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A Copa das Copas?

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Um “time” de mestres, literalmente, deixa para a literatura esportiva um documento histórico. “A Copa das Copas? Reflexões sobre o Mundial de 2014 no Brasil” (Edições Ludens”), teve a organização do professor José Carlos Marques, da Unesp, em parceria com o Ludens e o GP de Comunicação e Esporte da Intercom. A obra reúne alguns dos principais pesquisadores sobre o futebol da universidade brasileira.

Literatura na Arquibancada agradece ao prof. José Carlos Marques, a cessão do link com o e-book completo para leitura:

Prefácio
“As minhas copas”
Por Prof. José Carlos Marques

Prof. José Carlos Marques
No dia 27 de maio de 1998, a poucos dias do início da Copa do Mundo da França, o escritor Luís Fernando Verissimo publicava no Jornal do Brasil e em O Estado de S. Pauloa crônica intitulada “A do Pelé”. Ao longo do texto, o cronista gaúcho comentava as contradições que envolveram o Mundial do México de 1970 e o período no qual o Brasil assistia à Ditadura Militar instituída em nosso país em 1964. Tratava-se de um momento em que, segundo o mesmo Verissimo, vivíamos “numa espécie de clandestinidade clandestina”, pois aquela competição fora disputada num clima de ambiguidades entre o apoiar e o não apoiar a Seleção Brasileira. Ainda nas palavras dele, “Nunca foi tão difícil e nunca foi tão fácil torcer pelo Brasil. Difícil porque torcer era uma forma de colaboracionismo, fácil porque o time era de entusiasmar qualquer um.”.

O que me chama a atenção nessa crônica, entretanto, é seu primeiro parágrafo, no qual o autor subordina temporalmente nossa vida em torno do ciclo quadrienal cumprido pelas Copas do Mundo:

Como o personagem do poema de T.S. Eliot que podia medir sua vida em colherinhas de café, podemos medir nossos últimos 28 anos em Copas do Mundo. Foram sete, cada uma correspondendo a uma etapa do nosso relacionamento com o futebol, ou com a Seleção, que é o futebol depurado das suas circunstâncias menores, e portanto com o país.

No meu caso particular, posso afirmar que este ciclo teve início em julho de 1966, quando eu ouvia, de dentro da barriga de minha mãe, as comemorações de meu pai, de meus tios e de meu avô ao ouvirem, pelo rádio, as façanhas que a Seleção Portuguesa realizava na Copa da Inglaterra por meio do virtuosismo de craques como Torres, Coluna, Eusébio & Cia. Fui nascer apenas em outubro daquele ano, já em meio à ressaca do terceiro lugar conquistado por Portugal em campos ingleses, mas quatro anos depois eu já era submetido a novo batismo de fogo, agora acompanhado de um irmão de apenas seis meses, com quem eu julgo ter assistido aos festejos do tricampeonato brasileiro, na tal “Copa do Pelé”.

Digo isto porque, à semelhança do Verissimo e à semelhança do personagem do T.S. Eliot, tenho a impressão de que também posso medir minha vida em Copas do Mundo. Contando com a de 1966, que certamente incubou o futebol no líquido amniótico que me alimentava até então, já posso contabilizar 13 Copas, incluída a de 2014, realizada no Brasil (e, para quem gosta de números, o título deste livro também tem 13 letras!). Lembro e relembro de fases da minha existência (como a infância, os tempos de colégio, a chegada à universidade, o casamento, o início do Mestrado e do Doutorado etc.) fazendo correlações com o que acontecia no mundo a partir das realizações dos mundiais de futebol. É como se o sentido evolutivo da vida fosse dado em anos pares, sempre de quatro em quatro anos, com um jogo que opunha indivíduos de lado a lado brigando pela posse de uma bola.

O que os artigos aqui reunidos querem fazer é algo bastante similar, ou seja, interpretar os fatos e circunstâncias que envolveram a Copa do Mundo de 2014 e perceber de que forma um acontecimento esportivo consegue dotar-se de tanta significação em meio à sociedade brasileira, influenciando e marcando a cena cotidiana por inúmeras semanas, antes e depois de o evento ter ocorrido. Quais imbricações culturais, políticas, sociais, econômicas, entre outras, são e foram operadas com a realização deste megaevento na Terra Brasilis? Tanto ou mais importante do que a academia discutir e debater a organização da Copa-2014 antes de ela começar era a academia voltar-se a este evento após a sua realização e procurar dar sentido a ele. Daí o significado desta iniciativa.

Para tanto, foram convidados alguns pesquisadores que, nos últimos anos, vêm sendo responsáveis por incluir e manter o esporte, de forma geral, e o futebol, em particular, na agenda da pesquisa e da discussão acadêmica no Brasil. Nenhum dos autores aqui presente caiu de paraquedas na obra, e muitos já solidificaram suas carreiras por meio das investigações e da dedicação que destinam a este tema em suas universidades. O leitor pode estar certo de que tem em mãos um retrato abrangente dos principais grupos e pesquisadores contemporâneos que tratam do futebol na universidade brasileira, nem que, para isso, tivéssemos que recorrer a um estrangeiro, mas que mantém presença constante nos eventos e congressos acadêmicos em nosso país. A lamentar temos apenas a ausência de alguns poucos atletas, que não puderam atender ao chamado, ora porque estavam sobremaneira atarefados, ora porque entregues “ao departamento médico” durante os meses em que este livro foi composto.

Ainda que estejamos não muito distantes dos acontecimentos da Copa de 2014, penso que a massa crítica aqui presente cumpre positivamente o princípio basilar da pesquisa acadêmica: reunir ou investigar informações sobre um determinado assunto com a intenção de compreendê-lo melhor a partir de variados aspectos. Esta obra realiza tal tarefa por meio de leituras diferentes, por vezes contrastantes e opostas, mas sempre com a riqueza do olhar e com a graça da polifonia. E não seria demais afirmar que, se estivessem em campo, os artigos cá reunidos jamais perderiam por 7 x 1, qualquer que fosse o adversário!

Por último, cabem alguns agradecimentos: aos autores, inicialmente, pela gentileza em aceitar a convocação e por retribuírem a ela com sua contumaz habilidade crítica; ao GECEF (Grupo de Pesquisa e Estudos em Comunicação Esportiva e Futebol), por meio do qual a obra pôde ser pautada e organizada; ao Departamento de Ciências Humanas da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da UNESP/Campus de Bauru, pelo auxílio e financiamento de sua publicação; ao Grupo de Pesquisa em Comunicação e Esporte da Intercom, pela parceria no agendamento das discussões que culminaram com o lançamento deste projeto; e às Edições Ludens, pela colaboração na reta final com a edição dos materiais.
Boa leitura!

Apresentação
Por Ary José Rocco Júnior

A belíssima imagem do Cristo Redentor, iluminado em verde e amarelo, com o Estádio do Maracanã ao fundo, banhado por intensa queima de fogos, correu o mundo na noite do dia 13 de julho de 2014. Estima-se que mais de um bilhão de pessoas tenham visto essa imagem em todo o mundo.

Minutos antes, Philipp Lahm, capitão da seleção da Alemanha, havia erguido a Taça FIFA, cobiçado troféu entregue à seleção campeã do mundo de futebol. Estava encerrada, pelo menos de forma simbólica, a principal competição esportiva do planeta, e, com ela, mais um importante capítulo da história recente do Brasil.

Desde o dia 7 de outubro de 2007, quando o país foi oficializado pela FIFA como sede de sua competição mais importante, o Mundial de seleções, o Brasil viveu um dos períodos mais interessantes de sua rica trajetória. Ao contrário daquilo que o senso comum imaginava, por ser o “país do futebol”, a escolha do Brasil como sede da Copa do Mundo de 2014 evidenciou as principais contradições de uma jovem nação que ainda amadurece em suas instituições políticas, sociais e econômicas.

Aquilo que parecia ser motivo de festa para o país, a celebração de seu esporte favorito e do seu principal motivo de identificação no cenário internacional, foi alvo, internamente, de manifestações populares que explodiram por todas as principais cidades do Brasil, em busca de uma sociedade mais justa e democrática. A realização do evento no país estava em xeque.

Celebrada por uns, criticada por outros, a Copa do Mundo de 2014 marcou, assim, um dos momentos mais importantes da história recente da República, em que conceitos como democracia, cidadania, responsabilidade social, transparência, mobilidade urbana, capacidade de sediar o evento etc., foram amplamente discutidos por toda a sociedade brasileira.

Mais uma vez, como sempre ocorreu em sua história moderna, o futebol expôs de forma clara as contradições históricas da sociedade brasileira. Contradições essas que explicitaram diversos pontos de vista da importância, ou não, do evento Copa do Mundo para o Brasil. Da capacidade do país em organizar o evento até a discussão sobre o que restaria como legado da competição para a sociedade brasileira, diversos temas, com um espectro extenso e variado de opiniões, foram debatidos em um Brasil que sofre “na pele” a dureza de seu processo de amadurecimento democrático.

É essa riqueza de pontos de vista – cultural, social, político, econômico, jurídico, midiático, esportivo – sobre a Copa do Mundo de 2014 que o público encontrará nesta obra, A Copa das Copas?, que o GECEF (Grupo de Pesquisa e Estudos em Comunicação Esportiva e Futebol), apoiado pelo Grupo de Pesquisa em Comunicação e Esporte da Intercom e pelas Edições Ludens, coloca à disposição do público leitor, interessado ou não no futebol brasileiro.

Isso mesmo, amigo leitor! A obra não se destina apenas aos fãs, estudiosos ou pesquisadores do esporte mais importante do país. A Copa das Copas?, pela importância da realização do Mundial em nosso país, transcende o universo do futebol. O livro é, antes de ser um livro sobre esporte, um olhar sobre o Brasil contemporâneo, suas contradições, dúvidas e angústias, evidenciadas pela organização do evento mais visto em todo planeta.

A importância cultural do futebol no país, principalmente na construção da identidade do “ser brasileiro” em tempos de megaeventos marca presença nesta obra. Afinal, “Copa pra quem?”. Assim como ocorrera com o Mundial de 1950, a Copa do Mundo de 2014 trouxe vasta contribuição para a construção do imaginário popular do brasileiro. Leia o livro e veja como.

A mídia, parceira inexorável do esporte, também esteve presente de forma marcante no Mundial. Em um livro sobre comunicação e esporte, a cobertura midiática do evento não poderia deixar de chamar a atenção dos pesquisadores da área. “A Copa das Copas?” também lança seu olhar sobre esse tema.

A idolatria sobre o ídolo jovem Neymar e a evolução das transmissões esportivas também fazem parte da pauta de discussão da obra do GECEF. O livro lança novas discussões sobre o papel da mídia na construção do imaginário popular e na sua importância para o desenvolvimento tecnológico das relações cada vez mais fortes entre os meios de comunicação e os megaeventos esportivos.

Alemanha e Argentina fizeram o duelo final da Copa do Mundo de 2014.

A Copa das Copas? reproduz em suas páginas o confronto que decidiu a competição. Porém, ao final da leitura do livro, o leitor não encontrará o campeão. Conhecerá, sim, a visão dos finalistas sobre a competição realizada no Brasil. Nossos vizinhos argentinos e os eficientes e pragmáticos alemães lançaram olhares interessantes e peculiares dos trinta dias de competição em território brasileiro. Leia a obra e entenda como ocorreu mais essa disputa entre europeus e sul-americanos.

A importância da gestão estratégica da comunicação entre entidades esportivas e a sociedade também está presente no livro organizado pelo GECEF. A obra mostra como a correta gestão de uma agremiação esportiva reflete, de forma clara, na performance esportiva no campo de jogo. A Copa das Copas? mostra isso de forma bastante clara para você, amigo leitor. A relevância econômica e mercantil da Copa do Mundo FIFA de 2014, o maior megaevento esportivo do planeta, não poderia ficar de fora de uma obra de referência sobre o Mundial realizado no Brasil. Os mecanismos de gestão imagética e o Código de Conduta nos Estádios durante o evento são as duas vertentes da questão econômica abordados em A Copa das Copas?.

Além dos aspectos culturais, econômicos e sociais apresentados em diversos textos da obra, o livro organizado pelo GECEF traz, também, a discussão sobre a Lei Geral da Copa e seus desdobramentos jurídicos sobre a sociedade brasileira. Entre o fascínio das ruas e o fascismo dos craques, ao retomar a discussão sobre a cobertura que a imprensa esportiva nacional fez do Mundial, A Copa das Copas? conclui que o “O Brasil não é para principiantes” e que “Fomos goleados também fora de campo”.

Para fechar a obra, como a cereja do bolo, A Copa das Copas? apresenta ao leitor o Homo brasilis, o ‘sacana coça-saco tropical’, em uma discussão que envolve o discurso fundador do país e um enigmático professor alemão. Para entender o que tudo isso junto significa, só lendo de forma completa este material.

Para finalizar, convido você, caro leitor, a responder, ao final da leitura integral do livro, à pergunta que a obra do GECEF deixa pairando sobre a cabeça de todos nós: A Copa das Copas? Não olhe com essa cara para mim, amigo leitor. Mesmo após a leitura, não tenho ainda minha resposta. Porém, uma coisa a você que está conosco agora posso garantir:

A Copa das Copas? é o “Livro dos Livros” sobre a Copa do Mundo de 2014. Leia e veja você mesmo se não estou certo. Boa leitura!



Nunca Mais!

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Ele é jornalista “de primeira” e nem por isso deixou de declarar o clube de coração durante toda a carreira profissional. Nestor Mendes Jr é mais um entre os milhares de torcedores do Bahia espalhados pelo país. Ele que já era autor do livro sobre os 70 anos do Bahia, agora, deixa para a literatura esportiva um livro importantíssimo sobre um tema polêmico, desafiador e que poucos autores (independentes) se atrevem escrever, por conta de retaliações. “Nunca mais! – 25 anos de luta pela liberdade no Esporte Clube Bahia” é revelador dos bastidores políticos em um dos clubes mais populares do Brasil.

Sinopse
O livro Nunca mais! – 25 anos de luta pela liberdade no esporte clube bahia, do jornalista baiano Nestor Mendes Jr., com apresentação de Juca Kfouri, conta a história de 25 anos do movimento político de oposição que culminou, em 2013, na derrocada do grupo de cartolas que comandava o Bahia desde a década de 1970.

O título da obra foi tomado por empréstimo dos versos do Hino ao Dois de Julho, de Ladislau de Santos Títaro: “Nunca mais o despotismo /Regerá nossas ações/ Com tiranos não combinam /Brasileiros corações”. “A letra do Hino da Independência da Bahia reage a um governo sem leis, em que só uma pessoa possuía o direito de governar e a população não podia nem se manifestar. A mesma coisa acontecia no Bahia. E, posso garantir que, nunca mais, depois da democratização, o Bahia será o clube de um dono só”, explica Mendes Jr.

Fundado em 1931, o Esporte Clube Bahia conta com uma das torcidas mais apaixonadas do Brasil. Foi o primeiro campeão brasileiro, em 1959, repetindo o feito em 1988. Clube de massas, popular, contudo, em mais de 83 anos de existência, o Bahia nunca foi democrático.

O marco da luta pela democracia – uma batalha política renhida deflagrada nos bastidores do clube - é o Movimento de Renovação do Bahia, de 1989, justamente no ano da conquista título de Campeão Brasileiro de 1988 – em decisão que ocorreu no dia 19 de fevereiro de 1989, contra o Internacional, no Beira Rio.

“Durante toda essas décadas após o Bi-Brasileiro, houve uma incontida insatisfação entre os cardeais tricolores, no Centro de Treinamento do clube, o Fazendão, e em parte da torcida, contra o personalismo de Paulo Maracajá. As conquistas do hepta no Campeonato Baiano e do Campeonato Brasileiro de 1988  criaram a nuvem de fumaça que encobriria a verdadeira realidade do clube de um dono só, sem planejamento e sem qualquer visão de futuro”, conta Mendes Jr.

No seu primeiro livro sobre o clube – Bahia Esporte Clube da Felicidade: 70 anos de glórias – o jornalista praticamente ignorou os cartolas, lançando todo o protagonismo da triunfal existência do Bahia sobre os jogadores e a fanática torcida tricolor. “Desta vez, não. Osório Vilas Boas, Paulo Maracajá e seus títeres, os Guimarães, estão todos retratados a partir de fatos, assim como os nomes dos que ousaram se insurgir contra a Bastilha Tricolor. A bibliografia é extensa porque cito todas as reportagens, artigos e livros onde foi retirado o material para essa narrativa histórica”, conta Mendes Jr.

A política, os conchavos de bastidores, a ditadura, a farsa eleitoral, o Conselho Deliberativo de faz-de-conta, os movimentos de oposição, a posição de cada um dos principais atores dessa batalha são os elementos que perpassam todas as 248 páginas de Nunca Mais! – 25 anos de luta pela liberdade no Esporte Clube Bahia.

Estão retratados movimentos como o “Maracajá: Devolva Meu Bahia”, que foi um extraordinário sucesso de marketing, concebido por Durval Luiz Saback Silva - o Dudy Silva; Democracia Tricolor, que foi vendido por um traidor; o nascimento de grupos como Bahia Livre, Unidade Tricolor, Revolução Tricolor e os sites ecbahia.com e BBMP – Bor Bahêa Minha Porra; a Passeata dos 50 mil, em 2006, do Campo Grande à Praça Castro Alves; o Bahia da Torcida e a Assembleia Geral, ambos em 2013, que foram decisivos e fincaram o marco pelas eleições diretas no Bahia.

