porco, cheia de ar ou de areia, por dois grupos de atletas que se esforçavam para levá-la a um determinado ponto. Existia, assim, ataque e defesa, e com isso estaria criado o futebol na sua forma mais rudimentar.

Quando as legiões romanas ocuparam a Grécia, no ano 1500 a.C, os legionários ficaram interessados por aquele esporte e o levaram para Roma. Os romanos inspirados no spiskiros, que já era denominado sphoere machis, criaram o seu jogo próprio, o harpastum. Os romanos praticavam referido jogo num campo delimitado por duas linhas, que eram as metas, e cada equipe se colocava junto à respectiva linha final e, dada a ordem, precipitavam-se sobre uma pequena bola posta no centro.

A bola feita de bexiga de boi, coberta com uma capa de couro, podia ser carregada com os pés e as mãos, havendo, assim, certa semelhança entre o harpastum e o rugby.

Os historiadores revelam que, há 2.600 anos antes de nossa época, o futebol já era praticado no Japão no reinado dos Imperadores Engi e Teureki. E que na mesma época se praticava na China um jogo, o Kemari, que se parecia com o futebol, inventado pelo chinês Yang-Tsé. Segundo texto de Li Su existente no Museu Etnológico de Munique, é possível que as primeiras partidas internacionais tenham sido realizadas por chineses e japoneses, jogando cada um de acordo com suas respectivas regras.

Durante a Idade Média, surgiu na França, especialmente nas regiões da Bretanha e Normandia, o soule, inspirado no harpastum dos romanos. Quase na mesma época referido esporte chegou à Inglaterra. Consistia na disputa de uma bola de couro cheia de feno ou farelo, em que se permitiam golpes com os pés, socos e rasteiras, razão pela qual chegou a ser proibido por dois reis da França. Daí ter nascido o slogan até hoje conhecido: o violento esporte bretão.

Um século após a invasão normanda, o futebol estava em evidência na Inglaterra. Durante a semana do carnaval, em Londres, os rapazes se reuniam na prática do jogo de bola. Eram dois tipos de jogos: a) Hurling at goals: disputado entre 40 ou 60 jogadores, divididos por dois campos e que procuravam levar a bola à baliza adversária, representada por dois paus espetados no solo com a distância de 3 a 4 metros um do outro, e dentro de um terreno aproximado de 100 jardas. Dessa prática nasceu, em 1830, o rugby, por iniciativa do Dr. Thomas Arnold; b) Hurling over country: jogado através dos campos pelos rapazes de várias freguesias e aldeias. As metas correspondiam a árvores ou edificações distantes alguns quilômetros.

A vitória cabia ao grupo que primeiro conduzisse a bola até ao objetivo designado, sem conhecer obstáculos, atravessando vilas ou cruzando campos de lavoura. Tinha uma certa semelhança com o soule. Citados encontros duravam, muitas vezes, mais de um dia.

Os Italianos, por sua vez, dizem que o futebol nasceu em Florença, pelo ano de 1529, com a criação do seu Giucco de Cálcio.

Eis a razão deste desporto ter na Itália o nome de cálcio no lugar de futebol como nos demais países. Esse jogo consistia na formação de dois grupos, com 27 jogadores cada, distribuídos por quatro linhas. Era uma formação que parece muito ao que se conhece hoje como rugby. A finalidade do jogo consistia em alcançar, o campo adversário, sendo gol quando a bola lançada por um pontapé ou soco ia cair atrás da linha de demarcação, sendo permitido correr com a bola e passar quando julgasse conveniente, inclusive que se agarrasse o adversário ou desse-lhe uma rasteira.

Na Renascença, todavia, o futebol reviveu mais moderado, sendo na Inglaterra e Itália considerado como esporte de elite, praticado por lordes ou barões. E, paulatinamente, o jogo foi deixando de ser tão violento e perigoso. No inicio do século XVIII, os jovens das famílias ricas inglesas passaram a dar preferência ao futebol, deixando em segundo plano a caça, a esgrima e a equitação.

Assim é que os ingleses afirmam que o futebol pode não ter nascido na Inglaterra, mas foi lá que ele cresceu e se educou.

Poderíamos até dizer que o futebol, ofi cialmente, nasceu em 26 de outubro de 1863, numa histórica reunião realizada à luz de velas na Taberna Freemason’s, em Great QueenStreet, Londres, quando estudantes ingleses decidiram separar o futebol e o rugby, criando The Football Association, organismo que até hoje controla todo o futebol inglês. Na mesma ocasião, foi fixado em onze o número de jogadores de cada time: um arqueiro, dois zagueiros, um médio e sete dianteiros.

Em 1º de dezembro de 1863, o futebol foi codificado por regras estabelecidas pelos integrantes da reunião realizada na Taberna Freemason’s.

Aludidas regras foram distribuídas aos clubes, colégios, livrarias, bancas de jornais, visando ensinar aos interessados como praticar o futebol. As primeiras leis previam um mandamento sagrado: nenhum jogador poderia colocar a mão na bola. Foi somente em 1867 que o arqueiro passaria a ter o direito de tocar na bola com a mão. A figura do juiz, também chamado árbitro, foi criada em 1868, sendo que no início anunciava as suas decisões aos gritos, pois o apito só surgiria dez anos depois.

Em 1870, com vistas a reforçar a defesa, foi registrada a formação clássica dos times, que predominou por mais de quatro décadas: um arqueiro, dois zagueiros, três médios e cinco dianteiros.

Em 30 de novembro de 1872, aconteceu o primeiro jogo internacional de futebol association, realizado na cidade de Glasgow, com o seguinte resultado: Escócia 0 X 0 Inglaterra. Logo em seguida, as seleções da Inglaterra, Escócia, Irlanda e País de Gales passaram a disputar, todos os anos, uma valiosa taça instituída por The Football Association e conhecida simplesmente por Cup. A exemplo do que ocorreu com a nossa Taça JulesRimet, a Cup foi roubada da vitrina de uma loja de Birmingham e jamais recuperada. Tal fato deu-se em 1895, e o Lloyd de Londres mandou fazer outra igual.

Quase na mesma época, os países componentes do Reino Unido criaram a International Football Association Board, órgão independente e o único que pode decidir sobre quaisquer modifi cações nas regras do futebol association, cuja primeira reunião ocorreu em 2 de junho de 1886.

Em 1891, foi realizada uma revisão geral nas regras, com o surgimento das redes nas balizas, criação do pênalti, estabelecimento do tamanho do campo e de bola, bem como a duração do jogo - 90 minutos, dividido em dois tempos de 45 minutos, com intervalo de 15 minutos. Estabeleceram-se, em 1901,os limites das áreas, enquanto em 1907 as leis do impedimento começaram a ser alteradas para se definirem em 1924.

A partir de 1925 surgiu uma grande revolução no sistema de jogo modificando o implantado em 1870, graças a Herbert Chapman, então treinador do Arsenal, de Londres. No novo sistema de Chapman alinhavam à frente do arqueiro (ou goleiro): três beques, dois médios, dois meias e três atacantes, e que dava às equipes uma distribuição mais uniforme dentro do campo. Mencionado sistema entrou para a história com o nome de WM, e foi o ponto de partida para a criação de outros sistemas.

Efetivamente, surgiram inúmeros sistemas no futebol, tais como: ferrolho suíço, diagonal (criado pelo nosso técnico Flávio Costa), marcação por zona (adotado por Zezé Moreira), o 4-2-4 (lançado em 1951 por Martim Francisco), carrossel holandês (aplicado com sucesso pela Holanda na Copa de 1974), a adoção do líbero (muito empregado no passado pela Itália, e que consistia em um zagueiro ficar atrás de quatro defensores).

Hoje, a maior tendência é para o 4-3-3, com algumas alternâncias para o 4-4-2, motivo de menores escores nas partidas.

Dori Kruschner
Quando se fala a respeito de sistemas, não poderíamos esquecer a figura extraordinária do húngaro Dori Kruschner, como preito de reconhecimento pelo que ele fez em favor do soccer nacional. A propósito do antigo técnico do C.R. Flamengo, assim escreveu João Saldanha: ‘(…) Em 1938 demos um verdadeiro salto à frente em nosso futebol. Dois fatores fundamentais se encontram em questão: o primeiro foi, indubitavelmente, a presença do magnífico treinador húngaro Dori Kruschner, que nos tirou um atraso de quatorze anos. Refiro-me à total reformulação tática a que nos obrigou. É que jogávamos de acordo com lei de off-side anterior a 1924-26,quando bastavam dois zagueiros (beque de espera e beque avança). Chegamos ao cúmulo de comparecer assim à Copa de 38 e, mesmo dando esta vantagem, chegamos em terceiro. Todos os outros times já jogavam com três, quatro e até cinco zagueiros (Suíça) em função da lei modificada há quatorze anos!

Sou levado a pensar que se Kruschner chegasse um ano antes, o caneco já teria visitado o Brasil desde aquela época. O outro fator fundamental é que o futebol no Brasil se tornou arte popular. E o que mais: arte e paixão popular. (…) “(‘A Raposa e as Uvas, in’Aconteceu”, edição extraordinária, de julho/70,p.07).

Segundo ainda João Saldanha, o famoso cronista e técnico que classificou o Brasil para a Copa do Mundo de 1970, em declarações prestadas ao jornalista Alan Neto (O Povo de Fortaleza, 21/dez/82): “o modelo tático ideal seria 1-3-3-3, ou seja: um líbero flexível lá atrás, estilo Beckenbauer que subia com a mesma facilidade como descia; três zagueiros, três meios-campos e três atacantes. Mas aqui, todos querem segurar seus empregos e haja retranca. Um na frente e dez defendendo, é antifutebol”.

Charles Miller
Sobre a evolução do futebol moderno, observe-se, também, que ele chegou no final do século passado a outros países da Europa, na maioria levado pelos marinheiros ingleses, quais sejam: França (1872), Dinamarca (1873), Suíça (1879), Bélgica, Áustria (1880), Alemanha, Romênia, Espanha, Rússia (1886), Holanda (1889), Finlândia (1890), Itália (1893), Bulgária (1896) e Hungria (1899).

O futebol association chegaria também a outros continentes. Na América do Sul os argentinos foram os primeiros a tomarem conhecimento deste novo esporte, graças aos ingleses que batiam sua bola no campo do Bueno Aires Cricker Club pelos idos de 1864. Porém, os portenhos somente em 1895 fundariam a sua federação. Referido desporto chegaria ao Canadá em 1880 e dois anos depois no Uruguai.

No Brasil, o futebol despontou em 1894, trazido pelo paulista Charles Miller.

Sobre o autor:
Airton Fontenelenasceu no dia 27 de janeiro de 1927. Passou a gostar de futebol na Copa do Mundo de 1938. Em 1947 começou a escrever no semanário “O Goal”, a primeira das mais de três mil colaborações que daria à imprensa em mais de 60 anos. Formou-se em Odontologia em 1950. Entre 1952 e 1954 foi correspondente do jornal “A Gazeta Esportiva”, de São Paulo. De 1954 a 1979 trabalhou como bancário na equipe pioneira do Banco do Nordeste. Durante os anos 1960 participou de maneira direta da reformulação do Estádio Presidente Vargas, o PV. Em 1986, lançou o primeiro dos oito livros publicados, “Futebol, Seleção das Seleções”. É um dos mais respeitados historiadores e pesquisadores do futebol brasileiro.

A Magia da Camisa 10 na Copa

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Mais um mundial. Mais uma competição para coroar ou arrasar a carreira de homens especiais do futebol. Quem será o 10 a brilhar no mundial do Brasil? Se nos clubes mundo afora o número na camisa perdeu um pouco de seu encanto, em Copas ela tem significado pra lá de especial.

Na Copa no Brasil, entre todas as seleções, talvez (porque ainda não sabemos) teremos apenas um 10 reserva, o chileno Valdívia. Dizer que o duelo mais esperado será entre os 10 mais famosos do mundo, Neymar e Messi, não vale. Até porque, ambos poderão ficar pelo caminho e se isso acontecer, quem será o 10 a encantar o mundo mais uma vez.

Curiosamente, o último melhor 10 da Copa de 2010 (eleito pela Fifa), o uruguaio Fórlan, é um veterano, mas em uma seleção com chances reais de chegar longe na competição.
Enfim, a camisa 10 sempre será magia, ainda mais em uma Copa disputada no Brasil, a terra onde a mística começou.

A Magia da Camisa 10
Por Vladir Lemos e André Ribeiro
(texto de apresentação do livro “A Magia da Camisa 10”)

“Impossível saber se é magia ou fé o que faz a camisa 10 tão diferente de todas as outras. Sim, porque hoje, ao nos depararmos com um time enfileirado, ganhando o gramado, carregando nas costas, além da esperança de vitória, uma seqüência mágica de números, não somos capazes de enxergar o dono da camisa 10 como um jogador qualquer.

Impossível pensar em tais algarismos como um pequeno detalhe, em meio ao encanto do espetáculo, prestes a começar. Apenas um número, pregado na parte de trás da camisa, distribuído aleatoriamente pelo treinador, com uma lógica que a razão não ousaria desafiar.

É claro, nenhum boleiro seria capaz de duvidar que craque que é craque mesmo está habilitado a entrar em campo vestindo qualquer camisa, ostentando qualquer número.

Não ! Hoje a magia ou a fé amadurecidas debaixo de tanto suor, de tanto drible, de tanta habilidade, de tantas jogadas, de desenhos capazes de desafiar a razão, faz com que todos vejam algo de transcendente, de puro fetiche.

Já não é só a torcida que espreita a tal camisa 10. Cada jogador, no íntimo irá sempre temer por um confronto, ao cruzar com um desses predestinados em campo. Até o juiz, talvez, o encare como autoridade diferenciada entre as quatro linhas, e por isso, redobre a atenção para não ser, repentinamente enfeitiçado, vítima de seu encanto.

As lentes, cada uma delas, longas, angulares, com filtro...buscam o dono da 10 de maneira diferente. Ali, pouco depois dos limites guardados só para eles, todos os sentidos da crônica o farejam, tentam com talento, quase sempre em vão, esmiuçar o seu poder.

Há uma lógica desafiadora no fato desse homem estar trajando a camisa 10. Seria mais coerente que ele, ao desfilar tanta importância, conquistasse o direito de ser, claro, o número 1.

Afinal, o que seria de fato a 10?

Um número 1 seguido de uma bola?

É isso! A bola, sinônimo da esférica Terra, que os tais camisas 10 acabam, de certa forma, por dominar.

Sobre os outros, cada camisa mais parece um uniforme, unindo homens durante  90 minutos, obstinados por uma mesma conquista.

Mas a 10, jamais!

A camisa 10 é assim, divindade e elegância.

Quando passou a ter essa força, não se sabe. Como não se sabe também quantos foram eles, quais aqueles que realmente a mereceram. Há, aí, também uma finta. Porque alguns que a tiveram, não a mereceram. Outros, por sua vez, carregaram durante toda uma vida, um 10 imaginário em suas camisas.

Como encontrá-los, como escolhê-los, como convocá-los? Quem transformou a camisa 10? Quem colocou sobre ela toda essa mística? Foram homens nascidos nos quatro cantos do mundo ou terá sido obra do tão invocado deus do futebol ?

Seria bom se cada cúmplice dessa história, escrita ao rolar de tantas bolas, não se esquecesse que vestir a 10 é transcender, é fazer parte de um outro time.

Nesse culto, que beira o religioso, cada torcedor tornou-se devoto de um, de muitos, de todos os camisas 10. Querer dividi-los ou escalá-los é como cometer um pecado, atentar contra a nação da bola, ousar explicar o que faz o futebol maior.

Como simples seguidores dessa crença, podemos apenas lembrar, deixar livre nosso olhar curioso e vasculhar a história de cada um, tentar descobrir porque a vida os fez assim, camisa 10.

Encarar o desafio de desvendar o ambiente, os sonhos, os obstáculos que eles venceram, além de tantos e tantos adversários. É se dispor a melindrar a torcida, é comprar briga, é ter de fazer do ataque a melhor defesa. Em outras horas, é ter a serenidade para perceber que se recolher na defesa é o melhor ataque.

Mas com uma coisa, talvez, todos os devotos concordem:  houve um momento em que a crença, a magia da camisa 10 se fez mais  visível. Tarefa que coube a um menino, muito provavelmente obra também de um deus do futebol.

Pelé.

Tudo começou com ele....”

Confira todos os prováveis camisas 10 da Copa no Brasil e algumas curiosidades de cada um.

Neymar (Barcelona-ESP, Brasil)

Precisa ser dito algo?

Luka Modric(Real Madrid-ESP, Croácia)

Um camisa 10 que impressiona pelos 1.808 passes certos na temporada 2013-2014 do campeonato espanhol.

Vincent Aboubakar(Lorient-FRA, Camarões)

Tem apenas 22 anos, mas esta é sua segunda copa. terceiro maior artilheiro no Campeonato Francês, com 16 gols (e cinco assistências) em 32 jogos e escolhido o melhor em campo repetidas vezes. Ele integrou a curta lista para o Prêmio Marc-Vivien Foé, concedido ao melhor jogador africano na França.

Giovanni dos Santos (Villarreal-ESP, México)

É filho de um ex-jogador brasileiro, Zizinho (não aquele da Copa de 1950). Há dois anos, Neymar, nosso craque da camisa 10, chegou a tratá-lo como “gênio”. Chegou a ser chamado de “clone de Ronaldinho Gaúcho”. Foi contratado pelo Barcelona quando tinha apenas 13 anos. Já foi carrasco da seleção brasileira por duas vezes: campeão mundial sub-17 e ouro olímpico, em 2012.

Cesc Fábregas (Barcelona-ESP, Espanha)

Experiente, o espanhol, que tem nove títulos na carreira e já participou de duas Copas do Mundo. Foi campeão mundial com apenas 23 anos, quando a Espanha venceu a Copa 2010. Foi fundamental também na conquista da Eurocopa 2008.

Wesley Sneijder(Galatasaray-TUR, Holanda)

Nascido em uma família de jogadores de futebol (seu pai e os irmãos Jeffrey e Rodney) começou sua carreira no Ajax (Hol), em 2002. Em 2007 foi contratado pelo poderoso Real Madrid.  Não deu certo. Dois anos depois foi vendido para a Inter de Milão. Na Copa de 2010, foi o principal jogador da Holanda na eliminação do Brasil. Também foi artilheiro da competição com 5 gols e eleito o segundo melhor jogador do mundial.

Jorge Valdivia (Palmeiras-BRA, Chile)

É bem conhecido do torcedor brasileiro desde 2006, especialmente, os palmeirenses.

Ben Halloran (Fortuna Dusseldorf-ALE, Austrália)

Tem apenas 21, o mais jovem camisa 10 da Copa. Já ficou “famoso” no mundial por ter postado foto de uma enorme aranha em seu quarto.

James Rodríguez(Monaco-FRA, Colômbia)

É a primeira copa que disputa. Terá grande responsabilidade no mundial com a corte do astro da equipe, Falcão Garcia.

Giorgos Karagounis(Fulham-ING, Grécia)

É o mais velho camisa 10 da Copa, com 37 anos. Fez parte da equipe que surpreendeu o mundo na conquista da Eurocopa de 2004, contra Portugal, do atual técnico brasileiro, Felipão.

Shinji Kagawa (Manchester United-ING, Japão)

É considerado um dos maiores jogadores na história do futebol japonês. O talento era tão grande que acabou contratado por grandes clubes europeus como o Borussia Dortmund e o Manchester United, onde joga atualmente.

Gervinho (Roma-ITA, Costa do Marfim)

Tem nome de brasileiro mas não é. O apelido tem tudo a ver com brasileiros, pois foi um técnico brazuca que resolveu chamar o jovem Gervais de Gervinho, um diminutivo igual aos de Robinho e Ronaldinho. Uma comparação honrosa.

Antonio Cassano(Parma-ITA, Itália)

É um veterano da Azzura com 36 jogos pela seleção italiana principal. Disputou as Eurocopas de 2004, 2008 e 2012. Passou por grandes clubes europeus como Roma, Real Madrid, Sampdoria, Milan, Internazionale e Parma. Em 2011 sofreu um AVC – Acidente Vascular Cerebral. Para muitos, não voltaria mais a jogar, mas surpreendentemente, disputou a Euro 2012, chegando à final contra a Espanha.

Wayne Rooney (Manchester United-ING, Inglaterra)

É o grande destaque da seleção da Inglaterra, camisa que defende desde 2003. Ídolo do Manchester United, é famoso também pelo temperamento forte, com várias expulsões, pelo clube e seleção inglesa.

Diego Forlán (Cerezo Osaka-JAP, Uruguai)

É o atual melhor camisa 10 em Copas, pois foi assim que saiu da última, em 2010, quando o Uruguai chegou à semifinal da competição e terminou em quarto lugar no mundial. Por ser um veterano da “Celeste Olímpica” (está com 35 anos), detém os recordes de maior número de partidas e goleador.

Bryan Ruiz (PSV Eindhoven-HOL, Costa Rica)

É a grande esperança da Costa Rica na Copa. Ainda mais pelo fato de disputar o chamado “grupo da morte”, contra Inglaterra, Itália e Uruguai.

Karim Benzema (Real Madrid-ESP, França)

É uma das grandes estrelas do Real Madrid. E também considerado um dos melhores atacantes do mundo.

Granit Xhaka (Borussia Monchengladbach-ALE, Suíça)

Jovem, 21 anos, mas tem a experiência do futebol alemão, onde joga pelo Borussia Dortmund.

Marvin Chávez(Chivas USA, Honduras)

É o menor camisa 10 da Copa, talvez na história de todos os mundiais, com 1,56m.

Walter Ayoví(Pachuca-MEX, Equador)

Talvez o único camisa 10 a não ser “o cara” da equipe, já que a estrela do Equador é o jogador
Luiz Antonio Valência.

Lionel Messi (Barcelona-ESP, Argentina)

Não precisa dizer nada, não é mesmo?...

Zvjezdan Misimovic(Guizhou Renhe-CHN, Bósnia)

Nasceu na Alemanha, mas tem origens Sérvias. Curiosamente, pela origem, escolheu defender a Bósnia, opção pouco comum devido às disputas territoriais daquele pedaço de mundo. Foi campeão alemão jogando pelo Wolfsburg, em 2009.

Ansari Fard(Tractor Sazi-IRA, Irã)

É o grande nome da seleção iraniana. Já foi cobiçado por grandes clubes europeus como o Borussia e Celtic, mas por problemas com o fechado regime de governo de seu país, continua a atuar por equipes locais. É a chance de o mundo conhecer mais um talentoso 10, que joga como centroavante.

John Obi Mikel (Chelsea-ING, Nigéria)

Experiente, joga no Chelsea desde 2006.

Lukas Podolski (Arsenal-ING, Alemanha)

Um polonês naturalizado alemão. Um grande camisa 10 que tem ficado no banco de reservas da poderosa seleção alemã. Mas trata-se de um craque. Uma das estrelas do Arsenal que quando entra na equipe, tem feito estragos. Um 10, que pela seleção que defende, tem tudo para ser uma das estrelas da competição. 

Vierinha(Wolfsburg-ALE, Portugal)

Não fosse seu apelido CR7, a 10 seria de Cristiano Ronaldo.

Mikkel Diskerud (Rosenborg-NOR, Estados Unidos)

Um legítimo norueguês que ganhou o direito de defender a seleção dos Estados Unidos porque a mãe é de lá. Joga no futebol norueguês e terá a complicada missão de substituir o antigo 10 e ídolo da torcida norte-americana, Donovan, preterido pelo técnico, o ex-craque alemão, Klinsmann. 

Andre Ayew (Olympique de Marselha-FRA, Gana)

Tem a 10 no DNA. É filho de um dos maiores 10 do futebol africano e da seleção de Gana, Abedi Pelé. Pelo sobrenome do pai nem é preciso explicar. Andre Ayew, dizem, não deve nada ao pai.

Eden Hazard (Chelsea-ING, Bélgica)

Se a Bélgica está sendo apontada como provável surpresa no mundial, isto se deve ao talento de seu camisa 10. E se isso de fato acontecer, Hazard, uma das estrelas do Chelsea, pode ser o grande destaque da competição.

Alan Dzagoev(CSKA Moscou-RUS, Rússia)

É o cérebro do meio-campo russo. Craque do CSKA é uma das grandes promessas do futebol russo.

Sofiane Feghouli(Valencia-ESP, Argélia)

Francês de nascimento, chegou a defender as seleções francesas de base. Mas optou por defender a Argélia.

Park Chu-Young (Wayford-ING, Coreia do Sul)

Duas copas na carreira e experiência no futebol europeu em clubes como Monaco, Arsenal e Celta de Vigo.


Culpados Futebol Clube

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Uma grande sacada. Assim pode ser definido o livro do jovem autor André Biernath, “Culpados Futebol Clube - A história dos jogadores, técnicos e juízes responsabilizados pelas derrotas brasileiras em Copas do Mundo (1930 - 2010)” (Clube de Autores).

Se o Brasil é pentacampeão do mundo, há também 14 Copas perdidas. E no país onde ser vice representa quase nada (e para a maioria, nada mesmo), perder e deixar a competição precocemente, como aconteceu na Copa de 1934, quando disputou apenas um jogo ou, ainda, perder “jogando bonito”, como na Copa de 1982, significa ficar marcado para sempre, de forma negativa, na história do futebol.

O autor foi bem mais fundo na questão. Revisitou todas as derrotas e constatou como torcedores e a imprensa esportiva são cruéis quando o resultado não é o título mundial.

Sinopse (da Editora)

Barbosa, Dunga, Telê Santana, Roberto Carlos... Sempre que o Brasil é eliminado de uma Copa do Mundo, já sabemos o que vem pela frente: está aberta a temporada de caça ao culpado! As explicações para a derrota passam pelas desculpas certeiras até os mais esdrúxulos delírios de torcedor apaixonado. Mas uma coisa é certa: muitos técnicos, jogadores e árbitros ficaram marcados por erros que nem sempre cometeram. O livro resgata a história desses sujeitos que participaram da Copa com a melhor das intenções e, ao final do torneio, tiveram que carregar o ônus da derrota de uma nação inteira. O que aconteceu com as carreiras dessas pessoas? Os atletas conseguiram se recuperar de tantas críticas? Culpados F.C. é uma viagem pela riqueza do futebol brasileiro. Desbrave as agruras da derrota e entenda por que foram elas que nos levaram ao pentacampeonato mundial.

Literatura na Arquibancada agradece ao autor pela cessão do primeiro capítulo da obra, que você pode ler abaixo.

1930
Bairrismo acaba com Brasil na I Copa do Mundo

Feitiço
Os moradores do Rio de Janeiro, a então capital brasileira, acordaram com grande expectativa naquele domingo, dia 13 de novembro de 1927. Chegava a hora de descobrir quem ficaria em primeiro lugar no Campeonato Brasileiro de Seleções. A final prometia: de um lado, os cariocas, donos da casa, apresentavam um futebol forte, considerado o melhor do país. De outro, os paulistas, representando a pujança do esporte bretão fora do centro econômico e político da época. Naquela tarde, o estádio de São Januário reuniu 60 mil aficionados que esperavam por uma bela exibição dos dois quadros poderosos.

O 1 a 1 teimava no placar, com gols de Osvaldo, pelo Distrito Federal, e Feitiço, para os bandeirantes. Quando faltavam apenas 15 minutos para o fim do embate, o árbitro Ary Amarante marcou um pênalti para os cariocas. O estádio quase veio abaixo com tantas expressões de alegria que o público emanava. No gramado, os 11 paulistas e a comissão técnica dos visitantes eram os únicos que demonstravam sentimento oposto: a revolta era grande. O capitão Feitiço, um dos melhores jogadores da época, liderou a retirada de seus comandados de campo, como forma de protesto pela marcação da penalidade máxima. A atitude dos paulistas revoltou e surpreendeu os espectadores e gerou reações das mais variadas. A mais importante delas veio das tribunas de honra: o presidente Washington Luís exigiu que os atletas paulistas voltassem a campo para terminar a peleja. Quando um emissário presidencial transmitiu o recado, a resposta do capitão Feitiço foi rápida e contundente: “Lá em cima manda o presidente. Aqui embaixo mando eu”.

O exemplo acima é só um de muitos casos de brigas e picuinhas entre paulistas e cariocas no começo do século XX. A rivalidade passava pelos mais diversos patamares da sociedade, envolvendo política, imprensa e população. Essa rixa tem origem na formação das duas cidades. O Rio de Janeiro foi a capital do Brasil entre 1763 e 1960 e, por isso mesmo, o centro econômico, político, social e artístico. Enquanto isso, São Paulo, do colégio dos jesuítas, foi utilizada como um entreposto para os bandeirantes que adentravam e descobriam as riquezas da desconhecida América do Sul. Ignorada por séculos, a cidade pobre e inacessível cresceu e ganhou cada vez mais poder. Nas décadas de 1920 e 1930, já era importante por abrigar imigrantes europeus e asiáticos, que chegavam para as lavouras de café, e os grandes donos de terras que seriam o dínamo da nova metrópole.

A rivalidade envolvia o futebol até o pescoço. O esporte paixão do brasileiro entrou timidamente no país, num dia 18 de fevereiro de 1894, quando Charles Miller desembarcou no porto de Santos trazendo consigo duas pelotas utilizadas no esporte.

Ele objetivava ensinar seus companheiros a prática que aprendera em terras britânicas.

36 anos depois, alguns dirigentes, com destaque para o francês Jules Rimet, presidente da Federação Francesa de Futebol, resolveram se unir e organizar um torneio mundial, independente das Olimpíadas. A ideia era reunir os melhores jogadores, técnicos e países do globo para disputar uma taça e o título de campeão.

A primeira Copa do Mundo aconteceu em 1930, no Uruguai. O Brasil, que já tinha um futebol minimamente organizado por federações e clubes, participou da disputa pela taça. A Confederação Brasileira de Desportos, a CBD, era a interlocutora direta da Fifa no Brasil e começou a articular a equipe que defenderia as pretensões nacionais na província de Cisplatina. Apesar de não ter um time comparável ao de argentinos e uruguaios, que fariam a final daquele ano, o Brasil poderia ter sido mais bem representado se tivesse levado a sua força máxima. E isso foi impossível justamente por conta da rivalidade entre paulistas e cariocas.

O disse-me-disse começou na imprensa, quando jornais dos dois estados pediam mais jogadores que os representassem. Mas tudo esquentou mesmo quando a Apea, a Associação Paulista de Esportes Atléticos, representante oficial dos times de São Paulo, requereu, junto à CBD, que alguns dirigentes paulistas fossem mandados a Montevidéu com a delegação. A CBD convocou 15 jogadores de São Paulo de 5 clubes diferentes (Corinthians, Palestra Itália, Santos, São Paulo da Floresta e Sírio), mas ignorou o pedido de inclusão dos cartolas. A entidade máxima do futebol brasileiro tinha até 12 de junho para mandar um ofício à Fifa com a equipe tupiniquim. Como a Apea ainda não tinha se pronunciado, a CBD enviou, então, uma lista que continha apenas os jogadores cariocas.

A guerra estava armada: a Apea se dizia injustiçada pela CBD, enquanto esta acusava a instância paulista e seus representantes de impatrióticos. Quando o fato virou manchete de jornal, o conflito atingiu proporções ainda maiores. A troca de acusações ficou muito forte e Folha da Manhã, uma das principais publicações de São Paulo, e Jornal do Brasil, mais favorável ao Rio de Janeiro, se atacavam, reproduzindo e desmentindo trechos um do outro. Essa novela, cheia de dramalhões e reviravoltas, foi estampada nas páginas da editoria de esportes por quase um mês. Ao reproduzir trechos de diários cariocas, a Folha comentou que as palavras impressas ali só poderiam ser “oriundas de cérebros doentios”. Na cidade maravilhosa, o JB destacava: “Brilhante e Itália mostraram ser a melhor parelha de backs que ora atua nos campos brasileiros. [...] Está assim provado de modo irretorquível que temos toda a razão quando afirmamos que, na pior das hipóteses, o scratch que fosse aqui agora formado seria, quando muito, igual ao se constituísse com elementos de S. Paulo.” (Jornal do Brasil de 18 de julho de 1930)

Para provocar e mostrar o poderio do time paulista, a imprensa local reproduziu em letras garrafais um amistoso que aconteceria entre alguns times e o Hakoah All Stars de Nova York. A Folha da Manhã descreveu assim o combinado paulista: “Essa é a primeira vez que jogará o selecionado integrado dos melhores jogadores. A linha é formada por cinco formidáveis atacantes mestres, a linha média está constituída por três grandes jogadores, os melhores que se encontram presentemente em S. Paulo. O trio final é o que deveria seguir para Montevideo, se o concurso dos paulistas não fosse posto de lado pela entidade brasileira.” (Folha de São Paulo, 19 de junho de 1930).

Depois de todo esse imbróglio e de acusações variadas por parte dos dirigentes e também dos meios de comunicação, o Brasil embarcou para o Uruguai com uma seleção de jogadores oriundos somente dos times do Rio de Janeiro. Enquanto a CBD não queria um dirigente de São Paulo na comissão técnica, a Apea não liberaria os jogadores do estado. O único paulista a integrar a equipe de 30 foi Araken Patusca, que estava brigado com o Santos, seu clube, e assinou um contrato com o Flamengo para zarpar a Montevidéu. Na primeira Copa do Mundo, o Brasil foi representado por atletas do América-RJ, Fluminense, Vasco, São Cristóvão, Ypiranga-RJ, Botafogo, Flamengo, Americano e Goytacaz, todos times da capital.