“Nomes como o de Fernando Jorge Carneiro, Luis Osório Vilas Boas, Fernando Schmidt, Fernando Passos, Fátima Mendonça, Samuel Celestino, Mário Kertész, Guilherme Bellintani, Reub Celestino, Jorge Maia, Darino Sena, Emanuel Vieira, Pedro Barachísio Lisboa, Paulo Roberto Sampaio, Carlos Rátis, Pedro Barachísio Lisboa, Antonio Miranda, Saul Quadros, André Uzêda, Marcelo Santana, Sidônio Palmeira, Nelson Barros Neto, entre tantos outros, foram decisivos para virar o jogo e democratizar radicalmente o Bahia”, diz o autor.

“Não lutamos e derrotamos a ditadura no Bahia para tomar o poder, mas para que pudéssemos ter regras claras, legais e democráticas por essa disputa de poder. Maracajá dizia que, com a democracia, o “anão do Baby Beef” (em referência ao porteiro de um extinto restaurante de Salvador) corria o risco de ser eleito presidente do clube. Talvez, o anão tivesse mais sucesso que os testas-de-ferro inexpressivos que ele colocou para tomar conta de sua cadeira de presidente. Como escreveu o poderoso jornalista Cruz Rios, em 1996, o cartola imitava a Luís XV, rei de França: ‘aprés moi le deluge’ - depois de mim, o dilúvio”, relata o escritor. 

O ex-presidente - e um dos maiores benfeitores do clube, sobretudo na área patrimonial - o arquiteto Antonio Pithon, ganhou um capítulo especial, onde é contada a sua ascensão e queda. Ao manter toda a estrutura de “colaboradores” de Maracajá no Fazendão, Pithon foi sendo minado, solapado, boicotado, diariamente. Tudo o que fazia, inclusive a sua vida privada, era repassado aos seus inimigos aliados.  Sobre a controvertida contratação do jogador português Jorge Silva, Pithon não tem dúvida em acusar: “A transferência de Jorge Silva foi boicotada dentro do próprio Bahia. Quando consegui a documentação, em outubro de 1997, machucaram o jogador no treino, impossibilitando-o de jogar”.

O livro também conta a história da dinastia da família Guimarães, pai e filho, no clube. O primeiro contato do pai com o clube já foi muito desastroso. Em 10 de maio de 2005, em entrevista ao Correio da Bahia, o próprio Marcelo Guimarães disse que o seu envolvimento com o Esporte Clube Bahia começou durante a infância, na Ribeira. “Eu acompanho a vida do clube desde 1959. Tinha apenas 10 anos e sua concentração era na Ribeira, perto de minha casa. Eu conhecia todos os jogadores. Era eu quem ia comprar cigarro para Marito, Biriba, Vicente e outros grandes craques do passado”.

Os reinados de “Marcelo I” e “Marcelo II” foram desastrados. São tempos de goleadas históricas para o arquirrival, rebaixamentos por diversas vezes para as Séries B e C do Campeonato Brasileiro, acusações de negociatas e transações poucos transparentes, além de insolvência e total perda de credibilidade.

Nunca Mais! – 25 anos de luta pela liberdade no Esporte Clube Bahia também relata os bastidores da primeira intervenção judicial no clube, em 6 de dezembro de 2011, em ação movida pelo advogado Pedro Barachísio Lisboa, que durou menos de 24h, mas se desenrolaria através do tempo pelos escaninhos e labirintos do Tribunal de Justiça da Bahia. Em 2013, depois de o presidente Marcelo Guimarães Filho debochar e fazer escárnio das decisões da Justiça nas redes sociais, a diretoria do clube é destituída definitivamente, com a posse do interventor Carlos Rátis.

Cansada de tantos desmandos, em 2013 a torcida voltou às ruas, se associou em massa e decidiu pela eleição direta do presidente do clube, realizada no dia 7 de setembro de 2013. Pode se considerar como a primeira revolta popular vitoriosa em um clube de futebol no Brasil que conseguiu destronar a elite dirigente e subverter a ordem até então vigente.

Eleito pelo voto direto dos sócios do Bahia, o presidente Fernando Schmidt cumpriu fielmente as suas promessas de campanha, principalmente no que tange à garantia de absoluta transparência.  Sem temor, abriu todas informações do relatório da auditoria, que apontava, preliminarmente, um rombo de R$ 83,2 milhões nas contas do clube.

O seu principal feito nesta área, contudo, foi divulgar a “Lista do Jabá”, divulgando os nomes dos radialistas que se recebiam benessese eram favorecidos por contratos suspeitos com o clube. Mais de 95% da torcida apoiou a divulgação dos nomes, segundo enquete, realizada durante 10 dias, pelo site ecbahia.com, ouvindo cerca de 5.500 internautas.

A repercussão do “Jabaleaks” – em referência ao Wikileaks, o site de Julian Assange que divulgou sigilos diplomáticos - foi tremenda nas redes sociais. O repórter da Rádio Metrópole, Marinho Júnior, disse no Twitter: “Se for falar de quem o clube dava passagem, não vai sobrar um! Todos recebiam. Todos”! Em reação, o jornalista do Correio da Bahia, Marcelo Sant`Ana, foi enfático: “Rádios, né? Exclua jornal, TV e web. Grato”!

Enquanto a hipocrisia grassava pelos microfones em estéreis notas dissonantes, a torcida do Bahia entrava em convulsão orgásmica. Jura da Ribeira e Vitaum foram a sensação no Youtube com a música "Jabazeira Eu, Jabazeira Ela", parodiando um sucesso da banda Chiclete com Banana.

Ao final do livro, Nestor Mendes Jr. diz que essa epopeia dos movimentos de oposição foi para garantir a transparência, a lei e a democracia: “Não foi um grupo que chegou ao poder em razão direta da queda de outro. Não foi a vitória da oposição contra a eterna situação. Foi uma mudança definitiva no jeito de fazer as coisas. Foi uma espécie de vacinação coletiva contra o arbítrio. A refundação do Bahia foi operada por sua própria torcida, única e eterna proprietária do destino do Esporte Clube Bahia, nascido em 1º de janeiro de 1931. Nunca mais o Bahia terá um dono: o dono agora somos todos nós, seus sócios e torcedores”.

Sobre o autor:
Nestor Mendes Jr., 51 anos, nasceu em São Sebastião do Passé, Bahia. Formado em Jornalismo, pela Universidade Federal da Bahia, e em Direito, pela Universidade Católica do Salvador, trabalhou em diversos veículos de comunicação do Estado, como A Tarde, TV Bahia, Tribuna da Bahia, Correio da Bahia, Bahia Hoje, Rádio Sociedade e Rádio Educadora e como repórter free lancer do Jornal do Brasil.
Atuou, fazendo marketing político, em 14 campanhas eleitorais.
É autor do livro Bahia Esporte Clube da Felicidade – 70 anos de Glórias, com 186 páginas, em edição de luxo, que conta a trajetória de 70 anos do Esquadrão de Aço.

O Jogador Secreto

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No mundo do futebol moderno, só mesmo um autor “secreto” para poder contar tudo o que acontece nos bastidores deste esporte que movimenta bilhões. Mas a Editora Panda Books deve saber de quem se trata, caso contrário, não iria “bancar” o livro “O Jogador Secreto”. São histórias que em algum momento já ouvimos no futebol, aqui e acolá, mas quando todas se encontram agrupadas chega a impressionar.

Livro importante na história da literatura esportiva mundial.

Sinopse (da editora)

O Jogador Secreto

Cansado de ver tanta besteira circulando na mídia esportiva, um influente jogador decidiu botar a boca no trombone e revelar ao mundo o que realmente acontece nos bastidores do futebol, escrevendo uma coluna para a revista inglesa FourFourTwo. Em O Jogador Secreto, ele narra em mínimos detalhes o que se passa ao longo de uma temporada do futebol profissional inglês. Para se proteger, o autor esconde sua identidade. O que sabemos é que jogou pelas quatro divisões do Campeonato Inglês e representou seu país em jogos internacionais, atuando na Seleção.

O livro é dividido em capítulos que correspondem aos meses da temporada inglesa, que vai de julho a maio. As histórias são todas verídicas, baseadas na experiência própria do autor. A pitada de ficção fica por conta da cronologia dos casos: propositadamente, o Jogador Secreto misturou diversas temporadas em uma só, numa estratégia para despistar detetives de plantão na busca pela sua identidade.

Sem se preocupar em preservar a imagem de ninguém, o autor revela intrigas, casos extraconjugais, episódios de racismo, abusos de treinadores, pilantragens, festas e extravagâncias de jogadores. A narrativa se inicia em julho, na pré-temporada dos treinamentos. São seis semanas enfurnados no centro: segundo o autor, “a pior época do ano para um jogador”. É daí que se forma a equipe principal, da qual todos ralam para fazer parte. A pressão é tanta que, não raro, os jogadores escondem lesões para não serem cortados do time.

Agosto chega com otimismo. É a fase de amistosos, ainda livre das estressantes advertências que costumam sobrecarregar os ânimos ao longo da temporada. Os jogadores voltam a frequentar os vestiários, recheados de curiosas tradições: lá, por exemplo, é proibido falar em dinheiro. É também o mês em que eles reencontram suas mulheres depois do período de treinos. Isso gera uma tensão extra, dado o índice de casos extraconjugais e a velocidade com que as notícias desse tipo se espalham. O autor estima que apenas 30% dos jogadores sejam fiéis a suas companheiras.

Outubro é o mês em que tudo pode dar errado, porque é quando começa a temporada das demissões. Além disso, os jogadores já estão cansados e desenvolvem lesões e dores crônicas. Começa também a temporada de clássicos, o que acaba provocando episódios de insônia, devido à adrenalina dos jogos. A relação dos jogadores com a torcida é estremecida, dada a pressão do público em ver os resultados do time.

Em fevereiro começa a segunda metade do campeonato inglês e, com ela, o fantasma do rebaixamento, que agrava as crises de ansiedade e depressão nos atletas. Março é o mês mais desafiador para o técnico, que tem de lidar com o cansaço físico dos jogadores, preferindo muitas vezes escalar os mais descansados em detrimento dos habilidosos. Muitas vezes, isso provoca atritos entre a comissão técnica e os jogadores. Em abril, começam as especulações sobre as renovações dos contratos e, com elas, vem o peso sobre os jogadores com mais de trinta anos. Até que, em maio, termina o Campeonato Inglês e a temporada chega ao fim, dando início a um novo ciclo.

A edição brasileira de O Jogador Secretoconta ainda com um capítulo extra que reúne seis colunas do Jogador X, que, entre maio de 2011 e dezembro de 2012, revelou histórias dos bastidores do futebol profissional brasileiro em sua coluna na revista ESPN. Com o mesmo cuidado de não revelar sua identidade, o misterioso jogador critica a precária cobertura jornalística esportiva e os preconceitos que assombram o meio futebolístico, além de abrir o jogo sobre a existência da famigerada “mala preta” – o dinheiro que é oferecido aos jogadores para perder uma partida.

TRECHO

“Tenho sido bem-sucedido na ocultação da minha identidade, mas aconteceram alguns momentos de arrepiar os cabelos. Uma vez estava num posto de abastecimento quando vi a manchete ‘Escândalo de orgia na Premier League’, ou algo parecido, na primeira página de um tabloide. Comprei um exemplar para ver o que os rapazes haviam aprontado – apenas para descobrir que a história do jornal havia sido decalcada da minha mais recente coluna na revista FourFourTwo. Não sei por que deveria ter ficado preocupado. Não havia nomes nela. E então um colega jogador me apanhou com a boca na botija. Ou eu pensei que ele me apanhou – ainda não tenho a certeza.”

Sobre o autor:
O autor de O Jogador Secreto prefere manter sua identidade no anonimato. Jogou pelas quatro divisões do Campeonato Inglês e representou seu país em jogos internacionais, atuando na Seleção Inglesa. Revelou os bastidores do futebol em sua coluna na revista FourFourTwo.


A biografia de Edvaldo "Bala" Valério

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A literatura esportiva precisa (e muito) de títulos que não retratem apenas o tema futebol.  A biografia “Edvaldo Bala Valério - a braçada da esperança” (Editora Via Escrita), de autoria do jornalista Raphael Carneiro, por exemplo, é fundamental, pois, nem só de medalhistas de ouro se faz um país campeão.

Sinopse(da editora):

Negro, baiano, de origem humilde e sem grande estrutura para treinamento, Edvaldo Valério fez história na natação brasileira. Nos Jogos Olímpicos de 2000, o nadador foi o responsável por fechar o revezamento 4x100m livre e garantir a medalha de bronze para o Brasil - a única naquela edição dos Jogos. Agora, 15 anos depois do feito, a vida do atleta está registrada em livro. A biografia “Edvaldo Bala Valério - a braçada da esperança”, de autoria do jornalista Raphael Carneiro e publicado pela Editora Via Escrita, será lançada em Salvador no dia 13 de maio, na Saraiva do Salvador Shopping.

Primeiro negro a ganhar uma medalha da natação brasileira nos Jogos Olímpicos, Edvaldo Valério superou desconfiança, a ciência e o preconceito para chegar ao topo do esporte. Curiosamente, o lançamento acontecerá na mesma data em que é comemorada a assinatura da Lei Áurea, que aboliu a escravatura no Brasil. 

Com entrevistas de companheiros de natação, treinadores, pais e amigos, além de dados históricos, o livro traça passo a passo o que foi feito antes dos Jogos Olímpicos de 2000 e após a conquista da medalha de bronze do revezamento 4x100m livre. Histórias curiosas, situações inusitadas, decepções, preconceito e muito realismo irão acompanhar o leitor nesta jornada.

“O livro tem como objetivo registrar historicamente o feito do nadador e atender à demanda das publicações sobre o esporte brasileiro. A natação é um esporte com grande popularidade no Brasil, praticado tanto por questões médicas quanto pelo prazer do esporte. Entretanto, não existem registros históricos dos grandes nomes da modalidade. A intenção do projeto é mostrar toda a carreira de Valério, inclusive explicar os motivos do que podemos chamar de sumiço dele após as Olimpíadas de 2000”, comentou o jornalista Raphael Carneiro.

O livro tem prefácio do ex-nadador Gustavo Borges, companheiro de Valério na seleção brasileira de natação e no revezamento medalhista, e orelha do comentarista do SporTV Alexandre Pussieldi.

Apresentação

Edvaldo Valério Silva Filho fez história ao se tornar o primeiro nadador negro brasileiro a ganhar uma medalha olímpica. Principal nome da natação da Bahia, o atleta teve uma carreira baseada na superação. De família humilde, precisava da ajuda dos companheiros de clube para se manter no esporte. Sofreu preconceito pela cor da pele e contrariou todas as análises fisiológicas de que o corpo do negro não é apto para a natação de velocidade.

Conhecido como Valério Bala, o baiano foi o responsável por fechar o revezamento 4x100m do Brasil nas Olimpíadas de Sydney. Mesmo ao lado de atletas como Fernando Scherer, o Xuxa, e Gustavo Borges, foi ele quem garantiu o bronze, ao cair na piscina com o Brasil na quinta colocação e encerrar a prova no terceiro lugar.

Este livro é mais do que uma biografia. É um registro para a perpetuação da história do esporte brasileiro. Em um país de memória curta, este projeto resgata a trajetória de um dos grandes talentos da natação nacional, que ficou pelo caminho das piscinas devido, em grande parte, à falta de estrutura necessária para uma carreira de alto nível.

Com entrevistas de companheiros de natação, treinadores, pais e amigos, além de dados históricos, o livro traça passo a passo o que foi feito antes dos Jogos Olímpicos de 2000 e após a conquista da medalha de bronze do revezamento 4x100m livre. Histórias curiosas, situações inusitadas, decepções, preconceito e muito realismo irão acompanhar o leitor nesta jornada que, espero, será tão prazerosa quanto foi para mim ao conhecê-la e escrevê-la.

Boa leitura!

Prefácio para Edvaldo Bala Valério
Por Gustavo Borges

Fico muito feliz por escrever o prefácio de um livro que conta a história de um batalhador do nado, que sempre superou obstáculos e preconceitos para se tornar o primeiro negro brasileiro a conquistar uma medalha olímpica na natação. Quando o conheci, a impressão era a de que ele não levava muito jeito para nadar, mas com treino e vontade ele virou o que mais tarde conheceríamos por “Bala”.

A final do 4x100m livre nos Jogos de Sydney, em 2000, foi uma competição espetacular e um revezamento fantástico. Na mesma prova, quatro anos antes na Olimpíada de Atlanta, terminamos em quarto lugar. Chegamos à Austrália, país da natação, assim como os Estados Unidos, com uma expectativa muito grande. Sabíamos que o nosso revezamento havia evoluído muito no último ciclo olímpico. O Edvaldo, particularmente, estava em grande fase.

Nas eliminatórias, a Holanda, que seria a nossa maior adversária na briga pelo bronze – admitindo-se à luz da razão que Estados Unidos e Austrália disputariam os dois primeiros lugares –, foi desclassificada. Mas ainda assim teríamos de passar por outras superações. Nos classificamos em quinto, com Rússia e Alemanha também à nossa frente.

Aquela noite de 16 de setembro de 2000 foi especial. A mídia do mundo inteiro estava presente na piscina coberta do Parque Olímpico. Nas arquibancadas, a torcida australiana, motivada pelo ídolo Ian Thorpe, tomou todo o espaço disponível na esperança de ver cair um tabu de 36 anos. Os Estados Unidos não perdiam o revezamento em uma Olimpíada desde 1964, em Tóquio. Minha esposa e meu filho também estavam nas tribunas. Pela primeira vez eles me acompanhavam em uma final olímpica.

A estratégia que adotamos foi a de iniciar o revezamento com os dois nadadores mais experientes, o Xuxa (Fernando Scherer) e eu. Depois optamos por deixar o cara mais tranquilo para fechar a prova. A melhor escolha só poderia ser um baiano. Não deu outra. Jogamos a batata quente nas mãos – e nos braços – do Edvaldo.  

Eu caí na água, depois do Xuxa, entre o terceiro e o sexto, no bolo. Em seguida, o Carlos Jayme mergulhou e manteve a nossa posição. Quando o Edvaldo caiu para finalizar a disputa nós estávamos em quinto. Foi embolado até o fim, mas ele segurou o bicampeão olímpico dos 100m livre, Popov, da Rússia, meu maior concorrente na época, e ainda ultrapassou Alemanha e Itália para consolidar a medalha de bronze para o Brasil. Diante dos torcedores enlouquecidos, a Austrália quebrou o tabu e conquistou o ouro, com direito a recorde mundial. Os Estados Unidos ficaram com a prata. 

O Bala teve um desempenho decisivo. Foi sereno, focado e demonstrou a tranquilidade necessária para permitir que trouxéssemos a medalha para casa. Aproveitou a oportunidade como ninguém aproveitaria. Foi um momento marcante em minha carreira. Conquistamos a primeira medalha brasileira nos Jogos de Sydney, o que provocou grande repercussão. Eu me tornava, naquele momento, o maior medalhista brasileiro em Olimpíadas, com quatro pódios em três edições. Alguns dias depois, nas regatas, Torben Grael também chegaria à quarta medalha olímpica.

Com este livro, acredito que o Bala terá a oportunidade de levar aos leitores, admiradores e fãs da natação a sua história, repleta de superações e desafios, que em nossas carreiras eram constantes, principalmente o revezamento 4x100m livre em Sydney. Quero deixar a mensagem de quem acompanhou o Bala de perto e se tornou testemunha de seu esforço e de sua dedicação à modalidade que escolhemos como o rumo de nossas vidas. Bala, desejo a você muitas vitórias e alegrias tão intensas como as que vivemos há 15 anos em Sydney.  

Uma grande marca

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Obrigado a todos os leitores e seguidores que ajudaram a construir a expressiva marca de 750 mil views nesses 3 anos de vida.



O livro das bolas de futebol

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Sem “ela” não existiria o jogo que fascina gente dos quatro cantos do planeta. Mas por incrível que pareça, são raros os livros que falem somente dela. Agora, a literatura esportiva tem uma obra de referência quando o assunto é a bola. “O livro das bolas de futebol” (Panda Books), do jornalista Erich Beting, tem de tudo um pouco e muito mais...

Sinopse (da editora):

Neste livro você irá conhecer a história da bola desde a sua criação pelo povo maia até a alta tecnologia empregada na fabricação para torná-la mais eficiente nos jogos. 

Além disso, cada capítulo traz o registro de todas as bolas usadas nos campeonatos internacionais, nos campeonatos nacionais e as bolas históricas que marcaram época, como a bola de cadarço da década de 1910 e a que esteve no jogo da Seleção Brasileira em 1956.


Uma obra inédita para os colecionadores e fãs do futebol.

Apresentação
Por Erich Beting

O Dono da Bola

Aquele que começou a usar essa expressão para se referir a quem de fato manda num time foi sábio. Afinal, por mais importante que seja o atleta, o técnico, a torcida ou, às vezes, até mesmo o árbitro em um jogo de futebol, somente um personagem tem a atenção plena das pessoas: a bola.

É para ela que olhamos, é com ela dentro do gol que nós sonhamos (o gol do outro time, é claro!). Ser o dono da bola, em uma pelada ou na final de Copa do Mundo, significa ser “o cara”.

Por isso mesmo, toda criança sonha em ter uma bola. Pode ser de meia, papel, borracha ou, na melhor das possibilidades, uma réplica idêntica àquela chutada nos famosos gramados do mundo. É também muito provável que a primeira paixão e a primeira desilusão na vida de uma criança tenham relação direta com uma bola. 

Isso aconteceu comigo. A primeira vez que dividi minha cama com alguém foi com uma bola. Ou melhor, com A Bola, a minha primeira bola. Uma paixão embalada pelo perfume do couro, pela alegria das peladas no prédio, no clube, no campo ou na praia. Foi minha companheira até nos sonhos – nos dias em que era parceira também no banho, ganhava a permissão da minha mãe para dormimos abraçados, naquele sentimento de amor eterno. Até que a morte apareceu num pavoroso chute que a levou para o meio da rua e dali para a roda de um maldito carro que não teve tempo de evitar o atropelamento. O som do estouro até hoje é cristalino na memória. O duro golpe do fim da primeira paixão só conseguiu ser digerido pelos outros amores esféricos que passaram a ocupar minha vida.

Mas o que faz uma bola ter essa bola toda?

No passado, quando ainda nem era tão redonda assim, ela já tinha uma aura de importância. Nos primórdios da civilização humana, saber o que fazer com uma bola poderia significar, literalmente, a salvação de sua vida.

Hoje a coisa mudou. Ser o dono da bola dá prestígio e rende bastante dinheiro para quem sabe tratá-la muito bem. A evolução mundial do futebol trouxe tanto poder a esse objeto esférico que, por conta dele, algumas centenas de milhões de dólares são movimentadas ao redor da Terra.

Os tempos podem ter mudado, o futebol pode ter evoluído, mas uma coisa nunca vai mudar – todos querem ser donos da bola.

Milhões de bolas

Com o crescimento do futebol no mundo, calcular quantas bolas são produzidas por ano é uma tarefa impossível. No que diz respeito às bolas fabricadas segundo o padrão de qualidade internacional, as que recebem o selo de “bola aprovada”, a estimativa mais precisa que temos é dada pela Fifa em conjunto com a Nike e a Adidas, os dois grandes fabricantes de bolas no mundo. Segundo eles, cerca de 40 milhões de unidades são produzidas anualmente, podendo chegar a 60 milhões em período de Copa do Mundo.

Noventa fábricas possuem contrato de licenciamento com a Fifa, e as análises indicam que as grandes marcas esportivas são responsáveis por três quartos da produção de bolas do mercado mundial. Boa parte da fabricação tem como origem os países da Ásia: os materiais sintéticos são produzidos em Taiwan, Índia, Tailândia, China, entre outros, enquanto o Paquistão se tornou especialista na montagem das bolas.

Bola murcha

Esse crescimento da indústria de consumo no futebol trouxe também graves problemas. No início da década de 1990, as principais fabricantes mundiais de bolas terceirizaram suas linhas de produção para países africanos e asiáticos. Marrocos, Índia, China, Vietnã e Paquistão se tornaram os grandes produtores de bolas no mundo. Como exemplo, a bola oficial da Copa do Mundo de 1998, realizada na França, foi produzida no Marrocos.

A busca por esses países teve como motivo manter a margem de lucro das empresas com a venda do produto. Com a mão de obra mais barata e a carga tributária menor, as grandes marcas esportivas começaram a contratar empresas desses locais para confeccionar as bolas. Esses produtores, por sua vez, para ganhar e manter o cliente, reduziam ao máximo o custo local para produzir uma bola. 

Em poucos anos, surgiram denúncias com relação ao uso de trabalho escravo e também infantil nessas fábricas. Comprovou-se que na Índia e no Paquistão era comum que famílias inteiras executassem trabalhos semiescravos e escravos, e os intermediários, que lhes forneciam o material, ficavam com a maior parte dos rendimentos. Mulheres e crianças recebiam o equivalente a trinta centavos por bola costurada – um trabalho que exige força física, machuca as mãos e prejudica a visão. Várias reportagens e investigações concluíram que o negócio era dominado por grandes máfias em vários dos países que tinham a produção de bolas terceirizada.

Preocupada com essa questão, a Fifa adotou em 1996 um código de conduta na fabricação de produtos licenciados pela entidade, tentando assegurar que neles não houvesse trabalho escravo ou infantil. A Uefa também adotou esse código a partir da Eurocopa de 2000.

As bolas pelo mundo

A Fifa tem atualmente 208 países filiados, organizados em cinco confederações. Confira os diferentes nomes para “bola” em alguns desses países e em quais lugares a redonda é também chamada de “bola”.

País e Termos para “bola”

Albânia (top), Andorra (bola), Argentina (balón ou pelota), Azerbaijão (top), Bósnia e Herzegovina (lopta), Brunei (bola sepak), Dinamarca (bold), Eslováquia (gul’a), Filipinas (bola), Finlândia (pallo), Haiti (ballon ou boul), Holanda (bal), Hungria (labsa), Indonésia (bola), Irlanda (ball ou liathróid), Islândia (bolti), Itália (pallone), Letônia (bumba), Lituânia (kamuolys), Macau (bola ou ),Malásia (bola), Moldávia (minge), Portugal (esférico), República Tcheca (koule), Romênia (minge), Suécia (boll), Tanzânia (mpira), Timor-Leste (bwola), Vietnã (banh).

As principais empresas fabricantes se eximiram de culpa e cancelaram seus contratos com os fornecedores socialmente irresponsáveis. Desde então, passaram a adotar políticas rígidas para a aprovação de fornecedores de mão de obra e, além disso, passaram a investir milhões de dólares em ações de marketing social. De todo modo, os custos de produção permanecem mais baixos nos países asiáticos, que continuam a ser os principais produtores de bolas no mundo.

Sobre o autor:
Erich Beting nasceu em 1979 e é jornalista esportivo. Trabalhou em jornal, rádio, TV e internet. Começou sua carreira na Folha de S.Paulo, passou pelo Lance!, pelo site Esporte Bizz e foi comentarista e apresentador do canal BandSports. É dono do site Máquina do Esporte, sobre negócios do esporte, tem um blog no UOL, em que também comenta sobre futebol, e ainda é professor e palestrante. Tinha seis anos quando ganhou sua primeira bola de couro, desde então é fascinado pelo cheiro de bola nova, mesmo ela não sendo mais de couro natural... Beting nunca plantou uma árvore, mas já teve dois filhos e publica agora seu segundo livro para contar a história das bolas e manter na nova geração a paixão pelo futebol sempre acesa.

Café-com-leite e Feijão-com-arroz

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Literatura na Arquibancada sempre bateu nessa tecla: literatura esportiva como ferramenta para formar novos leitores. E é pela base, com os mais jovens, que esse hábito pode alcançar resultados positivos. Parece óbvio, mas na prática, o Brasil continua devendo no quesito leitor.

O livro de Alberto Martins, “Café-com-leite e Feijão-com-arroz – E outras histórias de futebol” (Companhia das Letrinhas) é mais uma, entre tantas boas opções que a literatura esportiva brasileira oferece.

Apresentação(da editora)

"Nunca fui craque em futebol", confessa o autor na primeira frase deste livro. No pontapé inicial já dá para perceber que ele joga limpo e admite: nas peladas que batia com os amigos e os irmãos, em Santos, no litoral paulista, volta e meia pisava na bola e fatalmente era chamado de "café-com-leite". Alberto Martins acabou virando outro tipo de craque: artista plástico, poeta e escritor de mão cheia, escreveu dois livros infantis sobre arte brasileira, A floresta e o estrangeiro, sobre Lasar Segall (Companhia das Letrinhas, 2000) e Goeldi: história de horizonte(Paulinas, 1995), que recebeu o Prêmio Jabuti de Literatura Infantil.

Embora fosse meio perna-de-pau, ele sempre foi apaixonado por futebol e pelo mundo que rodeava o campinho onde jogava o seu "feijão-com-arroz" - e não fazia feio. Jogar futebol feijão-com-arroz consistia em azucrinar bastante o adversário, passar a bola para o companheiro mais próximo e, se as coisas encrespassem, conduzir a jogada para umas bananeiras que havia ali perto.

"Café-com-leite & feijão-com-arroz", a primeira parte do livro, traz as lembranças de Alberto em casos cômicos, dramáticos, emocionantes, com todas as paixões (às vezes furiosas) que só nascem dentro de campo. A segunda parte traz histórias de amigos de Alberto e de três craques de verdade: Gilmar, Pepe e Zito, em partidas históricas há mais de cinqüenta anos.

Como ninguém joga bola sozinho, o ilustrador Andrés Sandoval entrou em campo e fez uma tabelinha impecável com Alberto, em ilustrações repletas de ginga e futebol-arte.

Sobre o autor:
Alberto Martinsé artista plástico e escritor. Formou-se em Letras pela Universidade de São Paulo em 1981. No mesmo ano iniciou sua prática de gravura com Evandro Carlos Jardim, na Escola de Comunicações e Artes da USP. Em 1985 estudou gravura no Pratt Graphics Center, em Nova York, e desde seu retorno ao Brasil participa de várias exposições no país e no exterior. Em 2007, a Estação Pinacoteca, em São Paulo, apresentou a retrospectiva "Em trânsito", reunindo gravuras e esculturas produzidas desde 1987. Em 2010, realizou a exposição "Cor, Corte, Ferrugem", sua primeira individual no circuito de galerias na Galeria Raquel Arnaud, que o representa desde 2007. Como escritor publicou, entre outros, os livros Poemas (Duas Cidades, 1990); Goeldi: história de horizonte (Paulinas/MAC-USP, 1995), que recebeu o prêmio Jabuti; A floresta e o estrangeiro(Companhia das Letrinhas, 2000); Cais (Ed. 34, 2002), com xilogravuras do autor; A história dos ossos(Ed. 34, 2005), segundo lugar no Prêmio Telecom de Literatura; A história de Biruta (Companhia das Letrinhas, 2008); o livro de poemas Em trânsito (Companhia das Letras, 2010); Lívia e o Cemitério Africano (Ed. 34, 2013) e a peça de teatro Uma noite em cinco atos(Ed. 34, 2009).

A biografia de Felix

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Mais um projeto de financiamento coletivo na área. E o personagem também é importantíssimo: "Felix Mielli Venerando, O Voo do Papel" (Braz Cubas Editora).

Felix, goleiro tricampeão mundial brasileiro, na Copa de 1970, morreu em agosto de 2012.

Todos os veteranos do futebol brasileiro que construíram trajetórias vitoriosas deveriam ter a memória reverenciada, se não em livro (impresso ou digital), mas pelo menos com uma fanpage em rede social e/ou um site oficial. A família de Felix fez isso. Você pode acessar as páginas de Felix nos links a seguir:  

Sobre o livro, o link para participar é https://www.catarse.me/livrofelixgoleiro70

Sinopse (da editora)
Em uma iniciativa da recém-criada Braz Cubas Editora, com apoio da família de Felix Mielli Venerando, goleiro tricampeão da Seleção Brasileira de futebol, em 1970, no México, conhecido também como "Papel", pela leveza e desenvoltura embaixo das balizas, e por "Gato Felix", pela elasticidade e agilidade impressionantes nas defesas, o objetivo desse projeto é publicar a primeira biografia autorizada do ídolo, contando sua trajetória e suas histórias como atleta, marido e pai de três meninas.

Felix iniciou a carreira no Clube Atlético Juventus em 1951, aos 14 anos, passou pela Associação Portuguesa de Desportos, onde atuou de 1955 a 1968, com breve passagem pelo Nacional, em São Paulo. Em março de 1968 transferiu-se para o Fluminense Football Club, no Rio de Janeiro, no qual conquistou diversos títulos, encerrando a carreira de goleiro em 1977. 


Assumiu então o cargo de treinador de goleiros e auxiliar técnico, no próprio Tricolor Carioca, passando depois a técnico do Madureira e do Botafogo, do Rio de Janeiro, respectivamente, e por último do Avaí, de Santa Catarina. Jogou pela Seleção Brasileira no período de 1965 até 1973.

Dentre seus diversos títulos, os mais destacados são o que obteve como goleiro titular da Seleção Brasileira de futebol, campeã mundial invicta, e do Fluminense, campeão brasileiro, em 1970.

A obra terá depoimentos de seus familiares e de companheiros de Seleção Brasileira, Portuguesa e Fluminense, além de trechos de entrevistas dadas na mídia.


Sobre os autores:
Waldyr e Waléria Barboza, escritores e editores, publicaram em 2013 "Preguinho Confissões de um Gigante", biografia autorizada de João Coelho Netto, o Preguinho, multi-atleta campeão em oito modalidades, que fez carreira no Fluminense, além de ser o autor do primeiro gol da Seleção Brasileira, em 1930, no Uruguai. Preguinho é também o primeiro capitão e artilheiro, com três gols (na partida de estreia, contra a Iugoslávia - 1 - e no segundo jogo, frente à Bolívia - 2).




Colaboradores:
Patrícia Rinaldi Venerando, professora de educação física, filha de Felix, principal responsável pela divulgação e preservação da memória do pai e ídolo.








Luiz Otávio Coutinho, jornalista, apaixonado por futebol e pelo ídolo Felix, mantém, juntamente com Patrícia, uma fanpage dedicada ao atleta, com várias fotos, informações e dados estatísticos referentes à carreira do jogador.