A ausência de paulistas na delegação enfraqueceu e diminuiu ainda mais as chances de título do Brasil. Alguns ídolos de São Paulo pesariam bastante e teriam presença garantida caso as brigas não os tivessem tirado da disputa. Era o caso, por exemplo, de Arthur Friedenreich, Feitiço e Del Debbio, alguns dos destaques da época. 

Araken, no centro, agachado.
Sem contar que essa polarização também ignorou atletas de outros centros brasileiros que ainda não tinham grande importância no cenário nacional, mas contavam com alguns ótimos jogadores que poderiam ser analisados com mais carinho.

A delegação brasileira embarcou no navio italiano Conte Verde, que trazia as equipes da Bélgica, França e Romênia, as únicas seleções europeias que aceitaram participar da primeira Copa do Mundo. Vale lembrar que o Velho Continente vivia uma forte crise econômica, impulsionada pela quebra da Bolsa de Nova York em 1929. O Conte Verde também trazia Jules Rimet, o primeiro presidente da Fifa, que se descabelou para controlar os jogadores dos diferentes países, que se provocavam e entravam em muitas confusões. Rimet pediu especialmente aos dirigentes da CBD que trancafiassem os atletas brasileiros em suas cabines, os mais baderneiros, para evitar acidentes e incidentes diplomáticos.

A forma de disputa era simples, mas gerou muita controvérsia. As 13 seleções participantes foram divididas em 4 grupos. O grupo A (Argentina, França, Chile e México) seria o único com quatro times. O restante era formado por três equipes cada.

Nas chaves, todos jogavam entre si. O combinado com mais pontos ganhos passaria para à semifinal e os vitoriosos desse embate, à final. O Brasil caiu no grupo B, ao lado de Iugoslávia e Bolívia.

Brasil x Iugoslávia, Copa 1930.
A estreia do Brasil em uma Copa do Mundo foi contra a Iugoslávia – adversário frequente do selecionado tupiniquim em torneios posteriores. E a futura camisa pentacampeã começou sua trajetória com o pé esquerdo naquele 14 de junho: derrota de 2 a 1 para os eslavos, gols de Tirnanic e Bek, ainda no primeiro tempo. O Brasil só descontou na segunda etapa, com Preguinho. Terminado o embate, restava ao Brasil torcer por uma vitória da Bolívia contra a Iugoslávia para ter alguma chance de classificação no último jogo.

Infelizmente, os bolivianos não foram páreo para a equipe balcânica, num 4 a 0 marcado por um fato cômico. O time sul-americano queria ganhar o apoio da torcida uruguaia e resolveu estampar na camisa as letras que formavam a frase Viva Uruguay. 

Porém, na hora de tirar a foto antes do jogo, um atleta que carregava a letra U não estava presente e a mensagem passou de amistosa para provocativa: Viva Urugay. Na última peleja do grupo B, brasileiros e bolivianos entraram no Estádio Centenário já eliminados. O Brasil conseguiu igualar a surra boliviana anterior e meteu quatro, dois de Moderato e dois de Preguinho. Acabava ali, de forma melancólica, a primeira participação do Brasil em Copas do Mundo.

Finalizado o torneio, chegou a hora das desculpas e reações. Em São Paulo, são registrados pontos de festa e comemoração pela derrota da seleção carioca. No Rio, revolta pela alegria paulista e também pela perda considerada surpreendente.

A Folha da Manhãescreveu que o único jogador digno de elogios durante a partida contra a Iugoslávia foi o avançado Araken Patusca que, coincidência ou não, era o representante solitário da terra bandeirante.

Os boleiros que fizeram parte da campanha fracassada de 1930 reclamaram muito do frio de Montevidéu, apontado como o culpado pelo futebol insuficiente. O único craque poupado das críticas foi o centro médio Fausto, uma espécie de volante da época, aclamado por todos como o Maravilha Negra. Mesmo elogiado, não salvou nenhum de seus companheiros. Ao chegar ao Brasil, soltou a bomba: “Nilo fugia da bola. Poly tinha medo até de entrar em campo. Teóphilo jogava no ataque, mas jamais se aproximava da área do gol. E o técnico Píndaro de Carvalho não tomava qualquer providência”.

Fausto, A Maravilha Negra.
Depois da Copa, o então jogador do Vasco transferiu-se para o Barcelona, passou pelo Young Flowers da Suíça e voltou a América do Sul para defender o Nacional do Uruguai em 1934, o Vasco em 1935 e o Flamengo entre 36 e 38. Infelizmente, o primeiro destaque brasileiro em mundiais morreu cedo, aos 34 anos, de tuberculose, no ano de 1939.

Acabada a Copa e superado o trauma, o Brasil entrou em campo logo, no dia 1º de agosto de 1930, dois dias após a final que sagrou o Uruguai como primeiro campeão do mundo. Contra a França, num amistoso nas Laranjeiras, a CBD chamou os craques paulistas e a seleção conseguiu ganhar por 3 a 2, com dois gols de Heitor e um de Friedenreich, atletas do Palestra Itália e São Paulo da Floresta, respectivamente. Estava mais do que provado que a seleção brasileira precisava contar com sua força máxima em torneios que tinham grande impacto mundial.

Claro que o bairrismo não acabou: ele dura até hoje. Mas essa foi a primeira manifestação do que essas brigas sem sentido poderiam trazer de prejuízo para o nosso futebol. A rixa entre paulistas e cariocas, tema incessante dessa primeira busca pelos culpados, teve que ser deixada de lado dentro das quatro linhas depois de 1930. Havia uma coisa mais importante com que se preocupar, o que exigiria o esforço e união de São Paulo e Rio de Janeiro pelo bem do esporte nacional e por uma campanha menos vexatória na Copa do Mundo de 1934: a profissionalização do futebol brasileiro.

Sobre o autor:
André Biernathé formado em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Atualmente é repórter da Revista SAÚDE é vital, da Editora Abril. Na publicação, cobre as áreas de medicina, medicina alternativa e maturidade. Também participa de projetos especiais em infografia e redes sociais. "Culpados Futebol Clube"é o primeiro livro do autor na área do jornalismo esportivo.

Serviço:

Preguinho - O superatleta

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O primeiro camisa 10 e autor do primeiro gol da seleção brasileira em Copas do Mundo. João Coelho Netto, conhecido no esporte como “Preguinho”, ganha, finalmente, uma merecida biografia.

A vida desse verdadeiro superatleta não se restringe apenas ao mundo do futebol. Conquistou quase 70 títulos e 380 medalhas, nas diversas modalidades esportivas que participou, entre elas, natação, polo aquático, remo, salto de trampolim, atletismo, basquete, voleibol e hóquei sobre patins. E não foram apenas títulos locais ou nacionais.

Preguinho – Confissões de um gigante” foi escrito e publicado por Waldyr Barboza Jr, filho do jornalista Waldyr Barbosa, e por Waléria Barboza. Um documento raro que entra para a história da literatura esportiva.

Sinopse: (do Editor e autor):

"Preguinho – Confissões de um gigante", trata da vida e obra de João Coelho Netto, mais conhecido como Preguinho, maior atleta brasileiro de todos os tempos, que fez história pelo Fluminense Football Club, sétimo artilheiro, segundo cestinha, campeão em oito modalidades diferentes, autor do primeiro gol brasileiro em Copas do Mundo de futebol e primeiro capitão pelo Brasil em Copas (1930 - Uruguai).

O livro conta suas histórias de infância e fatos inusitados, através de depoimentos inéditos narrados ao jornalista Waldir Barbosa, meu pai, que também é homenageado 'in memoriam', além de conter estatísticas de todos os jogos e gols marcados por Preguinho pelo Fluminense Football Club, em uma obra que resgata a figura única e inigualável de um atleta que se negou a receber para jogar por seu time de coração.

Literatura na Arquibancada agradece aos autores pela cessão de um dos capítulos da obra.

A trajetória

Certa ocasião no ano de 1928, numa tarde de maio, o Fluminense ia enfrentar o Flamengo no campo da Rua Paysandú; dias antes, porém, todos os jogadores do clube haviam recebido telegramas, mais ou menos com o seguinte texto:

“Preguinho, és um sopa pt amanhã não farás gol pt ass Amado pt”

Quem assinava era Amado Benigno, arqueiro do Flamengo, um dos mais importantes da história do rubro-negro; tanto este telegrama, como de seus companheiros, foram colados num quadro na sede do clube, e Preguinho, falando ao jornalista Aloísio Fonseca, amigo e redator de esportes do “Rio Esportivo”, respondera em tom de brincadeira que faria não um, mas dois naquela tarde de Fla-Flu.

No dia do jogo, o periódico colocava na manchete:

“Preguinho disse que fará dois gols em Amado, goleiro do Flamengo”

“O pior aconteceu depois”, revelou Preguinho: “Quando entrei em campo, levei a maior vaia da minha vida, sabia que o que dissera foi brincadeira, mas naquela hora não adiantava defesa alguma”, suspirou; “Começou o jogo, e aos quarenta segundos, tive a felicidade de tomar a bola de Amado e marcar o primeiro gol; dez minutos depois fiz o segundo, um dos mais bonitos de minha carreira, uma virada de fora da área. No final, vencemos de 4 a 1...”
Algum tempo após o jogo, um jornalista lhe perguntou:
- Satisfeito, Preguinho?
Preguinho respondeu:
- Qual nada! Nem aceitei as homenagens dos associados do clube. Tomei uma condução e fui parar no Café Rio Branco, quartel-general do Flamengo, lá encontrei o Amado e expliquei-lhe tudo.
“Sabia que você, Prego, não diria aquilo”, foi o que falou o arqueiro rubro-negro. Até hoje a autoria do bilhete é desconhecida, provável artimanha de um dirigente do próprio Fluminense para inflamar os jogadores.

Como veem, o profético artilheiro do Fluminense não ficou satisfeito enquanto não desfez o mal-entendido com o colega adversário, somente dentro de campo Preguinho corria obstinado conduzindo a bola à meta oposta, dividindo sempre com seus companheiros as vitórias.

Preguinho nunca foi profissional na acepção do termo, apesar de ter jogado no começo do profissionalismo, ao lado de grandes jogadores como Romeu e Fausto. Humilde como era, confessou que certa vez, em outro Fla-Flu, chorou após um gol perdido debaixo da trave adversária: “Palavra, tive uma crise de choro, que até hoje dói no peito...”

Na época em que Preguinho brilhou no Fluminense, o time dos sonhos contava com a seguinte formação: Batalha, Paulo e Py; Nascimento, Floriano - conhecido como o “Marechal da vitória” - e Fortes; Ripper, Lagarto, Alfredo, Milton e Preguinho. Dentre as figuras que Preguinho faz questão de lembrar também está Del Debbio, zagueiro que defendia o Corinthians na época: “Devo muito a Del Debbio por seu protesto a minha não convocação para a Copa do Mundo de 1930, sem ele não teria integrado o escrete e demonstrado meu futebol, e ele sabe que não sou esquecido nem ingrato; devo muito também a meus amigos Irineu Ramos Gomes, Fred Braune, Luís Vinhaes e Carlito Rocha, que sempre me incentivaram, dando-me apoio e encorajando-me a todo instante.”

Falar de tantas partidas e gols importantes era para Preguinho uma volta salutar aos dias de glória, porém, não identifiquei nenhuma vez em seu semblante ou no tom em que falava um único sinal de presunção ou falta de modéstia, havia sempre respeito pelos adversários, admiração pelos que vira jogar ao seu lado e do lado contrário do campo, e Preguinho aprendera tanto ou mais do que certamente ensinara. Sobre seu gol mais importante, não sabia apontar um que pudesse sê-lo, mas o mais bonito, ou melhor, o que lhe dera mais satisfação ao ver que o concluíra, havia sido feito no campo do Botafogo, diante de uma multidão de espectadores: a vítima foi Aymoré Moreira, goleiro dos mais respeitados e futuro técnico campeão mundial de 1962, que jogava no América; entrevistado alguns dias antes da peleja, o goleiro disse que quem tomasse um gol de fora da área era um frangueiro. 

Pois bem, na véspera da partida, telefonaram para Preguinho e perguntaram o que achava da entrevista de Aymoré, e se ele, Prego, poderia fazer um gol naquela tarde. Preguinho respondeu que dependeria da oportunidade e da sorte no dia, que poderia fazer ou não, e a sorte, ou a competência, sejamos francos, estava mais uma vez ao lado do jogador, e aos três minutos do primeiro tempo Aymoré bateu um tiro de meta, a bola fez uma parábola e encontrou Preguinho no meio de campo, o atleta dominou a bola no peito e sem deixar cair chutou em direção à meta adversária, fazendo o gol que o Rei Pelé queria ter marcado.


Perguntado uma vez sobre o significado das vaias, Preguinho respondeu: “Quando o jogador não está preparado cria um estado negativo, dificilmente se reencontrando no gramado, suas reações passam a não ter o reflexo ideal e o rendimento cai, sua produção diminui circunstancialmente, acho que não preciso dizer mais nada. No primeiro Campeonato do Mundo de futebol, em Montevidéu, aconteceu um fato interessante: meus companheiros, menos Fausto, ficaram intranquilos, com medo do adversário, pois os iugoslavos eram gigantes, e a cada vaia da torcida diante de uma jogada imprecisa, nossos companheiros de time ficavam mais nervosos e erravam passes sucessivos; aí tivemos Fausto e eu que recorrer aos ensinamentos que acumulamos durante anos de futebol, tentando manter a calma e o autocontrole; se tivéssemos tido mais fleuma, mais arrojo e indiferença às vaias em alguns lances capitais da partida, era bem possível, bem possível mesmo, que tivéssemos ganhado; a verdade é que mesmo em um jogo aqui no Brasil, numa decisão de um campeonato clássico, seja estadual ou brasileiro, até o Rei Pelé foi vaiado e se perdeu emocionalmente, para muitos a vaia é uma espécie de artifício do antiesporte.”

Após breve pausa para um gole d’água, Preguinho continuou: “Não comungo da opinião de alguns cronistas que defendem que a vaia representa o repúdio ao jogador em campo, acho que a torcida goza do direito de apupar o jogador, é um direito consolidado, é uma constante em todo o mundo, pode levá-la um atacante, um zagueiro ou até o arqueiro, diante de um erro ou de uma falha clamorosa, mas acaba ficando para toda a vida, principalmente numa decisão de campeonato, e fique certo de que interfere de maneira direta no estado emocional do jogador que não está preparado para ela, em qualquer modalidade que pratique. Para ilustrar o que digo, relembro outro caso ocorrido em Montevidéu, com Fausto: quando pedi a ele que fosse à frente da zaga adversária me ajudar, ele me lembrou que era o único negro da seleção brasileira, e diante do forte preconceito na época, concordei que seria cruel exigir dele tamanho esforço, sujeitando-o a tal humilhação, que certamente seria representada por um coro de vaias.”

Indaguei a Preguinho no meio de nossa conversa se havia alguma mágoa ou tristeza que o esporte tivesse deixado, e ele serenamente respondeu: “Não posso me queixar da vida, Barbosa, pois ela me deu muitas alegrias”. Perguntei a ele se nem a morte precoce do irmão querido o fizera pensar por um momento em parar, e ele lucidamente reiterou: “Nada disso, foi um acidente do esporte. Nada mais.”

A modéstia quase infantil, peculiar a Preguinho, não deixou que ele continuasse, mas o notável atleta conquistou aproximadamente setenta títulos e 380 medalhas, em todos os desportos de que participou, e dentre estes, destacam-se os conquistados na natação, pelo Guanabara, onde foi campeão carioca, brasileiro e sul-americano, nos 200 e 1.500 metros livre (a propósito, em 1922, Preguinho sagrou-se campeão continental em piscina improvisada armada na Praia da Urca, quando do centenário da Independência), no polo aquático participou da conquista de diversos campeonatos, tendo inclusive enfrentado e vencido os belgas que na época eram os vice-campeões do mundo; no remo, como patrão, participou de vários campeonatos desde 1921; no salto de trampolim venceu com muito respeito seu velho mestre Oswaldo Gomes, que foi famoso como centromédio, oito vezes campeão carioca pelo Fluminense, companheiro de seu irmão Mano e autor do primeiro gol da seleção brasileira de futebol, em um amistoso contra a equipe do Exeter CityFootball Club, em 1914; no atletismo, destacam-se um campeonato carioca conquistado em 1925, na prova de 1.500 metros; no basquete foi cinco vezes campeão carioca e duas vezes brasileiro, sempre pelo Fluminense; no voleibol, foi campeão em dois torneios-início e vice-campeão carioca em quatro ocasiões, e no hóquei sobre patins participou do selecionado brasileiro.

No futebol, sua maior paixão, jogou no infantil, no terceiro, segundo e primeiro quadros, sendo campeão duas vezes; como adulto, participou da conquista de dez torneios e campeonatos, jogando sempre no ataque. Foi o primeiro camisa 10, capitão e artilheiro da seleção nacional, marcando ao todo nove gols, inclusive o primeiro do Brasil em campeonatos mundiais; foi autor também do centésimo gol do futebol brasileiro. Para completar, Preguinho destacou-se também no escotismo, tendo uma respeitosa folha de prestação de serviços.

Depois de um longo suspiro, Preguinho voltou ainda mais no tempo, à época de criança, quando a sede de seu clube era em sua casa: “Comecei no Sport Club Curupaity, mas nasci no Fluminense, são reminiscências impossíveis de esquecer, pois hoje onde é a piscina do Fluminense era uma parte da rua na qual nasci; a minha vida esportiva começou como uma coisa que parece incrível, eu fui benemérito de um clube com cinco anos de idade, os meus irmãos mais velhos quiseram organizar um clube e havia um campo abandonado, e como eu era muito esperto eles me pediram para falar com um homem que tomava conta do lugar; ele achou muita graça e permitiu, aí os mais velhos fundaram o Clube Athlético Guanabara. O campo, era aquele da Rua Paysandú; o clube foi adiante, ganhou o campeonato da segunda divisão, mas eu acabei ficando em segundo plano, por que era muito pequeno; isso foi em 1912. No momento em que foram distribuir os primeiros títulos de sócio aos que tinham suado a camisa pelo clube, Mano, um dos meus irmãos, se levantou e disse que se não houvesse um campo, não haveria clube, e me indicou para ser o primeiro benemérito, pois afinal eu que havia arrumado; mais tarde, porém, o Flamengo, podendo pagar mais, acabou ficando com o campo; os jogadores do Guanabara se dividiram então entre dois clubes, Botafogo e Fluminense, o primeiro ficou apenas com um, o Tangerina; Batista, Guimarães, Zezé, Laís, Mano e Fortes foram para o Fluminense, isso aconteceu em 1915. Nós, os menores, continuávamos sem ter vez, mas tínhamos como bom amigo um ex-jogador, que havia perdido uma das mãos em um acidente, era o Euclides Joaquim da Silva, o célebre Cuca, que apaixonado por futebol, resolveu fundar um clube infantil e ficou sendo o técnico, aí surgiu o mais célebre clube em matéria de revelações do futebol brasileiro, o Curupaity, que não perdia pra ninguém. Nele surgiram Nilo Murtinho Braga, que jogou depois no Fluminense e no Botafogo, Chiquinho Figueiredo, que junto com Nilo participou anos mais tarde do escrete nacional, Agostinho, centroavante do América, Alberto Araújo, mais tarde goleiro do Fluminense, Joel Roxo, Seabra e Dino, que formaram uma linha média no Flamengo que ficou famosa, e tantos outros... Eu entrei no Fluminense em 16, junto com meu irmão Paulo e com Chiquinho e Nilo, que não estreou no Botafogo, como se diz, ele estreou no Fluminense, como a gente.”

Nilo, amigo e companheiro de infância de Preguinho, com a camisa do Botafogo.
Nas palavras de Paulo Coelho Netto, irmão de Preguinho, registradas muitos anos depois em seu livro “A História do Fluminense, volume I”, “O Curupaity teve vida curta, mas agitada e vitoriosa. A camisa era vermelha, porque os garotos achavam que aquela cor representava combate e sangue!”

A trajetória de Preguinho é mesmo muito curiosa: seus pais vieram morar no bairro das Laranjeiras em 1903, e receosos de perderem os outros sete filhos dos quatorze que Dona Gaby teve, resolveram contratar um professor italiano para lhes ensinar ginástica, e graças à modalidade, todos encontraram um ponto de equilíbrio, um firme propósito, a decisão e o poder de concentração para suportar as pressões cotidianas. Preguinho, numa entrevista a uma publicação do Fluminense, deu um depoimento em relação a este assunto: “Quando mudamos para perto do clube, meu pai, contemplando o verde que era a moldura das montanhas, achou que teríamos que deixar que a natureza determinasse uma paixão por esse grande sanatório que é o esporte, e falou: ‘Venha aqui Gaby, veja como o sol brilha nas montanhas. A partir de agora as janelas jamais fecharão nesta casa. Esquente o sol, esfrie a chuva, a natureza determinará a forma que a medicina do amor dará aos nossos filhos. Essa é a minha esperança, Gaby’, e o Fluminense passou a ser o prolongamento da nossa casa.” 


Certa vez seus irmãos mais velhos resolveram ir remar, e Preguinho se aborreceu com um deles porque não queria deixar que ele fosse no barco, foi quando ele protestou:
- Se vocês não me levarem, vou nadando sozinho até a Praia do Flamengo!
Eles se encontravam na Urca, e ninguém acreditou que o menino franzino tivesse tal coragem, mas resultado: pulou no mar e nadou até o Morro da Viúva; os irmãos não acreditaram que ele pudesse ir tão longe, mas quando viram que era sério, bateram à porta do Guanabara, que ficava mais perto, e contaram ao Comandante Irineu Ramos Gomes, então presidente do clube, e este imediatamente foi buscá-lo; depois disso, Ramos Gomes resolveu aproveitá-lo como patrão de remo, não havia disputa de provas de natação entre clubes naquela época; sua primeira participação nadando foi em um torneio interno, no Fluminense, onde venceu duas provas de natação e duas de salto, depois disso pediram que não competisse mais com os de sua idade.

Um lance que marcou Preguinho profundamente foi quando soube do falecimento do Comandante Ramos Gomes: “Ele foi um verdadeiro pai esportivo para mim, eu saltava, nadava, fazia qualquer coisa que ele pedisse para defender o clube, paixão da vida dele; naquela época eu fazia curso de línguas e tinha um amigo, um nadador fantástico chamado Armando Ferreira Gomes, que ia me buscar todos os dias para irmos juntos aos treinos; quando ele ganhava, eu era o segundo, e vice-versa; no ano de 1924 Armando tinha sido campeão, e na véspera do campeonato do ano seguinte, em 1925, quando eu ia chegando ao clube, soube que Armando havia morrido; fiquei desesperado, então o Comandante Irineu me pediu que defendesse o título do Armando em homenagem ao grande nadador guanabarino. Eu apertei a mão do Comandante e lhe disse: ‘Comandante, tudo farei para honrar o nome do companheiro’, e daquele instante em diante, passei a treinar com uma força de vontade tão intensa que já era uma obsessão em minha mente; entrava na água às cinco horas da madrugada e corria em seguida para a Rua do Acre, para pegar no serviço na Casa Mayrink Veiga; era um esforço extremo, porém, nada me abalava, tinha um compromisso de honra e não fugiria da responsabilidade por nada neste mundo. No dia da prova, 19 de abril, cheguei e não falei com ninguém até o início dela, sagrei-me campeão dos 600 metros e meu querido amigo Armando continuou como campeão da prova.” 


Em 1916 foi campeão de futebol infantil pelo Fluminense e de polo aquático pelo Guanabara, seu primeiro título de campeão de terra e mar veio quando tinha onze anos, após isso aconteceram outras coisas muito interessantes em sua carreira de atleta: no Tricolor iniciou no futebol, mas depois de um período em que julgou não estar sendo muito utilizado, começou a namorar o basquete: “Joguei dez minutos, marquei 48 pontos na partida e fui logo convocado para o escrete.”

Preguinho, com dezessete anos, já havia sido campeão carioca de natação, mas não pensem que levava uma boa vida, dedicada ao esporte somente: “Com dezenove já trabalhava como estoquista na Casa Mayrink Veiga, entrava às sete da manhã e largava às sete da noite; treinava natação às cinco da manhã!”

Preguinho praticou por mero acaso alguns esportes: em uma prova de atletismo, por exemplo, faltou um atleta e ele foi preencher a vaga, conclusão: foi campeão nos 1.500 metros! É bem provável que se tivesse continuado teria se transformado em um grande fundista. Obteve títulos que só foi descobrir mais tarde, por praticar de forma quase inocente as modalidades pelas quais se encantava, não ligava para a fama, queria simplesmente participar e sair vitorioso, por que o corpo tinha muita energia e era preciso aproveitá-la, mas a tendência da época era a profissionalização; ele mesmo fez questão de ressaltar: “Quando entrei para o Fluminense sabia que não ia fazer feio por que sempre tive muita força de vontade, basta dizer que em 1925, ano de maior significação em minha vida, fui campeão em muitas modalidades; pois bem, neste mesmo ano, como contei antes, eu trabalhava no Centro, tinha apenas uma hora de almoço, e quando os jornais estamparam em manchetes que eu tinha sido campeão ‘anfíbio’ (natação e futebol), e meus patrões, que até então não sabiam do feito, foram me perguntar como eu conseguia treinar, entrando no trabalho tão cedo e saindo tão tarde! E eu lhes respondi que acordava às quatro e meia da manhã, fazia exercícios até às seis e quarenta e cinco e vinha correndo para o serviço. Um deles mostrou espanto, dizendo: ‘Mas você pode então chegar mais tarde um pouco’, porém, respondi que não aceitava, que tinha de cumprir as regras da casa, que não era direito sobrecarregar os colegas e prejudicar a firma. Meus patrões, todavia, tanto insistiram que me convenceram a aceitar a pequena regalia, na forma de mais uma hora de tolerância na chegada ao trabalho, mas raramente chegava depois do horário estabelecido por achar que não estaria agindo corretamente.”

Preguinho, enquanto relatava isso, lembrou-se de outra passagem interessante: “Uma vez fui convidado para ser comentarista esportivo da Rádio Nacional, quando João Saldanha assumiu a direção, mas como poderia comentar um jogo onde meu Fluminense perdesse, achava que apontando seus erros, criticando os jogadores, estaria de algum modo traindo o meu Tricolor; não aceitei, sou conservador e pelo Fluminense dei a vida e dele recebi muitas alegrias e glórias.” 

Indaguei a Preguinho se havia algo marcante sobre a Copa de 30, e ele, sem hesitar, revelou: “Na Copa do Mundo de 1930 só entrei por acaso, havia uma briga entre cariocas e paulistas, os jogadores paulistanos não se apresentaram para os treinos; como faltavam jogadores, completei o time dos reservas, e nós ganhamos de 9 a 0 (Preguinho por modéstia não revela, mas fez seis destes gols), e aí aconteceu o inesperado: alguns paulistas resolveram se apresentar, e eu ia sobrar, porém, Del Debbio, beque corinthiano de grande prestígio, exigiu minha presença e eu fiquei entre os titulares; quando chegamos a Montevidéu, o ambiente estava muito carregado, havia vários obstáculos contra nós: a torcida, o frio inclemente - seis graus abaixo de zero -, a desorganização de nosso selecionado, a falta até de técnico, pois o Luís Vinhaes não havia conseguido licença em seu emprego, e diante do quadro pitoresco, formou-se uma comissão com Píndaro de Carvalho e Gilberto de Almeida Rêgo no comando do time; o Gilberto parece-me inclusive que foi também como juiz. Fomos para Montevidéu de navio em uma embarcação italiana de nome Conte Verde, em uma viagem que durou quatro dias; no navio não tínhamos espaço nem para fazer exercícios, comíamos muito macarrão e outras especialidades italianas, mas todo brasileiro gosta mesmo é de carne bovina, e quando chegamos lá estávamos meio gordos e fora de forma, mesmo assim entramos para ganhar, e teríamos ganhado se não tivesse havido uma série de indecisões sobre a escalação de alguns companheiros; somente Fausto e eu aguentamos o tranco enfrentando os gigantes iugoslavos, que praticavam um sistema de futebol-força. Perdemos para eles de 1 a 2, e eu fiz o gol brasileiro; contra a Bolívia ganhamos de 4 a 0, fiz dois para o Brasil. Não sou saudosista, mas no meu tempo havia jogadores geniais como Amado, Élcio, Paiva, Agostinho, Lêonidas, Romeu, Heleno, Fausto, Petronilho, Tim, Carreiro, Domingos da Guia e tantos outros, comparáveis aos grandes craques da atualidade, como Pelé, Garrincha, Tostão, Gérson, Nílton Santos, Vavá, Julinho, Ademir e Zizinho.”

Nosso craque certa vez, no auge da carreira, em 1934, teve o assédio de Botafogo e América, interessados em ter o atleta em seus quadros profissionais; Preguinho não aceitou o convite e sobre isso declarou ao Jornal “O Globo”: “Posso dizer que dei meus primeiros passos no Fluminense, muito antes de construírem o “stadium”, quando havia a cancha somente. Cresci e vi o Fluminense crescendo, nunca vesti outra camisa, nunca defendi outra agremiação no futebol. Já não sou o que se chama um jogador moço; (...) acho-me de tal forma ligado ao Fluminense que não posso pensar em abandoná-lo e muito menos por outro club carioca. Liguei ao nome do Fluminense toda a minha história, a minha mocidade, e quero dar-lhe o que tenho ainda diante de mim.” 

Aproveito o momento nostálgico e tento obter de Preguinho uma interessante revelação sobre a verdadeira origem de seu apelido: “Bem, prefiro aceitar o apelido como a imprensa toda conhece, por que na realidade o termo Preguinho tem outro motivo, mas não autorizo ninguém a publicar, nem mesmo você, Barbosa; não posso contar nem aos amigos íntimos, mas isso afinal não vale muito, o que importa é que o apelido não foi esquecido, e tenho muito orgulho dele.”

Preguinho encerrou oficialmente sua carreira em 21 de junho de 1939, disputando pelo Fluminense um amistoso contra a Seleção Niterói, do então estado da Guanabara, no estádio Byron, casa do adversário, e ao fazer seu último tento nesta partida, declarou: “Com este gol encerro minha carreira no futebol, e penduro as chuteiras para a posteridade.”

Diante de uma carreira tão vitoriosa, nada mais justo que o reconhecimento se desse em nível nacional, e em 07 de maio de 1970, ano da conquista do tricampeonato mundial, no México, Preguinho foi considerado o atleta número 1 do Brasil, homenagem que o estado da Guanabara quis igualar, presenteando em 1973 o atleta com o título de “Cidadão Benemérito do Estado da Guanabara”, em projeto do vereador Ítalo Bruno, “Pelo muito que já fez em prol do nosso Estado.”

Sobre os autores:
Waldyr e Waléria Barboza são gestores de negócios imobiliários, esse é seu primeiro livro publicado, homenagem iniciada por seu pai, o jornalista Waldir Barbosa, a um dos mais emblemáticos ídolos do Fluminense Footbal Club; já tem prontos um livro de contos, relacionados ao futebol, e um romance de suspense, aguardando editora.

Serviço: para adquirir a obra, contatar o autor pelo e-mail fluliterario@gmail.com  ou WhatApp:55 21 98254-1847


E a camisa 10 brilha na Copa

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Aqui mesmo, alguns dias atrás, destacamos os mistérios que envolvem a camisa 10, especialmente, durante a disputa de uma Copa do Mundo (http://www.literaturanaarquibancada.com/2014/06/a-magia-da-camisa-10-na-copa.html).

Eram 32 equipes. Vários deles voltaram para casa com o peso e, talvez, a culpa pela derrota. Mas os que continuam na disputa terão a chance de integrar o seleto grupo de “imortais” do futebol mundial. Mesmo os que partiram sem vencer, entrarão para a literatura das copas, para o bem ou para o mal...

O peso da 10
Por André Ribeiro

Se há um momento em que a mística de um 10 empresta à simples mortais poderes inexplicáveis esse momento é quando acontece o maior evento esportivo do planeta, a Copa do Mundo.

Bilhões de torcedores espalhados por todo o planeta sempre terão olhos especiais para o jogador que ousar vestir essa camisa. Usá-la é estar ciente de que terá de carregar, além das responsabilidades tradicionais de uma equipe que representa uma nação, o peso das derrotas. Vencer autênticas batalhas não é o suficiente. Têm que convencer e encantar, tornar-se o homem temido por outros jogadores, outras nações inteiras.