A Bola Rolou

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Escrever sobre as origens e a evolução do futebol não é tarefa fácil. Antes da escrita, há o penoso processo de pesquisa. Por essas razões, livros publicados sobre essa temática são normalmente frutos de teses e estudos acadêmicos. E é aí que, muitas vezes, o leitor acaba se assustando e não se interessando pelos poucos livros publicados sobre esse fantástico período histórico do esporte número um do Brasil.

Não é o caso de “A bola rolou: o Velódromo Paulista e os espetáculos de futebol, 1895-1916”, de Wilson Gambeta, Mestre e Doutor em História Social pela USP. O livro integra a Coleção: Memoria e sociedade da Sesi Editora – SP.

Gambeta escreve para o leitor “médio”, o amante da história do futebol, e não para historiadores eruditos ou pesquisadores aficionados por estatísticas. Uma história para se ler, e, principalmente, aprender.

E Gambeta não é “marinheiro de primeira viagem”. “A bola rolou” é, na verdade, uma extensão de outro livro seu lançado em 2014: Primeiros Passes – Documentos para a história do futebol em São Paulo (1897-1918)(Edições Ludens/Attar Editorial). E outra obra obrigatória que o Literatura na Arquibancada destacará em outro post. Para o autor: “As duas obras se complementam, uma reforça a outra. Elas formam um "PAR-CASADO" para dar conta do mesmo período histórico. Em conjunto, esses livros representam o mais aprofundado estudo já realizado sobre as primeiras décadas do futebol brasileiro, particularmente para São Paulo.”

Sinopse (da editora):

Em A bola rolou, Wilson Gambeta examina a simbologia contida nos espetáculos esportivos para acompanhar a trajetória de adaptação da antiga elite agrária paulista à moderna vida urbana. Os esportes ingleses, concebidos dentro da ideologia liberal-burguesa, foram introduzidos em São Paulo na passagem do século XIX para o século XX. As disputas esportivas, baseadas no equilíbrio igualitário, ganharam novos significados ao serem assimiladas pela sociedade local, recém-saída do escravismo. Elas foram reinterpretadas segundo uma mistura contraditória de valores que oscilavam entre o mundo agrário e o urbano, o velho e o novo. Os clubes atléticos apareceram na capital paulista como arremedos das agremiações civis modernas. Algumas das principais associações dedicadas aos espetáculos esportivos, organizadas por grupos de jovens para a integração social fora do lar, foram atravessadas pelos costumes tradicionais das famílias fazendeiras e pelos interesses políticos da oligarquia regional.

Introdução (início):
Por Wilson Gambeta

Os brasileiros que se interessam pelo esporte conhecem um relato, repetido infinitas vezes, sobre a chegada do futebol ao país: Charles Miller desembarcou no porto de Santos, em novembro de 1894, trazendo na bagagem duas bolas de couro, uma bomba de ar para enchê-las, um par de chuteiras, duas camisas de times que ele defendera na Inglaterra e um livro de regras do association football. Miller pertencia à pequena comunidade britânica radicada na cidade de São Paulo, era brasileiro de nascimento, filho de pai escocês e de mãe brasileira filha de inglês.

Ele divulgou o novo jogo entre seus amigos do clube da colônia inglesa, o São Paulo Athletic Club (SPAC, fundado em 1888), e organizou treinos na várzea do Carmo, nas proximidades do Gasômetro, com a participação de funcionários da São Paulo Gas Co., do London Bank e da São Paulo Railway. O primeiro jogo foi realizado com times improvisados, em 14 de abril de 1895, com o placar final de quatro gols para The Gas Works Team e dois para The São Paulo Railway Team. Teve início assim, com pontapé inicial inglês, a história do futebol no Brasil. Essa narrativa é sempre lembrada pela imprensa esportiva e citada por diversos historiadores como o ato fundador do nosso esporte máximo.

Há alguns anos o historiador José Moraes dos Santos Neto contestou a paternidade de Charles Miller e defendeu uma versão um pouco diferente.

Colégio Jesuíta São Luiz - Itú - SP
O futebol brasileiro teria raízes nas atividades educativas do colégio jesuíta São Luiz, em Itu, a setenta quilômetros da capital paulista, entre os anos de 1880 e 1890.1 Alguns dos professores jesuítas haviam visitado colégios da Europa e de lá o padre José Mantero trouxera duas bolas para a prática do futebol. Elas foram usadas no pátio da escola em jogos recreativos sem regras formais. Mais tarde, a partir de 1894, o padre Luiz Yabar, que conhecera bem o jogo em escolas europeias, adotou as regras do association football e organizou os alunos em quatro times para a disputa de um campeonato interno. O historiador Santos Neto defende que o futebol, depois de introduzido no colégio jesuíta, foi divulgado fora da escola por antigos alunos e se popularizou, inclusive entre operários, antes mesmo que os sócios do fechado clube inglês começassem a jogá-lo em São Paulo. O autor citou ex-alunos do colégio que espalharam o futebol em outras cidades; alguns estariam entre os fundadores dos primeiros clubes a disputar o campeonato paulista: Arthur Ravache no Sport Club Germania (SCG); Carlos Silveira e os irmãos José e Vicente de Almeida Sampaio na Associação Athletica Mackenzie College (AAMC). A hipótese de Santos Neto é plausível.

O historiador John Mills, porém, recusou de modo veemente, em publicação de 2005, as versões que questionam o pioneirismo de Charles Miller.

Defendeu que as atividades recreativas jogadas com os pés, ainda que tenham ocorrido mais cedo em algumas escolas, não podem ser confundidas com a institucionalização do futebol. Mostrou que não são novas na imprensa esportiva as citações sobre práticas de jogos com bolas nos colégios jesuítas de Nova Friburgo (o Anchieta) e de Itu (o São Luiz) ou entre marinheiros ingleses nos portos, mas que todos os cronistas especializados em esportes sempre concordaram que a adoção das regras oficiais inglesas e a organização de times só começaram, de fato, com o retorno de Miller ao Brasil.

Se a questão fosse apenas indicar um precursor, parece difícil negar a Miller o mérito de ter organizado o futebol dentro de um clube esportivo e de ter realizado os primeiros jogos com as regras inglesas fora das escolas.

Certamente, a qualidade do futebol jogado no SPAC foi uma referência para outras associações esportivas fundadas nos anos seguintes: A. A. Mackenzie College (1898), Sport Club Internacional (1899), Sport Club Germania (1899) e Club Athletico Paulistano (1900). Ao que se sabe, nos primeiros tempos os jogos foram disputados entre os sócios do SPAC e em 1899 começaram as partidas amistosas entre clubes. Em 13 de dezembro de 1901 esse movimento esportivo culminou na fundação da Liga Paulista de Football, idealizada por Antonio Casemiro da Costa (Costinha), outro líder importante. Em maio do ano seguinte, os cinco clubes deram início ao primeiro campeonato do país. Os registros que restaram do passado não são suficientes para negar a versão tradicionalmente aceita pela crônica esportiva que atribui a Charles Miller e a Casemiro da Costa o papel de principais articuladores desse esporte em São Paulo.

Colégio São Luiz - Itú SP
Afastando um pouco o olhar da dúvida que sobrevive na historiografia local – entre o pioneirismo de Charles Miller ou do padre Luiz Yabar –, todavia é possível notar que não se trata de uma oposição entre duas histórias distintas. Uma visão panorâmica pode diluir o sentido dessa questão e tornar irrelevantes os fatos pontuais. Para os dois autores citados, Santos Neto e Mills, o início regular do futebol moderno no Brasil se deu em 1894.
A importação das regras é o momento decisivo, pois permite que os times disputem entre si, ou seja, que se comuniquem em uma linguagem lúdica comum, independente dos clubes, escolas, cidades ou países a que pertençam.

A trajetória do jogo de bola também coincide para os dois autores: teve início nas instituições escolares europeias que educavam os filhos de famílias ricas. Várias das famílias britânicas radicadas em São Paulo eram de funcionários de empresas estrangeiras e, não raro, embarcavam os seus filhos para estudarem em escolas da mãe-pátria. Miller, filho de um funcionário técnico da São Paulo Railway, tornou-se um aficionado e competente futebolista depois de cursar escolas inglesas durante dez anos e lá jogar entre 1892 e 1894. De maneira análoga, os professores jesuítas que trouxeram os jogos escolares da Europa para Itu atendiam aos anseios da sua rica clientela.

O Collegio de São Luiz, fundado em 1861, era um internato de ensino fundamental que recebia garotos de famílias abastadas vindos de várias cidades, principalmente da capital paulista. No final do Império se tornou uma prática costumeira entre as famílias endinheiradas mandar os meninos para internatos afastados dos maiores centros urbanos. Ali eles receberiam uma educação com pedagogias importadas, pois os pais esperavam que os garotos tivessem uma educação básica compatível com as escolas estrangeiras.

Muitos dos jovens recém-formados seguiram estudos secundários e superiores em instituições europeias, por isso mesmo o ensino de línguas era privilegiado nesses albergamentos de ensino básico.

Nas duas bagagens pelas quais a bola desembarcou no Brasil – buscada pelo professor jesuíta e trazida pelo jovem estudante anglo-brasileiro – a mesma influência cultural foi embalada. Ela proveio do modelo de educação inglesa que incluía a missão de desenvolver tanto a capacidade física e moral dos jovens quanto a intelectual.

Ao longo do século XIX, as escolas europeias compensaram a falta de atividades da vida urbana com a criação de pedagogias para o corpo. A educação física seria a melhor forma de dar vigor àqueles que no futuro assumiriam o comando das tropas, dos negócios e da nação, e também de inculcar valores morais, como companheirismo, disciplina, respeito, lealdade, liderança, combatividade, entre outros. Inúmeras modalidades inspiradas na ginástica militar ou nos jogos tradicionais foram adaptadas e submetidas as regras próprias de cada escola. A educação alemã e a francesa preferiam a disciplina da ginástica, enquanto a inglesa incentivava as disputas lúdicas.

Em meados daquele século existiam variações do futebol sendo jogadas nas chamadas public schoolsinglesas – internatos particulares de ensino secundário, de alto preço, que educavam os filhos das elites –, em algumas era admitido segurar a bola com as mãos, agarrar o adversário e chutar as canelas. A uniformização das regras para permitir jogos entre agremiações independentes, o que originou os esportes atuais, foi feita por old boys (os alumni, ex-secundaristas) ao ingressarem nas universidades. Em Londres, as diferenças entre estilos do jogo foram reduzidas a duas modalidades: o rugby football e o association football. O futebol sem o uso das mãos (soccer) passou a ser dirigido pela Football Association, fundada no ano de 1863, a qual organizou o primeiro campeonato nacional em 1872. A partir da Inglaterra o novo esporte foi divulgado no arquipélago e nas colônias do Império Britânico, depois em países do continente europeu e nas Américas, enfim, em qualquer lugar em que a pedagogia inglesa exercesse influência no ensino escolar e onde atuassem empresas de capital inglês.

Quando se compara a história do futebol em diferentes países é possível constatar as duas formas básicas de propagação no final do século XIX interagindo entre si: a) no âmbito do ensino, introduzido por professores de escolas secundárias e universidades, com a importação do jogo recreativo seguida por campeonatos intercolegiais e universitários; b) no cotidiano urbano, por iniciativa de old boys que voltavam de estudos no exterior e de funcionários graduados de empresas inglesas, com a fundação de clubes esportivos, adoção das regras inglesas e a organização de uma liga local para disputar campeonatos.

Em alguns países tal propagação aconteceu em etapas distintas, com a primeira desencadeando e tendo uma influência decisiva sobre a segunda, como aconteceu em Buenos Aires. Em outros, as duas formas aconteceram simultaneamente, com os jogos escolares tendo um peso menor para a divulgação do esporte, como é o caso de São Paulo.

Ao levantar o olhar para descortinar o horizonte do passado, a polêmica sobre a paternidade do futebol brasileiro, iniciada entre Santos Neto e Mills, se dilui. As iniciativas individuais a que se referem os historiadores foram quase concomitantes e fizeram circular informações culturais equivalentes.

O jogo de bola pode ter entrado por ações semelhantes por meio de outras tantas portas pelo país afora. O problema dessa abordagem está em querer encontrar o ponto original da implantação e atribuí-la a um fundador paternal: um jogador/professor pioneiro. É difícil aceitar a ideia de que o futebol chegou de forma casual e recebeu adesões espontâneas da população a partir de um lugar específico, expandindo-se em círculos concêntricos. Identificar a introdução mais remota – como se isso fosse possível – não bastaria para compreender a naturalização do jogo, nem sobre como ele ganhou o formato de espetáculos massivos. A localização de um ato fundador pouco esclarece sobre a dinâmica desse fenômeno, diversificado e plural, que mais tarde atingiu enorme magnitude no país. As ações individuais devem ser pensadas sempre em correlação às mudanças na sociedade. É o que pretendo fazer neste estudo.

(...)

Sobre o autor:
Wilson Gambetaé formado em História e Filosofia pela Universidade de São Paulo. Mestre e Doutor em História Social pela mesma. Autor do livro Primeiros Passes: documentos para a história do futebol em São Paulo (1897-1918).

Década de Ouro: Bora Baêa!

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Grandes, enormes torcidas. A paixão do brasileiro pelo futebol não fica restrita aos tradicionais clubes da região Sul e Sudeste, como Corinthians, Flamengo, Internacional ou Cruzeiro. No Nordeste, há clubes com histórias riquíssimas em suas longas trajetórias.

É o caso do tradicional Bahia, para a massa apaixonada de torcedores: “Baêa”...Melhor ainda quando o grito é “Bora Baêêêa!”...Povo que se espalhou pelos quatro cantos do país. Basta ver um clássico do campeonato brasileiro, com qualquer grande clube de São Paulo, por exemplo, para vê-los com suas bandeiras em grande número nas arquibancadas dos estádios.

E há momentos nesta bela história de vida que mereciam transformar-se em um livro. É o que o jornalista Elton Serra fez com o seu “Década de Ouro – A história do heptacampeonato do Esporte Clube Bahia” (Editora Via Escrita).

Sinopse (da editora):

Com prefácio do ex-jogador e técnico Evaristo de Macedo, e orelha do ex-jogador do Bahia Douglas Franklin, a obra imortaliza uma epopeia. Conquistas que saem das arquibancadas e dos gramados da Fonte Nova e ganham as páginas do livro “Década de Ouro – A história do heptacampeonato do Esporte Clube Bahia”, de Elton Serra.

Serra traz histórias de personagens importantes para o futebol da Bahia, como o seguro Sapatão, o incansável Baiaco, o sempre regular Fito e o extraordinário Douglas, além dos mestres Zezé Moreira e Paulo Amaral, dentre outros espetaculares jogadores e técnicos que passaram pelo Tricolor e também cravaram seus nomes na lista dos grandes do Esporte Clube Bahia. Histórias que fizeram com que o clube se tornasse um dos mais populares do Brasil.

É preciso voltar no tempo para entender o porquê de um time tão vencedor. Conhecer as histórias dos protagonistas de uma década repleta de conquistas, bem como os estorvos encontrados num caminho nada fácil, num período onde a ditadura era extremamente voraz no Brasil. Uma época em que o Bahia encantou gerações, formou craques e catapultou a carreira de dirigentes. Momentos que envolvem brigas dentro e fora de campo, muito sincretismo religioso e guerras de nervos sem fim, contadas por aqueles que construíram a própria história.

O dia 28 de setembro de 1979 é um dos mais marcantes da história do Esporte Clube Bahia. Fito marcava o último gol de uma saga que durou sete anos e transformou o Esquadrão de Aço num dos clubes mais vencedores da história do futebol brasileiro. Era o sétimo título baiano seguido de uma equipe que nasceu para vencer e arrebatou corações estado afora.

Com o desenrolar dos jogos e das conquistas, o leitor constata as façanhas da geração mais vencedora do Bahia. Ainda assim, a obra não traz superlativos. Apenas tenta recontar uma história repleta de glórias, que por si só se encarregam de enaltecer os seus principais personagens.

Apresentação
Por Elton Serra

A comemoração foi inesquecível. Uma multidão tomou as ruas de Salvador naquela noite de 28 de setembro de 1979, invadindo a madrugada do dia seguinte. O Esporte Clube Bahia estabelecia uma soberania no futebol estadual e revirava a história do esporte na terra do Senhor do Bonfim, com sete títulos consecutivos no Campeonato Baiano. Numa década em que o desenvolvimento econômico em Salvador era inversamente proporcional à desigualdade social, o Tricolor de Aço se enriqueceu, ao mesmo tempo em que apaixonou ricos e pobres, através dos pés de Sapatão, Baiaco, Fito, Douglas e suas dezenas de companheiros.

Nasci pouco mais de dois anos após o último título da saga do heptacampeonato, mas a memória é tão rica que venceu os anos de industrialização do futebol, elitização do esporte com as modernas arenas e os inúmeros jogos em canais fechados de televisão, e perdura até hoje nos ouvidos e olhos dos mais novos. Recontar um período em que atletas jogavam muito mais por amor do que por dinheiro é eternizar uma das mais ricas histórias da Bahia, onde uma gama de sentimentos se mistura com as cores do maior ganhador de títulos do estado.

Jogadores moldados por técnicos que souberam explorar o máximo de seus talentos, dando padrão tático e liberdade para que os craques usassem a inteligência em prol do time. Meio-campistas acima da média, que eram resguardados por uma defesa sólida e abasteciam um ataque veloz e fulminante. Um grupo que superou os inúmeros meses de salários atrasados e as dificuldades de não ter local fixo para treinar para tornar-se respeitado em todo o país, por acreditar que a nação azul, vermelha e branca era o principal combustível para atropelar adversários e empilhar taças na galeria do clube.

Uma história cercada de rivalidade, que envolve um Ba-Vi que terminou na delegacia e um torneio que não acabou por causa do clima quente entre tricolores e rubro-negros. De um craque decidindo um campeonato após chegar embriagado na concentração e outro trocando as chuteiras pela Câmara de Vereadores. De uma final que quase não aconteceu por conta de uma confusão na interpretação do regulamento. De um estadual que ficou ameaçado em virtude de briga entre cartolas da Federação Bahiana de Futebol.

O sincretismo religioso também fez parte da trajetória do Bahia em busca dos títulos na década de 1970. Das caminhadas à Colina Sagrada por cada troféu conquistado às mandingas feitas por Lourinho, santos e orixás foram personagens presentes na campanha do hepta. Os clássicos disputados na Fonte Nova também envolveram guerras psicológicas, que tinham como coadjuvantes vodus e até cães domésticos. Religião que também se misturava com as festas regadas a trio elétrico e muita música baiana, que começavam no gramado da velha Fonte e se estendiam madrugadas afora, para celebrar a consagração de seus heróis.

Este livro se propõe a contar a história de um clube vencedor e arrebatador de corações. O Esporte Clube Bahia de Luís Antônio, Toninho, Sapatão, Roberto Rebouças, Romero, Baiaco, Fito, Douglas, Osni, Beijoca, Jésum e grandes personagens como Buttice, Perivaldo, Ubaldo, Zé Augusto, Altivo, Edmilson Pombinho, Merica, Dendê, Alberto Leguelé, Cristóvão, Natal, Mickey, Ricardo Silva, Peri, Tirson, Jorge Campos, Picolé, Gilson Gênio e muitos outros que passaram pelas mãos de Evaristo de Macedo, Zezé Moreira, Paulo Amaral, Orlando Fantoni e Carlos Froner, começando no pior momento do time na década, necessário para entender como um dos melhores times do futebol baiano iniciou sua formação.

Enfim, uma obra que contempla um grupo que encantou a Bahia de ponta a ponta, e exportou craques para outros grandes clubes do país, celebrando uma década quase perfeita. Um feito que poucos conseguiram em campeonatos estaduais e que fez com que o respeito e a admiração pelo Esporte Clube Bahia, o Esquadrão de Aço, só aumentasse. Na bola e na arquibancada.

Prefácio
Por Evaristo de Macedo

O futebol me proporcionou muitas alegrias nos meus mais de cinquenta anos de carreira. Fui ídolo no Barcelona e no Real Madrid, dois dos maiores clubes do mundo; vesti o manto sagrado do Clube de Regatas do Flamengo, uma potência do futebol brasileiro; fui técnico da Seleção Brasileira, posto desejado por dez em cada dez colegas de profissão; e conquistei diversos títulos por onde passei. Mas acho que poucas coisas foram tão especiais como fazer parte da história do Esporte Clube Bahia. Foi com o querido Esquadrão de Aço que consegui meu primeiro título nacional no Brasil, glória que poucos possuem em mais de oitenta anos de clube.                            

E minha história no Bahia começou na década de 1970, quando fui convidado para treinar o time pela primeira vez. Ajudei a montar uma equipe que, com o passar do tempo, tornou-se uma das mais vencedoras do futebol baiano. Ter trabalhado com talentos como Douglas, Fito, Sapatão, Baiaco, Elizeu, Buttice, Picolé, Peri e muitos outros me enche de orgulho. Foi nesta década que conquistei meu primeiro título no clube e tive as portas abertas para voltar outras vezes e ser muito bem acolhido por sua imensa torcida. É um período da minha carreira que dá gosto de recordar. 

É com muita satisfação que me vejo fazendo parte de algumas páginas desta história contada por Elton Serra, com riqueza de detalhes e uma precisão quase que cirúrgica nas palavras. Desde a minha chegada ao clube, com o objetivo de, junto com um grupo jovem e muito forte, devolver a hegemonia do futebol estadual ao Bahia, até a conquista do sétimo título consecutivo por uma geração que ajudei a construir. Glórias que vieram com muito suor e trabalho, mesmo com as dificuldades que a estrutura da época nos proporcionava.

Imortalizar esta epopeia é uma ideia fantástica. Elton Serra traz em sua obra histórias de personagens importantes para o futebol da Bahia, como o seguro Sapatão, o incansável Baiaco, o sempre regular Fito e o extraordinário Douglas, além dos mestres Zezé Moreira e Paulo Amaral, dentre outros espetaculares jogadores e técnicos que passaram pelo Tricolor e também cravaram seus nomes na lista dos grandes do Esporte Clube Bahia. Histórias que fizeram com que o clube se tornasse um dos mais populares do Brasil. 

Ser campeão no Bahia não é só escalar um time, sentar no banco de reservas e fazer substituições. É suar a cada treinamento, se arrepiar sempre que entrar no sagrado gramado da Fonte Nova e vibrar a cada gol feito pelo clube do povo. Afinal, ser Bahia é também torcer junto com uma nação que lhe empurra rumo às vitórias com uma energia que só os privilegiados podem sentir. E pode ter a certeza de que me considero um tricolor de corpo e alma. E é parte desta história que Elton Serra nos propõe a contar, sempre colocando aqueles que deram suas vidas dentro de campo como protagonistas de uma linda e árdua trajetória. “Década de Ouro”, definitivamente, é a expressão mais perfeita de uma época onde o Esporte Clube Bahia era um esquadrão quase intransponível.

Sobre o autor:
Elton Serra é baiano de Salvador. Comentarista e editor de esportes na CBN. Pós-graduado em Jornalismo e com especialização em Radialismo, também é bacharel em Administração e Gestão de Negócios. Foi repórter e comentarista esportivo nas rádios Transamérica e Tudo FM, e diretor de redação dos portais Futebol Baiano e Arena Nordeste. Nos últimos anos, tem se empenhado em contar histórias do futebol da Bahia através dos livros.



Uma biografia de Sócrates

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Quem escreveu duas biografias como as de Paulo Machado de Carvalho e de Tarso de Castro, além de ser vencedor de um prêmio Jabuti, merece ser lido, nem que seja para a crítica negativa. O que não é o caso de Tom Cardoso, que marcou mais um gol de letra, agora, com a biografia do craque filósofo da bola, “Sócrates – A história e as histórias do jogador mais original do futebol brasileiro” (Editora Objetiva).

Sinopse (da editora)

Ídolo do Corinthians, capitão da mítica Seleção da Copa de 82, Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira deixou sua marca também fora dos gramados.

O futebol era pequeno demais para a grandeza de suas ideias, e ele se engajou intensamente na vida pública do país. Idealista e rebelde, o meio-campista genial que desafiava as autoridades e incomodava os cartolas carregava no nome a paixão pelo Brasil, que se viu refletida na participação ativa na campanha das Diretas Já. Formado em Medicina, foi, ao lado de nomes como Wladimir e Casagrande, um dos líderes da Democracia Corintiana, movimento com repercussões políticas, esportivas, sociais e culturais.

O mais velho dos seis filhos de seu Raimundo, um vendedor de rapadura apaixonado por filosofia grega, Sócrates queria mexer com as estruturas do país. Em campo, o ritmo de jogo cadenciado, a calma, a elegância e o temperamento frio atraíam admiradores e críticos. Fora dos gramados, a coerência, a postura contestadora, a transparência e as posições firmes igualmente conquistavam entusiastas e desafetos.

Revelado no Botafogo de Ribeirão Preto, consagrou-se no Corinthians, por onde foi bicampeão paulista em 1982 e 1983. Formou com Palhinha, primeiro, e Casagrande, mais tarde, parcerias inesquecíveis. Avesso às convenções, viveu uma vida de excessos, coerente com a maneira como gostaria de ser lembrado: “Se tivesse me dedicado mais, não seria uma pessoa tão completa como sou agora.”

De jaleco no Pacaembu
Por Tom Cardoso

A quinta-feira do dia 9 de maio de 1975 prometia ser exaustiva para Arildo Paris, o motorista do Botafogo de Ribeirão Preto. A rotina como chofer resumia-se, até então, a curtos deslocamentos, normalmente para levar algum dirigente em casa ou a pequenas compras para o departamento de futebol. Mas agora era diferente. Ele teria pouco mais de quatro horas para percorrer cerca de 350 quilômetros, a distância entre Ribeirão Preto e São Paulo. A ordem partira de Faustino Jarruche, presidente do Botafogo: Arildo que fizesse o “impossível” para que Sócrates, o maior talento do time, chegasse a tempo ao estádio do Pacaembu, onde a equipe interiorana enfrentaria o poderoso Corinthians pela abertura do segundo turno do Campeonato Paulista.

Não era a primeira vez que Arildo buscava Sócrates no campus de Ribeirão Preto da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Quase sempre era para pegá-lo para que ele participasse a tempo do treinamento da tarde. O motorista nunca entendera como alguém poderia conciliar atividades tão distintas como estudar Medicina e jogar bola profissionalmente. O garoto nem parecia jogador de futebol. Os pés eram pequenos, tamanho 41, não combinavam com a altura, 1,91metro. Era engraçado vê-lo correr, tentando se equilibrar no próprio corpo. 

Apesar dos 21 anos, possuía o condicionamento físico de um veterano — nas raras vezes em que participava dos coletivos, jogava em uma faixa só do gramado, normalmente na sombra. A falta de fôlego se justificava pelos trinta cigarros consumidos por dia e pelo fim de tarde dedicado às rodas de chope nos bares da cidade. E o garoto, veja só, ainda queria ser médico.

O mais curioso de tudo, pensava Arildo, era que aquele magrelo, como todos gostavam de chamá-lo, jogava uma barbaridade. Ele nunca tinha visto talento igual. Na cidade, todos sabiam que Geraldão só se tornara artilheiro do Campeonato Paulista de 1974 por causa dos lançamentos e passes cirúrgicos do aspirante a médico — o centroavante do Botafogo devia a eles pelo menos 80% dos 23 gols marcados. A maneira com que jogava era original. Eliminara o esforço de girar o corpo, erguer a cabeça e fazer o passe, abusando dos toques de calcanhar. O recurso não era uma novidade no futebol, mas a forma com que ele o utilizava, com espantosa eficiência e objetividade, sim, era difícil de se ver. E o jeito de finalizar, então. O chute saía sem força, rasteiro, no cantinho do goleiro. A bola parecia que não ia entrar, mas entrava. Diziam que o estilo de jogo lembrava e muito o de um ex-craque do Vasco, também de nome esquisito, “Ipojucan”, tão alto, magro e talentoso quanto o garoto.

Arildo sabia que o Botafogo se tornava um time comum sem Sócrates e que jogar no Pacaembu contra um Corinthians há vinte anos sem títulos seria dureza. Mas levá-lo para São Paulo, naquelas circunstâncias, com pouco tempo e a bordo de uma Variant, era perda de tempo. Eles não chegariam. Se chegassem, provavelmente o time já estaria nos vestiários, fazendo o aquecimento, pronto para entrar em campo. Mas ordens do presidente do clube eram para ser cumpridas. E ele passara a vida cumprindo ordens, ao contrário de Sócrates, que vivia em pé de guerra com a direção do clube. O garoto tinha personalidade forte. Era o único atleta do Botafogo que possuía 30% do passe e treinava quando os estudos permitiam.

Dizia que a Medicina era prioridade, mas todos sabiam que ele tinha outras também. Quantas vezes, no meio da tarde, em pleno treinamento, ele encontrara Sócrates tomando cerveja com amigos no Jangada. E fumando como uma chaminé.

Sócrates já esperava Arildo na entrada do campus, como combinado.
Estava de jaleco branco, imundo, sentado na escadaria, fumando calmamente. Não parecia ansioso por causa da viagem e do pouco tempo que teriam para chegar ao Pacaembu.
— E aí, seu Arildo? Vamos nessa?
— Cadê o uniforme, Sócrates?
— Deixei com o Sebinho, no clube. Ele levou para São Paulo.
— Isso não vai dar certo...
— Seu Arildo, no caminho vamos parar para tomar uma gelada?
— Tá maluco, garoto?
— Preciso me hidratar.
— Com cerveja? E larga esse cigarro, sô!

O tempo estava bom e havia pouco movimento na estrada. E não é que a Variant parecia que iria aguentar a viagem toda? Com um pouco de sorte, eles, quem sabe, até chegariam. Arildo, enfim relaxou:

— Então, garoto, vai virar doutor e largar o futebol?

Se fosse possível, Sócrates conciliaria para sempre as duas profissões.
Seria um bom médico, de preferência em algum hospital na periferia de Ribeirão, e jogaria apenas aos fins de semana. Nada mais longe de sua realidade. Desde que entrara para a universidade, em 1972, ano que subira para o time principal do Botafogo, ele se desdobrava para agradar ao mesmo tempo o pai, que exigia prioridade nos estudos, e os dirigentes do clube, sempre insatisfeitos com a sua ausência nos treinamentos. Era mais difícil ludibriar o pai. A marcação do velho Raimundo Vieira era cerrada, dura, homem a homem.

Sócrates nunca mais se esqueceu do dia em que tentara enganá-lo.

Era um domingo e o pai o deixou na porta do cursinho Cesar Lattes para ele fazer o simulado do vestibular de Medicina. Sócrates nem chegou a entrar na sala. Caminhou de lá até o estádio do Botafogo, onde ocorreria a final do Campeonato Juvenil de Ribeirão Preto. Era o tipo de jogo que Sócrates não gostava de perder, um Come-Fogo, o nome dado ao maior clássico da cidade, disputado pelos dois principais clubes, o Comercial e o Botafogo. O garoto de 17 anos acabou com o jogo, marcou dois gols, deu o título ao Botafogo e voltou para casa com os cadernos debaixo do braço.

Não escapou da bronca. O pai descobriu tudo: estava na arquibancada.

Arildo estacionou a Variant na praça Charles Miller, em frente ao estádio do Pacaembu. Faltavam apenas vinte minutos para o início do jogo.

O supervisor técnico do Botafogo, Milton Bueno, o “Tiri”, que havia combinado com Sócrates aguardá-lo do lado de fora do estádio, até meia hora antes de a partida começar, não estava mais lá. Arildo desesperou-se:
— Porra, e agora? Tanta correria pra nada.
— Pode voltar pra Ribeirão, seu Arildo. Eu vou entrar.
— Como?
— Vou comprar ingresso. Lá dentro eu me viro. Tchau!
Sócrates partiu correndo, de jaleco branco, bolsa a tiracolo, em direção à bilheteria. Comprou ingresso para a arquibancada, entrou pelo portão principal e passou a perguntar onde ficava o vestiário do time visitante.

Um funcionário apontou para o lado esquerdo, em direção ao tobogã, o setor mais popular do estádio.
— Fica ali embaixo.

Sócrates acelerou o passo com o rosto quase colado ao alambrado, na esperança de avistar algum diretor do Botafogo. Não viu ninguém. Pensou em pedir para um repórter de alguma rádio avisar ao árbitro, já em campo, que ele estava atrasado, mas que em cinco minutos ficaria pronto para o jogo. Desistiu: aquilo não faria o menor sentido. Passou a correr, desesperado, rumo ao portão que dava acesso ao vestiário do Botafogo, embaixo do tobogã, já tomado pela barulhenta torcida corintiana. Um funcionário do Pacaembu vigiava a entrada. Sócrates achou melhor dizer a verdade.

Ofegante, gesticulando muito e atropelando as palavras, explicou que era jogador titular do Botafogo de Ribeirão Preto, mas que não pudera viajar com a delegação porque não podia mais faltar à aula de propedêutica. Sim, era isso mesmo: ele era estudante de Medicina e por isso estava de jaleco e sapatos brancos. Viajara em cima da hora e viera para São Paulo com o carro do clube. Pagara ingresso e agora estava tentando entrar no vestiário para se trocar e, enfim, entrar em campo.

O funcionário do Pacaembu não teve dúvidas: só podia se tratar de algum paciente foragido do setor psiquiátrico do Hospital das Clínicas.

Aquele sujeito não parecia nem médico, muito menos jogador de futebol. Como alguém podia jogar bola sendo tão magro e tão alto? E o pezinho de bailarina? E que história maluca era aquela? O cara tinha comprado ingresso e queria entrar em campo para jogar? Só podia estar em pleno surto psicótico. O jeito era não contrariar. Quem sabe o cara ia embora.
— Está bem, craque. Em qual posição você joga?
— Estou falando sério. Preciso entrar logo!
— Você não está bem...
— Vai até o vestiário do Botafogo e avisa que o Sócrates chegou.
— Sócrates?
— Sim, Sócrates. Por quê?
— Isso lá é nome de jogador de futebol, garoto?
— Porra, diga que o Sócrates chegou!

Sócrates escapou, por pouco, da camisa de força. João da Silva Neto, o Sebinho, massagista do Botafogo, tinha ido, a pedido da diretoria, dar uma última olhada no portão do vestiário e encontrara o jogador aos berros com um funcionário. Sócrates trocou de roupa no próprio túnel de acesso ao gramado. Mesmo sem aquecer, desnorteado pela longa e cansativa viagem a São Paulo, foi o melhor jogador do Botafogo em campo — marcou o único gol na derrota por 4 a 1. Os 33.201 pagantes do Pacaembu nem imaginavam que aquele cabeludo todo de branco, que passara correndo ao lado do alambrado, se tornaria um dos maiores ídolos do Corinthians e o mais original jogador da história do futebol brasileiro.