São poucos os que resistiram a essa pressão natural. Pelé ensinou ao mundo que para ser rei não basta talento e genialidade, há também de se contar com a “luz” especial recebida sabe-se lá de onde. Sucumbir ao momento crucial de uma partida em uma Copa é saber que todos os esforços de anos de dedicação podem desaparecer em fração de segundos. Foi o caso, por exemplo, do craque camisa 10 da Itália, Baggio, na Copa de 1994, nos Estados Unidos. Um pênalti perdido, a derrota, o inferno eterno. Ninguém mais se lembraria de que fora ele um dos maiores responsáveis por levar sua seleção até aquela final. Ninguém se lembraria do esforço para se tornar conhecido no futebol, pelo pequeno Vicenza, na série C, do campeonato italiano. Dos gols e jogadas sensacionais pela Fiorentina, Juventus, Milan, Inter de Milão e Brescia. Só mesmo a paciência da fé budista que cultuava para resistir a tantas pressões.

Ser 10 é ter que estar pronto para ser sempre questionado. Nunca será o bastante ser o melhor para estar de bem com os torcedores. Para Ronaldinho Gaúcho, por exemplo, não bastou ser aclamado o melhor do mundo dois anos seguidos, em 2004 e 2005. Coisa do passado, dizem a crítica e os apaixonados torcedores. A derrota na Copa de 2006 e uma fase de desencanto com o futebol foram suficientes para todo o talento ser questionado. 

Que peso é esse que uma simples camisa trás a um jogador? Raí, craque inquestionável do São Paulo Futebol Clube, campeão mundial interclubes, em 1992 e 1993, sucumbiu à pressão na Copa de 1994. Titular da posição, dono da camisa 10, terminou a competição no banco de reservas, sem o brilho que se espera daqueles que vestem a camisa mais cobiçada e temida do planeta.

Talvez por essa razão, Riquelme, herdeiro da 10 no Boca Juniors e na seleção, do maior ídolo argentino de todos os tempos, Maradona, e no poderoso Barcelona, também não tenha suportado essa pressão quando decidiu sair do clube catalão e aceitar jogar com a 8 pelo Villareal. Deixou a responsabilidade da 10 no “Barça” para o brasileiro Ronaldinho Gaúcho e se foi.  Coincidência ou não, sem o “peso” da 10, Riquelme foi um dos principais responsáveis por levar o desconhecido clube espanhol às semifinais da Copa da Uefa, em 2003 e à surpreendente terceira colocação da concorrida Liga Espanhola nesse mesmo ano. Pela seleção, inexplicavelmente, Riquelme jamais conseguiu suportar a pressão natural exercida sobre qualquer 10 argentino, mesmo que todos admitam que ele transformava a arte de jogar futebol em espetáculo.

Um brasileiro franzino e muito parecido fisicamente com o rei do futebol, Pelé, também viveu essa sina. Robinho com seus dribles desconcertantes e pedaladas, encantou desde cedo qualquer um que o visse jogar, até mesmo Pelé ficou boquiaberto quando o viu pela primeira vez nos campos de treinamento do Santos. Com a benção do rei e atuações espetaculares, Robinho foi alçado em poucos dias à condição de craque. Enquanto esteve com a camisa 7, no Santos, Robinho parecia flutuar pelo campo, enquanto outro menino, Diego, camisa 10 da equipe praiana, carregava a responsabilidade de herdeiro da camisa do rei Pelé. Bastou Robinho ser negociado com o poderoso Real Madrid, em 2005, para ter tratamento de rei. Teve recepção de astro pela torcida, mas até aquele instante ninguém sabia ainda com qual camisa jogaria pelo novo clube. O mistério foi desfeito quando nada menos que Alfredo Di Stéfano, um mito do futebol mundial, e presidente de honra do tradicional clube espanhol, entregou a ele a camisa 10 que um dia lhe pertenceu. Tudo parece ter mudado daquele momento em diante. Seria simplesmente o “peso” de uma camisa? Seria status demais para um jovem suportar? O fato é que com a 10, na Europa, no Real ou no Manchester, Robinho nunca mais foi o mesmo garoto atrevido da Vila Belmiro. Precisou retornar às origens para resgatar um sonho, como se tivesse que reaprender a jogar o futebol que encantou o mundo. Precisou vestir a 7 novamente para se sentir outra vez o rei da Vila.

Na seleção Robinho chegou a usar a camisa 10 que um dia pertenceu a Pelé, mas também com a “amarelinha” nunca se tornou seu legítimo representante. Essa dura missão foi confiada a outro talento brasileiro que nunca teve a 10 como seu “amuleto”, Kaká. No início de carreira, pelo São Paulo, vestiu camisas com numerações esquisitas, 30, 33, 8, mas nunca a 10 que um dia fora de craques consagrados como Raí, Pedro Rocha e Gerson. No caminho que todos fazem quando partem rumo à Europa, foi para o Milan e se consagrou com a camisa 22. Negociado com o Real Madrid, da Espanha, em transação milionária, recebeu a camisa 8 de presente. Na seleção brasileira, já jogou com a 7, com a 23, mas, na Copa de 2010, na África do Sul, Kaká enfrentou o destino que muitos outros tiveram. Do céu ao inferno, a eliminação contra a Holanda praticamente “sepultou” mais um talentoso jogador que ousou vestir a 10 em um Mundial.

A cada Copa, o mundo inteiro volta os olhos para uma única camisa. São vários os camisas 10 em campo, a expectativa de vê-los é capaz de atrair milhares de torcedores aos estádios e bilhões espalhados pelo mundo, na frente de uma televisão, de  um rádio ou pela internet. Como se diz na gíria futebolística, a “bola da vez”, não é apenas um, mas alguns...No momento em que esse texto é escrito e publicado, quando as oitavas de final ainda não se encerraram, a camisa 10 de quase todos os países envolvidos brilhou.

Neymar, pelo Brasil, nos gols, dribles e pênalti decisivo contra o Chile; Messi, pela Argentina, em todos os jogos disputados; Benzema, pela França, Sneijder, da Holanda e seu gol salvador contra o México...Mas o grande nome, independentemente de conseguirem ir adiante, já que enfrentará o Brasil, é James Rodriguez, da Colômbia. Ele já entrou para a história dos craques mundiais, mesmo hoje, atuando por uma equipe mediana do futebol mundial, o Mônaco, da França. Com certeza, aos 22 anos, após as grandes exibições e, especialmente, o gol de placa marcado no Maracanã, contra o Uruguai, James já deve ter propostas das maiores potências do futebol.

Neymar seguirá em frente e se tornará o novo “imortal”? Messi conseguirá, finalmente, ganhar um título para a Argentina e ganhar definitivamente o coração dos torcedores argentinos, que sempre desconfiaram de suas atuações pela seleção?

Os “deuses” dos estádios guardam segredos desses homens que só ao final da Copa saberemos quem poderá entrar para a galeria dos “imortais”. 

Glória Roubada - O outro lado das Copas

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Um livro absolutamente espetacular foi muito pouco mencionado neste período de vários lançamentos sobre o tema Copa do Mundo. Do ponto de vista da pesquisa histórica e, principalmente, pela narrativa dada aos fatos, “Glória Roubada – O outro lado das Copas” (Editora Figurati), do jornalista Edgardo Martolio, vai se tornar, sem medo de errar, em um documento histórico, mesmo depois do término do Mundial.

Na capa, como reforço ao título, entende-se o foco da obra: “Loucos e ditadores que mudaram a história. A intervenção militar nos Mundiais de futebol.” Para nós, brasileiros, que em 2014, além de recebermos novamente uma edição da Copa do Mundo, temos a efeméride dos 50 anos do golpe de 1964 e o início do nefasto período da ditadura militar, o livro se torna ainda mais importante.

Vale lembrar que os textos publicados no livro foram originalmente escritos para a publicação brasileira da prestigiada revista Rolling Stone.

Introdução
Bola Dividida: Copas e Botas
Por Edgardo Martolio

Júlio César, ditador romano.
A palavra ditadura define um regime de governo autoritário no qual todos os poderes do Estado (Legislativo, Executivo e Judiciário) se concentram num único indivíduo, ou num só grupo ideológico ou num despótico partido político. O ditador não é, necessariamente, fruto de um golpe militar que chega ao controle da nação derrocando um governo democrático. Em muitos casos, esse tirano ascende ao poder eleito pela população e, com o tempo, tenta se eternizar. O tirano não tolera oposição política a seus atos e ideias, e transforma sua autoridade em absoluta, suprema e irrevogável. Portanto, uma ditadura é um regime antidemocrático onde não existe a participação nem a voz do povo. A maioria dos ditadores atua demagogicamente e, no último século, tem usado o esporte, principalmente o futebol, para se congraçar com seus súditos.

Proveniente do latim “dictador”, o termo ditador teve origem em 501 a.C. como um cargo político na República Romana. Era preenchido unicamente em condições excepcionais de crise militar ou econômica. Considerado uma magistratura extraordinária, fora do “cursus honorum” – curso honorífico ou caminho das honras –, dependia da eleição dos cônsules romanos que só podiam escolher o “dictador” se autorizados por um “senatus consultum” (Decreto Final do Senado). Nenhum deles podia se perpetuar no poder, já que seu prazo máximo de validade era de um semestre – tempo que duravam as guerras na Antiguidade. E o mais importante: seu conceito era parte da estrutura democrática e do espírito romanos e, como definem os dicionários, não deve ser relacionado aos nefastos ditadores modernos.

Assim, as ditaduras não são uma invenção recente. A estreia aconteceu no século VII antes de Cristo, na Grécia Antiga, com o ateniense Drácon. Sua severidade ao punir crimes deu origem ao termo draconiano, que ainda hoje é utilizado para definir situações de extremo rigor. O registro continua em Atenas, no breve período dos Trinta Tiranos (entre 404-403 a.C.), e na Roma Antiga com Sula (81-79 a.C.), Júlio César (46-44 a.C.) e Cômodo (180-192 d.C.). Segundo a História, a ditadura seguinte ao nascimento de Cristo acontece no Império Bizantino, quando Justiniano assume o poder entre 527 e 565. Até mesmo a França, símbolo da democracia atualmente, registrou períodos absolutistas: o de 1799, que vai até 1804, com a coroação de Napoleão Bonaparte, só termina em 1814, com sua renúncia.

Já no Novo Mundo, o primeiro antecedente de um governo despótico surge no México em 1853-1855 – com a ditadura de Santa Anna. O país repete a experiência em 1876, com a revolução de Tuxtepece e continua com Porfírio Diaz até alcançar o privilégio de ingressar no século XX em tais condições: o regime finalmente cai em 1910 com a Revolução Mexicana de Emiliano Zapata. A caribenha República Dominicana viveu uma ditadura de uma década, a partir de 1889 – ano em que, curiosamente, nascia a Primeira República no Brasil, hoje conhecida como República Velha, que durou até 1930, quando, por coincidência, disputou-se o primeiro Mundial. De lá para cá, a lista de ditadores que acompanha o maior torneio global de futebol atinge uma centena. A Oceania foi o único continente que não teve governos tirânicos nesse período.

Foram 19 Copas do Mundo até os nossos dias; a do Brasil em 2014 será a vigésima. É possível contar seus campeões nos dedos das mãos, foram apenas oito: cinco repúblicas europeias e três sul-americanas.

Jules Rimet
Os Mundiais nasceram em 1930 porque o francês Jules Rimet, então presidente da Fifa (Fédération Internationale de Football Association), não se conformou com a decisão do Comitê Olímpico Internacional de excluir o futebol dos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1932. Assim, criou seu próprio torneio, cuja primeira edição foi disputada no Uruguai, então último campeão olímpico de futebol – aliás, “bi”: 1924 e 1928.

A primeira nação submetida a uma regência totalitária a vencer uma “Coupe du Monde” – como o troféu se chamou originalmente – foi a Itália, em 1934, na sua própria casa, repetindo o feito em 1938, na França. Na época, Benito Mussolini dava as ordens na “bota” peninsular e também nos gramados: foi sob as suas ordens (mesmo) que a Seleção “Azurra” ganhou o Mundial. O segundo país a se consagrar sob um regime ditatorial foi o Brasil, em 1970, durante o governo do general Emílio Garrastazu Médici. E o terceiro e último campeão com uniforme castrense foi a Argentina, em 1978, momento em que a Junta formada pelos militares Videla (Exército), Massera (Marinha) e Agosti (Aeronáutica) “reorganizava” o país. Para entender melhor isso tudo e cada ciclo, o leitor encontrará, a longo desta obra, de modo cronológico e ordenado por décadas, todos os torneios ecumênicos de futebol e todas as ditaduras vigentes no mapa-múndi.

Abaixo, Literatura na Arquibancada destaca o capítulo, ou melhor, a primeira “contrapartida”, como define editorialmente o autor ao longo da obra o conteúdo que antecede os “capítulos”, propriamente ditos.

Carol II, Rei da Romênia...
...e sua ajuda aos “craques do petróleo” na Copa de 1930

Seleção da Romênia, Copa 1930 (foto: Getty Images)
O time da Romênia, que disputou por convite a primeira Copa do Mundo da história, realizada em 1930, não era precisamente um selecionado nacional. Não apenas porque o futebol do país era jovem quando comparado ao de outras nações – para se ter uma ideia, somente a partir da temporada de 1921/1922 aconteceu um precário torneio nacional. Ainda assim, regiões como a de Cernauti – atualmente na Ucrânia – e Chisinau – hoje na Moldávia – não foram incluídas. Pasmem: a Seleção romena era formada por operários da petroleira britânica Anglo-Persian Oil Company, atual BP. Por que eles? É uma longa história. Mas conviver com os ingleses e conhecer as regras do futebol – além de praticá-lo com os chefes britânicos – estavam entre os motivos da escolha.

O problema é que a empresa não estava disposta a ceder seus trabalhadores por três meses – período necessário para viagens e torneio. Mas o rei Carol II – primeiro monarca romeno nascido em território próprio e fã de futebol desde o dia que viu a primeira bola rolar na Escócia – se envolveu pessoalmente no assunto e confirmou a presença da Seleção em Montevidéu junto à FIFA. Carol II solicitou a intervenção de seu colega George V, Rei do Reino Unido, da Comunidade Britânica e Imperador da Índia, para que pressionasse a petroleira a emprestar uma dúzia e meia de seus homens na condição de “férias extraordinárias”: o reino romeno pagaria seus salários. No fim das contas, viajaram apenas 15 futebolistas, o treinador, um assistente e o presidente da Federação.

Rei Carol II
Carol Caraiman de Hohenzollern-Sigmaringen, com 37 anos na época, quarto rei da Romênia, era o filho mais velho de Fernando I e Maria de Edimburgo, o que explica sua paixão pelo futebol. Seu sangue meio escocês e suas passagens pela capital desse território calvinista da Grã-Bretanha o tinham impregnado com a nova paixão mundial. Além disso, até dias antes de ser coroado, ele viveu em Londres, no exílio, e todo final de semana assistia a jogos de futebol, única coisa que o distraía de suas amantes: a fama de playboy o levou várias vezes à capa dos tabloides ingleses.

A decisão de participar da Copa do Mundo foi a primeira que tomou como rei: em 8 de junho de 1930, a um mês e cinco dias do primeiro jogo. Em 1953, antes de morrer no exílio em Estoril, Portugal, disse que sua grande frustração foi não ter viajado ao Uruguai: “só não fui porque estava assumindo o trono; um ano depois eu mesmo teria encabeçado a delegação e também teríamos participado com um time mais competitivo”. Nesse primeiro Mundial, com sua seleção de operários petrolíferos, a Romênia se apresentou duas vezes: na estreia derrotou o Peru por 3 x 1 e, uma semana mais tarde, foi eliminada pelo anfitrião e posterior campeão, o Uruguai, por um acachapante placar de 4 x 0, todos os gols registrados no primeiro tempo, em apenas 35 minutos.

O Rei Carol II conhecia bem os jogadores romenos que trabalhavam para a petroleira britânica porque, conforme mencionado, morava em Londres. Por isso, ninguém se surpreendeu com o fato de ele mesmo entregar a lista de convocados para o presidente da Federação, o ex-jogador Constantin “Costel” Radulescu, e também dar os nomes da equipe titular ao jovem treinador Octav Luchide, também escolhido por sua alteza, que mais era um preparador físico do que um técnico. Esse time ficou conhecido na Romênia como “os operários do Rei”.

No dia 19 de junho, a delegação romena embarcou em Gênova, Itália, no navio Conte Verde. Logo, em Villefranche-sur-Mer, no mesmo barco, subiu a equipe da França e o presidente da FIFA, Jules Rimet, que carregava a estatueta dourada da Copa do Mundo. Já na escala de Barcelona, embarcou a Seleção da Bélgica. No dia 28 de junho, na penúltima parada, no Rio de Janeiro, completou-se a passagem com o time do Brasil, com exceção de Arakem Patuska, que embarcou no porto santista. Filho do presidente fundador do Santos FC, Patuska foi o único paulista a reforçar a seleção carioca que representaria o país. Finalmente, em 2 de julho, o Conte Verde aportou no cais de Montevidéu, apenas 14 dias após a sua partida. Das quatro participantes europeias, somente a Seleção da Iugoslávia viajou separadamente, no vapor Florida, um barco mais lento. As equipes europeias treinavam no convés do navio, quando o mar o permitia. “Eu teria treinado com eles”, disse o entusiasmado Carol II.

Os nomes e as idades dos operários do petróleo: Samuel Zauber, o mais veterano, 29 anos, e Ion Lãpusneanu, 21, goleiros; Adalbert Steiner, 23 anos, Rudolf Buerger, 21, Emerich Vogl, 25, e Iosif Czako, 23, os zagueiros; Ladislau Raffinsky, 25 anos, Alfred Eisenbeisser, 22 e Corneliu Robe, 22, os meias; e Nicolae Kovács, 18 anos, o caçula, Rudolf Wetzer, 29, Stefan Barbu, 22, Adalbert Desu, 21, Constantin Stanciu, 20, e Illie Subaseanu, 24, os atacantes.

Sobre o autor:
Edgardo Martolioé jornalista e editor. Nasceu em 1950, em Sastre – Santa Fé, Argentina. Abandonou os estudos de Direito na Universidad Nacional del Litoral para iniciar-se no jornalismo de rádio e de televisão na cidade de Rosário (LT3/LT2/LT8 e Canal 5), onde encontrou sua vocação nas letras esportivas no semanário Deporte 70 e no Diario Hoy. Também foi redator criativo da agência Integral Publicidad. Já em Buenos Aires, atuou em diversas emissoras como Libertad, Del Plata, El Mundo e Splendid, na agência noticiosa NA e no jornal Crónica, até deixar o universo do esporte dirigir uma dúzia de revistas, como Playboy e La Semana(atual Notícias). Por fim, foi diretor associado do prestigioso Diario Perfil – em sua primeira etapa. No início da ditadura militar argentina (1978), converteu-se no primeiro correspondente, na Europa, da portenha Editorial Perfil; também morou no Caribe, Estados Unidos e África. Vive atualmente no Brasil, onde é CEO da editora CARAS desde sua fundação em 1993. Estudou filosofia e letras e realizou o curso FIFA de treinador, para jornalistas e ex-jogadores profissionais de futebol.
Edgardo Martolio, em língua espanhola, é coautor de Historia del Tango (1974) e de Gardel-Gardes (1975), além das publicações Nuestro Ascenso (1974), SóloFútbol (1985), SuperFútbol (1986) e Magazine Deportivo (1991).
Em português, escreveu a trilogia olímpica Citius, Altius, Fortius (2004), maior obra mundial a respeito dos Jogos, Brasil Penta (2002), vencedor do Top of Business nacional, O Brasil no Tapete Vermelho e Carnaval Carioca – 100 anos, entre outros trabalhos que lhe renderam dois Prêmios Abril de Jornalismo (Tom Jobim, 1994, e Pantanal, 1995). Entre outras trinta honras, recebeu o prêmio Homem do Ano 2006, na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo; em 2007, a medalha de ouro da Société Académique d’Education et d’Encouragement d’Arts, Sciences et Lettres da França e, em 2008, ganhou o Troféu Raça Negra da Afrobras.
Fez a cobertura de eventos tão diversos como a assunção do Papa João Paulo I, Miss Mundo, a guerra do Ulster, a tragédia ambiental de Seveso, Fórmula 1, bodas da realeza, Jogos Olímpícos e Mundiais.

Uma História das Copas do Mundo - Futebol e Sociedade

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Uma obra espetacular. Dois livros, mais de mil páginas construídas com o rigor da pesquisa e qualidade editorial, no texto e na arte. Uma História das Copas do Mundo – Futebol e Sociedade (Editora Armazém da Cultura) do historiador e pesquisador Airton de Farias (e ilustrações de Daniel Brandão) não é apenas leitura obrigatória, mas dois volumes fundamentais para se ter a qualquer hora para consulta sobre qualquer informação referente a história das Copas, dentro e fora dos gramados.

Airton de Farias não é audacioso quando revela sua intenção ao escrever os livros: “entender a História (ou uma parte da História) da humanidade, entre o final do século XIX e o começo do século XXI, através da modalidade esportiva mais popular do planeta”.

Sinopse (da Editora):

“Nunca foi feito nada igual no Brasil”, escreve Juca Kfouri, em sua apresentação do livro Uma História das Copas do Mundo – futebol e sociedade, de autoria do historiador Airton de Farias, lançado pela editora Armazém da Cultura. O texto, em mais de mil páginas, editado em 2 volumes, aborda a contextualização política do mundo pré-Copa, de 1930, ano da primeira Copa, até hoje, quando chegamos à vigésima, insere e relaciona o esporte mais popular do planeta na vida e na política com grandes fatos e processos históricos do final do século XIX, XX e início do XXI.

Em nome da bola fez-se guerras, como entre Honduras e El Salvador, em 1969. Em nome da bola, torcidas digladia-se-iam. Em nome da bola, a paz aconteceu. Com a bola, o neonazismo se expande na Europa, aproveitando-se da crise que o mundo capitalista vive desde 2007. Em nome da bola, povos se confraternizaram, a ponto de inimigos irreconciliáveis, a exemplo de Irã e Estados Unidos, darem-se as mãos dentro de campo e ficarem lado a lado, como se fossem velhos companheiros em divertido jogo de várzea no final da tarde. Com a bola, um indiozinho argentino (Maradona) venceu um gigante inglês, vingando toda uma nação que perdera uma ilha numa guerra delirante estimulada por uma ditadura sanguinária.

São relatos do autor Airton de Farias, fundamentados em pesquisa de dois anos e meio com inúmeras fontes e matérias que respaldam e conferem absoluta credibilidade ao livro. O Brasil, que por séculos viu em sua composição mestiça um traço de inferioridade, verdadeiro “complexo de vira-latas”, teria no futebol a redenção. Cinco vezes dominou o mundo. Um negro (Pelé) e um índio (Garrincha) trariam a glória. A bola foi ferramenta para questionar e dominar. Ditadores usaram-na, mas também governos democráticos.

Uma história das Copas do Mundo mostra a ascensão de povos e países no cenário internacional, como a realizada na África do Sul e as que se realizarão no Brasil e na Rússia, não por acaso, países do BRICS, nações de economia em ascensão. Muito mais que uma história futebolística das Copas, Uma história das Copas do Mundo, com ilustrações de Daniel Brandão, é uma apaixonante história política e social desde os primórdios do esporte. Como atesta Juca Kfouri, um dos mais respeitados nomes da imprensa esportiva nacional: “o que você tem nas mãos é uma obra portentosa. Nem mais nem menos.”

Literatura na Arquibancada destaca abaixo o prefácio da obra assinado pelo próprio autor.

Prefácio
Por Airton de Farias

Algumas pessoas acreditam que futebol é questão de vida ou morte. Fico muito decepcionado com essa atitude. Posso garantir que futebol é muito, muito mais importante.
  
Bill Shankly, técnico do Liverpool, da Inglaterra entre 1959-74



Serei bem claro: este é um livro de síntese, com certo caráter didático, para aqueles que desejam dar os primeiros passos na tentativa de compreender melhor o futebol além dos gramados. Não é uma obra de estatísticas futebolísticas (embora as use também, eventualmente), nem uma obra rigorosamente factual e cronológica (nos capítulos, como o leitor perceberá, há muitas “idas e vindas” no bailar contraditório e instável dos anos). Também não visa realizar uma “hagiografia de boleiros”, ainda que fale bastante da trajetória dos jogadores, pois, como de se esperar numa obra deste tipo, os atletas são considerados atores sociais, alvos de grande atenção dentro do processo histórico. Igualmente, não tenho a intenção de focar nestas linhas causos pitorescos ou folclóricos e, muitos menos, detalhar todas as escalações, treinadores, lugares e horários das partidas das copas e o exato tempo de jogo em que aconteceram os cartões e os gols. Você está alertado, caso deseje prosseguir (se é um leitor igual a mim, que deixa para ler por último o prefácio, esse primeiro parágrafo é totalmente dispensável e sua frustração, caro leitor, é deveras compreensível...).

E do que trata este livro, afinal?

Sou um aficionado por futebol e, como professor há 20 anos, um apaixonado por História, igualmente. Dito isso, fica fácil perceber o objetivo principal da obra: entender a História (ou uma parte da História) da humanidade, entre o final do século XIX e o começo do século XXI, através da modalidade esportiva mais popular do planeta. Essa abordagem, creia, é algo fascinante. É incrível a quantidade de episódios históricos e conflitos, simbólicos ou não, que podem ser percebidos nas partidas de clubes e seleções, afora indicativos, características, contradições e pormenores das sociedades. Não é temerário afirmar que a História do mundo, nos últimos cento e tantos anos, passou pelos estádios de futebol.

É uma obra, portanto, ousada (audaciosa) e, por isso mesmo, aberta a críticas. A primeira dessas, de caráter mais historiográfico, talvez se refira à pretensão do autor de querer tratar de “toda” a História do futebol (e do mundo!) em cerca de 1000 páginas. Aceito o reparo dos colegas historiadores.

A História do futebol vai além, mas muito além destas páginas.

Certamente por “abarcar” mais temas, peco em não aprofundá-los devidamente (embora, digo de coração, minha intenção fosse fazê-lo e busquei atingi-lo dentro do possível). Sem esquecer que vários outros temas ficaram à margem. O profissional da História sabe que, num livro, não é por acaso a escolha de um tema e o “esquecimento” de outros estudiosos.

O Historiador, ao fazer uma pesquisa, traz, consigo, suas perspectivas ideológicas, culturais,
etárias, étnicas, de gênero, etc. O pesquisador escolhe a pesquisa – mas a pesquisa também “escolhe” o pesquisador. Assim, saiba, amigo leitor, a História do futebol vai igualmente bastante além dos temas e abordagens aqui realizados. Este livro é apenas um leve aquecimento para quem deseja, de fato, entrar em campo...

Há ainda o problema das interpretações. A obra não é só minha (por isso, inclusive, uso o chamado “plural da modéstia”). Procurei me apoiar no que havia de mais recente na produção acadêmica (teses, dissertações, monografias, artigos, etc.), tudo devidamente citado para aqueles que desejem aprofundar a leitura e os estudos. São produções dos cursos de História, Sociologia, Educação Física, Comunicação Social e áreas afins de todo o Brasil. Igualmente fiz uma leitura das obras “clássicas”, produzidas por memorialistas, jornalistas, biógrafos, etc. Documentos e fontes, especialmente jornais, estão discriminados ao longo dos capítulos. No final do livro há uma gigantesca lista de referências. Sei que algumas vezes tantas citações congelam a leitura, principalmente numa obra que alimenta pretensões didáticas e gerais. Mas, por honestidade intelectual e respeito ao leitor e aos colegas pesquisadores, não poderia deixar de fazer isso. Espero compreensão.

Assim, novamente, alerto o leitor, mormente aquele que não tem maiores intimidades com as lides historiográficas, que este livro traz uma interpretação, não “a” interpretação. Há muito que a História abandonou a obsessão em encontrar “a verdade”. A História (e suas interpretações) é fruto dos embates atuais e dos desejos futuros, e das contradições entre os vários grupos sociais. Não espere “neutralidade” nestas páginas. Não sou o “portador” da verdade. Nem o quero ser. Possivelmente, muito do que está dito aqui seja passível de contestação ou provoque acalorados debates. Isso é bom. É assim que as ciências humanas avançam. A crítica e o debate são da essência mesma da História.

Mas por qual razão um leitor se interessaria por uma obra que gasta páginas e páginas falando do extracampo e não sobre seu craque favorito ou da conquista memorável? Os livros sobre futebol encerram contradições.

Muitos torcedores estão satisfeitos em compreender as táticas de seus times e os assuntos mais comuns das colunas esportivas dos jornais ou dos programas de rádio e televisão. Por outro lado (por muito tempo), o mundo acadêmico tratou com certo desdém o “esporte das multidões”. Quando não era visto como “ópio” do povo, ignorava-se quase por completo o “espetáculo” da bola em si. O torcedor e o acadêmico pareciam seres de dimensões antagônicas.

Entretanto, cada vez mais estudiosos deixam de ver no futebol uma prática “alienante”. É óbvio, como veremos a seguir, que, sim, distintos regimes políticos, fossem ditatoriais ou democráticos, buscaram utilizar a modalidade na intenção de angariar apoios internos ou exibir prestígio internacional. Mais recentemente, dentro de um intenso processo de mercantilização, o adepto do futebol passou a ser visto apenas como um “consumidor” e o jogo como um lucrativo negócio. Essas perspectivas, entretanto, como normal dentro do dinamismo e diversidade das sociedades, não são absolutas. Se ditadores “usaram” o futebol, este igualmente serviu como estratégias de resistência e de questionamentos aos dominados.

Não poucos jogadores tiveram destacados papéis políticos em seus países, questionando e expondo estruturas sociais autoritárias e viciadas. Clubes expressavam os anseios de povos por liberdades. Em estádios, multidões entoaram “gritos de guerra” contra governantes ou os vaiaram enfaticamente.

Protestos iniciaram-se exatamente quando competições esportivas aconteciam...

“Alienante”, como assim? Cada vez fica mais claro para os pesquisadores da área de humanas que as sociedades e suas peculiaridades e contradições passam (também) pelos estádios de futebol, mundo afora.

Assim, questões de nossa época podem ser pensadas a partir das partidas de futebol, particularmente nas copas do mundo. A criação do próprio Mundial, por Jules Rimet, não pode ser desvinculada dos crescentes sentimentos e tensões nacionalistas que varriam o mundo, especialmente a Europa, nas primeiras décadas do século XX – e que contribuiriam para a eclosão de duas Guerras Mundiais. A seleção italiana, bicampeã em 1934 e 1938, fazia a saudação dos adeptos de Mussolini, como se fosse a materialização de um fascismo de chuteiras. Em nosso País, o futebol foi e é forte componente na formação da identidade nacional – não por acaso, ainda hoje é popular a expressão “Pátria de Chuteiras” e falamos, geralmente, do Brasil jogando, e não da seleção brasileira de futebol, como se a nação fosse a onzena verde e amarela. Tal componente não escapou aos interesses variados de diversos atores sociais e políticos e por vezes teve de lidar com problemas que ainda hoje incomodam a sociedade brasileira, a exemplo do racismo. O goleiro da Seleção de 50, Barbosa, que o diga. E a Alemanha que, de certo modo, se reergueu do Nazismo e da II Guerra ao conquistar o título de 1954? Não se pode desconsiderar a conquista da Taça Jules Rimet para a autoestima de um povo arrasado como aquele. Um raciocínio parecido pode ser feito para a Argentina, que após sofrer uma dolorosa derrota na Guerra das Malvinas, em 1982, acabou sendo campeã do Mundo, em 1986, superando os rivais ingleses, o que levaria à “divinização” de Diego Maradona.

Em suma, este livro fala de Histórias – Histórias de vários povos/sociedades e futebol, buscando evidenciar as intercessões, influências e tensões que apresentam, particularmente nas Copas do Mundo e que, não raro, passam despercebidas por grande parte dos torcedores e analistas. E mesmo que isso não lhe desperte a atenção, posso dizer que o livro trata de futebol e ao mesmo tempo, de alguma coisa de história política. Ou, inversamente, aborda um pouco (não tão pouco) de história política e de futebol.

Reúne duas paixões do autor. Sim, podemos aprender história através do futebol. E, sim, aquele jogo decisivo do campeonato tem muito a informar sobre nossas sociedades.

Os dois volumes da obra somam 23 capítulos, cada um tratando das respectivas Copas em sequência e contando ainda com um tema transversal principal. Assim, na Copa de 1958, abordo o futebol na antiga União Soviética/Stalinismo; na Copa de 1966, falo do futebol em Portugal/Salazarismo; na Copa de 1970, trato da Ditadura Civil-Militar/Tricampeonato mundial brasileiro; e assim por diante. Há quatro capítulos que não tratam de Copas (pelo menos, não diretamente). O primeiro, quando abordo as origens do futebol; o segundo, que trata da chegada do futebol ao Brasil; o sexto, que tem como objetivo os anos 1940, a “década sem Copa”, devido à II Guerra; e o último, que foca nos acontecimentos que antecederam o Mundial brasileiro de 2014.

Embora tenha tentado desenvolver uma linha cronológica tradicional, isso por vezes não foi cumprido rigorosamente, falando-se de “-temas e épocas soltas” onde melhor se encaixassem, dentro do desenrolar das Copas e jogos das seleções. Também recorro muitas vezes a boxes ao longo das páginas, o que, a meu ver, enriquece o livro, pois trata de questões importantes que não teriam como serem abordadas no texto-base.