Sobre o autor:
Tom Cardoso, nascido em 1972, é jornalista, com vasta passagem pela imprensa paulistana. Autor das biografias do empresário Paulo Machado de Carvalho (O Marechal da Vitória) e do jornalista Tarso de Castro (75KG de músculos e fúria), foi um dos vencedores do Prêmio Jabuti 2012 com o livro-reportagem O cofre do dr. Rui, que narra o assalto ao cofre de Adhemar de Barros, em 1969, comandado pela Var-Palmares.

Corinthians: 20 Jogos Eternos

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Mais um “livraço” do corintianíssimo Celso Unzelte está na área. “20 Jogos Eternos do Corinthians” é mais um título da Coleção Memória de Torcedor, da Maquinária Editora. Os jogos foram escolhidos por corintianos ilustres (como se precisasse ser ilustre para ser corintiano de verdade!).

Há jogos para relembrar para todos os gostos e épocas. O que importa é recordar ídolos envolvidos nessas histórias como Luizinho Pequeno Polegar, Sócrates, Neto, Marcelinho Carioca e tantos outros. “Costurando” as histórias, todo o contexto político e social dos “jogos eternos”.

Literatura na Arquibancada agradece ao autor, Celso Unzelte, pela cessão de um dos capítulos da obra para divulgação.

Uma noite em 77
Por Celso Unzelte

Não foi só uma noite, aquela noite de 13 de outubro de 1977. Foram 22 anos, oito meses mais sete dias e sete noites como aquela, contados, um a um, a partir de 6 de fevereiro de 1955. Tempo suficiente, por exemplo, para o Brasil ter sete presidentes da República: Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, João Goulart e os militares Castello Branco, Costa e Silva, Médici e Geisel. Fora os interinos Café Filho, Carlos Luz, Nereu Ramos, Ranieri Mazzilli (esse duas vezes) e a Junta Provisória formada pelos ministros do Exército, da Marinha e da Aeronáutica que governou o país por dois meses em 1969.

Naquele período, o mundo conheceu três papas — Pio XII, João XXIII e Paulo VI. Foram disputadas seis Olimpíadas (em Melbourne, Austrália, 1956; Roma, Itália, 1960; Tóquio, Japão, 1964; Cidade do México, 1968; Munique, Alemanha, 1972; e Montreal, Canadá, 1976) e cinco Copas do Mundo (Suécia 1958, Chile 1962, Inglaterra 1966, México 1970 e Alemanha Ocidental 1974), das quais o Brasil ganhou três. Deu tempo para os húngaros, em 1956, e os tchecos, em 1968, se rebelarem e serem sufocados em seguida pelo regime soviético.

Em 1957, a própria União Soviética colocou em órbita o Sputnik, primeiro satélite artificial. Em 1958, surgiu nos Estados Unidos a boneca Barbie. Em 1959, a revolução comandada por Fidel Castro assumiu o poder em Cuba. Em 1960, Brasília foi inaugurada e a capital do país deixou de ser o Rio de Janeiro. Em 1961, ergueu-se o Muro de Berlim, separando as Alemanhas Ocidental e Oriental. Em 1962, foram fabricados os primeiros disquetes para computadores. Em 1963, o presidente americano John Kennedy foi assassinado. Em 1964, eclodiu no Brasil o golpe civil-militar que somente treze anos depois começava a dar sinais mais evidentes de distensão. Em 1965, surgiu a Jovem Guarda, movimento musical liderado por Roberto Carlos. Em 1966, os americanos foram às ruas para protestar contra a Guerra do Vietnã.

Em 1967, da África do Sul, o doutor Christian Barnaard realizava o primeiro transplante de coração, inspirando também o casal Manoel Ferreira e Ruth Amaral a compor a marcha de Carnaval Transplante de Corinthiano. Gravada pelo apresentador de TV Sílvio Santos, a música dizia:
Doutor, eu não me engano, o coração é corintiano.
Doutor, eu não me engano, o coração é corintiano.
Eu não sabia mais o que fazer, troquei o coração, cansado de sofrer.
Ai, Doutor, eu não me engano, botaram outro coração corintiano.

Em 1968, estudantes protestaram nas ruas de todo o mundo, enquanto no Brasil foi baixado o terrível Ato Institucional número 5, instrumento da ditadura que suspendia vários direitos constitucionais dos cidadãos e permaneceria em vigor por quase dez anos, até 13 de outubro de 1978. Em 1969, o homem chegou à lua, com o americano Neil Armstrong. Em 1970, os Beatles se separaram. Em 1971, começou a Era de Aquário, preconizada pelos hippies. Em 1972, a TV em cores chegou ao Brasil. Em 1973, um outro golpe militar, dessa vez no Chile, depôs o socialista Salvador Allende. Em 1974, abalado pelo escândalo de espionagem que ficou conhecido como Watergate, o presidente americano Richard Nixon foi obrigado a renunciar. Em 1975, finalmente terminou a Guerra do Vietnã. Em 1976, começou a ser comercializado nos Estados Unidos o Apple I, primeiro modelo de computador pessoal.

“É, 22 anos foi mesmo tempo suficiente pra acontecer muita coisa. Menos para o Corinthians voltar a ser campeão.” Era só nisso que ele conseguia pensar enquanto dirigia o Fusca azul-calcinha na direção do Estádio do Morumbi, com o filho e a futura nora no banco de trás. Quantas vezes na vida havia repetido aquele ritual? Na maioria delas, é verdade, o destino foi outro, em geral o Pacaembu, pois até 1960 o Morumbi nem sequer existia e até 1970 era pouco utilizado. Muitas dessas vezes aconteceram sem o filho, que ainda nem havia nascido, e sem o Fusca, que só pôde ser comprado em 1971. A futura nora, então, ele estava levando ao estádio pela primeira vez justamente naquela noite em que o Corinthians decidiria o título de campeão paulista de 1977 contra a Ponte Preta. Será que a mocinha ia dar sorte?

Naqueles mais de 22 anos, sua vida também tinha mudado bastante. Havia concluído o curso técnico em contabilidade, se casado, se tornado pai e agora estava às portas da aposentadoria. A paixão, no entanto, foi sempre a mesma. Levava-o a perseguir por mais de duas décadas uma alegria que teimava em não voltar. Orgulhava-se de ter estado no Pacaembu naquele fim de tarde de 6 de fevereiro de 1955, comemorando o título do IV Centenário. Depois daquilo, se o Corinthians nunca mais havia voltado a ser campeão paulista ou mesmo brasileiro (apesar de continuar ganhando alguns torneios nacionais e internacionais, entre eles o Torneio Rio-São Paulo de 1966, dividido com Santos, Botafogo e Vasco), não havia sido por falta de insistência dele. Afinal, também esteve presente na maioria dos jogos do vice-campeonato paulista de 1955 e do terceiro lugar de 1956. Na alegria do empate por 3 a 3 diante do Santos, com um gol no último minuto que valeu a conquista definitiva da Taça dos Invictos, e na tristeza da derrota por 3 a 1 para o São Paulo que custou o título paulista na última partida, ambas em 1957.

Continuou firme mesmo a partir de 1958, quando a provação começou a ficar mais evidente e ele já estava comprometido, perto de se tornar pai de família. Mas sempre que ressurgia a esperança do Corinthians ser campeão ele voltava aos estádios. Foi assim quando o clube contratou Almir, o Pernambuquinho, chamado de “Pelé Branco”, em 1960, Garrincha, em 1966, e mais recentemente Palhinha, naquele mesmo ano de 1977. Para ver mais um craque estrear, em uma manhã de domingo, ele e o filho acotovelaram-se entre mais de 60 mil outros corintianos.

Também havia acompanhado o “Faz-me Rir” de 1961, time que a cada derrota fazia os adversários lembrarem ironicamente o bolero de mesmo nome. Vibrado com os gols da dupla Silva e Ney, que valeram um vice-campeonato dividido com o São Paulo, em 1962. Assistido in loco o time dar adeus ao título paulista de 1964, quando já se completavam dez anos, com uma incrível derrota por 7 a 4 para o Santos, na penúltima rodada, em que Pelé, sozinho, marcou no segundo tempo os quatro gols que fizeram toda a diferença entre aquela decepcionante goleada e uma vitória que chegou a parecer possível. Viu Rivellino surgir como o maior craque da história do clube, em 1965. Testemunhou, em 1967, o Timão, mesmo já eliminado, impedir que o São Paulo fosse campeão depois de dez anos, empurrando-o para uma decisão em jogo extra afinal vencido pelo Santos, graças a um gol de canela de Benê, que empatou o clássico com o tricolor em 1 a 1 no último minuto.

Quando Paulo Borges e Flávio acabaram com o tabu contra o Santos, em 1968, ele estava lá. Quando o lateral-direito Lidu e o ponta-esquerda Eduardo morreram juntos em um trágico acidente automobilístico em 1969, justo quando parecia que o Corinthians ia tirar o pé da lama, ele também chorou. Recepcionou Zé Maria em 1970, acreditou que Adãozinho ajudaria a virar para 4 a 3 um jogo que parecia impossível diante do Palmeiras, em 1971, aí já ao lado do filho. Também juntos, eles acompanharam a chegada do Timão às semifinais do Brasileiro e a queda por 2 a 1, de virada, diante do Botafogo, em 1972. A decepcionante derrota por 1 a 0 na final do Paulista para o Palmeiras, em 1974. A invasão do Maracanã, ele, dessa vez, só por procuração, representado pelo filho e pela futura nora, em 1976. Agora, na noite em que o Corinthians finalmente podia voltar a ser campeão, ele não poderia estar ausente.

Imaginava que para o “garoto”, como costumava chamá-lo apesar de já ter até namorada, aquela noite devia ser ainda mais importante. O filho havia nascido, crescido, ido para a escola, depois para o ginásio, depois para o colégio e o Corinthians continuava sem ser campeão. Sabia muito bem que os meninos que torciam para o São Paulo falavam dos títulos paulistas de 1970, 1971 e 1975. Que os que torciam para o Palmeiras enchiam o peito para falar dos títulos brasileiros de 1967, 1969, 1972 e 1973, fora os paulistas de 1972, 1974 e 1976. Que os que torciam para o Santos... Ah, deixa pra lá! Sabia, enfim, que existia um adjetivo terrível associado a todo torcedor do Corinthians, coisa que os outros faziam questão de repetir: “sofredor”. Corintiano era sofredor. Ele era sofredor. O filho era sofredor, e muitas vezes sentia-se culpado por isso.

Assim, logo que o trio adentrou as arquibancadas do Morumbi, ele procurou exorcizar a lembrança da fatídica decisão perdida para o Palmeiras, naquele mesmo lugar, menos de três anos antes. Repetiu mentalmente o mantra emprestado de uma das muitas faixas levadas pela Fiel naquela noite: “Eu te amo, não me mates! Eu te amo, não me mates! Eu te amo...” Os dois primeiros jogos daquela decisão ele, o filho e a futura nora também haviam assistido juntos, mas pela TV. O primeiro, 1 a 0 para o Corinthians, na quarta-feira da semana anterior, gol de Palhinha marcado com a cara no rebote de uma saída precisa do goleiro Carlos, foi porque, naquele dia, ainda não se definiria nada — aquela final era uma disputa em melhor de quatro pontos. A segunda partida, 2 a 1 para a Ponte Preta, de virada, em um domingo ensolarado, teve que ser vista de casa simplesmente porque não haviam conseguido ingressos. Naquele dia em que, caso vencesse, o Corinthians teria sido campeão, 138.032 pagantes, mais 8.050 menores, bateram o recorde de público no Morumbi. Eram, ao todo, 146.082 pessoas acomodadas como e onde podiam, inclusive nas marquises de cimento originalmente construídas para acomodar refletores, no alto do estádio. Quando Vaguinho, que havia entrado durante o jogo no lugar de Palhinha, contundido, fez 1 a 0 para o Corinthians, no final do primeiro tempo, os três comemoraram e ao mesmo tempo se amaldiçoaram por não estar lá. Quando Dicá, cobrando falta, e Rui Rei viraram o jogo para 2 a 1, forçando a realização da terceira partida, eles ficaram tristes, mas ao mesmo tempo esperançosos por terem ganhado mais uma chance de estarem presentes no momento que tanto esperavam.

Graças a seu inseparável radinho de pilha (naquela noite, parecia mais inseparável, até, que a própria namorada), o filho informava ao pai que o Corinthians não iria contar mesmo com seu melhor jogador, Palhinha. Ele, que sofrera um estiramento ainda no primeiro tempo do jogo do domingo, estava irremediavelmente fora do jogo, substituído por Luciano. O quarto-zagueiro titular, Zé Eduardo — e isso todos já sabiam —, estava suspenso por ter levado o terceiro cartão amarelo na falta que originou o gol do empate da Ponte no domingo. Em seu lugar, entraria Ademir, aquele mesmo que, em 1974, não havia conseguido tirar a bola de Ronaldo no lance do gol palmeirense. Pai e filho gelavam só com aquela lembrança. O goleiro Tobias, que no domingo havia cumprido suspensão pelo terceiro cartão amarelo, voltava ao gol, no lugar do gigante Jairo. Basílio e Zé Maria, dúvidas durante toda a semana por causa de contraturas musculares, estavam escalados. Do lado da Ponte Preta, o desfalque era o lateral-esquerdo Odirlei, também suspenso, substituído por Ângelo.

Fundada em Campinas, em 1900, a Ponte disputa com o Esporte Clube Rio Grande, do Rio Grande do Sul, a condição de clube mais antigo do Brasil. Buscava o primeiro título de sua história e tinha uma equipe tecnicamente até superior à do Corinthians, com o goleiro Carlos e os zagueiros Oscar e Polozi (todos convocados para defender a Seleção Brasileira na Copa do Mundo disputada na Argentina no ano seguinte, 1978), os laterais Jair (futuro técnico, com o nome de Jair Picerni) e Odirlei, o veterano volante Vanderlei, os meias Marco Aurélio e Dicá (excelente cobrador de faltas, maestro da equipe), o arisco ponta direita Lúcio, o perigoso centroavante Rui Rei e o ponta-esquerda Tuta, que seria marcado por seu irmão, o corintiano Zé Maria. Não por acaso, dos cinco jogos disputados entre os dois times naquele Paulistão, a Ponte havia vencido quatro, o primeiro deles por goleada, 4 x 0, na única vez em que se enfrentaram em Campinas. Na decisão, a Federação Paulista de Futebol tomou para si o mando dos três jogos, marcando-os todos para o Morumbi.  

No Corinthians, a base do time vice-campeão brasileiro no ano anterior, 1976, havia sido mantida pelo folclórico e apaixonado presidente Vicente Matheus, com o goleiro Tobias, os laterais em nível de Seleção Brasileira Zé Maria e Wladimir, os zagueiros Moisés e Zé Eduardo, o volante Ruço, o meia Basílio e o ataque formado por Vaguinho, Geraldão e Romeu. A grande contratação, junto ao Cruzeiro, por na época inacreditáveis 7 milhões de cruzeiros, era o ponta de lança Palhinha. No banco de reservas, o carismático Oswaldo Brandão, 61 anos, último técnico campeão pelo Corinthians, em 1954, estava de volta. Substituía Duque, que havia caído ao longo daquela árdua campanha, iniciada mais de oito meses antes, em 9 de fevereiro. Árdua e irregular. Depois de ter ficado de fora dos mata-matas do primeiro turno (vencido pelo Botafogo de Ribeirão Preto), o Corinthians foi o campeão do segundo, derrotando o arquirrival Palmeiras por 1 a 0 na decisão. Mas nada disso adiantava, porque o que decidiria tudo, mesmo, era um terceiro turno, com oito times enfrentando-se em jogos  só de ida, mas divididos em dois grupos de quatro, dos quais sairiam os dois finalistas. Após uma derrota para o Guarani por 1 a 0, no Pacaembu, o Corinthians teria que vencer os três jogos que faltavam se quisesse ganhar o Grupo F e ir para a final contra a Ponte, campeã do Grupo E. Derrotou o Botafogo por 1 a 0, em Ribeirão Preto, a Portuguesa por 1 a 0 e o São Paulo por 2 a 1, ambos no Morumbi. Nessas duas últimas partidas, ele e o “garoto” também estiveram presentes.

Apesar da confirmação sempre em cima da hora, já se esperava que o jogo fosse transmitido ao vivo para São Paulo, como haviam sido os dois anteriores. Isso ajudava a explicar o público de “apenas” 86 677 pagantes, com 6 896 menores que não pagaram ingressos, praticamente a metade de domingo. Mesmo assim, quando os times entraram em campo, o barulho dos cornetões e apitos, distribuídos na entrada do estádio para atrapalhar a concentração e o toque de bola da Ponte Preta, foi infernal. Também como havia acontecido na decisão de 1974, a fumaça dos fogos de artifício impedia que se enxergasse o próprio gramado. São 21 horas e quinze minutos quando o árbitro autoriza o início da partida.

A Ponte Preta, toda de branco, com sua tradicional faixa transversal negra na camisa, toca na bola pela primeira vez, com Rui Rei passando para Dicá. Logo no primeiro minuto, um rojão explode na entrada da área, com a fumaça atrapalhando a visão do goleiro Carlos. O Corinthians, com a camisa preta de listras finas brancas que nem todo corintiano gostava de ver em campo naqueles tempos de jejum, calções também pretos e meias brancas, só vai dominar a bola pela primeira vez aos 3 minutos, justamente com Basílio recolhendo um passe lateral de Moisés no campo de defesa. Ecoam os primeiros gritos de “Corinthians, Corinthians”, sempre acompanhados pelo pai, pelo filho e pela futura nora. Com 3 minutos e meio, a primeira grande emoção: o corintiano Luciano arrisca um chute de longe e a bola bate no pé da trave esquerda. Na volta, Polozi desvia o chute de Geraldão para escanteio. Aos 17 minutos e 20 segundos, Oscar dá um chutão para a frente. Na disputa com Ademir, Rui Rei carrega a bola com a mão e em seguida tromba com o zagueiro corintiano, caindo dentro da área. O árbitro, Dulcídio Wanderley Boschillia, marca falta contra a Ponte e manda Rui Rei se levantar. O jogador continua reclamando e recebe cartão amarelo. Insiste e recebe o vermelho, para vibração do trio, que se abraça nas arquibancadas como se o Corinthians tivesse marcado um gol. Agora, com um jogador a menos, justo seu artilheiro, a Ponte pode se tornar um adversário mais fácil.

Brigas, invasões de campo, paralisações. O jogo fica parado por cinco minutos. Antes que o primeiro tempo acabe, Geraldão, o artilheiro corintiano naquele campeonato, acerta uma fantástica meia-bicicleta, mas Carlos vai buscar a bola lá em cima, mandando-a para escanteio. Já o goleiro corintiano Tobias só vai tocar na bola pela primeira vez no último minuto daquele primeiro tempo, recolhendo um chute de longe, praticamente atrasado por Dicá. Na segunda etapa, o Corinthians continua insistindo, mas apesar de ter um jogador a mais não consegue chegar ao gol. Quando a Ponte Preta está com a bola, pai, filho, futura nora e praticamente todo o resto do estádio sopram seus apitos a plenos pulmões. Se o 0 a 0 permanecer, haverá prorrogação de mais trinta minutos. Se a prorrogação também terminar empatada, o campeão será o Corinthians, por ter mais vitórias que a Ponte (26 contra 23) ao longo da competição. Mas o presidente ponte-pretano, Lauro Morais, havia passado a semana inteira dizendo que o regulamento era falho, e que se houvesse prorrogação seu time se recusaria a jogar. Isso, porém, não será necessário.

São passados exatamente 36 minutos e 48 segundos do segundo tempo quando a bola se oferece, por fim, ao pé direito de Basílio, depois de ter viajado para a área na cobrança de uma falta por Zé Maria, se chocado contra o travessão no chute de Vaguinho e sido salva em cima da linha pela cabeça do zagueiro ponte-pretano Oscar após uma outra cabeçada, do corintiano Wladimir. Basílio, um jogador discreto, que havia chegado menos de três anos antes com a responsabilidade de vestir a camisa 10 de Rivellino. Que teve uma parada respiratória dentro de campo em um jogo contra o América de São José do Rio Preto. E que sobreviveu para, agora, se tornar o autor do tão aguardado gol da libertação. “É gente que se abraça, é gente que chora, é gente que ri”, improvisa o locutor Fiori Gigliotti pela Rádio Bandeirantes. Entre toda aquela gente, havia um pai, um filho e uma futura nora.      

Faltavam ainda oito minutos para o jogo terminar, agonia acrescida por outros quatro, por conta de nova invasão de jogadores reservas e repórteres, quando a dupla de brigões Oscar e Geraldão foi expulsa. As últimas duas bolas endereçadas para a área do Corinthians são devidamente rechaçadas por chutões providenciais, primeiro de Zé Maria, depois de Wladimir. Caem no meio da torcida e não voltam mais. A fumaça dos fogos de artifício forma uma nova nuvem, que desce ao gramado e dessa vez não mais se dissipará. Na comemoração que não terá fim, muitos invadem o campo, alguns fincam suas bandeiras, outros arrancam as redes e até comem a grama. O presidente Vicente Matheus perde um pé de seus sapatos. Pai, filho e futura nora se abraçam. Riem que nem tontos, olhando uns para os outros, depois para o campo, depois uns para os outros, depois para o campo novamente. Descobrem que não sabiam como se comemorava um título, e aí riem mais ainda. O pai pensa em pedir perdão ao filho, por ter lhe causado tanto sofrimento. Mas é interrompido pelo garoto, que se antecipa agradecendo. Por ter-lhe feito corintiano.

Ficha Técnica:
Corinthians 1 x 0 Ponte Preta
Campeonato Paulista/final – 3º jogo
Data: 13/outubro/1977
Local: Morumbi, São Paulo
Juiz: Dulcídio Wanderley Boschillia
Renda: Cr$ 3.325.470,00
Público: 86.677 pagantes
Gol: Basílio 37’ do 2º tempo
CORINTHIANS: Tobias, Zé Maria, Moisés, Ademir e Wladimir; Ruço, Basílio e Luciano; Vaguinho, Geraldão  e Romeu.  
Técnico: Oswaldo Brandão
PONTE PRETA: Carlos, Jair, Oscar, Polozi e Ângelo; Vanderlei, Marco Aurélio e Dicá; Lúcio, Rui Rei e Tuta (Parraga, no intervalo).
Técnico: José Duarte

Diário da Copa: Alemanha campeã 2014

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Quantos jornalistas não sonham em cobrir uma Copa do Mundo, ainda mais quando o evento é realizado em seu país? Gustavo Hofman, jornalista da ESPN Brasil, teve o privilégio de ser o “setorista”, aquele que acompanha diariamente uma equipe, da seleção campeã do mundo, a Alemanha.

Foram dias e dias de convívio com os campeões do mundo, que acabaram sendo os maiores algozes dos brasileiros, na goleada histórica por 7 a 1.

Gustavo reuniu essas vivências em um livro: “Quarenta dias com a campeã do mundo – Histórias e bastidores da Alemanha no Brasil” (Via Escrita Editora). E essas obras serão sempre bem-vindas, pois apesar da ampla cobertura de todas as mídias, especialmente as TVs, mesmo veículo que Hofman trabalha, nem sempre conseguimos ter detalhes de tudo o que acontece (ou aconteceu) no dia a dia de uma competição, ainda mais quando esse evento é uma Copa do Mundo.

Apresentação
Por Gustavo Hofman

Cobrir uma Copa do Mundo é algo espetacular. Fiz jornalismo por causa do esporte e sempre fui um apaixonado por futebol. Consequentemente, estar em um Mundial era o sonho maior. Quando o Brasil foi escolhido como sede em 2007, senti uma mistura de emoções. Fiquei feliz pela escolha do meu país, mas ao mesmo tempo preocupado com tudo de ruim que poderia acontecer com o dinheiro público.

Demorou um pouco para a ficha cair e perceber que, logo ali, haveria uma Copa do Mundo no jardim de casa, e que eu poderia estar nela. Nessa época eu trabalhava na Trivela e já tinha coberto um Mundial, em 2006, mas alocado na redação. O mesmo aconteceu quatro anos depois.

Agora era diferente. Como comentarista da ESPN, fui escalado para substituir Gerd Wenzel na cobertura da seleção alemã em território brasileiro. O Wenzel é a maior referência de futebol alemão no Brasil, um dos pioneiros do tema por aqui, desde os tempos de TV Cultura. Ele optou por ficar em São Paulo, na redação da ESPN, e eu com muita honra recebi a missão.

O que você lerá nas próximas páginas é um livro de memórias do Mundial, o meu diário da Copa.

Um diário de trabalho, o “Diário Alemão da Copa”, como coloquei em meu blog durante a competição. São relatos do cotidiano de uma cobertura, bastidores da seleção alemã, curiosidades de tantas viagens pelo Brasil como setorista da equipe (26 voos em 40 dias).

É também um diário que mostra toda competência e excelência alemã na busca pelo tetracampeonato mundial, que veio com um atropelamento contra o Brasil e a final contra a Argentina em pleno Maracanã.

E não deixa de ser uma forma de relembrar essa incrível Copa do Mundo. Boa leitura.

Prefácio
Por Gerd Wenzel

Quando os alemães optaram por estabelecer o Centro de Treinamento para a sua seleção na Vila de Santo André, no município de Santa Cruz Cabrália na Bahia, não faltaram polêmicas. Afinal, com esta decisão, os dirigentes da Federação Alemã de Futebol haviam rejeitado todas as opções oferecidas pela Fifa através do Comitê Organizador Local e encamparam um projeto pré-existente de um Hotel Resort administrado por empresários alemães.

A repercussão, tanto na mídia alemã como na brasileira, foi enorme e muito se falou sobre a conveniência ou não de praticamente isolar os jogadores de todo burburinho, para dizer o mínimo, da Copa do Mundo no Brasil, ao contrário de outras seleções como a Holanda e os Estados Unidos, só para citar dois exemplos.

Mas, na contramão do que imaginavam os críticos contumazes, a partir do “Marco 0” do Brasil – Santa Cruz Cabrália na Bahia – praticamente tudo deu certo para a seleção alemã em terras brasileiras. A começar pela sua chegada: rodaram o mundo fotos dos já descontraídos jogadores na balsa atravessando o Rio João de Tiba, trajeto que iria se repetir à exaustão para a alegria dos futuros campeões mundiais.

Descontração, alegria e simpatia, marcas registradas do elenco. Mas quem conhece a Bahia sabe que estas são também as características do generoso povo baiano. E por conhecer relativamente bem a Bahia, mesmo à distância, tive a nítida impressão de que este jeito baiano de ser acabou sendo incorporado pelos jogadores alemães.

Não faltaram exemplos para comprovar esta tese: a inteiração com os índios pataxós, o carinho com as crianças numa escola de Santo André, a forma atenciosa de tratar os torcedores brasileiros.

Tudo isto sem perder de vista o foco principal: a conquista do quarto título mundial. Só que, pouco antes do início da Copa do Mundo no Brasil, o treinador alemão enfrentou sérios problemas de contusão de alguns jogadores considerados fundamentais para compor o elenco, principalmente Marco Reus, considerado o melhor jogador alemão da atualidade.

O que fazer? Manter o foco, buscar alternativas e fomentar o espírito de equipe. E foi exatamente o que a comissão técnica em conjunto com todo elenco fizeram durante o tempo que estiveram no Brasil e, neste sentido, a escolha de Santa Cruz Cabrália acabou caindo como uma luva para que o objetivo final pudesse ser atingido. Em outras palavras: a pequena Vila de Santo André forneceu as condições necessárias aos jogadores alemães para o pontapé inicial rumo à jornada histórica que culminou com a conquista no templo do futebol mundial, o Maracanã.

E esta jornada foi descrita de forma exemplar pelo jovem jornalista Gustavo Hofman no seu “Diário de Bordo” que à noite, após um exaustivo dia de trabalho enviando boletins para a emissora, fazendo entrevistas com Deus e o mundo, acompanhando coletivas de imprensa, trocando ideias com colegas jornalistas, viajando de cima para baixo com a seleção alemã, comentando os jogos nos estádios, fazendo matérias extra-futebol, além de enfrentar dia sim e outro também, problemas de ordem organizacional que só um setorista conhece, ainda foi encontrar tempo e energia para colocar no papel as suas experiências vivenciadas naquelas últimas 25 horas. Sim, 25 horas – porque para um repórter como Gustavo Hofman este é o tempo mínimo da duração de um dia. Portanto, foi também uma jornada pessoal rumo às entranhas da Copa do Mundo no Brasil. Ficará para sempre em sua memória. Uma jornada que poderá contar com orgulho para o seu filho e, quiçá, mais tarde, para os seus netos.

E ficará para sempre também em nossa memória graças ao seu livro “40 dias com a campeã do mundo – histórias e bastidores da Alemanha no Brasil” onde Gustavo Hofman soube transmitir com maestria a sua vivência daqueles dias de experiências extraordinárias.

Sobre o autor:
Gustavo Hofman nasceu em Belo Horizonte (MG), em 5 de maio de1981, mas cresceu em Campinas (SP). Mora em São Paulo (SP). É formado em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (Pucamp/SP) e tem pós-graduação em Comunicação e Marketing pela Faculdade Cásper Líbero (SP). Antes de ser jornalista, jogou basquete pela Sociedade Hípica e pelo Tênis Clube, ambos de Campinas, tendo disputado os campeonatos paulistas da base entre 1994 e 1998. Começou a carreira em sites e revistas customizadas de Campinas. Já como repórter, ingressou no jornal Folha de S.Paulo e pouco tempo depois foi contratado pelo portal Terra, exercendo a mesma função. Em 2005 foi editor do site e repórter da revista Trivela. É comentarista dos canais Espn, blogueiro do site Trivela.com e colunista do ExtraTime.com.br. 
(fonte: Portal dos Jornalistas- www.portaldosjornalistas.com.br)

Adeus a Roberto Porto

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O jornalismo esportivo perdeu neste 4 de dezembro de 2014 mais uma de suas maiores referências. Roberto Porto, o “Robertão” para os amigos, um jornalista que jamais escondeu sua paixão pelo clube de coração, o Botafogo.

Porto nasceu em 1940, no Rio de Janeiro. Foi repórter e redator do Jornal do Brasil. Na Bloch Editores trabalhou nas revistas Enciclopédia Bloch, Fatos & Fotos e Domingo Ilustrado, trocando depois as revistas por O Globo, onde foi subeditor de esportes. Voltou ao Jornal do Brasil, como subeditor de esportes, retornando pouco depois a O Globo no mesmo cargo. Por fim, trabalhou em O Dia e foi editor-chefe da Tribuna da Imprensa. Foi colunista do Jornal dos Sports

Por todos os jornais, Porto cobriu várias Copas do Mundo, Jogos Olímpicos e Pan-Americanos.

Escreveu também diversos livros. Com João Máximo, publicou A História Ilustrada do Futebol Brasileiro (Edobrás, 1968), em quatro volumes, e, com Carlos Leonam e Manoela Pena, lançou Dicionário Popular de Futebol – O ABC das Arquibancadas (Editora Nova Fronteira, 1999). Manteve um blog http://blogdorobertoporto.blogspot.com.br/. Participava do programa Loucos por Futebol, do canal ESPN Brasil.

Entre tantos livros publicados sobre o Botafogo, um em especial, Botafogo: 101 Anos de História, Mitos e Superstições (Editora Revan, 2005), acabou gerando pelo editor da obra, seu amigo César Oliveira (o acento você entenderá ao ler o texto abaixo), uma crônica emocionante.

Ao longo dos três anos de existência, Literatura na Arquibancada destacou vários livros e textos do craque Roberto Porto e que podem ser acessados nos links a seguir:

MEU AMIGO ROBERTO PORTO
Por César Oliveira

Eu o vi pela primeira vez nas arquibancadas do Maracanã, atrás do gol, mas meio de esguelha, fumando feito louco e, de vez em quando sendo reconhecido e saudado pela Torcida.

Não lembro mais qual foi a coluna dele no Jornal dos Sports que eu comentei, através do e-mail portoroberto@uol.com.br. Mas é claro que era sobre a sua maior paixão imaterial: o Botafogo de Futebol e Regatas. Era 2004 e ele logo respondeu.
E-mail pra cá, e-mail pra lá, ele manda essa, quase um lamento:

– César (ele sempre acentuou meu nome), meu sonho é escrever o meu livro sobre o Botafogo.

Se você escrever, eu dou um jeito de publicar, respondi. Como assim?, quis saber. Ora, trabalho com livros desde 1980, sei fazer, vamos fazer?

A resposta abriu caminho para o começo de uma curta, mas intensa amizade:
– Onde você mora?
Morávamos a menos de 500 metros um do outro, ele na Senador Nabuco, eu na Visconde de Abaeté, em Vila Isabel. Pedi seu telefone, liguei, Ada atendeu e passou pra ele:
– Vem pra cá agora! – pedido quase ordem que se repetiu pela amizade afora, mesmo depois que ele mudou pros cafundós do Recreio dos Bandeirantes.

Foi difícil convencê-lo que ele não era um qualquer. Que estava à altura de Saldanha e Sandro, Oldemário e Sergio Augusto.

Foi assim que começou o sucesso de “Botafogo: 101 anos de histórias, mitos e superstições” que, agora posso revelar, mereceu apoio imediato de Manoel Renha, Carlos Augusto Montenegro, Sávio Neves, Luiz Roberto Santos, Pedro Bulcão e Durcésio Mello. Valério Gomes, da Ideia Busdoor, nos concedeu um monte de adesivos em ônibus. O Jornal dos Sports não criou impedimento a que usássemos seu rico acervo para ilustrar o livro. Eu ainda não havia criado a LivrosdeFutebol.com e, então, lançamos pela Revan.

Um livro histórico, de colecionador, com muitas fotos do Jornal dos Sports e o rico projeto gráfico da MQuatro Design, dos meus queridos Marcelo Fonseca da Rocha e Lina Mizutani. Um brinco de livro, um orgulho imenso e pra sempre.

Ele escreveu tudo rapidamente e não parava de ligar, várias vezes ao dia, indócil como o seu maior projeto editorial. Era o sonho de uma vida:
O "meu" livro sobre o Botafogo!

Quando o livro chegou da gráfica, chamei o Marcelo e combinamos de levar o livro pro Porto. Entramos no apartamento, ele nos recebe, então o Marcelo abre a pasta e apresenta a preciosidade. Ele olhou a capa, com sua caricatura feita pelo Ique, comemorando um gol do Botafogo numa pilha de jogadores que tinha Elton, Mané Garrincha, um jovem Jairzinho e, como cereja do bolo, Gérson Canhotinha de Ouro ainda com muito cabelo.