Por fim, não poderia deixar de falar acerca das ilustrações do livro, feitas pelo talentoso quadrinista Daniel Brandão. Os desenhos de Brandão trouxeram a arte para dentro das páginas, tornando a leitura bem mais agradável. O leitor mais minucioso poderá perceber como os painéis do desenhista são um resumo de cada capítulo. E são desenhos maravilhosos, de grande perfeição e beleza. Diria, usando o jargão do mundo da bola, que Daniel, com muita categoria e astúcia, e fazendo tabelinhas geniais com este autor, entrosou ainda mais o livro para o deleite do leitor.

Espero que o livro atenda as suas expectativas e que o motive a analisar o futebol – e as sociedades – com outras perspectivas.

Sobre o autor:
Airton de Fariasé Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e em História pela Universidade Estadual do Ceará (Uece). É também Mestre em História pela mesma UFC. Exerce a profissão de professor há duas décadas. É escritor, autor de mais de 20 livros, entre os mais conhecidos estão: História do Ceará: da Pré-História ao Governo Cid Gomes e Além das Armas: Guerrilheiros de Esquerda no Ceará Durante a Ditadura Militar. Escreveu também a trilogia dos principais clubes cearenses de futebol: “Ferroviário, Nos Trilhos da Vitória”; “Ceará, Uma História de Paixão e Glória” e “Fortaleza, História, Tradição e Glória”.

Adeus mestre Sebastião Witter

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O futebol e, principalmente, o mundo acadêmico perdeu um de seus maiores nomes. José Sebastião Witter foi um pioneiro na luta pelo futebol nas fechadas universidades brasileiras.  
Sebastião Witter era torcedor apaixonado pelo São Paulo Futebol Clube, professor emérito da USP e professor normalista. Foi um dos pioneiros na introdução do futebol como objeto de estudo na Universidade, assunto até então estigmatizado.

Foi também Supervisor do Arquivo Público do Estado de São Paulo Secretaria da Cultura (1977/1988); Diretor do Centro de Apoio à Pesquisa Histórica (CAPH) Sérgio Buarque de Holanda USP (1988/1992); Diretor do Instituto de Estudos Brasileiros IEB USP (1990/1994); Coordenador Geral da Coordenadoria de Comunicação Social (CODAC) USP (1991/1994); Diretor Geral do Museu Paulista da Universidade de São Paulo / Museu do Ipiranga USP (1994/1999).

Além de assinar diversas publicações, inúmeros livros, artigos, resenhas e crônicas. Mantinha uma assessoria da qual era seu diretor presidente, a WITTER & WITTER ASSESSORIA E CONSULTORIA EDUCACIONAL LTDA.

Aqui, no Literatura na Arquibancada, Witter deixou registrada sua paixão por um dos maiores craques do seu clube de coração e da seleção brasileira, Leônidas da Silva, o Diamante Negro, no mês e ano do centenário do craque histórico brasileiro (http://www.literaturanaarquibancada.com/2013/01/o-megafone-do-esporte-100-anos-do.html).

Não era preciso, mas para “provar” o pioneirismo na luta do professor Witter pelo aprofundamento do estudo do futebol nas universidades, Literatura na Arquibancada resgata, abaixo, texto assinado pelo mestre no ano de 1982, em uma das primeiras edições especiais feitas por diversas personalidades falando sobre o futebol. A “pequena” e fantástica publicação, patrocinada pela Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, chama-se “Em campo, futebol e cultura”. E o texto assinado por mestre Witter, tem um título que reflete exatamente o trabalho e a dedicação deste educador. “Para nunca mais esquecer”, de Witter e sua batalha pela literatura esportiva brasileira.



Para nunca mais esquecer
Por José Sebastião Witter

“Se não houvesse o futebol, nós teríamos outra coisa. Se não tivesse outra coisa, nós teríamos uma guerra civil a cada dia.” (Sócrates, jogador do Corinthians, Folhetim nº 187, 17/9/1980, Folha de S.Paulo)

É inquestionável que o futebol ocupa uma posição de destaque na sociedade brasileira e com ele e por ele se consomem horas e horas de análise e discussão, desde os categorizados cronistas esportivos ao homem comum, desde os intelectuais aos iletrados. E mesmo aqueles que insistem em mostrar sua indiferença ao futebol, quase sempre buscam a informação aqui e ali e desejam estar a par dos últimos resultados esportivos e da atuação de alguns craques, principalmente em época de Copa do Mundo.

Em 1975, num Simpósio da Associação dos Professores Universitários de História (ANPUH), apresentei uma comunicação sobre “As fontes para o estudo do Esporte no Brasil”, quando as críticas recebidas foram até desestimulantes. Salientara já o significado do Esporte no Brasil e em especial a importância do futebol na vida cotidiana do nosso País.

A maior tarefa de todos aqueles que buscam explicar o fenômeno do Futebol está, justamente, na questão de sua análise enquanto fenômeno de massa e enquanto fenômeno individual. Em recente artigo na Folha de S.Paulo, Roberto da Matta estuda e muito me faz pensar na necessidade, cada vez maior, de estudos múltiplos sobre a vida futebolística brasileira. Lembra Roberto da Matta um outro fenômeno que se soma ao do futebol, que é justamente a sua descoberta pelas elites brasileiras, periodicamente. E é significativa a sua reflexão em torno da importância do fenômeno futebolístico, que acaba por revelar muito da nossa maneira de ser, na vida diária. Como diz Roberto da Matta: “...o futebol instala uma reflexão coerente com ele mesmo: algo muito mais sutil e sinuoso. Uma reflexão relativizadora e relacional onde se descobre que o mundo é mais complicado do que máquinas, indivíduos, lucros e dinheiro. Nele também existe arte, dignidade, genialidade, sorte e azar, deuses e demônios e, acima de tudo, a descoberta importante que, embora o Brasil seja ruim num montão de coisas, é muito bom de bola. É campeão de futebol e isso já é importante. Afinal, é melhor ser campeão do samba, carnaval e futebol do que de guerras ou de venda de foguetes”.

A transcrição foi longa, mas creio ter Roberto da Matta exteriorizado, de forma clara, aquilo que todos nós de uma certa forma pensamos, e não quis trair o seu pensamento parafraseando-o. É este aspecto que bem traduz os milagres que o nosso “esporte-rei” pode operar e também e muito daquilo que se identifica com a própria brasilidade, principalmente se a detectarmos como o fez Mattew G. Shirts em seu artigo “Literatura Futebolística: uma periodização”, no qual descobre um eixo temático novo que mais tarde vai se traduzir no discurso popular. Mostra, então, como esse tema veio à luz com “O Negro no Futebol”, reforçado pelo “Sou Pelé”, onde a ligação futebol x brasilidade fica evidenciada na descrição de sua juventude. Com características distintas, a Sensibilidade é evidenciada ainda em “Brasil Futebol Rei” e “Os Subterrâneos do Futebol”.

Se de um lado Shirts detecta o fenômeno da brasilidade no futebol, de outro José Carlos Sebe Bom Meihy vê o conteúdo Nacionalidade no seu “Para que serve o futebol”, mostrando o quanto do discurso dos analistas do futebol e dos cronistas esportivos colocam esse sentido de integração nacional nos acontecimentos esportivos. Lembra ele que editoriais significativos da Gazeta Esportiva Ilustrada, em 1960, salientavam ser ela um “órgão da unidade nacional, pois é lida do Oiapoque ao Chuí, extremos norte e sul deste imenso país”.

É pensando no poder do futebol como elemento catalizador na sociedade brasileira que o vejo, de certa forma, consolidando uma unidade nacional, despertando a brasilidade de cada um e permitindo que milagres sejam feitos.

E este fenômeno está aguardando, no Brasil, estudos profundos de especialistas de áreas diferentes a permitir que seja ele melhor entendido e possam surgir obras como a de Desmond Morris, “The Soccer Tribe”, com um estudo antropológico significativo e profundo, no qual se vê o fenômeno do ponto de vista do ritual das tribos primitivas transpostas aos bem organizados campeonatos europeus e principalmente ao universo inglês. O uso apropriado das fotos e o estudo dos gestos e das atitudes dos componentes da caça à bola, desde os jogadores aos árbitros e aos torcedores, demonstram o quanto se pode ver na própria participação dos combatentes e seus afeiçoados, que passam a se compor em verdadeiras nações querendo conquistar vitórias no campo de luta, representado pelos clubes de futebol.

A análise que deverá ser feita por tantos estudiosos de nosso futebol, principalmente com a descoberta, recuperação e conservação de muitas coleções existentes em mãos de colecionadores particulares e de clubes esportivos, além de um cuidado específico dos arquivos públicos com a gama de documentação referente ao futebol, poderá trazer à luz aspectos novos, a demonstrar toda a complexidade representada pelo “esporte-rei” no Brasil, desde a sua “desorganização” varzeana às intricadas e complexas máquinas burocráticas, a transformar o lúdico em objeto de lucro e a decompor o espírito esportivo em espetáculo circense para uma massa incomensurável que acaba por somente consumir o produto mais rico e mais precioso que a coletividade produziu, que é o nosso futebol.

É difícil enteder-se o fenômeno futebolístico universal sem se entender o futebol brasileiro e creio ser ainda mais difícil procurar se entender o Brasil sem um estudo aprofundado do fenômeno Futebol. Brasil e Futebol se explicam bem pelo famoso “jeitinho” que Roberto da Matta vê, com propriedade, como “algo muito mais sutil e sinuoso”, esbanjados um e outro como continente e conteúdo, cuja soma acaba por expressar, de forma inconteste, a nossa própria maneira de ser.


Adeus, Dr. Osmar de Oliveira

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Dr. Osmar de Oliveira se foi. E com ele, uma rica história do jornalismo e da medicina esportiva. Muitas dessas histórias ele deixou registradas em um livro autobiográfico lançado, inicialmente, no segundo semestre de 2007, como um livreto intitulado “Causos do Esporte”, com distribuição exclusiva para médicos, feita pelo Laboratórios Ache. No início de 2008, ganhou mais causos e histórias e virou livro editado pela Companhia Editora Nacional. Muitos desses causos também podem ser acessados no site que Dr. Osmar alimentava frequentemente http://drosmar.band.uol.com.br/categoria/causos-do-esporte/.

Que ele era um corintiano apaixonado pelo clube, todos sabiam, até porque nunca escondeu de ninguém, nem mesmo quando passou a atuar como jornalista. Dr. Osmar de Oliveira era, como afirmou em depoimento no livro sobre o centenário do Corinthians (Corinthians, 100 anos de paixão, Editora Magma Cultural, 2010), “dos corintianos vivos estou em primeiro lugar em presença nos estádios”.

Mas você, leitor, imagina como essa paixão surgiu? E como ele “virou” jornalista por causa do Corinthians? É exatamente nesse texto sensacional que podemos ver, em detalhes, como tudo aconteceu.

E reparem que nesse mesmo texto, Dr. Osmar cita uma passagem pelo departamento médico do clube, também no basquete. E poucos sabem também que por essa experiência, Dr. Osmar acabou sendo o responsável pela participação de nossa maior estrela do basquete feminino, Hortência, em seu primeiro mundial. A história faz parte de uma biografia da atleta que não foi publicada.

Literatura na Arquibancada resgata esses dois textos, importantes para entendermos um pouco da importância deste médico, jornalista e ser humano extraordinário.

Texto Dr. Osmar para o livro 
“Corinthians – 100 anos de paixão”
Por Dr. Osmar de Oliveira

Perdi a conta de quantas vezes vi o meu Corinthians jogar. Sem exageros, penso que dos corintianos vivos estou em primeiro lugar em presença nos estádios. Explico: além do fanatismo, igual a tantos outros corintianos, tive a sorte e a felicidade de estar nos estádios a serviço da medicina e da televisão.

Meu pai Antonio, exímio alfaiate, transmitiu-me essa doença. O rádio esportivo era seu companheiro inseparável...e meu também. Em 1950 – portanto, há 60 anos –, lá estávamos nós, no Pacaembu, num Corinthians x Vasco. Minha primeira vez num estádio. Chovia muito. Papai me ergueu nos ombros na Concha Acústica (o tobogã de hoje). Ingresso barato, mas assistia-se em pé. Vencemos de virada: 2 a 1, gols de Cláudio e Baltazar. Jamais esquecerei de Bino, Newton e Belfare; Idário, Touguinha e Hélio; Cláudio, Luizinho, Baltazar, Nelsinho e Noronha. Nessa época, o Corinthians jogava o campeonato paulista e o Torneio Rio-São Paulo. China, um grande amigo e também fanático, tinha um táxi Cadilac, fazia ponto na Praça da Sé. Qualquer jogo no interior (Campinas, Piracicaba, Mococa, Jaú, Lins, etc), em Santos e no Rio de Janeiro, lá íamos nós no Cadilac preto. China não cobrava nada, só se dividia o valor da gasolina. Essas aventuras duraram bem uns dez anos. No começo da década de 1960, papai não tinha dinheiro para todos os jogos, mas nas cidades mais próximas, íamos de ônibus.

Em 1966 (eu já estava na faculdade de medicina), comprei um exemplar da Revista do Corinthians, que voltava a circular, para continuar a antiga coleção. Vi alguns erros na revista, reclamei com o editor e acabei virando “repórter”. Minha primeira matéria foi a inauguração da capela do Parque São Jorge. Então, por obrigação profissional (que bom!), passei a ir de novo a todos os jogos. Ano seguinte, eu e o editor da revista lançamos o semanário Coringão. Em 1969, o presidente Wadih Helu me convidou para fazer parte do departamento médico do Corinthians (trabalhava no futebol amador, no basquete e na natação). Em pouco tempo, já estava no futebol profissional. Foram sete anos presente em todos os jogos do paulista, do nacional (que tinha 40 clubes), Copa Brasil (e excursões). Quando saí do Corinthians em 1976, no dia mais triste da minha vida, só pude assistir aos jogos da capital.

Dois anos depois (eu já estava na faculdade de jornalismo), fiz minha estreia na TV Gazeta, em 1981 fui para a TV Globo, depois Band, SBT, Manchete, PSN, TV Cultura, TV Record e agora na Band novamente. Nessa maratona, muitas vezes fui escalado para narrar ou comentar jogos do Corinthians. Quando não, e sempre que possível, lá estava eu (e ainda estou).

Com este resumo de minha presença em jogos do Corinthians, dá para perceber que não fui exagerado quando escrevi o primeiro parágrafo. Nem estou considerando jogos assistidos pela TV, porque quando eu comecei a ver de perto o Corinthians, a TV não existia.

Não quero nenhum mérito por estes números. Penso até que minha presença é obrigação.

Texto sobre Dr. Osmar para 
a biografia sobre Hortência
Por André Ribeiro


Hortência, no Higienópolis, Catanduva/SP.
Era uma segunda feira tranquila e Hortência dirigia tranquilamente o seu Fiat pelas ruas de Catanduva quando de repente ao atravessar uma esquina bateu forte o carro em outro que cruzava a rua. Ao seu lado, o  namorado José Paulo ficou atordoado com o impacto da batida. Hortência levou a pior: “Eu ia às 15h00 para Bauru, mas um pouquinho antes resolvi comprar algumas coisas. Eu vinha pela rua Pará e ia atravessar a avenida Brasil. Ali tem uma curva perigosa, o cara do corcel (José Mateus Zanelado) vinha chutado e houve a batida”. O acidente poderia ter sido muito mais grave, com um capotamento, se o carro de Hortência com o impacto não fosse arremessado contra um caminhão estacionado próximo ao local. 

Para quem dependia das mãos para trabalhar, a notícia dos médicos da clínica Santa Helena, para onde foi levada após o acidente, não era nada animadora. Dedos fraturados na mão direita e um provável longo afastamento das quadras. Pior ainda foi saber que havia a necessidade de operar imediatamente.

Hortência desabou, ficou desesperada. O Brasil estava às vésperas de embarcar para a disputa do Campeonato Mundial. Sem acreditar no diagnóstico apresentado pelos médicos de Catanduva, Hortência tentou reverter o quadro. Dois dias depois, com um galo na cabeça e a mão cheia de dor, pegou um ônibus no início da madrugada junto com o namorado rumo a São Paulo para fazer exames mais detalhados e passar pela avaliação de um médico especialista. Era noite ainda quando os dois desembarcaram. Às 6 horas da manhã, ela já estava na rua Dr. Agostinho Gomes, no prédio do extinto INPS. De lá, ligou para o Dr. Osmar de Oliveira, que lhe pediu para que fosse direto ao Hospital Leão XIII, no bairro do Ipiranga. Com o braço na tipoia, Dr. Osmar levou-a até a sala 128 do setor de raio-X, tirou o gesso que fora colocado e ao ver o inchaço no local, ambos se desanimaram quanto à possibilidade de melhora para a disputa do Mundial. 

Dr. Osmar não queria perder as esperanças antes de ver o resultado do raio-X. Enquanto aguardava ansiosa pelas radiografias, Hortência ainda comentou com o médico sobre seus antecedentes de acidentes: “Uma vez, eu estava num Maverick que capotou. Não aconteceu nada comigo. No ano passado (1978), cai da moto e machuquei um pouquinho só a perna. Agora, justo agora, foi acontecer essa da mão”.

O envelope amarelo com a radiografia chegou ao consultório. Dr. Osmar abriu, pegou a chapa, colocou-a no aparelho iluminado, olhou, viu e reviu e deu o seu diagnóstico.

Ansiosa, Hortência começou a se sentir aliviada: “Você teve fratura total no 3º e 4º metacarpio da mão direita, mas não há necessidade de operação. Normalmente, nesses casos, a consolidação se dá em 20 dias. A consolidação desses ossos é mais ou menos rápida. A cada dez dias vamos tirar novas radiografias, ver se o osso está fechando. E assim que estiver consolidado, vamos fazer fisioterapia quatro vezes ao dia”.

Conhecendo a fama da paciente, de irrequieta e obcecada por jogar a qualquer custo, Dr. Osmar foi além nas ordens para sua recuperação plena: “Nem que precise internar você, acho que vai dar tempo de viajar, pelo menos para jogar o Mundial na Coreia, sem tomar parte nos amistosos. Normalmente, em 20 dias você ficará boa. Agora, se não ficar, eu não vou deixar você ir. Não vou lhe arrebentar”.

Hortência saiu do hospital Leão XIII com o braço na tipoia, mas feliz da vida com a perspectiva positiva para sua recuperação. Era tudo que precisava ouvir para continuar acreditando em sua primeira participação em um Mundial. Hortência e a comissão técnica brasileira sabiam que a competição na Coreia do Sul não seria fácil, contudo, sabiam também que a ausência da poderosa equipe soviética e de outros países comunistas que não mantinham relações diplomáticas com o país sede, trazia esperanças maiores de bons resultados. Para Hortência, os dedos quebrados não seriam problemas. Se dependesse dela, entraria em quadra até mesmo engessada.

Contudo, os jogos amistosos, pouco antes do início da competição, contra as norte-americanas, nos Estados Unidos e a seleção japonesa, no Japão, deixaram o técnico brasileiro pessimista quanto a possibilidade de uma medalha. Foram derrotas contundentes, uma para os Estados Unidos por 109 a 65 e outra para o Japão por 71 a 38. Nem mesmo o fuso horário, dado como justificativa para o péssimo desempenho do Brasil contra as japonesas, às vésperas do início do Mundial animavam o treinador.

Quando a bola subiu ao ar em quadra, a expectativa de Barbosa se confirmou. Derrotadas pela França, logo na estreia, na fase preliminar na competição por 76 a 64, a seleção brasileira teve de se conformar em participar de um Torneio de Consolação, onde enfrentou equipes fracas como Bolívia, Holanda, Senegal e Malásia. Nem mesmo a vitória apertada contra a seleção do Japão, por 57 a 55, ainda na fase de classificação, animou o grupo brasileiro.

Hortência jogou os seis jogos do Brasil no torneio com uma bandagem, e apesar de voltar ao Brasil com apenas a nona colocação, poderia se sentir feliz por retornar como cestinha da competição com os 127 pontos anotados.

Sobre Dr. Osmar (de seu site http://drosmar.band.uol.com.br/historia/):
Enquanto fazia o curso de medicina na PUC de Sorocaba, escrevia no jornal Cruzeiro do Sul e participava dos programas esportivos da Rádio Cacique. Em 1966 passa a ser redator da revista do Corinthians e ao mesmo tempo do jornal Coringão.
Durante o curso de jornalismo na Faculdade Cásper Líbero em São Paulo, foi convidado por Roberto Petri para trabalhar na TV Gazeta e na Rádio Gazeta em 1978, durante a Copa do Mundo da Argentina. Era narrador de TV, comentarista da rádio e participava da Mesa Redonda com Petri, Milton Peruzzi, Zé Italiano, Peirão de Castro, Rubens Pecci, Dalmo Pessoa, José Silveira, Geraldo Blota e Sérgio Baklanos. Formou-se em jornalismo no ano seguinte. Em 1980 passou a ser locutor da TV Globo e depois de três anos foi para a TV Bandeirantes tendo sido o primeiro narrador do Show do Esporte na equipe de Luciano do Vale que tinha ainda Juarez Soares, Jota Jr, Elia Jr, Eli Coimbra, Luiz Ceará, Eduardo Savóia, dentre outros.
 Em 1986, convidado por Sílvio Santos, vai para a TVS ( hoje SBT) para comandar a equipe de esportes que tinha Juca Kfouri como comentarista e Jorge Kajuru como repórter. Após a Copa do Mundo do México, volta para a Band para cobrir os Jogos Olímpicos de Seul e em seguida passa a chefiar em São Paulo a equipe de esportes da TV Manchete (hoje Rede TV), onde trabalhou com João Saldanha, Paulo Stein, Márcio Guedes, Alberto Léo, Antonio Pétrin, José Carlos Conti e Mariana Godoy.
Em 1992, retorna ao SBT ao lado de Juarez Soares, Orlando Duarte, Silvio Luiz, Luiz Alfredo, Oscar Ulisses , Nivaldo Prieto, Eli Coimbra, Antonio Petrin, etc. Em 1999, trabalhou na PSN, emissora americana de canal fechado no Brasil e em 2000 tem rápida passagem pela TV Cultura no programa Cartão Verde, junto com Juarez e Flávio Prado. No mesmo ano começa seus trabalhos na TV Record, como locutor, comentarista e apresentador. Fica 7 anos nos programas Debate Bola e Terceiro Tempo comandados por Milton Neves. Em agosto de 2007, é convidado a voltar para a TV Bandeirantes.
O Dr. Osmar de Oliveira é o único jornalista esportivo que trabalhou em todos os canais de TV aberta em São Paulo.

Maracanazo - A história secreta

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Se há vitórias e derrotas, há de se ter duas versões para um mesmo fato. A Copa de 1950, para os brasileiros, foi uma tragédia. Mas qual seria então a versão uruguaia para aquela vitória inesquecível. Por incrível que pareça, para Atilio Garrido, autor do livro “Maracanazo – A história secreta: Da euforia ao silêncio de uma nação” (Editora Livros Ilimitados.com) os uruguaios não compreenderam tão bem assim o significado daquela vitória, taxada no próprio país, durante décadas, como fruto da sorte.

Literatura na Arquibancada apresenta abaixo o texto de apresentação da obra, e agradece ao Centro de Referência do Futebol Brasileiro (CRFB), do Museu do Futebol, local onde foi feita a pesquisa sobre a obra. Vale a pena conhecer o acervo em www.dados.museudofutebol.org.br.

Apresentação
Por Atilio Garrido

Que curioso!

Historiadores brasileiros analisam com esforço, paixão e de forma dolorida esse episódio que ocorreu no dia 16 de julho de 1950, no então chamado Estádio Municipal do Rio de Janeiro. O evento foi marcado como indelével na história do futebol mundial com uma palavra: “Maracanazo”!

Pesquisadores deste país fascinante, já escreveram uns vinte livros sobre o assunto, sempre buscando uma explicação, uma justificativa para o acontecido. Cineastas brasileiros também criaram alguns “curtas” sobre o evento, vários deles muito engenhosos como o do torcedor que quer chegar ao estádio para avisar o goleiro Barbosa que Ghiggia fará o inesquecível “gol do século”.

A excelente e abrangente bibliografia que os pesquisadores brasileiros produziram sobre a Copa do Mundo de 1950 tem como foco de estudo apenas e particularmente a última partida, muito devido ao resultado final. O aprofundamento até os mínimos detalhes fica nos 90 minutos do confronto entre Uruguai e Brasil, numa busca das causas que geraram o tremendo contraste esportivo, com atenção em determinadas ações e incidentes do jogo. Assim apareceu o goleiro Barbosa como o grande transformador, o “bode expiatório”, o principal culpado do imenso fracasso. Injusto, na minha opinião. Um episódio casual, típico do futebol, estrelado por Bigode e Obdulio Varela e principalmente Ghiggia, este responsável pela demonização da zaga do scratch, outra atitude também injusta na minha opinião.

Os acontecimentos chocantes que ocorreram na vida das sociedades e dos seres-humanos, e do “Maracanazo”, não têm origem numa única causa. Sempre há, inevitavelmente, uma convergência de fatores, circunstâncias e mesmo a influência do destino ou da sorte, para gerá-los.

Neste caso específico e particular, nenhum dos textos dos qualificados autores brasileiros mencionou, nem por alto, um importante episódio que condicionou qualquer análise prévia do resultado da final. Apenas 72 dias antes de 16 de julho de 1950, o Uruguai venceu o Brasil pelo placar de 4 x 3, em São Paulo, no primeiro jogo da Copa Barão do Rio Branco, um torneio importante nessas décadas, anual, em que as seleções sempre se enfrentavam. “Aquele” Uruguai que se apresentou no Pacaembu se apresentou nas piores condições. Sem treinador, em meio a uma profunda crise causada por uma disputa de poder na Asociación Uruguaya de Fútbol (Associação de Futebol do Uruguai – AFA), com vários jogadores sem condição física necessária e com um novato – Alcides Edgardo Ghiggia, que nunca havia vestido a camisa azul celeste anteriormente de forma oficial. Será que não é válido refletir sobre este episódio que os escritores brasileiros completamente esqueceram? Não era esta uma amostra de que o Brasil não era invencível, muito menos jogando contra o Uruguai? No meu ponto de vista, é surpreendente que nenhum jornal no Rio de Janeiro e de São Paulo, nos dias de véspera do Maracanazo, quando a onda imparável de euforia inicial do “Já Ganhou!” sequer mencionara este episódio, nem para alertar sobre uma interrogação sobre o poder da equipe que iria se opor ao Brasil. Precisamente por esta razão, é que me fica clara a atitude dos historiadores brasileiros de não mencionarem em seus escritos este marco inevitável.

Como fruto de uma pesquisa que realizei sobre o assunto por mais de 15 anos, identifico outros eventos, como o acima citado, que deixam claro que a equipe do Brasil de modo algum poderia ser considerada um “super time”. Que o destino, essa força oculta feita de névoa e sonhos, cuja ordenação dos assuntos humanos são sinalizadas, também não jogou junto com o Brasil. Só assim se explica a fragilização da saúde do todo-poderoso Presidente da CBD, Dr. Rivadavia Correa Meyer, cujas costas, que desde 1943, carregavam todo o peso da responsabilidade de organizar uma Copa do Mundo e da performance da seleção, estando sempre em contato com o técnico Flávio Costa. Sua ausência no episódio causada por sua frágil saúde, sem dúvida, foi outra causa importante para o fracasso. O barco ficou sem capitão e sem rumo...

Finalmente, referindo-se ao futebol brasileiro daquela época, à organização da Copa do Mundo de 1950 e a construção do Estádio Municipal, este livro que você, amigo leitor tem em suas mãos, começa a narrar a “verdade histórica” muito pouco conhecida e difundida sobre a tentativa de transformação do futebol brasileiro, que na época era a terceira força na América do Sul. Como sabemos, num futuro próximo, o Brasil se transformaria na potência quase invencível. Nesse sentido, copiando as práticas fascistas de Benito Mussolini na Itália, Getúlio Vargas investiu grande esforço nesta transformação desde que chegou ao poder como a primeira figura no centro político do Brasil desde 1930.

Presidente Getúlio Vargas, no estádio do Pacaembu.
Deve-se a ele e aos generais tenham depositado no governo e na inteligência suprema do Dr. Osvaldo Aranha e seus irmãos, inclusive um deles foi Presidente da CBD entre 1936 e 1943, e outro Diretor do Vasco da Gama, equipe base da seleção. A partir do governo de Getúlio Vargas, todos os esportes e principalmente o futebol, foram conduzidos pelo Estado. O esporte foi utilizado como veículo de popularização política de Getúlio. Conforme você lerá em maiores detalhes no livro, aqueles políticos que governaram o Brasil a partir dos anos 30 buscaram copiar Mussolini na utilização do esporte para popularização política. Colocaram em ação um plano para tornar a seleção campeã da Copa de 1938 e logo em seguida organizar a Copa do Mundo de 1942. O nascimento do Brasil como uma grande potência futebolística de primeiro nível seria um grande mérito do regime. O destino novamente pregou uma peça. A Segunda Guerra Mundial foi a grande “estraga-prazeres”. Entretanto, quando o fogo dos canhões se apagou, o sonho renasceu. Getúlio não estava no poder, substituído por aqueles que com ele formavam um estreito círculo militar, mas que o traíram, além de outros que chegaram com a ascensão ao poder do Marechal Gaspar Dutra, principalmente o General Angelo de Moraes. A ideia de um Brasil forte nos esportes continuou e a marcha teve sua força redobrada. Neste caso o objetivo estava muito claro. O Brasil como Campeão do Mundo em 1950 se converteria como uma grande bandeira do governo para triunfar nas eleições de outubro deste mesmo ano.

Ao contrário do que aconteceu no Brasil, onde a história ficou registrada de maneira muito forte, no Uruguai, o Maracanazo apenas contava com dois livros escritos por colegas de grande prestígio, ambos com uma particularidade em comum. Ambas as obras vieram à luz no século XXI, o primeiro em 200 (“Maracaná – Los labirintos del carácter”, de Franklin Morales). O seguinte lançado em 2013 (“Em la cumbra de las hazanas”, de José Eduardo Picerno). O cinquentenário da conquista foi celebrado sem textos que abordassem de forma profunda o episódio. O fato ocorrido naquela tarde de sol carioca foi tratado como uma lenda, um acontecimento milagroso e heroico. A ausência de um rigor “desapaixonado” na investigação dos fatos e que foram publicados ao longo do tempo no Uruguai transformou a realidade em fantasia, e deixou de lado o que era evidente. Arquivaram um feito transcendente, que foi expressamente omitido. Reconhecê-lo significava deixar a trama sem um roteiro guia. Desse modo deram vida à lenda, na tentativa de enterrar definitivamente uma “verdade histórica”.
Qual? Uma única muito simples, a mãe de todas as vitórias futebolísticas do passado, presente e futuro.

Nesse preciso momento, o futebol uruguaio era superior ao brasileiro! Sempre se mantinha nas primeiras colocações das competições internacionais, junto com a Argentina! Em meio a um cenário que tinha a Europa iniciando a reconstrução depois da devastação ocasionada pela Segunda Guerra Mundial, aqui perto, no Rio da Prata, se praticava o melhor futebol no planeta.

Justamente, ao chegar na metade exata do século XX, novamente por obra da mãe natureza, o Uruguai tinha uma quantidade numerosa de jogadores com características notáveis, ainda jovens com uma particularidade difícil de se encontrar...Todos eram atacantes. Essa juventude chegava ao primeiro plano num momento justo, para compor uma mescla perfeita com os veteranos, também grande qualidade, que atuavam na defesa, já com experiência nos campos da América do Sul, competindo em alto nível nos campeonatos sul-americanos.

Por obra da casualidade, o Uruguai gozaria do benefício de contar com a reunião da melhor equipe do mundo, no momento, repetindo o grande acontecimento da década de 20, com invencível geração capitaneada por José Nasazzi. No entanto, este simples valor intrínseco, que se relaciona com o essencial de uma partida de futebol – ser melhor do que o adversário – se ocultou no Uruguai por aqueles que construíram uma narração maravilhosa que confunde e mistura os fatos sob o rótulo de “o feito”.

Claro que conquistar a Copa do Mundo foi um episódio ilustre e heroico, ainda mais nas entranhas do Maracanã, quando absolutamente tudo estava preparado para a grande festa do Brasil regada a lema petulante e antecipado de “Já ganhamos!”.

As circunstâncias em que o Uruguai alcançou o objetivo agrega elementos de enorme valor a esta realização e aumenta o mérito dos “celestes”. Atuando frente a uma multidão de 200 mil espectadores, nunca registrada em nenhum estádio de futebol do planeta e aplicando uma virada após sair em desvantagem no placar. Essas características demonstram que aquele “punhado” de uruguaios estava garrido com um alto grau de valentia, elevada moral, enorme espírito de luta, rebeldia interior para superar os contratempos, além da consciência de que sacrifício era necessário para realizar que “quando aconteceu o gol de Ghiggia, se instalara o silêncio no Maracanã, o silêncio mais retumbante da história”, parafraseando a mais que adequada definição do escritor Eduardo Galeano.

Mas, sejamos sinceros, essas qualidades inerentes à personalidade dos seres humanos não eram patrimônio exclusivo dos orientais. Nem o simples fato de expor essas qualidades dentro de campo de jogo significa a vitória numa partida decisiva. É necessário saber jogar futebol melhor que o rival e contar com uma formação dentro de campo que os valores que formam a capacidade individual do jogador sejam respaldados por uma sólida, vitoriosa e gloriosa trajetória desportiva da camisa que se defende! Neste caso, a “Celeste” também superava amplamente os donos da casa. A seleção uruguaia chegou com uma lista de títulos importantes conquistados em um passado recente. Três títulos de Campeão do Mundo e oito títulos de Campeão Sul-Americano, com a metade deles conquistados na qualidade de visitante. Superava amplamente seu rival neste aspecto. Brasil tinha apenas três títulos de Campeão Sul-Americano, com os três obtidos na qualidade de visitante, sendo que dois deles (1922 e 1949) em condições questionáveis, que desmereciam o mérito das conquistas.

No Uruguai, a imensa maioria qualificou mais a qualidade pessoal e individual dos jogadores, como feitos individuais, ao invés de agregar a essa crítica um olhar também voltado para o valor do time, do conjunto, que foi o maior componente para a equipe conseguir uma vitória épica. O Uruguai apresentou ao Maracanã a melhor equipe de futebol do mundo naquele momento. Grande, genial, com um grupo de jogadores notáveis, que conseguiram conquistar a Copa mesmo com vários erros de organização cometidos pela AFU (Asociación Uruguaya de Fútbol). Muitos criticaram a vitória uruguaia, cometendo o pecado de depreciar a realidade desportiva em que o país vivia.

Sem precisar ir mais longe, nesse mesmo momento da Copa do Mundo de 1950 e na própria terra onde se colocava em jogo o troféu chamado Jules Rimet, o esporte uruguaio impôs uma grande superioridade frente ao Brasil, em diversas modalidades. O atleta uruguaio Oscar Moreira ganhou no Rio de Janeiro a tradicional “Corrida das Fogueiras”, sobre 8.800 participantes. O mesmo atleta disputou sete dias depois também na cidade carioca, e ganhou a prova “Rocha Miranda”, de sete quilômetros com 2 mil atletas participantes. Muito premiado na América, em 1947 foi o primeiro estrangeiro a ganhar a famosa “Corrida de São Silvestre” em São Paulo.

Oito dias antes do Maracanazo, o uruguaio José Gómez Tacconi conquistou a prova internacional de ciclismo chamada “9 de julho”, em São Paulo. Participaram 630 ciclistas que também não foram páreos para a equipe celeste, que também nesta categoria (equipe) obteve triunfo. Fizeram parte da equipe: Roberto Piotto, Luis Ángel de los Santos, Virgilio Pereyra e Sergio Frausin. Estes ciclistas pertenceram ao núcleo dos principais ciclistas do mundo naquela época. Outro também, Atilio François alcançou em 1947, em Paris, a consagração ao sagrar-se vice-campeão mundial nas provas de “perseguição individual”. Esta conquista se agregou a uma década de protagonismo indiscutível, com o título de Campeão Pan-Americano e ganhado das Mil Milhas Argentinas. Em Londres, no ano de 1948, Leonel Rocca perdeu a medalha de bronze, ficando em quarto lugar na categoria velocidade pura, enquanto o quarteto de velocidade (perseguição individual) com o mesmo Atilio François, Juan de Armas, Luis A. de los Santos e Waldemar Bernastzky não alcançou o bronze por pouco, contra a Grã Bretanha, ficando em quarto lugar na prova, a França ganhou ouro e Itália, a prata.

O Maracanazonão foi um acontecimento desportivo isolado para aquele Uruguai pujante e democrático, que contava com os menores índices de pobreza de todo o continente. Com certeza não foi um fato isolado. Não foi um oásis de triunfo em meio a um deserto de fracassos desportivos. Aquele futebol uruguaio montado em cima de glória, foi uma expressão mais de um país que pensava e agia grande. Somente assim conseguimos entender a trajetória do tacuaremboense (quem nasce em Tacuarembó, interior do Uruguai) Juan Jacinto López testa, no Torneio Internacional da Argentina de 1947. Nessa ocasião igualou o recorde mundial dos 100 metros rasos c om 10’2/10, com a mesma marca estabelecida pelo norte-americano Jesse Owens, em 1936. Apesar de não ter sido homologado, no ano seguinte, nos Jogos Olímpicos de Londres. “El Gamo” – como o chamavam – chegou às semifinais com uma marca de 10’4/10, somente um décimo e segundo a mais que o norte-americano Harrisson Dillard, ganhador do ouro. Nesses mesmos jogos, Hércules Ascune, com um salto de 1,90 metros, ficou a 8 centímetros da medalha de ouro.

Ainda nos jogos londrinos, o remador Eduardo Risso “voou” sobre as águas do Rio Tamisa para voltar para casa com a medalha de prata no individual. A dupla formada por Juan Antonio Rodriguez e William Jones conquistaram o bronze no duplo sem timoneiro.

No basquete, naquele tempo o Uruguai também liderava na América do Sul. Numa equipe que também tinha seu “Obdulio”, personificado pela imponente figura de Roberto Lovera.
Alcançou o que hoje seria um sonho. Quinta colocação em Londres, 1948, depois de vencer o dono da casa (Grã Bretanha) por 69 a 17; a Itália por 46 a 34 e a Hungria por 49 a 31. Caindo por dois pontos frente ao Brasil, que ficou com o terceiro lugar. Com esta mesma equipe mais alguns jovens, quatro anos mais tarde, nos jogos de Helsinki, conseguiu uma grande conquista, o bronze, ficando atrás somente de Estados Unidos e União Soviética. Nos jogos de 1956 em Melbourne, conseguiu a consagração de Oscar Moglia, como maior pontuador dos jogos. Neste período, o basquetebol uruguaio alcançou o título de Campeão Sul-Americano em quatro ocasiões.

Prof. Lincoln Maiztegui Casas
Na minha opinião, a melhor reflexão sobre o Maracanazo foi feita pelo Prof. Lincoln Maiztegui Casas, no livro “Orientales” (Uma história política del Uruguay, tomo 3). Não cometo equívocos se afirmo que a tarefa de investigação que realizei e hoje publico neste livro, se apoia no pensamento do proeminente pensador.

“Sua conversão em lenda épica terminou se convertendo em um fato culturalmente negativo. Entendeu-se entre os jovens que o Uruguai venceu a partida porque os uruguaios são mais valentes, mais másculos, mais vivos que os demais, que os outros se encolhem nos momentos decisivos enquanto os uruguaios se engrandecem. Desta forma, se transforma o mais esplendoroso dos êxitos desportivo em um acontecimento xenofóbico e autocomplacente. Daí, entre muitos outros vícios, a tendência a esperar sempre um milagre; os outros trabalham, aprendem, se sacrificam, enquanto nós confiamos no improviso e na abundância de testosterona dos nossos jogadores. Mesmo a inundação de derrotas sofridas ao longo de décadas, a notória decadência do futebol praticado no país, ou na imagem de péssimos desportistas que essa política nos há gerado internacionalmente, tem sido bastante para espalhar essa mitologia absurda (...) Por um lado, nos lembra o que fomos, o que ouvimos conquistar, conforme dizia a canção. Por outro lado, nos castiga com a evidência de que já não somos o que desejamos, que permitimos cair o que tínhamos no bolso quando nos furaram as calças. Por isso tem o sabor agridoce das memórias queridas, que iluminam a alma e a espremem ao expressá-las em lágrimas. Maracanã é ainda mais doloroso do que a consciência da juventude perdida, porque o murchar desta flor é inevitável, enquanto a outra – laurel de um dia – marca nossa falha de caráter ardente e nossa estupidez. Significa  então muito mais que uma partida de futebol (embora só signifique isso mesmo); significa o fio gelado da ponta de um punhal de prata cravado no coração, uma corrente de água clara que um dia se transformou em sangue, uma bússola invertida. Uma lição tremenda da história, de forma definitiva. Por isso é sempre gratificante reviver aquele plácido dia de inverno, como as tarde encantadas que evocamos da época da infância.

O Uruguai venceu aquela memorável final porque tinha um time magnífico, sem dúvida. E claro, sorte também ajuda. Mas porque especialmente seus jogadores expressavam a mentalidade de um país otimista e confiante em suas próprias possibilidades, que ainda acreditava no valor do trabalho e do esforço pessoal. Um país que era conhecido na América e estava orgulhoso desta excepcionalidade, antes de um suicídio pan-americanista suicida que foi criando uma ideia de que era melhor parecermos com uma republiqueta sul-americana da França. Não se conhece melhor forma de se conseguir algo que não seja se cometer. Alguém pensará que se o chute de Ghiggia tivesse batido na trave ao invés de entrar, não estaríamos dizendo isto. Maracanã foi a mais esplendorosa das conquistas desportivas, mas não a única.

(...)

Este nível alcançava todos os planos de uma sociedade pobre, cheia de problemas não resolvidos, mas integrados e cheios de fé em que se podia construir um futuro melhor. Um dia qualquer de um ano qualquer, erramos o caminho. O culto ao esforço se converteu em “esperteza”, a garra entendida como meio de transpor adversidades se transformou em malandragem, e começamos a admirar a ditadura cubana ante ao parlamentarismo britânico. E fomos para o diabo. Todo o resto veio junto e foi além. Por isso Maracanã resulta hoje numa memória ambígua, que nos orgulha e nos machucamos igualmente. Ainda que aquele chute do Ghiggia não tivesse entrado, teríamos razões para confiar em nós mesmos e no nosso futuro”.

Esta obra que você, amigo leitor, começa a ler é fruto de quinze anos de investigações, entrevistas e pesquisas documentais que respaldam tudo que por aqui expresso. Por isso, na minha opinião, constitui-se uma cronologia dos fatos ocorridos antes e durante a Copa do Mundo de 1950, que se mostram tal como são. Com suas luzes, sombras e contrastes. Como resultado de sua leitura e análise, serão absolvidos de culpa os jogadores do Brasil, especialmente Barbosa e Bigode, tão injustamente condenados.

Mesmo assim, se a experiência é a somados erros cometidos, o meu principal desejo é que este livro contribua para que a atual seleção do Brasil, seus dirigentes, técnicos e jogadores, tirem conclusões positivas para não repetirem os erros que em 1950 causaram o fracasso. Meu desejo é de coração porque este grande país que é o Brasil me presenteou com um irmão espiritual. Este é Kleber Leite, um ser humano excepcional, a quem dedico este livro com toda a emoção e com a esperança de que o próximo 13 de julho de 2014, no mesmo Maracanã, nos confundamos num apertado abraço, festejando o título de Brasil Campeão do Mundo. O mesmo que foi negado 64 anos atrás...

Sobre Atilio Garrido:
Nascido em 22 de novembro de 1949, o jornalista uruguaio, ainda jovem se tornou obcecado por um fato que teve consequências marcantes na história, ocorrido quase um ano após seu nascimento, o “Maracanazo”. Sua extensa carreira no jornalismo esportivo no Uruguai e no exterior teve início em 1968, quando começou a trabalhar na seção de esportes do jornal “El Debate”, de Montevidéu. Desde então se dedicou com afinco durante anos ao estudo profundo da história do futebol uruguaio e mundial. Até 2012 já publicara mais de 12 livros em sua terra natal. Um trabalho sempre pautado pela credibilidade, pois não poupa esforços e dedicação em suas pesquisas. O resultado são obras que brilhantemente abordam os fatos com profundidade e uma proposta investigativa única.

Béla Guttmann: Uma lenda do Futebol

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Em tempos que o torcedor clama por mudanças táticas, técnicas e estruturais no futebol brasileiro, e em especial, na seleção brasileira, a leitura da biografia sobre um dos técnicos mais famosos no mundo da bola torna-se obrigatória. Não só pelo momento, mas pela qualidade, Béla Guttmann – Uma lenda do futebol do século XX (Editora Estação Liberdade) escrita pelo jornalista e professor Detlev Claussen (com tradução deDaniel Martineschen e Alexandre Fernandez Vaz), é livro que pode nos ajudar a refletir o atual atraso na mentalidade dos nossos treinadores.

E pensar que Béla Guttmann tornou-se celebre logo após treinar um time brasileiro, o São Paulo FC, no ano de 1957. Sim, isso mesmo, um estrangeiro dirigindo um clube pra lá de tradicional do futebol brasileiro. E ao melhor estilo Telê, Guttmann impôs logo de cara a contratação de um jogador que encarnasse o tal “futebol-arte”. E foi buscar um veterano, Zizinho, "Mestre Ziza", na época, com 35 anos, era o modelo e ídolo de Pelé.

Béla Guttmann justifica como ninguém o subtítulo de sua biografia: uma verdadeira lenda do futebol mundial.

Literatura na Arquibancada apresenta abaixo a sinopse e o prefácio do livro, e agradece ao Centro de Referência do Futebol Brasileiro (CRFB), do Museu do Futebol, local onde foi feita a pesquisa sobre a obra. Vale a pena conhecer o acervo em www.dados.museudofutebol.org.br.

Sinopse (da Editora):

Quem ama o futebol também ama as lembranças de grandes jogos e grandes jogadores. Os melhores do pós-guerra — Puskás, Di Stéfano, Eusébio, Pelé — cruzaram o caminho de um homem que marcou o moderno futebol ofensivo mais do que qualquer outro: Béla Guttmann, húngaro judeu, ex-jogador, treinador de sucesso planetário, mitificado sobretudo depois de arrebatar por duas vezes a Liga dos Campeões da Europa no comando do Benfica, de Lisboa — tendo derrubado, para tal, nada menos que a poderosíssima dupla espanhola, Barcelona e Real Madrid.

Mas se é amado até hoje dentro da comunidade benfiquista por tais façanhas, Béla Guttmann é, paradoxalmente, odiado em igual medida. Pudera: depois da conquista frente ao Real, em 1962, o húngaro se desentendeu com a direção do clube lisboeta e não renovou o contrato, debandando de lá não sem antes anunciar uma maldição aparentemente profética: a de que o Benfica não voltaria a vencer uma competição continental pelos próximos cem anos. Escreve Claussen que alguns torcedores do time, “antes da final da Liga dos Campeões contra o Milan em 1990, teriam ido ao cemitério de Viena e de lá teriam trazido um naco de grama do túmulo de Guttmann, para quebrar a maré de derrotas nas finais europeias”. Não deu certo: o Benfica perdeu a decisão, assim como ocorreu em todas as outras vezes em que fora finalista nas eras pós-Guttmann: em 1963, também contra o Milan; em 1965, contra a Inter de Milão; em 1968, contra o Manchester United; bem como nas finais da Liga Europa, a antiga Copa da Uefa, contra o Anderlecht, em 1983, e o Chelsea, em 2013. E em maio deste ano, o fantasma de Guttmann voltou a assombrar, quando o Benfica caiu em nova decisão continental, a da Liga Europa, desta vez frente aos espanhóis do Sevilha.

De temperamento forte, Béla Guttmann foi uma espécie de José Mourinho de seu tempo. Tanto pela capacidade superior de “ler” o futebol em suas variantes técnica, tática e física, quanto pelas recorrentes polêmicas em que se envolvia. Apesar de ter sido um jogador de algum talento, foi como treinador que se destacou, num tempo de transição do futebol, entre o amadorismo e o profissionalismo. Austero, Guttmann jamais se submeteu a dirigentes ou a jogadores-estrela, o que, com frequência, o fazia debandar — ou ser debandado — dos clubes que dirigia.

Antecipando o movimento de globalização no futebol que se acirraria mais marcadamente a partir dos anos 1990, Guttmann foi um andarilho no mundo da bola. Além da Hungria, atuou em países como Holanda, Áustria, Itália, Estados Unidos, Argentina e Portugal. E teve ligações profundas também com o futebol brasileiro: em 1957, aceitou o convite para treinar o São Paulo Futebol Clube, com o qual se sagrou campeão paulista. Mais do que isso, o estilo tático de Guttmann, com o inovador e ultraofensivo esquema 4-2-4, influenciou de forma certeira na maneira de jogar da própria seleção brasileira comandada por Vicente Feola que, no ano seguinte, levantaria seu primeiro título mundial.

Béla Guttmann— o livro — não é uma biografia convencional, ou é bem mais do que uma biografia. Com o personagem tendo nascido no último ano do século XIX, sua trajetória acaba naturalmente personificando o próprio desenvolvimento do futebol no século posterior, em diversos aspectos: o sionismo/antissemitismo que envolviam os boleiros de origem judaica; a rápida massificação do futebol após seu nascimento em berço esplêndido; a evolução das regras e dos esquemas táticos; o crescimento da importância de competições como a Taça dos Campeões Europeus — a atual e badaladíssima Uefa Champions League/Liga dos Campeões da Europa —, bem como a morte de outros torneios históricos, como a Mitropacup. O livro repassa ainda curiosidades pouco conhecidas mesmo por estudiosos do esporte, como o boom do soccernos Estados Unidos de meados dos anos 1920, quando uma primeira onda de jogadores-imigrantes visualizavam no mercado ianque o eldorado da bola, tal como hoje seria a Inglaterra ou a Espanha.

Assim, num tempo em que a biografia virou gênero maldito no Brasil, Béla Guttmann — Uma lenda do futebol do século XXé, desde já, uma referência de como o registro de histórias de vida pode ir muito além das mesquinharias e indiscrições de cunho privado, ao compor numa mesma geleia geral informações preciosas de época, sobre questões ao mesmo tempo esportivas, sociais, políticas, étnicas, religiosas. Detlev Claussen escreveu um capítulo especial da história da cultura e do esporte. Ele fala sobre amadores e profissionais, húngaros e vienenses, judeus e católicos, argentinos e brasileiros, heróis e patifes — e de partidas inesquecíveis.

Prefácio
Por Detlev Claussen

Lacrados sob uma imponente lápide de mármore vermelho jazem os restos mortais de Béla Guttmann, na ala judaica do Cemitério Central de Viena. Apenas as datas de nascimento e morte – 27 de janeiro de 1899 e 28 de agosto de 1981 – estão registradas sobre a pedra. Uma discreta inscrição em hebraico revela seu prenome judeu, Baruch. Não se encontra nenhuma indicação de sua esposa, Marianne, que o acompanhou ao redor do mundo. Não tiveram filhos. Depois da morte da esposa, em 1997, o espólio de Guttmann vagou por antiquários de Viena, até chegar em 2001 a Kassel, na Alemanha, adquirido por um leiloeiro especializado em esportes. Antes que as peças se dispersassem pelo mundo, surgiu um catálogo com uma tentativa biográfica, Die Trainerlegende – Auf den Spuren Béla Guttmanns (O legendário treinador – Nos rastros de Béla Guttmann), assinado por R. Keifu, pseudônimo sob o qual se ocultou o renomado historiador do esporte e expert em futebol Hardy Grüne. Guttmann permanece sendo até hoje uma figura cercada de lendas e mistérios. Ainda em vida, no topo de sua carreira de treinador de clubes, viu surgir Béla Guttmann Story, escrito pelo pedagogo do futebol e depois professor escolar Jenö Csaknády. O livro promete, em seu subtítulo, uma história “dos bastidores do mundo do futebol”. De fato, em 1964, quando o texto foi publicado, mal se podia desconfiar dos acontecimentos mundiais que fariam um Guttmann circular pelo globo.

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Mas quem pensa em futebol ao visitar um cemitério? Em um cemitério judeu se tenta, antes de tudo, ler os números e combiná-los com os lugares onde cada pessoa nasceu e morreu. Budapeste não aparece naquela pedra em Viena. Depois de Béla Guttmann Story espera-se ainda uma história judaica da K.u.k (Kaiser-und Königreich: abreviação do Império Austro-Húngaro) que, a se considerar as contribuições do biógrafo Csaknády e do biografado Guttmann, não cabia em um livro alemão sobre futebol publicado em meados dos anos 1960. Pois por baixo das histórias de judeus da Europa Central sempre fica à espreita o passado nacional-socialista e suas consequências: emigração, fuga e morte violenta. O irmão de Béla Guttmann, que jogava futebol com ele durante a Primeira Guerra Mundial, morreu em 1945 em um campo de concentração alemão. Sobre a sobrevivência de Guttmann durante o período nazista as fontes não são, no entanto, muito eloquentes. História do futebol também não é somente algo secundário e bonito, mas sim parte da história mundial, que não pôde deixar de ser afetada por esse esporte. A história de Béla Buttmann só pode ser narrada quando se tem a história do século XX em vista e quando se está pronto para revisitar, mesmo que brevemente, a história mundial do futebol.

No futebol conta o aqui e o agora, o momento jogado, que por sua vez é relativizado pela conhecida sabedoria futebolística: “O jogo dura noventa minutos”. No cemitério o jogo já terminou, não há prorrogação. O túmulo também sepulta embaixo de si incontáveis histórias de futebol, lendas e mitos. Dificilmente será verdade, portanto, o que os torcedores do Benfica – equipe em que Guttmann alcançou seu maior êxito como treinador no início dos anos 1960 – gostam de contar ainda hoje em Lisboa: alguns deles, antes da final da Liga dos Campeões da Uefa, a antiga Taça dos Campeões Europeus, contra o Milan em 1990, teriam ido ao cemitério de Viena e de lá teriam trazido um naco de grama do túmulo de Guttmann, para quebrar a maré de derrotas nas finais europeias. Mas isso não podia dar certo, pois um pedaço de terra plantada não poderia ter soltado esse túmulo em pedra, e não se deveria esperar nem mesmo sabedorias futebolísticas dela. Triunfos como o bicampeonato europeu de 1961/1962 com o time outsider do Benfica ninguém nunca mais conseguiu. 

Em 2 de maio de 1962, no estádio Olímpico de Amsterdã, o Benfica acabou com a era Real Madrid naquele que foi um jogo daqueles que se veem a cada cem anos. Com estrelas mundiais do quilate de Alfredo Di Stéfano e Ferenc Puskás, o Real vencera nos anos 1950 cinco finais da Liga dos Campeões da Europa (entre elas a de 1960 em Glasgow contra o Eintracht Frankfurt, por um placar de 7 a 3). O Benfica, por sua vez, venceu o Real por 5 a 3. Depois do interregno europeu de dois anos do Benfica, um outro futebol se consolidou. Começava a soberania das equipes milanesas – a Internazionale, do grande Sandro Mazzola, e o Milan, sob a batuta do sensível esteta do futebol Gianni Rivera. O nome de Helenio Herrera se inscreve como o de outro treinador de destaque nos anais do futebol europeu: seu jogo defensivo triunfava e o esquema retranqueiro conhecido como Catenacciotornou-se um conceito assustador. Guttmann, por outro lado, no início daquela década tinha desenvolvido com seus outsiderslisboetas um estilo ofensivo arrebatador, com o qual o Benfica, um ano antes da partida dos sonhos em Amsterdã contra o Real, já havia surpreendido em Berna o então favorito absoluto Barcelona. Os até então desconhecidos portugueses derrubaram estrelas como Suarez, Kocsis e Kubala por 3 a 2. O mundo do futebol estava de cabeça para baixo.

O futebol do Benfica parecia então ser de outro mundo. Mas ele não veio de tão longe assim: em 1958 o Brasil tinha vencido pela primeira vez uma Copa do Mundo, na Suécia, com um sistema ofensivo, 4-2-4, varrendo na final os donos da casa por 5 a 2. Foi a estreia internacional de uma jovem estrela que atendia pelo nome de Pelé. Mas de onde os brasileiros tinham tirado isso? Depois do fracasso na Copa de 1950, disputada em casa, e na de 1954, na Suíça – quando levaram uma verdadeira surra futebolística da Hungria –, multiplicaram-se pelo Brasil as críticas sobre o futebol que vinha sendo praticado pela seleção. O Brasil se mostrou aberto a Know-how estrangeiro, e havia até mesmo a disposição de dar mais chances ao enorme potencial dos jogadores negros.

Zizinho (centro) e o técnico Béla Guttmann.
Nessa época, pouco antes da Copa, Béla Guttmann tinha vencido o Campeonato Paulista com o São Paulo Futebol Clube, batendo o então time brasileiro do futuro, o Santos, onde já atuava sua ainda pouco conhecida joia, o jovem Pelé. Essa não era a primeira estadia de Guttmann no continente latino-americano: como jogador, já tinha participado de extensas turnês pela América do Sul. No outono de 1956 ofereceu-se a ele uma chance única quando a melhor equipe da Hungria e uma das melhores de toda a Europa – o Honvéd Budapest – permaneceu no Ocidente depois da derrota do levante húngaro diante dos soviéticos. Guttmann era o mediador ideal para aqueles futebolistas húngaros que, de repente, se viram no mundo capitalista, tanto porque conhecia profundamente o futebol húngaro quanto porque já fazia alguns anos que circulava pelos negócios do futebol em âmbito internacional. Ele se tornou o “diretor técnico” da equipe húngara no exílio e organizou a sua vitoriosa turnê pela América Latina. Guttmann tinha feito parte do núcleo duro de treinadores que, depois da Segunda Guerra Mundial, tinham levado a escola húngara de futebol, na teoria e na prática, a níveis nunca antes imaginados. Com tal experiência prévia e com a demonstração prática dos jogadores do Honvéd, ele ganhou os brasileiros com um novo estilo que, nas palavras de Ferenc Puskás, cérebro do Honvéd e testemunha qualificada, fez emergir o sistema 4-2-4.

Béla Guttmann pode ser considerado um dos grandes treinadores do século XX. Deve-se observar, no entanto, que a profissão de treinador de futebol ainda estava, na sua época, por se estabelecer. Até mesmo Stanley Matthews, quintessência do futebol de dribles entre os profissionais ingleses, mostrou-se muito cético no início dos anos 1950 com relação ao treinamento sistemático no esporte. Ele estava firmemente convencido de que o jogo se aprendia na rua e de que profissionais estabelecidos já sabiam como um match se desenrola. Faz parte da ironia da história do futebol o fato de ele ter feito parte da seleção inglesa que, em 1953, foi destroçada em pleno estádio de Wembley pela maravilhosa seleção da Hungria, com o placar de 6 a 3. Meio ano depois, os húngaros ganharam a partida de volta em Budapeste, inclusive com uma goleada de 7 a 1. O crescimento do futebol na Europa continental a partir da década de 1920 não pode ser explicado sem o desenvolvimento do treinamento que, afinal, foi divulgado na Europa Central por pioneiros ingleses – profetas que não eram ouvidos na própria terra. Béla Guttmann viveu a experiência da mudança de estilo e de jogo desde o início de sua carreira. Ele aprendeu, com todos os obstáculos, a jogar futebol como uma profissão – uma precoce carreira profissional que começou em Viena nos anos 1920 e que o levou, já na época, a atravessar o Atlântico em direção à América do Norte e depois a América do Sul. Antes de obter seu primeiro posto como treinador em Viena, em 1933, ele já conhecia todo tipo de futebol que se jogava pelo globo.

Essa experiência fez dele um expert, reconhecimento que procurou durante toda a vida. Ele se considerava um “especialista em futebol” que dispunha de um conhecimento valioso. Também sabia aplicar esse conhecimento; essencial para tal transmissão era a autoridade de treinador, que sempre procurou afirmar de maneira intransigente. Quando sentia essa autoridade ameaçada, preferia se demitir, como aconteceu no auge da carreira, em 1962, ao se despedir do Benfica. Na superfície, tal atitude deveu-se a querelas com a direção do clube, que o tratava como um funcionário subalterno. Mas seus princípios também impediram uma atividade mais longa em Lisboa: temia trabalhar mais de dois anos com equipes de sucesso, pois tinha reconhecido que o estrelato e a autossatisfação eram um veneno na relação entre treinador e jogadores. Permaneceu um terceiro ano em Lisboa somente para confirmar sua campanha exitosa na Liga Europeia, vencida no ano anterior. E conseguiu. Com essa rigorosa idiossincrasia de abandonar equipes vitoriosas, Béla Guttmann também trabalhava o seu próprio mito. O extraordinário triunfo pode ser preservado frente ao desgastante cotidiano do futebol, com seus altos e baixos. Mas cada despedida depois de uma grande vitória significava também uma pequena morte. Jamais voltará ao lugar onde uma vez se esteve.

O que permanece de um grande jogo, de um grande jogador, de um grande treinador? No final, resta apenas um nome que logo cairá no esquecimento se a história ligada a ele não for narrada. Até mesmo o funcionário do cemitério em Viena, que sem dúvida se interessava por futebol, vinte anos depois da morte de Béla Guttmann pouco sabia sobre o defunto: “Era algum jogador de futebol!”. E mais nada. Nos documentos do Cemitério Central não há registro do túmulo, mas o funcionário tinha uma ideia de onde ele podia ser encontrado: “Procure na ala judaica”. De fato, lá está a impressionante lápide com o nome, mas não a recordação do futebol que tornou esse nome mundialmente conhecido.

Sobre o autor:
Detlev Claussen, nascido em 1948 em Hamburgo e criado em Bremen, estudou ciências sociais sob a orientação de Theodor W. Adorno em Frankfurt. Hoje é jornalista e professor de teoria social, sociologia cultural e teórica na Universidade de Hannover. Reside em Frankfurt. Entre suas principais publicações estão Grenzen der Aufklärung [Limites do esclarecimento, 1987], Was heisst Rassismus? [O que significa racismo?, 1994], Aspekte der Alltagsreligion [Aspectos da religião no cotidiano, 2000] e a importante biografia Theodor W. Adorno [2003].

Um calendário de bom senso no futebol

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“Um calendário de bom senso para o futebol brasileiro”. Sem as aspas, bem que poderia ser a chamada de qualquer reportagem recente sobre os problemas que o futebol brasileiro atravessa há tempos. Com aspas, é o título do trabalho mais recente do professor Luis Filipe Chateaubriand, Mestre em Administração pela FGV – Fundação Getúlio Vargas.

Muitos “chutes” foram dados nos últimos anos sobre as tais necessidades de mudanças no calendário do futebol brasileiro, mas nada se compara ao trabalho desenvolvido pelo autor nos últimos anos. Ele é autor, desde o ano 2000, de vários livros (5) que abordam este que é considerado um dos grandes problemas do futebol brasileiro. O livro mais recente era“Futebol Brasileiro: Um Novo Projeto de Calendário” (Publit Soluções Editoriais, 2011).

Com a autorização do autor, Literatura na Arquibancada disponibiliza para você, leitor, a mais recente atualização deste trabalho, em PDF, enquanto o mesmo aguarda editora para publicação no mercado. Vale a pena conhecer as ideias propostas pelo autor, várias delas, com certeza, polêmicas: http://www.universidadedofutebol.com.br/_adm/Files/pdf/Livro%20sobre%20Calend%C3%A1rio%20do%20Futebol%20Brasileiro.pdf

Apresentação
Por Luis Filipe Chateaubriand

Estávamos no ano de 1.989 e eu, com 19 anos e cursando a faculdade de Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro, escrevi meu primeiro trabalho sobre o calendário do futebol brasileiro. Era um trabalho sobre diversos assuntos relativos ao futebol, dentre os quais o indecente calendário de nosso futebol era o principal. Utilizei os escritos como equivalentes a uma monografia final de curso.

Passados quase 25 anos, o sentimento era de tristeza, muita tristeza, pois percebia que nada de essencial mudava no calendário do futebol brasileiro. Escrevi cinco livros a respeito (em 2.000, 2.001, 2.002, 2.009 e 2.011), fui solicitado pela Imprensa para falar a respeito, dei razoável número de entrevistas, escrevi dezenas de artigos opinativos em mídias consagradas, muitos elogiaram os livros, alguns criticaram. Mas, mudanças no cenário, nada muito digno de registro.

Já desiludido, e conformado com a ideia de que nada mudaria, ao final de 2.012 fui convidado para fazer parte de um grupo de pessoas ligadas à gestão do futebol, que se denominou Futebol do Futuro. Era um grupo com quase 20 profissionais da gestão no futebol, que se propunha a fazer uma consultoria gratuita para os entes do futebol brasileiro, sobre como fazer prosperar a atividade (mais detalhes em www.futeboldofuturo.net). Trabalhamos, com afinco, em três assuntos centrais: técnicas para a melhoria do jogo, gestão no futebol (o que incluía tanto aspectos de marketing, como aspectos financeiros) e, obviamente, melhorias para o calendário do futebol brasileiro.

Fiquei encarregado de escrever as três propostas alternativas do grupo ao pífio calendário atual de nosso futebol.

Pouco depois, em 2.013, surgiu um movimento que sacudiu o futebol brasileiro: O Bom Senso Futebol Clube. Também fui convidado a ser colaborador do grupo de jogadores, quanto a assuntos relativos ao calendário, e, assim, ajudei a desenhar a proposta do grupo.

Então, ao longo dos anos de 2.013 e 2.014, ajudei a construir quatro propostas de calendário para o futebol brasileiro: As três do Futebol do Futuro e a do Bom Senso Futebol Clube.

Me sinto honrado de ter participado de tais experiências e acredito que, em todos os casos, construiu-se propostas muitíssimo melhores, mas muito melhores mesmo, do que se tem no calendário do futebol brasileiro atual.

A despeito disso, minha proposta predileta não é nenhuma das quatro que ajudei a desenhar.

No trabalho que fiz para o Bom Senso Futebol Clube, minha alçada de decisão não era tão ampla. Não estou me queixando disso: Se o movimento é do grupo de jogadores, a proposta tem que ser deles, não minha. Meu papel era o de dar contornos mais específicos ao que era decidido de forma mais genérica. As grandes ideias foram a criação de Copas Estaduais no lugar dos Campeonatos Estaduais, enxugando-se o calendário, e a criação de cinco séries para o Campeonato Brasileiro, permitindo a ocupação de todos os clubes profissionais ao longo do ano inteiro.

Diga-se, de passagem, que as lideranças do Bom Senso Futebol Clube são muito abertas a sugestões e, assim, muitas vezes, o que propus acabou sendo aceito pelo grupo. Outras vezes, isso não aconteceu. Como deveria ser: Sou colaborador do projeto, não dono do projeto.

Tenho certeza que meus amigos do Bom Senso Futebol Clube estão abertos a analisar propostas que julguem aceitáveis. E escrevo este documento para lhes trazer uma reflexão a respeito – que, tenho certeza, é bem-vinda.

No Futebol do Futuro, também tive autonomia para defender o que julgava apropriado, amplamente. Mas sempre tive ciência que, ali, meu papel era redigir o que o grupo decidisse, e não fazer valer minha proposta, para o grupo endossá-la. Quando fazemos parte de uma equipe, temos que jogar de acordo com o que a equipe deseja, e nos adaptarmos a ela.

O grupo Futebol do Futuro decidiu trabalhar com três cenários alternativos de calendário, independentemente se com adequação, ou não, ao calendário do futebol europeu. Em um dos cenários, os Campeonatos Estaduais passavam a ser divisões menores do Campeonato Brasileiro, jogados simultaneamente a estes. Em outro cenário, os Campeonatos Estaduais eram mantidos, mas apenas com dez datas. Em mais um cenário, os Campeonatos Regionais é que tinham dez datas, com os Campeonatos Estaduais sendo divisões menores destes.

Os amigos do Futebol do Futuro estão abertos a analisar boas propostas e perpassá-las à comunidade do futebol, também confio nisto. Também os convido, assim, a refletirem sobre o que neste documento se propõe.

Fiquei muito honrado por participar de projetos das notáveis Instituições, foram oportunidades profissionais incríveis. Contudo, devo dizer que as quatro propostas de calendário que ajudei a construir são muitos boas, bem melhores do que se tem, mas não são a minha proposta preferida.

Minha proposta preferida é a que eu escrevo no presente livro. Um calendário que, em minha visão, e que gostaria de compartilhar com os leitores desta obra, é a solução para fazer, como eu já dizia em meus livros de 2.009 e de 2.011, os clubes grandes jogarem menos, os clubes pequenos jogarem mais, e todos eles jogaram ao longo de toda a temporada anual.

Independentemente das quatro propostas que ajudei a construir, e de outras que temos à disposição (como as dos meus amigos João Henrique Areias e Amir Somoggi, por exemplo), o calendário do futebol brasileiro continua sendo muito ruim. É acreditando na ideia de que estamos longe de ter um calendário ao menos razoável que escrevo este novo documento.

Melhorar é preciso!

Continuo alimentando a esperança de que, algum dia, o futebol brasileiro terá um bom calendário. É na pretensão de ajudar a construí-lo que escrevo este novo livro.

Sobre o autor:
Luis Filipe Chateaubriand é professor universitário na área de Administração, lecionando disciplinas ligadas a Logística, a Operações, a Métodos e Sistemas, a Gerenciamento de Projetos e a Estratégia Empresarial. É, também, consultor de Gestão, nas referidas áreas.
É Mestre em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas. E MBA Executivo, Pós Graduado em Comércio Exterior e Bacharel em Administração pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Possui, para além do atual, quatro livros publicados, além de mais de uma dezena de artigos publicados em jornais e periódicos como o "Jornal do Brasil", "A Gazeta Mercantil" e "Revista Época".
É consultor de conteúdo do Bom Senso Futebol Clube e Futebol do Futuro.

Puskas: Uma Lenda do Futebol

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Uma das biografias fundamentais na história do futebol mundial. O livro é antigo, de 1998, e a DBA acertou em cheio com a publicação de Puskas: Uma Lenda no Futebol (Klara Jamrich e Rogan Taylor).

Puskas tornou-se muito mais que uma lenda, pelo menos para o autor da obra, o inglês Rogan Taylor. No texto “Prologo Pessoal”, que você verá logo mais abaixo, entenderá as razões para tal paixão pelo craque húngaro, considerado também um dos maiores do século XX.

Puskas, que ganhou o apelido de “O major galopante”, morreria oito anos após o lançamento de sua biografia, em 2006. Havia perdido a memória, por conta do mal de Alzheimer, o que torna seu livro ainda mais importante. Em 2009, a FIFA criou em sua homenagem o “Prêmio Puskas”, dado ao autor do gol mais bonito do ano no futebol mundial.

Literatura na Arquibancada agradece, mais uma vez, ao Centro de Referência do Futebol Brasileiro (CRFB), do Museu do Futebol, local onde foi feita a pesquisa sobre a obra. Vale a pena conhecer o acervo em www.dados.museudofutebol.org.br.

Apresentação
Por Rogan Taylor

Ferenc Puskas é um dos maiores jogadores do século e o artilheiro internacional mais prolífero de todos os tempos. Para alguns, talvez especialmente na Hungria, ele foi – e ainda é – o maior de todos os jogadores. Mas, independentemente de onde exatamente Puskas deveria ser situado na hierarquia do futebol, não há dúvida de que é no mesmo rol de Pelé, Di Stefano, Best, Cruyff, Maradona e de outros deuses reconhecidos do jogo.

É surpreendente, portanto, descobrir que, além de uma autobiografia pouco conhecida, Capitain of Hungary (Cassell London, 1955), não existe um relato completo em inglês da vida e dos tempos de Puskas. Isso é ainda mais estranho quando se descobre quão incrível era essa vida, vivida em tempos tão dramáticos. Ninguém no panteão do futebol tem uma história similar à de Puskas.

Como jogador, ele viveu duas distintas, consecutivas – e atordoantes – vidas futebolísticas, sendo que qualquer uma delas teria sido suficiente para garantir-lhe um lugar entre a elite desse esporte. Sua primeira vida futebolística, como capitão do Kispest/Honved da Hungria, desabou depois de ter se recusado a voltar a Budapeste depois do grande levante de outubro der 1956, que foi esmagado pelos tanques russos dias depois de ter começado. Da primavera de 1950 até fevereiro de 1956, a seleção da Hungria comandada por Puskas havia perdido apenas um jogo: a final da Copa de 1954. Eles haviam derrotado a Itália em Roma, por 3 x 0; a Inglaterra em Wembley, por 6 x 3 (Em Budapeste, por 7 x 1); o Uruguai e o Brasil, ambos por 4 x 2; e a Alemanha, por 8 x 3. As táticas inovadoras apresentadas ao mundo pelos húngaros naquela época resultaram na criação do sistema 4-2-4 (que técnicos húngaros como Bela Guttmann levaram para o Brasil), enquanto a fluidez no posicionamento dos jogadores húngaros produziu o protótipo moderno do “futebol total”.

Em outubro de 1956, Puskas estava com quase trinta anos e, aparentemente, seus melhores dias pertenciam ao passado. Sua recusa em voltar para casa depois do levante custou-lhe a suspensão por um ano pela Associação de Futebol da Hungria, convertida pela Fifa em uma suspensão mundial por dezoito meses. Bem depois que seus parceiros desertores já haviam sido contratados pelo Barcelona, Puskas passava por um período de depressão na Itália. Não podia treinar nem jogar em qualquer ambiente profissional. Ficou deprimido; ganhou peso; sua carreira acabara. O que aconteceu depois? Puskas cumpriu a penalidade, foi contratado pelo Real Madrid no auge de seu prestígio e jogou quase uma década na Espanha, ganhando nesse período cinco campeonatos.

Parece mais a vida de apenas um grande jogador. Entretanto, Puskas jogou apenas em três times durante sua carreira de 23 anos – Kispest/Honved, Hungria e Real Madrid (isso ignorando as quatro partidas que Puskas realizou vestindo a camisa da seleção da Espanha). Durante sua passagem por esses times, eles eram, comprovadamente, os melhores do mundo. Apesar de ter praticamente jogado futebol sempre com a nata de sua profissão, ele jamais foi comprado ou vendido. Com a seleção da Hungria durante a primeira metade dos anos 50, também liderou um florescimento de riqueza tática, habilidade e imaginação, que chegou a ser uma virtual reinvenção do próprio futebol.

Puskas era incrivelmente eficiente. Marcou mais de 250 gols para os dois clubes pelos quais jogou e seu recorde internacional e europeu de gols – 83 em 84 jogos para a Hungria; 35 em 37 para o Real em jogos europeus – faz com que (usando exemplos britânicos) Bobby Charlton e Ian Rush pareçam crianças. Até Pelé só conseguiu marcar 76 gols para o Brasil numa carreira que durou quatro Copas (das quais seu time ganhou três). Mas Puskas – que jogou para a Hungria apenas em uma Copa (e mesmo assim só em três jogos por causa de lesões) e deixou a seleção prematuramente, aos 29 anos – ainda mantém o recorde internacional de gols. Com toda a probabilidade, isso jamais será superado.

Ainda não satisfeito, Puskas jogou nos dois jogos historicamente mais significativos – para não dizer maravilhosos – dos tempos modernos: Inglaterra x Hungria em Wembley, em 1953, e Real Madrid x Eintracht Frankfurt em Hampden Park, em 1960. Com certeza o suficiente para pelo menos duas vidas.

A Época

Uma das primeiras formações do Kispest, com Puskas.
Durante a primeira de suas vidas futebolísticas, Puskas viveu alguns dos momentos mais dramáticos e turbulentos da história da Hungria. Sua vida profissional começou aos dezesseis anos com o Kispest, em 1943, na cidade de Budapeste ainda praticamente intocada pela guerra, apesar da aliança da Hungria com a Alemanha nazista. No prazo de seis anos, ele testemunhou a conclusão sangrenta da guerra (os russos lutaram com os alemães em todas as ruas da capital durante dois meses), a libertação de seu país e um breve florescer de democracia, seguido por um reinado de sete anos de um dos regimes mais rigorosamente stalinistas do Leste Europeu. Encarceramentos em massa, deportações forçadas, campos de trabalho, julgamentos forjados, tortura, execuções sumárias – todas as ferramentas da tirania foram usadas até, e mesmo depois, do Levante Húngaro em 1956.

No entanto, em meio a essa sociedade altamente restritiva, uma grande liberdade miraculosamente florescia. Num pedaço de gramado verde, os jogadores da seleção da Hungria e seus técnicos redefiniram o jogo que os ingleses haviam codificado quase um século antes. Com um núcleo de meia dúzia de jogadores altamente talentosos e astutos – Grosics, Hidegkuti, Bozsik, Kocsis, Czibor e Puskas – formou-se um time praticamente imbatível que vencia quem quer que fosse durante seis gloriosos anos de competição internacional. Tom Finney (jogador da seleção inglesa) ainda os descreve como o “melhor time” que ele jamais viu, e, para muitos, continua a ser a melhor seleção de todos os tempos. Na Hungria até hoje são conhecidos simplesmente como a Seleção de Ouro.

Puskas era o menino de ouro no meio da Seleção de Ouro, ainda que não aparentasse ser o dono desse título.  Era baixo e troncudo, gostava de comer mais do que devia, usava basicamente só um pé e evitava monopolizar a bola. Mas sua força quando tinha a posse de bola, aquele pé esquerdo incomparável, o chute de canhão e uma mente tática brilhante faziam seu futebol brilhar como fogos de artifício.

A Política

Enquanto Puskas e os outros – como, por exemplo, seu colega e amigo de infância em Kispest, o médio-volante Jozsef Bozsik – estavam sendo forjados num time imbatível, o regime político da Hungria viu neles um instrumento de propaganda dos mais potentes para o socialismo. Em 1950-54 a seleção invicta desfilava frequentemente em ocasiões de Estado importantes e comícios do partido, como se fosse a evidência do sucesso do sistema húngaro. Puskas – o menino pobre de Kispest – era a prova viva da genialidade latente no proletariado, uma genialidade liberada somente por meio do socialismo. Ele era um diamante exemplar – e bruto – brilhando entre as massas esquecidas.

Durante alguns anos, no meio desse modelo de sociedade stalinista, Puskas – apesar de isolado das altas esferas políticas – foi praticamente intocável. Na verdade, em vista da série de farsas, chamadas de julgamentos, que ameaçavam até os políticos húngaros do mais alto escalão, o capitão da seleção gozava de mais segurança do que muitos dos homens mais poderosos do país. Mas, se Puskas era o menino de ouro do regime comunista, também era por ironia o queridinho dos aspirantes a empresário e dos capitalistas de rua, que o viam como um “espertalhão” que conseguia contrabandear para dentro do país mais meias de seda e relógios do que qualquer outro quando o time vitorioso voltava das viagens ao exterior, passando pela alfândega e pelos fiscais condescendentes na fronteira.

Não demorou para Puskas entender e utilizar sua situação privilegiada. Desde a infância ele parece ter tido uma esperteza, sabedoria e espontaneidade inerentes, qualidades que foram ainda mais estimuladas no futebol por uma sucessão de técnicos, incluindo seu pai, que provavelmente ficavam abismados com seu talento e autoconfiança. Até quando tinha apenas dezesseis anos no Kispest, sua voz era a que mais se ouvia no campo, distribuindo uma infinidade de instruções e críticas, às vezes direcionadas a jogadores muito mais velhos do que ele. Alguns não aceitavam tanto desrespeito, mas era ele quem mostrava desempenho e se tornara indiscutivelmente um grande jogador. Então, quem iria querer discutir com ele?

Puskas era cortejado pelos poderosos do regime, mas também era o favorito dos despossuídos e fracos. Era conhecido na Hungria – e é até hoje – pelo apelido de infância, “Ocsi”, que significa “irmãozinho”. Mas era seu jeito despretensioso, inculto e orgulhoso para com aqueles que estavam no poder que garantiu a ele um lugar no coração daqueles que não tinham nada ou que eram ninguém. Para começar, Puskas podia “dar um jeito” em quase tudo, afinal tinha ótimos contatos, e ajudou muitas pessoas que o procuraram.

Histórias de seu desrespeito pelas autoridades circulavam com frequência por Budapeste, aumentando sua fama. Ele cutucava os poderosos, muitos dos quais gostavam dele e o admiravam, apesar de sua impetuosidade. Um jogador, colega de Puskas na seleção, lembra dele brincando com um dos políticos mais temidos de sua época, Mihaly Farkas, ministro da Defesa e extra-oficialmente responsável pela odiada polícia de segurança, a AVH. Certo dia, Farkas estava visitando o time nas perigosas instalações do exército na ilha Margaret, usando  um uniforme todo branco. Assim que o viu, Puskas caiu na gargalhada: “Pensei que finalmente o menino do sorvete havia chegado”, disse ele ao homem cujo filho era conhecido por ser um dos maiores torturadores do regime. A sala ficou em silêncio. Todos esperavam para ver a reação de Farkas. Será que Puskas se daria bem agora?

Mas o que Farkas poderia fazer? O time de Puskas não só vencia tudo que aparecia pela frente no campo de futebol, mas também o fazia com estilo e, para aqueles em sintonia com a política vigente, com uma pureza ideológica muito apreciada pelo regime. As táticas inovadoras apresentadas pelos húngaros eram vistas em alguns círculos (de forma alguma confinados à Hungria ou ao bloco soviético) como uma metáfora política. Esse era o futebol “socialista”, jogado por um time de nível internacional liderado por um gênio da classe trabalhadora. Até Puskas – uma pessoa comum, sem pensamentos políticos ou ideológicos – usava frases como “distribuindo o trabalho por igual entre todos” para descrever elementos de reorganização tática do time que integravam a “revolução” futebolística engendrada por eles.

Certamente, poucos jogadores viam o futebol como um jogo político (embora, naturalmente, eles estivessem conscientes de que seu sucesso emprestava credibilidade política ao regime). Mas um homem certamente reconhecia as dimensões ideológicas das inovações táticas: Gusztav Sebes, o técnico da seleção húngara durante a época de seu maior sucesso e um dos que mais contribuíram para as inovações.

O Técnico

Sebes, o técnico da seleção húngara.
Sebes era um “bom comunista”. Tinha no currículo a organização dos metalúrgicos da companhia automobilística Renault em Paris nos anos 30. Quando se tornou técnico do time da Hungria depois da guerra, reconheceu imediatamente as vantagens que um sistema de administração altamente centralizado de comando e controle poderia conferir ao jogo. (Era um modelo, naturalmente, já utilizado no futebol soviético.) Sebes poderia, por exemplo, juntar quase por inteiro a seleção em um clube só e manter seus reservas em outro, jogando segundo o mesmo sistema tático por várias e várias semanas. Em sintonia com os políticos mais poderosos, ele podia se preparar para partidas internacionais arranjando jogos especiais contra outros clubes, e fazendo com que esses mesmos clubes imitassem as táticas dos próximos adversários, conforme ele fez antes do grande jogo com a Inglaterra em Wembley em 1953.

Sebes podia experimentar novas táticas com os jogadores da seleção em jogos tranquilos no meio da semana fora da capital, regularmente, sem risco. Podia até recrutar jogadores jovens que ele queria dentro de seu clube-núcleo, o Kispest, logo rebatizado de Honved, “os defensores da Pátria”, representando o exército húngaro. Todos os jogadores estavam, nominalmente, no exército, sendo, portanto, oficialmente “amadores”, ainda que vivendo e treinando como profissionais.  No entanto, apesar de todo seu poder, Sebes foi inteligente o suficiente para não impor aos jogadores um sistema tático rígido; ao contrário, ele estimulava uma atmosfera que permitia liberdade plena para os grandes talentos individuais que a história havia jogado em suas mãos. De qualquer maneira, o conjunto era, sem dúvida, um time.

O Levante Húngaro
O Levante Húngaro e o que veio depois desfizeram o time de ouro que Sebes havia formado e três de seus jogadores-chave, kocsis, Czibor e Puska, nunca mais jogaram com a seleção depois de 1956. Ao chegar a Madri em 1958, com peso em excesso e com mais de trinta anos, Puskas parecia ser um risco enorme para o dono do Real, Santiago Bernabeu. Ainda mais imprevisível era a possível reação do maior astro e principal artilheiro do time, o argentino Alfredo Di Stefano, para muitos o melhor centroavante do mundo naquela época (e candidato a maior de todos os tempos), e bem capaz de mandar andar qualquer astro importado com o qual ele não se desse bem, como descobriu o brilhante brasileiro Didi. Foi nessa época crucial na vida de Puskas, nos primeiros doze meses com o Real Madrid, em 1958-59, que ele usou ao máximo sua determinação e sua disciplina – muitas vezes subestimadas por aqueles que não o conheciam bem –, o que foi essencial para ele vencer em circunstâncias difíceis e até hostis.

O Desafio

Puskas (direita) e Di Stefano, craques do Real Madrid.
Puskas inicialmente foi ridicularizado por torcedores do Real Madrid (e provavelmente por jogadores também) quando viram seu barrigão e a aparente falta de ritmo. O técnico do Real, Carniglia, também não o queria. Mas Puskas emagreceu em poucos meses e logo estava fazendo tantos gols quanto o próprio Di Stefano. No clímax de sua primeira temporada na Espanha, os dois grandes jogadores estavam empatados na artilharia da primeira divisão espanhola. Mas Puskas era sensato o suficiente para saber que precisava da amizade e do apoio do argentino temperamental. Ao fim do último jogo da temporada, Puskas deu a Di Stefano a chance de marcar um gol que ele mesmo poderia ter feito.

Daí para frente Puskas consolidou uma maravilhosa parceria com Di Stefano, conquistando uma sucessão de campeonatos para o Real Madrid e glória ainda maior na Copa Europeia. Puskas aposentou-se como jogador em 1967 e começou uma carreira itinerante como técnico que o levou do Paraguai à Austrália, e a muitos outros lugares. Mas não à Hungria. Manteve-se exilado de sua pátria por um quarto de século. Um exílio em grande parte imposto por ele mesmo, talvez por ainda ter lembranças dolorosas do tratamento recebido em Budapeste depois que os húngaros perderam a Copa do Mundo de 1954, e a suspensão a ele imposta pela Associação de Futebol da Hungria depois de 1956.

Ele se recusou a voltar para casa – nem sequer para o funeral de seu amigo de longa data Bozsik – até que se passaram 25 anos de sua partida.  Mesmo assim, em 1981, foi preciso uma delegação de peso, incluindo Sebes, a esposa de Puskas, Erzebet, políticos antigos e um famoso cineasta húngaro, para persuadi-lo a voltar à Hungria para participar de uma reunião da Seleção de Ouro e de um projeto cinematográfico sobre o time.  Voltou e foi recebido como herói nacional, embora mais onze anos tenham se passado até ele fixar residência em Budapeste, onde vive até hoje.

Prólogo Pessoal
Por Rogan Taylor

O leitor sensível já percebeu que sou fã de Puskas. Foi o diretor de minha escola em Liverpool que, sem saber, iniciou isto. Durante o horário de almoço em 25 de novembro de 1953, ele fechou a escola e mandou todos os alunos para casa (que coisa boa) para apreciar o joguinho amistoso conhecido como “a decisão da Copa do Mundo”: a Inglaterra, invicta em casa diante dos adversários do continente desde 1866, contra a Hungria, campeã olímpica e imbatível havia três anos. Consequentemente, tomei conhecimento de Puskas e dos outros integrantes daquele time maravilhoso, com meus impressionáveis oito anos de idade, assistindo ao jogo numa TV minúscula, recém-adquirida por minha família. Na verdade, fiquei em dívida para sempre com os húngaros em geral – e particularmente com Puskas – por agraciarem-me com a paixão pelo futebol; magnífico, glorioso e vitorioso futebol. Nunca poderia imaginar a importância disso em minha formação.

Foi Puskas quem primeiro me mostrou o que era jogar futebol corretamente, com toque, imaginação e extravagante espontaneidade. Literalmente me apaixonei na hora. Comecei a entender tudo pela primeira vez. Talvez eu acabasse me apaixonando por futebol de qualquer maneira. Mas a Hungria era meu time predileto (e depois o Real Madrid também, porque ele jogava para eles), ainda que tenha acabado me conformando em assistir, e depois torcer com todo o coração, a um time local, o Liverpool FC, logo depois que um sujeito chamado Bill Shankly veio para administrá-lo. Mas o primeiro amor é sempre o primeiro amor, não é mesmo?

Também fui apresentado ao lado “político” do jogo. Meu melhor amigo era o filho mais velho de uma família comunista de Liverpool e foi ele quem me informou, bem antes da partida,  que iríamos assistir ao melhor do “futebol socialista” – o jogo em equipe que iria acabar de vez com a simples reunião de indivíduos, mesmo que estes fossem ingleses do calibre de Stanley Matthews, Stan Mortensen, Tom Finney e Billy Wright (embora, no fim, Finney não jogasse).

Depois do jogo – uma vitória magnífica dos húngaros por 6 x 3 – ficamos convencidos. O futebol socialista era o futuro. Quem deixaria de entender tal obviedade? Até bem depois do jogo de Wembley perder suas conotações políticas – e a brutal repressão do Levante Húngaro acabar com qualquer mensagem ideológica superficial – o significado real do jogo persistiu. Futebol podia ser uma coisa maravilhosa, um objeto digno da devoção de uma vida inteira, e também uma visão de alegria e perfeição.

O Livro

Puskas e Kocsis
Muitos anos depois daquele jogo histórico, me vi envolvido pelo futebol não só como torcedor, mas também como escritor e comentarista. Em 1993, tornei-me consultor de uma série em seis capítulos para a TV BBC – Kicking and screaming– registrando a história social do futebol na Inglaterra desde a virada do século. Viajei para Budapeste para encontrar Puskas e pesquisar o jogo de Wembley (alguém tinha de fazê-lo), e em poucos meses retornei com o produtor e a equipe para filmar entrevistas com jogadores e outras pessoas que lembravam da ocasião. Por sorte, nos encontrávamos em Budapeste no dia 25 de novembro daquele ano – o aniversário da derrota da Inglaterra para os húngaros – e naquela noite filmamos um jantar de comemoração para o qual foram convidados todos os jogadores remanescentes. Foi ali que me encontrei – quarenta anos depois do dia em que assisti àquele jogo - à mesma mesa com Puskas, Hidegkuti, Grosics, Buzanszky e Czibor; George Robb, Jackie Sewell e Sir Stanley Matthews.

Algumas semanas depois Puskas foi para Londres como convidado de honra do programa Sports review of the year, da BBC. Durante a sua estada, sugeri a Klara Jamrich – a pesquisadora/intérprete húngara para o programa, que viera junto com Puskas – que em conjunto lhe propuséssemos um livro. Para nossa alegria, ele concordou em cooperar e, em Budapeste, durante parte de setembro de 1994 e de novo em 1995, pôs-se à disposição todas as manhãs para uma série de longas entrevistas sobre sua vida.

O que se segue é o resultado dessas entrevistas, uma história oral de sua vida em grande parte por suas próprias palavras, traduzida para o inglês por Klara Jamrich e editada e revisada por mim. Incluí também, onde apropriado, relatos históricos dos acontecimentos políticos na Hungria que ocorreram em paralelo à carreira de Puskas em seu país. Além disso, outras entrevistas foram feitas com jogadores e comentaristas contemporâneos de Puskas, e fontes escritas, algumas não disponíveis em inglês, foram pesquisadas e traduzidas por Klara Jamrich e depois incluídas no texto por mim.

E aqui está uma obra fruto do amor: a vida e a época de Ferenc Puskas, um dos jogadores mais notáveis e talentosos da história, e para mim pessoalmente um iniciador na magia esplendorosa do jogo. Puskas celebrou seu septuagésimo aniversário em abril de 1997. Ao rememorar sua carreira, que cobre meio século como jogador, técnico e dirigente, ele deixa escapar um profundo senso de satisfação por ter retornado a Budapeste depois de tantos anos de exílio. Hoje ele frequenta regularmente o Kispest, onde sua carreira começou, e continua conselheiro da Associação de Futebol da Hungria. Mantém-se íntimo do jogo, e, como eu descobri, sua vida sempre foi permeada por futebol, desde seus primeiros momentos de consciência...


   


Neco: o 1º ídolo do Corinthians

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Um século da primeira conquista. Em 1914 o Corinthians conquistou seu primeiro título estadual. E o grande personagem desse período do time corintiano chama-se Neco, que, além de primeiro ídolo do clube tornou-se também o primeiro herói popular do futebol brasileiro.

Neco merecia uma biografia e ganhou a sua de um, entre tantos corintianos apaixonados por sua história. Antonio Roque Citadini é mais do que torcedor, chegou à vice-presidência do clube, e, diferente de outros cartolas, escreveu um belo livro: “Neco – O primeiro ídolo” (Geração Editorial, 2001).

A obra traz não só a emocionante história de Neco, mas também a história de seu tempo. O formato de 21X28 centímetros lembra o de uma enciclopédia. Tem farto material fotográfico de uma época - o final do século 19 até quase nossos dias (século 21), notícias e informações nas laterais das páginas que revelam muito da História do Brasil e do mundo.

Literatura na Arquibancada destaca abaixo trecho do texto de apresentação do autor, além de um dos capítulos iniciais da obra. E agradece, mais uma vez, ao Centro de Referência do Futebol Brasileiro (CRFB), do Museu do Futebol, local onde foi feita a pesquisa sobre a obra. Vale a pena conhecer o acervo em www.dados.museudofutebol.org.br.



Apresentação
Por Antonio Roque Citadini

Este livro retrata a trajetória futebolística do primeiro grande ídolo do Sport Club Corinthians Paulista: Manoel Nunes, o Neco. As suas jogadas, gols e brigas constituem fatos históricos que chegaram até minha geração narrados por velhos corinthianos e por algumas esparsas notas de jornais. O mito Neco, eternizado pelo busto existente no Parque São Jorge, conseguiu reunir qualidades que ainda hoje emocionam o torcedor corinthiano: garra, luta, técnica e o amor pela camisa que ninguém esquece.

Ouvi dos mais velhos corinthianos relatos apaixonados sobre Neco. Seus gols decisivos, a valentia de suas brigas com cinta e a defesa intransigente do alvinegro passaram de boca em boca, numa corrente que não deixa morrer o ídolo.

Pertenço a uma geração de corinthianos que por longos anos não viu seu time conquistar títulos (1954 a 1977), e talvez por isso, se comparada a qualquer outra, tenha aprendido mais sobre a história, o nascimento e o crescimento do clube. E, nesse contexto, Neco é figura singular.

Corinthians, campeão 1914. Neco, 1º a dir. em pé, artilheiro com 12 gols.
Ainda menino começou com o clube, quando este nascia. Participou da vida alvinegra quando o time estava na várzea, pobre, sem sede própria e sem campo para treinar ou jogar. Viveu em toda sua intensidade as emoções do clube que nascia entre agremiações prestigiadas e supridas de recursos materiais. Em 1914, Neco ajudou o Corinthians a alcançar seu primeiro campeonato na divisão maior do futebol paulista. Presente em todas as grandes jornadas da equipe, sagrou-se campeão em 1914 e 1916, tricampeão nos anos de 1922-1923-1924 e novamente em 1928-1929-1930.

Lutou como esportista amador, sem obter qualquer proveito material por seus esforços. Vivia para o clube servindo de soldado para todas as batalhas. Foi jogador valente, técnico e temperamental, especialmente nas pugnas contra o Palestra Itália, ocasiões em que teve memoráveis performances.

Amou o Corinthians e transformou-se no referencial entre os torcedores apaixonados que o alvinegro conquistou ao longo de sua vida.

Mais que um jogador, Neco foi grande ídolo das torcidas corinthiana, paulista e brasileira.

Pela seleção de São Paulo, viveu grandes jornadas com a conquista de vários campeonatos.

Foi notável atleta da seleção brasileira, quando esta dava seus primeiros passos no esporte internacional. O ponto maior de sua vida desportiva foi a participação na primeira conquista do Brasil no futebol continental: o campeonato sul-americano de 1919, evento internacional equivalente aos mundiais da Fifa de 1958, 1962, 1970 e 1994, que marcaram gloriosamente o futebol do Brasil.

Neco foi mais do que os fanáticos corinthianos acham: símbolo e primeiro ídolo do Corinthians, destacando-se nas primeiras décadas do século 20; um dos grandes atletas da seleção brasileira de 1919 e dos selecionados paulista e brasileiro.

Os primeiros anos de Neco

O menino Manoel Nunes, Neco, foi criado em família de imigrantes portugueses, de origem modesta, nos padrões da classe média da época. O futebol, que engatinhava na cidade, com o surgimento dos clubes, das disputas entre os “teams”, com os primeiros jogadores ganhando destaque, ainda era um esporte desconhecido pela família de Neco.

Aos 8 anos, Neco entrou para o Liceu Coração de Jesus, atendendo ao sonho de seu pai, que o queria na profissão de marceneiro. Nada mais indicado para aprender esse ofício do que ingressar no Liceu, onde poderia educar-se e ganhar uma profissão que o sustentasse na vida. Todavia, a entrada no Liceu, foi a porta que o conduziu ao futebol. Da profissão pretendida pouco aprendeu, para o desespero de sua mãe Thereza, que tinha de acalmar as broncas diárias do marido. Mas foi no Liceu Coração de Jesus onde Neco começou a “bater bola” e a mostrar sua verdadeira vocação. Para o sofrimento da família, Neco e César, seu irmão mais velho, começaram a jogar futebol ainda meninos, entre arrastados aprendizados da profissão de marceneiro.

Enquanto Neco tomava os primeiros contatos com o novo esporte, nos pátios e campos do Liceu, o futebol evoluía, tornando-se a cada dia mais conhecido, com número crescente de jogadores e times, bem como de novos aficionados.

Sobre o autor:
Antonio Roque Citadini, nasceu no interior paulista, na cidade de Rio Claro, no ano de 1950. Bacharelou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em 1978. Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, foi Diretor Administrativo da Companhia de Gás, CONGÁS em 1985; presidente da mesma de 1987 a 1988. Publicou vários livros e colaborou com jornais e revistas.
Algumas obras publicadas: Código Eleitoral Anotado e Comentado (1985); A Nova República e os Partidos Políticos (1986); coautor de PMDB no Poder, A Vitória da Unidade (1982).
No âmbito do esporte, é associado e conselheiro vitalício do Sport Club Corinthians Paulista. Foi eleito para o Conselho Quadrienal no quatriênio 1998/2002 e exerceu a vice-presidência do Clube de 2001 a 2004. É Conselheiro do CORI – Conselho de Orientação do Sport Club Corinthians Paulista. Escreveu sobre o Corinthians, dois livros: Neco, o primeiro ídolo; e Alambrado.

  



Zizinho: Verdades e Mentiras no Futebol

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“Zizinho pode não ter sido melhor que Pelé; mas pior, não foi”. Com frase igual a essa, quem ousaria duvidar da genialidade de um dos maiores nomes do futebol brasileiro? O próprio rei do futebol, Pelé, cansou de repetir que Zizinho sempre fora seu maior ídolo, fonte de inspiração.

Em clubes, Zizinho teve seu nome consagrado em três clubes: o Flamengo, tricampeão carioca de 1942/43/44; Bangu e São Paulo. Com a camisa da seleção brasileira, foi uma das “vítimas” na fatídica derrota para o Uruguai, na Copa de 1950. Três anos depois, em 1953, teve problemas quando defendia a seleção durante o campeonato Sul-Americano, em Lima, Peru. 

Foi rotulado de mercenário pelo escritor José Lins do Rego, chefe da delegação brasileira na ocasião. Foi esse episódio que teria levado Zizinho, ou melhor, mestre Ziza, como os amigos o tratavam, a escrever o livro “Verdades e Mentiras no Futebol”(Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro, 2001). Mas o livro tem muito mais histórias importantes, escritas pelo próprio Zizinho.

Um ano depois do lançamento do livro, Zizinho morreu, aos 80 anos. A obra é uma raridade, pois Zizinho brigou com a editora que publicou a obra e o produto só é encontrado, com dificuldade, em sebos.  

Um bom local para ler a obra é no Centro de Referência do Futebol Brasileiro (CRFB), do Museu do Futebol, local onde foi feita a pesquisa sobre a obra. Vale a pena conhecer o acervo em www.dados.museudofutebol.org.br.

Literatura na Arquibancada destaca abaixo o texto de apresentação do falecido jornalista Fernando Horácio da Matta, além do primeiro capítulo da obra.

Mestre Ziza
Por Fernando Horácio da Matta

Zizinho, Mestre Ziza, Thomaz Soares da Silva. Só os craques de estirpe superior, os verdadeiros fenômenos, iniciam chamados por apelidos ou diminutivos, são homenageados por um título honorífico e terminam conhecidos pelo nome e pelo sobrenome, recitados com admiração e respeito pelos que amam o futebol mundo afora.

Na galeria dos maiores jogadores de todos os tempos há de estar reservado um lugar de honra para Zizinho. Quando começou, atuava como insider, adaptado no jargão futebolístico para meia, depois definido como armador, e hoje se diria meio-campista. O que, para ele, soa pejorativo.

Na dinastia dos excepcionais meias brasileiros, afirmou-se digno sucessor de Romeu Pelliciari, conviveu com Jair Rosa Pinto e Elba de Pádua Lima, o Tim, e inaugurou a descendência dos dribles irresistíveis dos passes perfeitos e dos lançamentos deslumbrantes, que teve como sucessores craques da expressão de Valdir Pereira – o Didi, Gérson Nunes, Ademir da Guia, Roberto Rivelino, Tostão e Artur Antunes Coimbra, o Zico. Grande Zizinho, mágico no domínio da bola, gênio na armação de jogadas, verdadeiro arquiteto do futebol, sua imagem paira acima de todos, só encontrando paradigma no mito Pelé.

Vale lembrar a frase do professor Flávio Costa: “Zizinho pode não ter sido melhor que Pelé; mas pior, não foi”. Ou do próprio Pelé, que o venera como ídolo e exemplo, seguindo as palavras do pai Dondinho, e lhe ofereceu no dia 14 de setembro de 1999, quando Zizinho completou 78 anos, uma placa de prata na qual estava gravado: “Ao meu maior ídolo, com a amizade e admiração do Pelé”.

Em campo, somava ao talento prodigioso o espírito de guerreiro feroz. Como jamais deixou de acariciar a bola e ser adulado por ela, nunca evitou uma dividida ou refugou disputas ríspidas. Quebrou pernas e as teve quebradas. Sempre achou que “futebol é para homens”, mas para homens que o pratiquem com dignidade e coragem.

Um dia, quando lhe perguntaram o que separava o verdadeiro craque do bom jogador, respondeu: “O craque é aquele que, antes de receber a bola, já sabe o que vai fazer com ela”. Zizinho anteviu jogadas, jogos e até o próprio futebol, encantando seus companheiros, atemorizando adversários e maravilhando plateias.

Escapou-lhe, por fados ingratos ou pecados dos deuses do futebol – será que os deuses pecam ao subtrair dos superdotados a glória merecida? – o título de campeão mundial. Felizes, porém, os que puderam ver e conviver com o seu estilo e seu talento ao mesmo tempo alegre e sério, pleno da magia e coragem, de uma simplicidade que só os gênios sabem e podem expressar.

Mestre Ziza pendurou as chuteiras, mas jamais perdeu sua atração pela bola. Dedicou-se à carreira de técnico e dirigiu, entre muitas equipes, o América e o Vasco, no Rio, e a seleção brasileira de novos, onde lançou jogadores do porte de Falcão, Júnior e Edinho. Observador perspicaz, estudioso e metódico, decidiu para o bem do futebol colocar no papel as experiências vividas como treinador e a análise de como se armam os grandes times e de suas formas de jogar.

O que diz e escreve está sublinhado pelo conhecimento, a competência e a inteligência de um jogador raro, um homem simples, digno e correto. O livro Verdades e Mentiras no Futebolé, antes de tudo, uma herança valiosa para o futebol brasileiro e, assim, uma obra indispensável para quem quer entender com maior profundidade essa fonte de paixão nacional. Obrigado por mais esta jogada, Thomaz Soares da Silva, Zizinho, amigo da bola, mestre do futebol.

Tudo começou assim
Por Zizinho

Este foi o título de uma palestra para a qual fui convidado no Rio Cricket, em Niterói, RJ. Aceitei o convite e pedi ao diretor cultural do Clube, o amigo Carlos Augusto Pacheco de Mello, que fizesse da ocasião uma espécie de bate-papo sobre “Os Sistemas de Futebol”. Sentia-me a vontade para falar sobre o assunto pois todas as grandes mudanças de sistemas táticos no futebol carioca coincidiram com minha profissionalização, no final da década de 30, quando fui contratado pelo Flamengo. O nobre esporte bretão era comandado no Brasil pela então capital da República, o Rio de Janeiro.

Lembro-me que o Fluminense foi a São Paulo e contratou quase toda a seleção paulista, Batatais, Guimarães, Machado, Orozimbo, Romeu, Lara e Hércules. No ano seguinte trouxe o Tim. Mesmo assim, o América foi o campeão de 1935 (nessa equipe jogava como titular um meia de nome Clóvis Nunes, pai do Gérson – Canhotinha). Seis desses jogadores fizeram parte da grande seleção brasileira de 1938. Para contratar esses oito maravilhosos jogadores, qualquer clube teria que abrir mão de grande parte de seu patrimônio.

Não contávamos com os meios de comunicação que temos hoje, portanto vou me limitar a falar das mudanças que ocorreram no Rio de Janeiro e de outros sistemas que marcaram época ou que foram de conhecimento de muitos. Já conhecia alguns mesmo antes de chegar ao Flamengo. Antes mesmo de aprender a escrever o nome do Clube cuja sede era em minha casa, pois meu pai era o presidente do Carioca F.C., eu já conhecia uma forma defensiva de jogar que se chamava “um zagueiro de espera e um zagueiro de avança”. Esse velho sistema defensivo, (todos os sistemas de ataque até 1942, no Rio de Janeiro, jogavam em M) muitos anos depois, veio me dar a maior tristeza de minha carreira esportiva e que será contada mais adiante.

TUDO COMEÇOU ASSIM – Com esse audacioso título eu teria que pesquisar a fundo para chegar ao berço do futebol, criado no século passado. Encontrei dados maravilhosos nos quatro volumes que compõem a História Ilustrada do Futebol Brasileiro.

Charles Miller foi o introdutor do futebol no Brasil. Filho de ingleses, estudou na Inglaterra e tornou-se grande jogador nesse país. Em 1894 regressou definitivamente ao Brasil, trazendo em sua bagagem um uniforme completo de futebol e duas bolas. Nessa famosa mala que trazia as sementes do jogo, devem ter vindo o regulamento e algum sistema para se jogar, quem sabe, talvez o M.M., e assim começou o futebol em São Paulo.

Campo do Rio Cricket
Em 1897, o jovem Oscar Cox regressava da Suíça onde fora estudar e travou conhecimento  com o novo esporte. Assim que chegou ao Rio de Janeiro entrou em ação, convidando seus amigos para jogar.

Isso animou-o a jogar a primeira partida, disputada em 1º de outubro de 1901, entre  ingleses e brasileiros, no campo do Rio Cricket, em Niterói, que era a capital do antigo Estado do Rio de Janeiro.

Os líderes dos dois Estados entraram em contato e, em 19 de outubro de 1901, realizaram o primeiro interestadual, em São Paulo, entre cariocas e paulistas.

A primeira organização esportiva do Rio de Janeiro foi a Liga Metropolitana de Futebol, fundada em 1905.

O primeiro campeonato foi disputado em 1906, com os seguintes clubes: Fluminense, Bangu, América, Botafogo, Paissandu e Rio Cricket. O Fluminense foi o campeão.

O futebol não seria hoje um esporte tão técnico se desde as primeiras regras não se procurasse estabelecer normas para as disputas de bola, diferenciando o jogo viril do jogo violento. O calço, o pontapé, uso das mãos, o tranco por trás, a joelhada, a obstrução e a sola.

As regras foram sendo sucessivamente modificadas (o futebol foi oficialmente codificado em 1º de dezembro de 1863).

Vejam com que paciência e correção foram feitas durante 75 anos as leis que regem o esporte:

1863 – O arremesso lateral se fazia com apenas uma mão e não com as duas.
1868 – Institucionaliza-se a figura do juiz.
1878 – Adotaram, pela primeira vez, o travessão de madeira e surge o apito.
1882 – Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda fundam a Internacional Board, que até hoje regula as leis do jogo do mundo inteiro, já como órgão da FIFA.
1896 – Cresce a autoridade do juiz. Nos últimos anos do século, fixa-se o número de jogadores em onze, as dimensões do campo, o tamanho da bola e a duração da partida em noventa minutos.
1901 – O limite da área é fixado.
1904 – Foi fundada a Federação Internacional de Futebol Association (FIFA) a 21 de maio de 1924.
1907 – Começam a mudar as leis do impedimento, definindo-se somente em 1924.
1938 – Foi feita uma nova revisão em todo o texto.

Conforme declarei, antes mesmo de chegar ao Flamengo, em 1939, já conhecia alguns sistemas para se jogar futebol. Vou começar com a primeira formação que conheci em minha infância, que por coincidência era muito parecida com a segunda sombra que cruzou o nosso caminho na Copa do Mundo de 1950.

Carioca Football Club
Fundado em 10/04/1920 – Av. Paiva, 77 – Bairro do Paiva – São Gonçalo – RJ

Eu nasci a 14 de setembro de 1921 no endereço acima, que era a residência de meus pais, Thomas Silva e Euridice Soares da Silva. Fui o terceiro filho de seis irmãos, minhas irmãs mais velhas Zélia e Zilda nasceram antes da fundação do clube no mesmo local.

O bairro do Paiva era como uma só família, e, meu pai e seus amigos fundaram o clube cuja camisa era preta e vermelha, igual a do Milan, e o calção azul.

Durante alguns anos, o clube teve como sede a nossa casa, e foi neste ambiente maravilhoso que eu nasci e cresci, no meio de muitos amigos, tropeçando em uma esfera de couro nº 5 que era a bola dos adultos.

Perdi meu pai no dia 13 de junho de 1928, dia de Santo Antônio, aniversário de minha mãe. Meu pai adorava futebol, foi jogador e dirigente. Por essa razão eu senti a sua despedida como a maior derrota da minha vida. Eu sei que fui um bom jogador de futebol, sei também que ele me viu jogar, só não tive o seu abraço após uma vitória ou o consolo de suas mãos sobre a minha cabeça nos momentos de minhas derrotas.

Eu tinha apenas seis anos quando conheci a primeira formação defensiva para se jogar futebol.
“Com um beque de avança e um beque de espera".


Um jogo inteiramente diferente !

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Um livro obrigatório para pesquisadores, jornalistas e todo tipo de leitor interessado nas origens e evolução do futebol brasileiro. “Um jogo inteiramente diferente! – Futebol: a maestria brasileira de um legado britânico” foi escrito por um jornalista inglês. Aidan Hamilton é craque na literatura esportiva, depois dessa obra de referência, lançada em 2001 pela Editora Gryphus, publicou também, pela mesma editora, em 2005, a biografia de Domingos da Guia (veja aqui artigo sobre essa obra http://www.literaturanaarquibancada.com/2012/11/o-centenario-de-domingos-da-guia.html).

Apresentação (da editora)

Fevereiro de 1997. A seleção brasileira está fazendo um amistoso contra a Polônia. O time de Zagallo parece estar tranquilo quando, de repente, Romário mostra uma incrível habilidade de tirar o fôlego ao receber um lançamento e bater de primeira com o calcanhar direito nos pés de Ronaldinho. De sua cabine de comentarista, o mestre Rivellino grita apenas uma palavra: Chaleira!

Corruptela de “Charles”, chaleira é a habilidade popularizada pelo pai do futebol brasileiro, Charles Miller. Nascido em São Paulo, Charles adquiriu uma paixão pelo jogo quando estava na escola em Southampton. Voltando ao Brasil em 1894, ele pavimentou o caminho para o primeiro campeonato do país, levando o São Paulo Athletic Club a três conquistas consecutivas.

Harry Welfare
Da mesma forma, o estilo forte e habilidoso do atacante Ronaldinho – eleito o melhor do mundo em 96/97 – descende do goleador do Fluminense, Harry Welfare. Chegando ao Rio em 1913, Harry – ex-atleta do Liverpool – ganhou o tricampeonato com o tricolor carioca e depois passou a dirigir o Vasco da Gama. Posteriormente, foi diretor técnico da Federação Carioca.

“Um jogo inteiramente diferente” é um livro sobre as vidas de Charles Miller e Harry Welfare – os elos entre a Inglaterra e o Brasil – e a influência britânica em meio século da história do futebol brasileiro. Além da presença de jogadores, técnicos e árbitros ingleses no Brasil, uma série de clubes, como o Corinthians, o Exeter City e o Arsenal, fizeram valiosas visitas ao país. É um legado que contribuiu para a criação de um estilo brasileiro de jogar, um estilo singular baseado na improvisação e velocidade, um estilo conquistador de Copas do Mundo. E hoje na Inglaterra, através de uma rede de escolinhas de futebol, se ensina aos futuros jogadores ingleses o jeito brasileiro de jogar.

É como se Charles Miller levasse essa maestria para o berço do futebol.

Prefácio
Por Juca Kfouri

Maravilhosos ingleses. Inventaram o futebol, nós o aperfeiçoamos, e eles, cavalheiros como são, reconhecem alegremente.

A prova esta aqui, neste “Um jogo inteiramente diferente!” do jornalista inglês, com o devido estágio em terras brasileiras, Aidan Hamilton.

Nada como ver com os olhos dos mestres a arte que os alunos souberam recriar.

E o grande professor não é exatamente aquele capaz de incentivar a criatividade de seus discípulos?

Estátua de Ted Bates, no Southampton.
Uma frase de um jogador do Southampton, Ted Bates, que veio ao Brasil em 1948 e perdeu um jogo atrás do outro, resume a magia que extasiou Aidan Hamilton: “Se nós ensinamos o jogo de futebol, dá para vocês imaginarem o prazer que eles têm em nos derrotar. Eles nos chamam (ou chamavam) de mestres ingleses – até a nossa apresentação”, escreveu numa carta para sua família, com a ironia que caracteriza um povo tão sábio que é capaz de rir de si mesmo.

Para tentar entender a diferença, o livro conta que até o futebol de salão é visto como uma explicação, mesmo que, cá entre nós, e que eles não nos ouçam, o esporte, uma invenção nacional, é relativamente recente para ser responsável pelo tetracampeonato mundial.

O livro é uma delícia.

Revela ingleses maravilhados com a leveza de nossas chuteiras nos anos 40 ao mesmo tempo em que mostra que, apenas dois anos antes da Copa do Mundo de 1950, no Brasil, não sabíamos que mão na bola era diferente de bola na mão.

Mas é melhor deixar que você se divirta com o que lerá adiante.

Porque o legado inglês não é pouca coisa e não deve ser visto com soberba ufanista.

Afinal, se o primeiro clube campeão mundial oficialmente reconhecido pela Fifa é brasileiro, seu nome é uma homenagem ao time britânico que nos visitou 90 anos atrás, em 1910, cujo hino diz que “figuras entre os primeiros do nosso esporte bretão” – o glorioso Sport Club Corinthians Paulista.

Introdução
Por Ainda Hamilton

Charles Miller
Ainda me vejo retornando a São Paulo em novembro de 1994 para preparar um programa de rádio sobre o centenário do futebol brasileiro. Levei comigo uma cópia do verbete Brasilde um ABC do futebol mundial. Começa assim: “Charles Miller, entusiástico jogador de futebol na Inglaterra, chegou ao Brasil em 1894, e imediatamente começou a popularizar o jogo no São Paulo Athletic Club...”.

Há discrepâncias entre esta e outras versões sobre as origens do jogo brasileiro. O Miller era inglês, não era? E suas aulas de football– teriam realmente começado assim que ele chegou no Brasil? Resolvi investigar tudo isso depois de encontrar Helena, a filha de Charles Miller.

Em pouco tempo, o estudo biográfico de Charles Miller passou a abranger outras conexões entre o futebol inglês e o brasileiro – especialmente a notável carreira de Harry Welfare. Em relação a Charles era mais uma questão de separar o fato da lenda, mas Harry havia sido quase completamente esquecido. Hoje, enquanto Charles é amplamente venerado no Brasil (nome de praça em São Paulo e de prêmios para jogadores), os vestígios de Harry são poucos – um Welfare no Rio, cujo avô adotou o nome para homenagear seu jogador predileto, e seu nome numa placa de Sócios Beneméritos na sede do Fluminense.

Harry Welfare
O quadro de referências para esta história de Miller e Welfare é proporcionado pela História do Futebol no Brasil 1894-1950, de Tomás Mazzoni. O período coberto é quase idêntico; há uma ênfase no desenvolvimento do futebol no Rio e em São Paulo e o desempenho internacional do Brasil. Como fez Mazzoni, apresento os diversos aspectos dos principais jogos.

Uma palavra sobre terminologia. Eu tenho seguido amplamente a convenção brasileira de considerar britânico como inglês, ou seja, incluindo escoceses e gauleses. É importante, também, enfatizar como Charles Miller foi um desportista completo; referências a ele como jogador de críquete foram simplificadas para evitar explicações detalhadas. Finalmente, todos os termos de futebol foram mantidos em inglês como eram usados na época.

Durante meio século, a Inglaterra influenciou certos aspectos do jogo brasileiro. E o futebol inglês levou quase todo esse tempo para começar a analisar como o Brasil dominou esse legado...

Sobre o autor:
Aidan Hamilton foi editor de esportes na Rádio Praga no início dos anos 90; desde então trabalha como freelancer para o World Service da BBC. Nascido na cidade de Taunton (1958), no sudoeste da Inglaterra, torcedor do Bristol City, é formado em Francês e História pela Universidade de Edimburgo. Atualmente, mora no Rio de Janeiro onde trabalha como especialista em métodos de ensino numa escola de línguas – a mesma função que exerceu em São Paulo no fim dos anos 80. “Um jogo inteiramente diferente” foi publicado na Inglaterra em 1998.



Anjos Brancos

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Real Madrid. Um clube histórico, que em sua longa trajetória teve também times históricos. Mas entre tantos, um marcou definitivamente não somente sua história como também a do mundo dos negócios no futebol mundial.

Qual amante do que se estabeleceu chamar de futebol-arte não admirou, mesmo não sendo torcedor, o Real Madrid formado a partir do ano 2000 com os galácticos Zidane, Beckham, Roberto Carlos, Figo e companhia?

É essa história que o jornalista e escritor John Carlin investigou e transformou no livro “Anjos Brancos – Entre o Céu e o Inferno e Os bastidores do Real Madrid” (Ed. Relume Dumara, 2006).

O histórico de seu autor permite classificar a obra como fundamental na literatura esportiva mundial. 

John Carlin é autor também de outros dois livros importantíssimos. 

Um, a biografia do tenista Rafael Nadal. Outro, “Conquistando o inimigo”, base para o roteiro do filme Invictus, que narra a vida de Nelson Mandela como presidente eleito da África do Sul, sua luta pelo fim do regime do Apartheid, até a final da Copa do Mundo de Rúgbi entre o Springboks (seleção da África do Sul) e o All Blacks (seleção da Nova Zelândia).

Introdução
Por John Carlin

Eu fui à África escrever sobre a epidemia de Aids, mas as pessoas só queriam saber de David Beckham e Real Madrid. Isso não deveria me surpreender. Mal se passara uma semana daquela que seria – com a possível exceção do início da guerra no Iraque – a notícia de maior impacto mundial de 2003: a transferência do jogador de futebol mais glamoroso do mundo para o clube mais glamoroso do mundo. Mas o que surpreendeu, o que me deixou de boca aberta, estupefato, enquanto o micro-ônibus em que eu estava chacoalhava e pulava pela maior favela de Nairóbi, o labirinto infestado de Aids de Majengo, foi o conhecimento profundo de meus companheiros de viagem; os mínimos detalhes em que as 12 outras pessoas no veículo discutiam não apenas a transferência de David Beckham do Manchester United, mas o outro grande assunto do dia: por que motivo o presidente do Real Madrid tinha afastado o técnico do time.

– Alguém, qualquer um aí, entende por que Florentino Pérez se livrou de del Bosque? – perguntou um homem sentado na frente, junto ao motorista. – É que eu não vejo lógica nisso – disse ele, girando o corpo para falar com os passageiros reunidos.

O homem, eu saberia mais tarde, era um jovem médico queniano. As outras pessoas no micro-ônibus, todas as quais falavam inglês, eram em sua maioria da área de saúde e estavam sendo levadas, como eu, para uma clínica no centro de Majengo onde eles estavam realizando testes com um grupo de prostitutas que pareciam ser imunes à Aids; que não tinham conseguido se tornar HIV-positivas, apesar de anos de esforços tristemente incansáveis para sucumbir à terrível doença. Mas ninguém no micro-ônibus tinha uma pista de quem eu era, ninguém sabia que o homem branco, alto e cabeludo, espremido no fundo do lado direito do veículo tinha não apenas chegado da Espanha no dia anterior, mas também era um entusiasmado apreciador do belo jogo, especialmente da forma como era praticado naqueles dias pelo  Real Madrid Club de Fútbol. O que, claro, me deixou ainda mais impressionado com o que o assunto tivesse surgido; que o homem no micro-ônibus tivesse falado nos nomes de Florentino Pérez e Vicente del Bosque, supondo que todos imediatamente saberiam quem eles eram.

Estarrecido, fiquei quieto e ouvi.

Florentino Pérez
– É verdade – disse um homem atrás daquele que tinha dado início à discussão. – Ninguém pode acusar o Real de estar fazendo uma temporada ruim.

– É isso – disse o homem da frente. – Eles conquistaram o campeonato espanhol e chegaram à semifinal da Liga dos Campeões. Então, por que derrubar o técnico?

– Especialmente – acrescentou o segundo – depois da vitória de 6 a 5 sobre o Manchester United nas quartas-de-final e jogando o melhor futebol de qualquer um em qualquer lugar do mundo pode se lembrar. – A isso todo o grupo respondeu com murmúrios, acenos de cabeça e um sorriso ou dois de doce lembrança. Até que um homem sentado no fundo, perto de mim, se manifestou:

– É, mas vocês não estão entendendo. O problema com o Real Madrid é que eles têm um padrão diferente das outras equipes. Ser o segundo ou o terceiro não é bom. Não é aceitável. Principalmente agora, com esse Pérez no comando. Vejam quem ele comprou desde que assumiu o clube há dois anos: Figo, Ronaldo, Zidane. E agora Beckham.

– Mais Roberto Carlos e Raúl. Os melhores jogadores do mundo! – continuou o cara esperto do meu lado. – Então, com essa inacreditável coleção de superastros, você tem de ganhar tudo, ou o técnico é demitido. É assim.

Vicente del Bosque
O homem da frente fez uma careta, sacudiu a cabeça e olhou para fora através da janela. Ele não estava inteiramente convencido. Ou talvez de algum modo partilhasse da simpatia que o espanhol comum sentia por Vicente del Bosque, um camarada legal cuja postura imponente, vestuário lúgubre e bigode anos 50 estavam em heroico desacordo com os jogadores vistosos e com pose de astros de cinema que ele tinha treinado até três ou quatro dias antes; del Bosque, longe de se parecer com o homem que tinha jogado no meio-campo do Real Madrid quando jovem, tinha a imagem de um gentil mas cansado padeiro levando uma vida de trabalho honesto em uma cidade pequena no interior da meseta de Castela.

– Eu acho que Pérez tinha raiva dele, por algum motivo – disse o defensor queniano de del Bosque. – Li em algum lugar que Pérez simplesmente não ia com a cara dele. A química não funcionava.

– Não, você está enganado – disse outra pessoa, dois bancos à minha frente. – Pérez é frio demais para permitir que seus sentimentos interfiram em uma decisão importante como esta...

E assim continuou a conversa, de um extremo ao outro do ônibus. Eu rapidamente me dava conta de que, pelo menos no caso do Real Madrid, não tinha absolutamente nada a oferecer àquelas pessoas. Do lado de fora de nosso micro-ônibus, crianças pequenas brincavam nuas em poças de água viscosa, um em cada quatro adultos que víamos zanzando em meio à confusão de barracos de folhas de flandres enferrujadas de Majengo tinha HIV, mas seus compatriotas do lado de dentro do ônibus (e eu não tinha dúvida de que um bom número daqueles que se encontravam do lado de fora) estavam tão bem informados sobre os acontecimentos no Real Madrid quanto qualquer um dos meus amigos em casa, na Espanha.

Real Madrid histórico, com Puskas e Di Stefano.
Eu poderia tê-los apresentado a Angel, o motorista de táxi com quem eu assisto aos jogos da TV em um bar que tem as paredes cobertas de ponta a ponta com fotografias emolduradas de times do Real Madrid desde os gloriosos anos 50, quando os lendários Puskas, Gento e Di Stefano passaram pela Europa como colossos. Eu poderia tê-los apresentado a Pedro, o especialista em doenças tropicais cuja satisfação de realizar a missão de sua vida de encontrar uma cura para a malária seria para sempre maculada se ele fracassasse em sua outra grande missão – conseguir ingressos para assistir ao que ele chama de este “inigualável” time do Real Madrid. Poderia tê-los apresentado a Sebastián, que está passando por uma separação dolorosa e que não sabe como poderia ter suportado tudo sem o consolo de um passe para toda a temporada no sagrado estádio do Real Madrid, o Bernabéu. Poderia ter apresentado meus colegas de viagem do micro-ônibus de Majengo a qualquer madrilenho fanático pelo Real Madrid, e em segundos eles estariam conversando como se fossem amigos de infância.

Mesmo se eles não falassem a língua um do outro, o futebol é um meio de comunicação tão universal que com grunhidos estranhos, alguns gestos e a menção de certos nomes – Ronaldo, Beckham, Florentino – eles logo estariam se dando admiravelmente bem, gesticulando furiosamente em concordância um com o outro. E então, sentado naquele ônibus, pensei que a discussão que eu estava acompanhando com toda certeza estava sendo reproduzida não apenas em cada esquina da Espanha, não apenas em todas as outras partes do Quênia e da África, mas por todo o mundo – na França, na Alemanha, no Japão, na Rússia, na China. (Como eles poderiam não estar tendo essa conversa na China se, no dia 29 de julho de 2003, na cidade de Kunming, 20 mil fãs pagaram entre 20 e 100 dólares cada um para assistir a um jogo-treino entre o time titular do Real Madrid e os reservas?) As pessoas provavelmente estavam debatendo a polêmica Pérez-del Bosque até mesmo em algum lugar dos Estados Unidos, o último bastião pagão em que a última grande religião unificadora do mundo – a única que supera todos os credos, raças, ideologias e bandeiras – ainda não se firmou plenamente.

A questão acerca do Real Madrid, acerca deste Real Madrid, o que Florentino construiu, é que em um único time você tinha as mais veneradas divindades da religião – a santíssima trindade formada por David Beckham, Zinedine Zidane e Ronaldo – e, em Raúl, Luís Figo e Roberto Carlos, três outros que o transformam na equipe dos sonhos de praticamente todo técnico de futebol sério do mundo. Sete dos últimos jogadores do ano da Fifa jogavam neste time do Real Madrid. (Na vez em que eles perderam, quando Rivaldo foi o escolhido em 199, Beckham chegou em segundo; em 2001, Figo, Beckham e Raúl foram o primeiro, o segundo e o terceiro.) Ainda mais marcante , ainda mais inteiramente sem precedentes, este time tinha os melhores não de uma, duas ou três, mas de cinco das principais nações que jogam futebol: Inglaterra, Brasil, França, Espanha e Portugal. Nunca, em 150 anos da história do esporte, tal reunião de primeira do talento disponível no planeta esteve concentrada em um único clube. O futebol é jogado em todos os países do mundo. Milhões de pessoas, da floresta amazônica às montanhas do Tibete, chutam uma bola todos os dias. Milhões desses milhões sonham um dia se tornarem jogadores profissionais. E de todas essas almas inumeráveis, seis das melhores surgiram de três continentes, e ao final desse processo de destilação acabaram – ouro puro – no Real Madrid. Os galácticosé como os seis magníficos do Real são chamados na Espanha, como se fossem super-heróis de quadrinhos. E é exatamente assim, como jogadores que são maiores que a vida, como astros de outra galáxia, que a enorme fraternidade planetária do futebol os vê. E é na devoção que sua genialidade inspira, mais até que na questão menor de se eles ganham ou perdem, que repousa o apelo mundial do Real Madrid. É por isso que, se o futebol fosse a cristandade (embora seja Igreja Católica – a maior, mais pródiga denominação existente.

A devoção pode ser medida em números. Grandes empresas de todo o mundo ofereceram muito dinheiro para ligar seus nomes ao do Real Madrid. Além de um grande aumento de faturamento em função da frequência aos estádios, direitos de televisionamento e vendas de camisas, o clube tem ganhado muito dinheiro de empresas como Audi e Siemens, ansiosas para se associar na mente de seus clientes potenciais à cada vez mais poderosa marca “Real Madrid ” – duas palavras que, colocadas lado a lado, se tornam grandemente evocativas, trazendo à mente ideias de elegância, estilo e classe que nas mãos de marqueteiros espertos são ferramentas que podem ser utilizadas com um resultado muito lucrativo. Todas essas razões, e mais, explicam por que no final da temporada do futebol europeu de 2002/2003, antes mesmo da transferência de Beckham, o Real Madrid pela primeira vez superou o Manchester United como o clube mais lucrativo do mundo, segundo a revista World Soccer.

A categoria de Zidane
Tudo indicava que o Real Madrid, reforçado por Beckham Inc., consolidaria sua ascendência nos anos seguintes. Mas mesmo não tendo sido assim, tudo indica que o modelo de negócios de Florentino Pérez continuará a florescer. É uma forma revolucionária de administrar o futebol. A grande ideia de Pérez, desde o início de seu mandato de presidente, em 2000, foi a de que se você comprar os melhores jogadores, os melhores de todos, você vai ganhar no final, porque eles se pagam. É a mesma lógica adotada por produtores de Hollywood, quando decidem pagar enormes somas para convencer os grandes astros a participar de seus filmes. “Nós somos provedores de satisfação, como um estúdio de cinema”, explicou José Angel Sánchez, o exuberante diretor de marketing do Real Madrid, em uma entrevista à revista The Economist. “Ter um time com Zidane é como ter um filme com Tom Cruise.” A atração dos jogadores mais carismáticos do esporte é tal que sua simples presença irá, no mínimo, pagar seus custos. Assim, enquanto Pérez quebrava os recordes de passe mais caro para trazer Figo em 2000, quebrava-os de novo para trazer Zidane em 2001, e depois pagava outra fortuna por Ronaldo em 2002, o lucro do clube aumentava a cada ano.

Mas a revolução de Pérez tem outro lado. Homem de negócios de estrondoso sucesso, presidente da segunda maior empreiteira da Europa, ele não estava apenas mudando as práticas administrativas do futebol; estava destruindo antigas ortodoxias, alterando a concepção do esporte. Todas as vezes em que ele comprou outro superastro, mas especialmente quando comprou o garoto de ouro Beckham, os sumos sacerdotes do esporte – técnicos, ex-técnicos, ex-jogadores e colunistas de futebol – resmungaram que ele estava cometendo um grande erro; que, claro, Beckham tinha um ótimo passe de bola, mas que a prioridade era outra, que o time não tinha “equilíbrio”; que era necessário com urgência um novo cabeça de área, um meio-de-campo defensivo – homens fortes e duros que acrescentassem estabilidade à mistura já altamente refinada do Real. Pérez – e realmente é ele quem decide as coisas no clube – não acreditou em uma palavra disso. Foi em frente e apostou todo o seu dinheiro, e todo o seu prestígio, no talento. Puro talento futebolístico. “Los mejores”, diz ele, “Quiero a los mejores”. Os melhores, eu quero os melhores. Deixe que os outros times fiquem com os cabeças de área e os meio-campistas defensivos: contra nós, irão precisar deles!  

Extraordinariamente irresponsável. Alguns – especialmente na Itália, onde eles veem o futebol como uma versão mais complexa do xadrez – disseram que o homem era um suicida. E é verdade que, de acordo com a sabedoria inspirada do futebol, não há como administrar um clube de futebol sério. O Real Madrid de Pérez – às vezes chamado na Espanha de el Florentime– é o tipo de time fantástico de futebol que seria montado em um jogo de computador por um garoto de dez anos de idade sem qualquer sofisticação tática. Pérez defende a ideia de que, para dizer a verdade, o garoto de dez anos de idade sabe muito mais do esporte que os sumos sacerdotes. Embora, para fazer justiça aos sumos sacerdotes, a atrevida nova filosofia de Pérez seja baseada em uma premissa que eles mesmos nunca consideraram. A de que vencer não é o objetivo primordial do esporte. Você precisa competir, claro. Você precisa jogar no mais alto nível, o que significa a Copa dos Campeões da Europa – uma competição que apresenta um índice de qualidade muito mais confiável do que a Copa do Mundo. Você precisa sempre ser considerado um bom candidato a ganhar tudo. Mas, ganhe você tudo ou não, mesmo que o Real Madrid perpetue a grandiosa tradição de ter erguido muito mais copas europeias que qualquer outro, isso não é o princípio e o fim. O principal objetivo – o maravilhosamente lúcido diretor de esportes do Real o chama de “obrigação social” – é garantir o que eles em Madri chamam de espetáculo. Apresentar o melhor espetáculo da Terra. Emocionar. Mais do que a passageira felicidade da vitória, o que o Real Madrid aspira fazer é atingir um pouco da duradoura qualidade da arte, algo que toque as pessoas em todos os lugares, sempre.

Apenas assista a um jogo do Real Madrid, qualquer jogo, e mantenha os olhos fixos em Zidane. Veja-o girar e escapulir, com seu 1,87m, com a bola nos pés, e você entenderá o que Beckham queria dizer quando o descreveu como “uma ballerina”; você verá que a principal razão pela qual o inglês mais famoso do mundo queria jogar no Real Madrid era pelo privilégio, pelo puro prazer de atuar no mesmo grupo deslumbrantemente talentoso de seu ídolo – porque ele é o ídolo de todo mundo – Zidane.

                                         Aos 4'19, o golaço de Zidane com passe de Beckham

As fantasias futebolísticas mais extravagantes de Beckham se concretizaram em um dos primeiros jogos do campeonato contra o Valladolid. O jogador de melhor passe do jogo disse mais tarde que ele talvez nunca tivesse dado um passe melhor – mas que definitivamente ninguém tinha feito um gol mais bonito com uma bola passada por ele. Se você não viu, faça de tudo para conseguir um vídeo. Veja o passe de 45 metros de Beckham, observe a graça de seu movimento e a pureza da trajetória da bola enquanto ela sobe e cai, como um peso morto, no caminho de Zidane; então se encante com a forma mágica como – na corrida, em um movimento fluido – o francês pega a bola no ar com o pé esquerdo e a arremessa no lado oposto do goleiro no canto direito da rede.

O futebol de Zidane é arte. Arte que as pessoas estarão admirando daqui a 500 anos. E tem o grande mérito de não ser uma arte reservada aos iniciados, ao historiador de arte, ao melômano, ao leitor de Shakespeare e Cervantes. É a única forma de arte verdadeiramente globalizada, acessível a uma parcela da humanidade mais ampla do que qualquer outra arte antes. As pinceladas magníficas de Zidane tem uma qualidade maravilhosamente democrática. Elas produzem exatamente as mesmas reações – a mesma admiração, o mesmo deleite – no agricultor de subsistência de Ruanda e no banqueiro da City de Londres. E como toda arte, o que elas fazem é embelezar a condição humana, enriquecer a vida. Elas oferecem inspiração, oferecem prazer, oferecem – seja ao meu próspero amigo Sebastián passando por sua separação ou aos milhões de famintos da África – consolo para as tristezas da vida.

Joseph Conrad poderá se revirar no túmulo, mas sua definição de arte como algo que fala à “solidariedade (...) que liga os homens uns aos outros, que une toda a humanidade – os mortos aos vivos e os vivos aos não nascidos”: esta definição pode se aplicar com o mesmo valor tanto ao futebol quanto à musica, à literatura ou à pintura, quando o jogo é disputado com o esplendor e a genialidade dos homens de branco do Real Madrid.

Há outros belos times, outros grandes jogadores por aí no início do século XXI. Ronaldinho, do Barcelona; Van Nistelrooy, do Manchester United; Henry, do Arsenal; Totti, do Juventus; Kaká, do Milan; Ballack, do Bayern de Munique, são indivíduos capazes de levar o jogo a um patamar mais elevado. É só que – colocando de lado considerações tribais e examinando o que está disponível com olhos desapaixonados – os jogadores reunidos no Real o fazem com maior frequência, mais belamente e em um nível mais elevado. É por isso que a conversa que eu acompanhei no micro-ônibus em Majengo não deveria ser surpresa para mim, já que era óbvio que as pessoas estavam tendo exatamente a mesma conversa em micro-ônibus por todo o planeta Terra.

Ao voltar de Majengo para Nairóbi, tendo passado duas horas na clínica conversando com duas daquelas prostitutas imunes à Aids, fui almoçar no principal hospital universitário da cidade com um jovem médico que integrava a equipe que pesquisava por que aquelas mulheres tinham derrotado todas as probabilidades e evitado a infecção. O motivo pelo qual eu estava lá, em primeiro lugar, era para escrever uma reportagem de jornal sobre uma vacina para combater a Aids que os médicos quenianos estavam tentando desenvolver com base nas impressionantes defesas naturais das prostitutas. Eminentes catedráticos com os quais eu tinha conversado na Universidade de Oxford tinham dito que aquele era o mais ousado projeto do tipo no mundo. E, embora não fosse capaz de avaliar os méritos científicos do que estava acontecendo, eu estava bastante impressionado com o brilhantismo e a dedicação de pessoas como o jovem médico com o qual estava almoçando. Especialmente porque eu tinha entendido que um cientista capaz como ele, de apenas 27 anos de idade, poderia estar ganhando muito dinheiro se vendesse seu talento no exterior.

– Ah, sim – explicou ele –, mas para mim é um grande privilégio fazer parte dessa fantástica equipe de pesquisadores, realizando um trabalho tão importante para o mundo. Eu não trocaria isso por nada. Ao fazer parte desse grupo, sinto o que David Beckham deve estar sentindo ao fazer parte do Real Madrid.

Desta vez, não fiquei perplexo e boquiaberto, já que a viagem para Majengo me preparara para inesperadas alusões ao futebol. Foi o médico, e não eu, quem inicialmente levantou o tema do Real Madrid. Eu estava ali profissionalmente, conversando solenemente sobre Aids. Mas o que realmente me impressionou foi o que aconteceu a seguir. Algo de que eu sempre irei me lembrar como uma coincidência quase inacreditável. Não mais de cinco segundos depois de meu amigo médico mencionar o Real Madrid, meu telefone celular tocou. Atendi, e José Angel Sánchez, o chefe de marketing do Real Madrid – braço-direito e alter-ego de Florentino Pérez, e segundo homem mais poderoso do clube – se identificou. Era como ouvir uma voz de outro planeta, tão distante era o mundo opulento e ostentatório que ele habitava da vastidão vazia, cinza, de concreto do hospital em que eu estava e da imundície sórdida que eu tinha visto naquela manhã em Majengo.

Sánchez queria saber se eu poderia ir a Madri na semana seguinte para entrevistar Beckham para o canal de televisão do Real Madrid. Seria uma “exclusiva” mundial a ser transmitida para uma centena de países no dia de sua apresentação oficial como jogador do Real Madrid. Estávamos na quinta-feira, e a entrevista seria na terça ou na quarta-feira seguinte. O que dizer?

Aquilo era loucura. Eu estava na África fazendo uma reportagem sobre Aids, e durante todo o dia tinha havido referências ao Real Madrid e a Beckham. E agora eu estava sendo convocado a Madri para entrevistar o próprio homem. Estaria em andamento algum realinhamento planetário, com o Real Madrid e David Beckham no seu centro? Nem mesmo no coração da África era possível fugir deles. Nem por um só minuto.

Mas a resposta à pergunta de Sánchez não foi imediatamente óbvia para mim. Tinha acabado de chegar ao Quênia, a primeira parte de uma viagem de reportagem de duas semanas por quatro países da África que eu tinha passado mais de um mês diligentemente organizando. Podia eu jogar todo esse trabalho fora, me obrigar a recomeçar novamente a tarefa paciente de marcar encontros em Ruanda, África do Sul e Angola? E havia mais: eu tinha ido à África em uma missão de peso. Escrever sobre a Aids, o terrorista da natureza, o assassino que todos os dias, sem exceção, matava duas vezes mais pessoas que aquelas que morreram no World Trade Center em 11 de setembro de 2001. Eu também iria escrever sobre guerra, pobreza e fome: em resumo, sobre a difícil situação dos povos mais abandonados e mais desesperados do mundo. Iria eu abandonar essa empreitada fabulosa para partir e entrevistar David Beckham? Minha consciência me permitiria esquecer isso? Tendo passado 20 anos de minha vida como jornalista cobrindo guerras, denunciando violações dos direitos humanos, defendendo, o quanto podia, os desventurados da Terra, seria eu agora acusado de uma frívola e irresponsável negligência para com o dever?

Disse a Sánchez que não podia dar conta daquilo naquele momento e que telefonaria para ele mais tarde. Então, me virei para o médico – aquele herói africano, o nobre oposto da cigarra frívola em que eu estava prestes a me tornar – e, embaraçado, expliquei a situação difícil em que me encontrava. Sua primeira resposta, bastante perplexa foi:

– Por que você?

edição inglesa de Anjos Brancos
Previsivelmente, ele imaginara que eu fosse um correspondente estrangeiro e não um jornalista esportivo. Eu disse que sim, que ele estava certo. Vagar por favelas em países pobres e conversar com pessoas como ele sempre tinha sido minha ocupação principal. Mas, nos últimos anos, minha paixão por futebol tinha convergido para minhas obrigações profissionais.

Sou meio-britânico, meio-espanhol e, tendo passado sete anos de minha infância em Buenos Aires (onde eles são provavelmente mais malucos por futebol do que em qualquer outro lugar do planeta Terra), era meu destino ser um fanático por futebol por toda a vida. O outro país em que cresci foi a Inglaterra, onde o esporte foi inventado. Muito mais tarde, quando me mudei para a Espanha, fui cativado pela paixão e pela arte do futebol espanhol, logo chegando a conclusão – partilhada pela maioria dos connoisseurs de futebol, eu suponho – de que o campeonato espanhol era o melhor do mundo. E foi assim que eu comecei a escrever cada vez mais sobre futebol. Inevitavelmente, era sobre o Real Madrid que meus editores britânicos queriam ouvir. Um dos motivos pelos quais recebi aquele telefonema impressionante foi que, ao começar a escrever sobre futebol, tinha entrevistado Pérez e Sánchez no Real Madrid e nós tínhamos nos dado bem. O fato de ser bilíngue ajudou. Mas percebi que a principal razão pela qual o Real Madrid queria que eu fizesse aquela entrevista era porque eu conhecia os mundos do futebol britânico e do futebol espanhol, falava inglês – e, portanto, esperava-se que eu deixasse Beckham mais à vontade que um jornalista espanhol na primeira grande entrevista dele para o seu novo time em solo espanhol.

Mas chega de autobiografia. O que eu precisava naquele momento, e com urgência, era de conselhos.

– O senhor é médico – disse eu. – Confio em médicos. Tenho essa grande escolha a fazer. Então me diga: o que devo fazer?.

Carlin é também autor da biografia de Mandela
Ele sorriu o sorriso do homem bom, sábio, de princípios cristalinos.

– Meu amigo – disse ele, abrindo um grande e radiante sorriso –, quando o trem chega, você precisa pegá-lo.

Ele estava certo. Sabia que ele estava certo. Telefonei para Sánchez e disse-lhe que estava pegando o trem. Que eu estaria em Madri na noite de segunda-feira.

Antes disso, fiz uma parada rápida em Ruanda, passei o domingo antes de minha volta no interior daquele pequeno país no coração geográfico da África, entrevistando as pessoas mais traumatizadas do mundo: as vítimas e os assassinos da maior atrocidade que o mundo tem visto desde a Segunda Guerra Mundial, o genocídio que começou em abril de 1994, no qual a população de etnia hutu de Ruanda, a maioria do país, se ergueu contra seus compatriotas tutsis, matando um milhão deles em 100 dias – quase todos eles cortados em pedaços com facões. Naquela noite, fui tomar um drinque com um general de Ruanda, um tutsi que tinha perdido a maior parte de sua grande família no genocídio, que levara um tiro no rosto e tinha a cicatriz para provar, e integrara a força rebelde que libertara o país pondo fim à matança, em junho de 1994. Mas eu já tinha tido histórias horríveis demais. Assim como ele. Conversamos sobre futebol.  Sobre – o que mais? – o Real Madrid e a transferência de Beckham. Como o Manchester United tinha permitido que ele partisse por tão pouco dinheiro? O que o técnico do Manchester, Alex Ferguson, estava pensando? Em que posição Beckham iria jogar? Ele não corria o risco de fracassar de forma terrível, jogando com aqueles atletas tão fantasticamente talentosos? E Ronaldo: tinha voltado à sua forma sensacional, mas as pessoas não temiam que ele tivesse uma recaída de sua terrível lesão no joelho? E Roberto Carlos, e Zidane, e Figo, e Raúl: eles não eram absolutamente fantásticos? E, por falar nisso, por que Pérez se livrou de seu técnico vencedor, del Bosque?

Vinte e quatro horas mais tarde, eu estava em um hotel cinco estrelas de Madri, preparando minha entrevista com Beckham. Fui bem.

Um mês mais tarde, após ter ido à África mais uma vez, então para concluir meu trabalho, recebi um telefonema de James, um amigo americano que trabalha para a ONU. Ele tinha estado na Suécia com dois garotos de oito e 12 anos de idade, filhos de um bom amigo que pouco tempo antes tinha morrido muito jovem de uma doença. Esperando divertir um pouco os dois garotos e fazer com que eles pensassem em outras coisas, James mencionara que tinha um amigo que entrevistara Beckham. “O queixo deles caiu”, disse James.

– Eles ficaram parados lá, impressionados, mudos, fascinados e admirados de que eu – um pobre infeliz – tivesse um amigo que tinha sentado e conversado com David Beckham.

John Carlin
Foi naquele momento, ou muito pouco depois, que James compreendeu que eu tinha de escrever um livro sobre o Real Madrid de Beckham. Telefonou para me dizer isso e eu percebi imediatamente que ele estava certo. Ei-lo.
     

O Jogo do Senta

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Este livro demonstra até onde o futebol motiva tanta polêmica e paixão entre seus torcedores. Um jogo ocorrido há 70 anos, mais exatamente, no dia 11 de setembro de 1944, entre Flamengo e Botafogo, rendeu histórias, lendas e muita polêmica entre os torcedores dos dois clubes.

Jogo do Senta – A Verdadeira Origem do Chororô (Editora Livrosdefutebol.com) tem como autor uma figura queridíssima no Rio de Janeiro, o professor Paulo Cezar Guimarães, botafoguense de quatro costados.

Apresentação
Por PC Guimarães

Reprodução jornal Diário da Noite, 11/9/44
Alô, Torcida do Flamengo, aquele abraço!

Vou logo avisando: sem choro, por favor! Este livro não é uma obra de ficção, e, muito menos, é sobre o Flamengo. É, sim, sobre uma vitória histórica do Botafogo contra um dos seus principais adversários em âmbito regional e sobre um fato marcante na história do futebol brasileiro que completa 70 anos em setembro de 2014. Data redonda ou efeméride como gostam de destacar os jornalistas. O jogo poderia ter sido contra o Flamengo, contra o Vasco ou contra o Fluminense.

Se Jogo do Senta – a Verdadeira origem do Chororô tivesse sido escrito para falar do Flamengo, como alguns dos meus amigos flamenguistas andaram pensando (ou melhor, chorando), seria uma boa falar da “lenda urbana” que diz que Gilberto Gil usou a frase “Alô, Torcida do Flamengo, aquele abraço!” para zoar os flamenguistas por causa de uma derrota do Flamengo num jogo contra o Fluminense em 1969. No site de Gilberto Gil, no entanto, nada consta sobre essa história: “Meses depois de solto, eu vim ao Rio tratar da questão da saída do Brasil com o Exército. Na manhã do dia da minha volta para Salvador, fui visitar Mariah Costa, mãe de Gal; ali, na casa dela, eu ideei e comecei Aquele Abraço. Finalmente eu ia poder ir embora do País e tinha que dizer ‘bye-bye’; sumarizar o episódio todo que estava vivendo, e o que ele representava, numa catarse. Que outra coisa para um compositor fazer uma catarse senão numa canção? (...) ‘Aquele abraço, Gil!’– Era assim que os soldados me saudavam no quartel, com a expressão usada no programa do Lilico, humorista em voga na época, que tinha esse bordão. Ele até ficou aborrecido com a música; achou que deveria ter direito à canção. Mas eu aprendi a saudação com os soldados. Eu não tinha televisão na prisão, evidentemente, mas eles assistiam o programa; eu só vim a ver depois, quando saí.”

Quando pensei em escrever este livro sobre o “Jogo do Senta”, ouvi e li as mais esdrúxulas desculpas dos flamenguistas: “Esse jogo não existiu”, “isso é uma calúnia”, “quero ver você provar”, “cadê as fotos?”.

Depois que mostrei no Blog do PC (www.blogdopcguima.blogspot.com.br] e no Facebook (https://www.facebook.com/pc.guimaraes.7) a foto dos jogadores do “Mais Querido” sentadinhos em campo, as desculpas passaram a ser: “Ah, mas esse jogo foi ‘no tempo do onça’ ou ‘no tempo em que Dondom jogava no Andaraí’”.

Flamenguistas são seres estranhos, muito estranhos. Para eles, qual o conceito de passado? 1981, quando conseguiram a Copa Toyota no Japão num jogo contra um time de “embriagados ingleses”, como dizem as pessoas más, não é passado? E quando choram até hoje por causa do gol do Maurício em 1989? 1989 não é passado?

Jogo do Senta – A verdadeira origem do Chororô, repito, é apenas uma lembrança de um jogo histórico que aconteceu em 10 de setembro de 1944 e um resgate de outros célebres jogos em que um time reclamou da arbitragem por causa de um lance ou uma determinada situação que teria favorecido o adversário.

Tudo documentado através de pesquisas em jornais e entrevistas com personagens envolvidos nesses jogos ou “testemunhas oculares” da História.

Não tem achismo. Tem o que poderia se chamar de “aspismo”. É claro que por resgatar principalmente um – vá lá – polêmico jogo entre Botafogo e Flamengo não pude deixar de fazer uma comparação entre o que aconteceu em 1944, quando o Flamengo sentou em campo, após tomar o quinto gol de uma goleada de 5 a 2; com o chamado “Jogo do Chororô”, em 2008, quando jogadores, técnico e Presidente do Botafogo se reuniram no vestiário para reclamar da arbitragem – e, vá lá, chorar.

As pesquisas e entrevistas realizadas para a produção do livro acabaram provando por a mais b – ou B mais F – quem é o maior chorão do futebol carioca, talvez do Brasil, quiçá do mundo. Tudo, como disse, documentado com fatos.

Botafogo, campeão de 1995
Quando tentam justificar o que aconteceu em 2008 (e também em 2007 e 2009; e não cabe aqui recordar) alegam que: o Botafogo foi campeão Brasileiro em 1995 graças a um suposto impedimento de Túlio Maravilha mostrado incessantemente ao longo dos anos por um tira-teima global, campeão contra o mesmo Flamengo em 1989 graças um suposto empurrãozinho de Maurício no Leonardo e, pasmem, ganhou do Atlético Mineiro em 2007 graças a um pênalti não marcado por Carlos Simon no jogador do Galo. Em mais de 100 anos de história do Glorioso lembram apenas de três “graças”, ou melhor, de três supostos lances em que o Botafogo teria sido beneficiado. E os outros jogos em que, dizem, o Botafogo foi garfado?

Em 14 de agosto de 2007, após uma das muitas partidas em que o alvinegro foi prejudicado pela arbitragem, o jornalista Renato Maurício Prado escreveu em sua coluna: “Em tempo: o Botafogo foi, uma vez mais [grifo meu], prejudicado. Continuo a não crer em complô. Mas que está ficando estranho, está”.

Imparcial como todo jornalista Botafoguense, procurei ouvir sempre os dois lados das histórias. Não foi à toa que fiz questão de entrevistar Djalma Beltrami, o árbitro que, ao marcar um impedimento inexistente de Dodô, apontado pelo assistente Hilton Moutinho, ajudou o Flamengo a conseguir o primeiro dos três “Carioquinhas” seguidos em cima do Botafogo e, dizem alguns botafoguenses, foi a origem do protesto do ano seguinte. Marcelo de Lima Henrique, árbitro do chamado "Jogo do Chororô", também foi procurado. Marcou duas entrevistas e deu bolo. Em uma, na Federação de Futebol do Rio de Janeiro, próximo ao
Maracanã, saiu antes da hora marcada. Na outra, no quartel do Centro de Educação Física Almirante Adalberto Nunes (CEFAN), na Avenida Brasil, onde exerce também a função de Primeiro-Sargento Fuzileiro Naval, deixou um recado na portaria dizendo que tinha saído para “uma missão”. Depois, não retornou mais as ligações. Tremendo furão!

Ouvi dirigentes, jogadores de futebol, técnicos, jornalistas, árbitros e testemunhas oculares do “Jogo do Senta”. Tirando estes últimos, poucos disseram ter ouvido falar do jogo, como Carlos Roberto de Carvalho, que formou com Gérson Canhotinha de Ouro um dos maiores meios de campo da história do Botafogo e do Brasil:

Globo Sportivo, 15/9/44 - Plateia e Domingos da Guia, no destaque
– Ouvíamos essa história que o Botafogo aplicou uma goleada no Flamengo e o rubro-negro sentou em campo pra não tomar de mais. Sempre houve essas histórias de goleada entre grandes times. Eu, por exemplo, tive o prazer também de, em 1972, participar de uma goleada que a gente aplicou no mesmo Flamengo, por 6 a 0, justamente no dia do aniversário do clube. Nesse dia eles não sentaram. Mas pediram pra gente não fazer mais gols. Preferiram levar olé, coisa que eles não gostavam e os jogadores do Botafogo faziam naquela época. Trocaram uma goleada histórica por um olé. Mas, realmente, o sexto gol foi feito quase no finalzinho do jogo e não havia tempo de fazer mais (risos).

Embora seja um dos mais ferrenhos alvinegros da face da terra, Carlos Augusto Montenegro, que dispensa apresentações e foi presidente do Botafogo em 1995 quando o clube ganhou o Campeonato Brasileiro em cima do Santos, nunca ouvira falar do “Jogo do Senta”:
– Depois que falei com você por telefone, fui conversar com algumas pessoas e poucas sabiam do jogo. Difícil, né? O jogo foi em 1944 e quem tinha 14 ou 20 anos na época, teria que ter nascido em 1930 ou 1924. Com certeza, alguns Grandes Beneméritos do Botafogo foram ao jogo.

Gozador como sempre, o ex-presidente do Botafogo provocou:
– Eu adoraria ter visto isso. Gostaria de ter visto o Flamengo sentado em campo depois de levar uma goleada. Não vi, mas vou esperar seu livro sair para ver.

A Rivalidade que Atravessa Gerações
Por Roberto Porto (Eminente jornalista e escritor Botafoguense, Benemérito do Botafogo F.R.)

Globo Sportivo, 15/9/44, poster da vitória
Minha mais antiga recordação de um jogo do Botafogo tem a data da final do Carioca de 1948 –12 de dezembro. Morava com meus pais e irmãos em Laranjeiras e, um dia, voltando pra casa de lotação, passei com minha querida mãe em frente ao campo do Botafogo, aquele simpático estadinho destruído pela modernidade burra e que tantas vezes frequentei depois, por prazer e obrigação profissional.

Naquele tempo, a Cidade era mais silenciosa que hoje e não era normal tão grande aglomeração de pessoas nas ruas. Então, depois de um “urro” uníssono por trás dos muros altos, mamãe esclareceu que estava acontecendo ali um jogo do Botafogo.

Na passagem do lotação por um portão, ainda vi, de relance, os torcedores e o campo. Jamais esquecerei disso.

Como o PC Guimarães dirá no curso desse livro, já que me procurou para uma entrevista na tentativa de recuperar uma efeméride mais velha que andar pra frente, meu querido tio Júlio Lopes Fernandes, botafoguense do chapéu às polainas, detestava o “Simpaticíssimo” e eu custei a saber a razão.

Esportista – aplaudia os adversários quando entravam em campo; militar, não admitia que um time não soubesse perder.

Até que um dia – faz tempo isso – me relatou o verdadeiro “mico” que o Simpaticíssimo pagou em General Severiano, com seus jogadores sentando em campo aos 31 minutos do segundo tempo, para estupor de jogadores, dirigentes e torcedores do Glorioso alvinegro.

Mas, afinal de contas, o que teria acontecido de tão marcante, precisamente naquela tarde ensolarada de um domingo, 10 de setembro de 1944?

Para o “Simpaticíssimo”, apenas um tropeço – obviamente, inesperado – na rota para o merecido tricampeonato. Para os torcedores botafoguenses, porém, apesar da vitória de 5 a 2, ficou um travo amargo na garganta.

O chute de Geninho, forte e em curva, a bola batendo no ferro da rede, quicando dentro do gol e repicando para fora, para criar confusão e fazer História.

Numa época romântica e cavalheiresca como aquela, era imperdoável o adversário não aceitar uma derrota, principalmente por tantos gols de diferença.

Talvez esteja aí a origem da rivalidade que atravessa gerações.

E que o jornalista e professor PC Guimarães, desbragado botafoguense, meu herdeiro na alvinegra tarefa de sempre gozar os adeptos do time da beira da Lagoa, recupera com requintes de correção histórica.

Ele mostra a história, mostra o porrete e sacramenta: sentaram pra não perder de mais. Poderia ter sido pior. E choram as pitangas até hoje.

Sobre o autor:
PC Guimarãesé jornalista e professor da Faculdade Hélio Alonso, no Rio de Janeiro. Trabalhou com muito orgulho no "O Globo", mas, por sua reconhecida e radical imparcialidade, nunca quis cobrir a área de esportes. É botafoguense porque não gosta de torcer para times comuns e porque viu Rogério, Gérson, Roberto, Jairzinho e Paulo Cezar Caju jogando juntos no Botafogo. Escreveu "Edição de Impressos", livro sobre Jornalismo, para as Faculdades CCAA (2010). É autor do Blog do PC (blogdopcguima.blogspot.com.br) e editor do blog sobre o Botafogo no site do Jornal do Brasil.

Crônicas de um Peladeiro

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Os estudos acadêmicos com reflexões sociológicas sobre o futebol que se transformam em livros da literatura esportiva, muitas vezes, são de leitura difícil. Michel Yakini, um estudante de Letras da USP, a Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), traz ao leitor com o seu novo livro Crônicas de um Peladeiro (Edição do autor), uma maneira descontraída e sedutora para “passear” pelo universo de grandes autores e suas obras relacionadas ao mundo do futebol.   


Apresentação
Por Michel Yakini

Crônicas de um Peladeiroé o terceiro livro do escritor Michel Yakini e seu primeiro dedicado somente ao gênero de crônicas. O livro surgiu de um projeto que previa publicar, no final de 2012, produções na internet que tivessem como mote central o futebol e suas diversas facetas.

Ao longo do processo essa escrita foi ganhando corpo e muitas crônicas desse projeto permaneceram inéditas, o que motivou Michel Yakini a realizar uma publicação específica.

Desde então, uma intensa pesquisa e leitura de textos fundamentais tiveram início. O autor dedicou-se às obras clássicas como O Negro no Futebol Brasileiro (Mário Filho); Veneno Remédio (José Miguel Wisnick); Futebol ao Sol e a Sombra (Eduardo Galeano); até antologias, biografias e livros de autores consagrados como Nelson Rodrigues; Armando Nogueira e Paulo Mendes Campos. Em uma pesquisa extensa procurou investigar formas literárias e reflexões sociológicas acerca do futebol.

Desta busca, Yakini fez trança com uma paixão antiga, seja nas andanças pelos saudosos campinhos de terra em Pirituba - seu bairro de origem -, seja nas ‘peladas’ na quadra da escola, nas ligas amadoras de futsal, nas várias tentativas em ser jogador profissional, nas caneladas pelos times de várzea quando moleque ou na curta passagem como adulto, além das memórias de arquibancada (ora gloriosas, ora tristes). 

Portanto, Crônicas de um Peladeiro dá conta de uma narrativa diversa, que relaciona o futebol como parte de uma sociedade contraditória, mas que aponta o quanto esse imaginário move paixões, além de ser fonte de beleza e poesia. Isso sem jogar pra escanteio o objetivo essencial do autor: o de produzir uma obra literária, digna de ser lida, independente do tema predominante.

Literatura na Arquibancada destaca abaixo uma das crônicas do autor.

Mané Garrincha de Lima Barreto
Por Michel Yakini

Muitos acreditam que a mentira só deixa de ser imoral na excelência dos escribas, já no futebol a mentira é camisa dez. Há tempos, decide, dita o ritmo da peleja, no vai-não-vai, fez-que-foi-mas-não-foi, no da vaca, na pedalada, no chapéu, na paradinha, no rolinho. Se você aprecia literatura e futebol ou uma das duas artes, sabe que tem um bom gosto por mentiras.

Não há nada mais mentiroso que um drible, o momento mais poesia da bola. O drible é um concreto fingimento, uma enganação. Todo driblador é imoral, cafajeste, sangue frio, não tem piedade de quem mal conhece como fazia Mané Garrincha com seus Joões.

Na literatura, a mentira também é tempero essencial. Mesmo quando os livros nos envolvem em fatos reais, o escritor - malicioso como um atacante -, nos transporta ao seu mundo pela mentira.

Acreditamos em suas palavras, imagens, cores, rostos, criados pela mágica da engabelação; ou será que Castelo seria contratado como professor de javanês, pelo Barão de Jacuecanga, se não fosse pelo 171 perspicaz de Lima Barreto?

O que dizer do pandemônio que virou a pacata Tubiacanga, uma cidade revirando defuntos para desvendar o segredo do ouro de Raimundo Flamel? Esse é um dos maiores dribles da literatura brasileira, como a jogada clássica de Mané na ponta direita, que desnorteou os gringos na Copa de 62, uma história canônica, como éA Nova Califórnia.

Na bola e na página a mentira é uma entidade, sobrenatural. Para deixar de ser o humilde Manuel Francisco e se tornar o eterno Mané Garrincha, ir de um simples Afonso Henriques a um célebre Lima Barreto, é preciso, antes de tudo, ser um mentiroso de alma.

Na bola e na página a mentira não requer técnica, senão os melhores mentirosos viriam das escolinhas de futebol ou dos cursos de criação literária. Para ser um mentiroso imortal é preciso poetar com bola, é preciso driblar com a caneta.

Na página, o leitor é como um torcedor fanático, e deve estar de poros abertos para sentir as mentiras que os escritores pregam, pois todo torcedor e todo leitor gosta mesmo é de sentir mentiras que valem a pena, daquelas que depois de um gol ou ao final de um romance, dizemos: “Essa sim é uma verdadeira mentira!”.

Ninguém gosta daquele zero a zero truncado, sem chute a gol, com uma falta a cada dez segundo, dá sono. É como um livro mal escrito, que a gente larga no meio e deixa esquecido, o jogo se apaga da memória e o livro se cobre de poeira em um canto qualquer.

Os boleiros, assim como os escritores, aplicam sua magia com a caneta, um debaixo das pernas de um João, o outro costurando palavras como num gol antológico, em ambos os casos é preciso fôlego e uma boa estratégia.

Os mais experientes ensinam que nas pelejas, quem corre não é o jogador, é a bola, e nas letras as histórias fluem com vida própria, não se deve aprisioná-las.

Lima era um prosador ousado como um ponta, craque com as letras. Garrincha mal sabia ler, assinou até contrato em branco, mas escrevia poesias com as pernas tortas. Mané, provavelmente, não gostava de literatura, assim como Lima odiava football. Mané foi o Lima da bola e Lima o Garrincha da página. Tornaram-se imortais, por serem sacerdotes de mentiras sagradas. Por pouco não foram contemporâneos. Uma pena! Se os dois se encontrassem para tomar um trago, é certo que ainda assim fariam uma boa tabelinha.

Sobre o autor:
Michel Yakini é co-fundador do Coletivo Literário Sarau Elo da Corrente e atuante no movimento de literatura das periferias de São Paulo. É estudante de Letras da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) e representante Regional da Fundação Cultural Palmares em SP, além de colunista do Jornal Brasil de Fato. Na caminhada, carrega na bagagem atividades relacionadas à cultura negra, periférica, arte-educação e criação literária. Publicou "Desencontros" (contos, 2007), "Acorde um verso" (poesia, 2012) e a nova obra intitulada "Crônicas de um Peladeiro" (2014). Conheça sua página na internet: www.michelyakini.com.
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