Ele pegou o livro, virou-se de costas pra nós, que não sabíamos o que fazer ou dizer, apenas vê-lo se afastar para a varanda, onde se sentou, e folheou o livro, chorando por quase meia hora.

O lançamento foi na livraria Dantes, da Ana e do Flamínio Lobo, em cima do Odeon BR. Como ele morava no Recreio, pedi que fosse de manhã pra casa do cunhado, em Vila Isabel, almoçasse e descansasse, para chegar ao Odeon lá pelas 18 horas.

Fez tudo o que eu pedi. Chegou à livraria às 17 horas, normalmente ansioso.

Mal subiu as escadinhas, já encontrou cinco torcedores na fila. Um, chegara pouco antes de Juiz de Fora, especialmente para o lançamento. Pra agradar os torcedores, sentou-se no local reservado a ele e começou a atender a todos. Trouxera dez canetas e quatro maços de cigarros.

Logo, uma multidão encheu o local, e olha que o Botafogo não ganhava o Carioca desde 1997, passara o Centenário em branco.

Alexandre Niemeyer, do Canal 100, generosamente fornecera um filmete de vinte minutos, que passava no cinema enquanto o lançamento acontecia. Velhos companheiros, imprensa, torcedores e admiradores lotaram o espaço, mais de quatrocentos livros vendidos.

Marcelo Duarte, um dos Loucos por Futebol, apareceu com um bigode de bombril, para homenagear o Mestre.

No final da noite, no rescaldo da alegria, ele se levanta, estávamos apenas em família, então peço o meu autógrafo e ele me diz:
– Porra, espera que eu preciso mijar! Não levantei dali desde que cheguei! Nem fumar, fumei.
"Em poucas e resumidas palavras": mais Roberto Porto, impossível.

Que Deus te abençoe, meu amigo! Pelo menos, agora, você vai matar as saudades da Ada Regina!

O abraço e a admiração do
César Oliveira
PS.: Nessa despedida, acato a sua gozação e autoacentuo o meu nome.


Em 12 Rounds

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Para muitos o boxe está nocauteado após a impressionante popularização do MMA. O esporte que chegou a arrastar multidões no século XX tornou-se menos “comercial”. Nos Estados Unidos, porém, ele continua “vivo”, sendo explorado pela literatura e pelo cinema. Por aqui, no Brasil, dois autores, Bruno Freitas e Maurício Dehò, desafiaram a lógica do esquecido boxe brasileiro e decidiram criar uma obra histórica, um resgate fundamental, para o esporte e, principalmente, para a literatura esportiva. Acertaram um direto, com o seu “Em 12 Rounds – Histórias do boxe no Brasil. De Jofre a Popó, dos Zumbano a Tyson (Editora Via Escrita).

Apresentação - 1
Por Bruno Freitas

Eduardo Suplicy
Bloqueio de escritor é uma coisa séria. Levando ao mundo do boxe, poderia ser um pugilista de roupão, pronto na beirada de um ringue, que, por uma hesitação estranha, receia em caminhar em direção a seu adversário. Vivi um momento assim, no encaminhamento deste projeto. A certa altura, estava com tudo pesquisado, tudo apurado. Era me sentar e escrever meus seis capítulos – os outros seis estariam nas mãos e na criatividade de Maurício Dehò, colega de empreitada. Mas, sei lá por quê, não começava.

Chegou uma hora em que não dava mais para adiar. Numa noite de vai ou racha, refleti sobre a lista de meus seis capítulos e elegi Eduardo Suplicy. O episódio do jovem de classe alta, que se encanta com o boxe, e suas lições humanas subliminares, simboliza muito do que é este projeto.

São histórias que transcendem o ringue, a mera troca de golpes. É a busca por aquela essência misteriosa da nobre arte que fascina o cinema norte-americano e suas plateias há décadas.

A aventura do filho dos Matarazzo nos ringues mexeu com a São Paulo da década de 1960 e, talvez, tenha ajudado a iluminar a consciência social do futuro político sobre a complexidade das diferenças de classes – o próprio senador admite isso.

Suplicy, boxeador.
Mas, enfim, o que era hesitação de escritor virou uma euforia por escrever. Varei a madrugada com a história de Suplicy nas mãos e só parei com ela concluída na tela do computador. Quando vi, eram 6 e pouco da manhã, mas o sono inexistia. A adrenalina intimidava a ideia de ir para cama. Então, num rompante maluco, vesti roupas esportivas e fui correr no Ibirapuera.

Cruzei o parque contente com a pequena vitória pessoal que o mundo desconhecia. Ali, com o dia ainda se criando, fui em direção à pista de corrida. Quase ninguém pelo caminho, só os dedicados atletas das manhãs. Ao chegar no começo da pista de terra, parei para um breve alongamento, sozinho, eu e as árvores. De repente, um senhor aparece a alguns metros, deixando o local calmamente, ao fim de seu exercício pessoal. Ninguém menos do que Eduardo Suplicy!

Parecia uma brincadeira da vida. Passara a madrugada com a cabeça na experiência de um personagem e dou de cara com ele ao sair de casa. Não tive muita reação, admito. Poderia relatar toda aquela história, dividir a surpresa do destino com aquele inesperado interlocutor. Mas só esbocei um “bom dia, senador”. Ele respondeu educadamente, certamente não  lembrava do jornalista que o visitou em uma tarde. Afinal, já passara mais de um ano. Apesar da frustração de não ter conseguido uma conversa mais extensa, ficou ali, para o autor, a sensação meio mística de que o projeto daria certo. Era um sinal, não? Naquela altura, tínhamos um acordo verbal com uma editora, mas as coisas não deram certo. O boxe já arrastou multidões no século XX, mas hoje não é um tema lá tão comercial – vivemos os dias de glória do MMA. Enfim, fomos atrás de parceiros, batalhamos alternativas de publicação, porém, nada vingava. Os anos foram passando, e o livro, pronto, ficou na gaveta um bom tempo. Faz parte do jogo. Depois, nos associamos à Via Escrita, fomos ao Catarse, em busca de financiamento de leitores, e o resultado está agora em suas mãos.

A ideia deste livro surgiu no já distante ano de 2006, com a leitura de A Luta, do craque das letras Norman Mailer, obra que deu origem ao documentário Quando Éramos Reis, premiado com um Oscar. Agora, nas próximas páginas, temos o privilégio de apresentar episódios incríveis do boxe – mas casos vividos em solo nacional. Sim, nós também temos as nossas histórias cinematográficas. Alô, produtores espertos, que tal um Touro Indomável made in Brazil?

Apresentação - 2
Por Maurício Dehò

Valdemir Pereira, o Sertão.
Se o ambiente do boxe são as academias, com seu inconfundível cheiro de suor e os eventos em que o ringue já foi centro de uma festa de gala e, hoje, estão às moscas, este livro mostra que um outro cenário é fundamental para a nobre arte: a rua. Escrever Em 12 Roundsfoi um exercício que levou, a mim e ao parceiro Bruno Freitas, a deixar nossas casas, em busca de entrevistados, personagens, testemunhas de cada história contada.

A necessidade de ver, ouvir e sentir o que cada um dos envolvidos nos nossos 12 rounds tinha a oferecer acabou provando que não é só enfurnado em uma academia que o boxe brasileiro se fez.

Uma das missões com a obra foi sair da zona de conforto. No desafio mais ousado dessa nossa jornada, juntei-me ao amigo pugilista Washington Silva, peguei um avião para Salvador e, na sequência, um ônibus, para entrar no interior baiano, em busca de Cruz das Almas, a cidade do último campeão do boxe verde-amarelo: Valdemir Pereira, o Sertão.

Além de sentir o calor cruz-almense, andar pelas ruas de paralelepípedos e terra e ver com meus próprios olhos onde os garotos brigões da cidade trocaram a violência pela arte de boxear, eu ainda tinha de achar Sertão. O ex-campeão dos penas havia jogado tudo para o alto, depois de se descobrir doente antes de uma luta, e voltou à sua cidade, para viver no ostracismo.

Praticamente escondido, como ele reagiria a um jornalista batendo à sua porta, sem avisar? Nem Washington, meu guia turístico, queria se meter nessa. Deixou-me a dois quarteirões e falou: "Ali é a casa da mãe dele. Te espero aqui, leva o tempo que precisar". O "Deus da pauta" deu uma mão. Ao bater à porta, foi a mãe de Sertão quem atendeu. Mostrou fotos, falou com orgulho do filho e, assim, o caminho para chegar a ele estava amaciado. Quando Valdemir chegou, a estranheza de receber um repórter no meio de um fim de semana foi logo deixada de lado, e ele até me recebeu na casa em que morava, bem próxima à de sua mãe.

Assim como meu parceiro Bruno Freitas sabia que nosso trabalho sairia de nossos computadores e ganharia páginas de papel quando avistou Suplicy, minha certeza veio, nessa viagem, diferente de tudo que já tinha vivido como jornalista, e que ainda incluiu uma pausa em Salvador para longas conversas com Popó e Luiz Dórea. Popó, claro, é mais um exemplo de pugilista que saiu da vida simples, fazendo bicos na rua, para ser disputado por empresários milionários, e até acabou detido por isso, como veremos adiante.

Esquiva e Yamaguchi Falcão
A rua também é papel fundamental na história de Nilson Garrido, o pernambucano chamado de doido por muitos, ao montar academias de boxe embaixo de viadutos de São Paulo. Ou na dos irmãos Falcão, que já ficaram desabrigados nos momentos mais difíceis que o pai, Touro Moreno, teve na vida. A família capixaba, por sinal, foi a última adição ao projeto, com sua história digna de filme, e sua trajetória impensável nos Jogos Olímpicos de 2012, em Londres.

De Suplicy aos Falcão, o boxe permite entrar em todas as camadas da sociedade. Permite ir além do esporte, falar de História, de cultura, mostrar os diversos Brasis que a população viveu nos últimos 50 anos. Cada capítulo, um reflexo diferente dos tempos.

E mais. O livro é sobre boxe no Brasil, mas foi possível colocar no papel dois capítulos sobre lendas estrangeiras do boxe. Muhammad Ali e Mike Tyson estiveram em São Paulo e protagonizaram momentos que seus interlocutores brasileiros dificilmente esquecerão. Momentos que, como nos outros capítulos, estavam se esvaindo das mentes dos amantes da nobre arte, mas que são resgatados aqui.

Obrigado por vir junto conosco nessa e um agradecimento, em especial, a todos os apoiadores do Catarse, que acreditaram neste livro, antes mesmo de ele ser real. Hora de subir no ringue, o gongo vai soar. Boa leitura.

Prefácio
Por Álvaro José (jornalista TV Record)

Cassius Clay
Nenhum outro esporte lhe dá, ao mesmo tempo, um balé e um soco no queixo e o coloca no chão. Como se fosse possível passar incólume a isso, ainda é conhecido como a nobre arte. Esporte olímpico desde os Jogos da Antiguidade, ganhou seu passaporte definitivo para integrar o programa dos Jogos Olímpicos da Era Moderna em Antuérpia, 1920. Seus protagonistas têm vitórias de superação e de glória únicas, inclusive, na luta contra o preconceito. Até mesmo Cassius Clay, campeão olímpico em Roma, 1960, jogou sua medalha de ouro em um rio, em frente a uma lanchonete, após ter sido barrado por ser negro.

No Brasil, existem muitos ídolos a reverenciar. O boxe brasileiro sofreu, durante muito tempo, o mesmo problema do futebol, com a profissionalização de seus lutadores muito cedo. Os atletas olímpicos deveriam ser, obrigatoriamente, amadores, o que fez com que grandes talentos da nobre arte, aqui no Brasil, ficassem sem condição de disputar os Jogos Olímpicos.

O boxe fez parte de minha infância e pré-adolescência. Eder Jofre era campeão mundial e meu pai, o jornalista esportivo Álvaro Paes Leme, assistia e trabalhava nas grandes lutas. Falava de Luisão, Oscar Banavena e Luís Faustino Pires como donos de punhos de ferro. Ganhamos, meu irmão e eu, luvas infantis “Galo de Ouro Eder Jofre”, por ele autografadas. Elas renderam, durante as férias escolares, muita diversão para nós e preocupações infinitas para minha mãe. Quando meu pai chegava em casa, íamos esperá-lo no portão, com as luvas, e já pedíamos dicas de posição dos pés, esquivas, golpes e tudo mais.

Quando entrávamos, invariavelmente, todos nós tomávamos bronca, mas logo depois a sala virava um ringue novamente e, de vez em quando, sozinhos, meu irmão Claudio e eu exagerávamos na dose, e lá ia um para o chão. Mais bronca.

Além de Eder, Servílio de Oliveira, nosso medalhista olímpico no México, em 1968; Juarez de Lima, que fez sua carreira praticamente fora do Brasil e chegou a ser numero um do ranking; Miguel de Oliveira, João Henrique e todos os grandes lutadores brasileiros dessa época eram assunto em casa. Da mesma maneira, Abraham Katznelson e Kaled Cury, amigos de meu pai e figuras que encontrávamos, normalmente, quando estávamos junto com ele, em algum lugar, eram muito conhecidos. Ralph Zumbano, outro grande ex-pugilista, tio de Eder e que foi treinador de Maguila, também era próximo. Tal qual num ringue, o mundo do boxe da época girava próximo a nós.

Quando me tornei jornalista, o boxe continuou em minha vida, desta vez na empreitada do Luciano do Valle, com quem tive o privilégio de trabalhar durante muitos anos, em levar o Adilson Maguila Rodrigues a lutar pelo título mundial dos pesos pesados.

Foi um dos grandes momentos da história do boxe brasileiro, sem dúvida. A organização de grandes combates aqui no Brasil, e lá fora, para que Maguila alcançasse posições de destaque no ranking, para poder desafiar os melhores na busca de um título para o Brasil, foi um momento mágico.

Acelino Popó Freitas
Na esteira disso vieram, depois, Acelino Popó Freitas, campeão mundial, tal como Eder, em duas categorias, mas por quatro vezes.

Em Londres, vi os irmãos Falcão, Esquiva e Yamaguchi, conquistarem prata e bronze para o boxe olímpico brasileiro, depois de um jejum de 44 anos. Junto com eles, Adriana Araújo, a primeira medalhista brasileira no boxe feminino. Momentos inesquecíveis.

O boxe tem uma característica única de mexer com o imaginário de todos nós. É um esporte tão singular! Torna-se o vilão que, por vezes, leva embora até as lembranças de seus maiores ídolos. Aqueles que fizeram sua glória. Apaga memórias, mas não apaga a história que tem obras como essa para contá-la.



Sobre os autores:
Bruno Freitasé jornalista desde 1998 e acumula coberturas internacionais em 18 países. Cobriu três Olimpíadas e uma Copa do Mundo, entre outros eventos. Este é seu segundo livro. Também é autor de “Queimando as traves de 50 – glórias e castigo de Barbosa, maior goleiro da época romântica do futebol brasileiro”.
Maurício Dehòé jornalista desde 2006, com coberturas nacionais e internacionais de boxe e MMA, entre outros esportes. Este é seu primeiro livro.


Estrelas que brilham

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Um ano em que o Literatura na Arquibancada caminhou devagar, por conta de seu editor ter que defender o “leite das crianças”, longe da capital. Agradeço aos leitores fiéis que mantiveram a audiência e permitiram atingir a expressiva marca de quase 710 mil views em 2014.

Ano triste, de muitas perdas no jornalismo e na literatura esportiva. Gente que não devemos jamais esquecer e reverenciar, especialmente neste Natal. Viraram estrelas a brilhar no céu.

Nos links abaixo, destaques para o imenso trabalho deixado por Roberto Porto, Michel Laurence, Dr. Osmar de Oliveira, Prof. Sebastião Witter e Renato Pompeu.








Empate

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Ainda são poucos, mas lentamente autores brasileiros começam a explorar o gênero romance na literatura esportiva. A conquista do prestigiado prêmio Portugal Telecom 2013, com o livro “O Drible” (Companhia das Letras), de Sérgio Rodrigues, talvez estimule muitos escritores a explorar a ficção no universo do futebol brasileiro.

É o que fez o mineiro Vinícius Neves Mariano com o seu “Empate”, livro de estreia do escritor, mas que ainda depende de um “pequeno empurrão” para se tornar “realidade”. É que a editora responsável pela publicação, a Simonsen, construiu uma bela campanha de financiamento coletivo para a obra. Você pode participar acessando o link a seguir:

Mais do que recomendar, Literatura na Arquibancada agradece ao autor, Vinícius Neves Mariano e ao editor Rodrigo Simonsen pelo envio de um vídeo especial para os leitores deste blog. 

Ficamos honrados: http://youtu.be/HG_0nLbNoMo

Abaixo, você confere a sinopse da obra e ainda trecho do primeiro capítulo de “Empate”.









Sinopse (da editora)

Um homem traumatizado pela II Guerra Mundial almeja se vingar do Brasil. E a derrota para o Uruguai na final da Copa do Mundo jogada em casa é o golpe perfeito para sua desforra. Assim é apresentado o protagonista de Empate, livro de estreia do autor Vinícius Neves Mariano que será lançado pela Editora Simonsen.

O romance histórico tem início quando o protagonista, sem resistir à superlotação do Maracanã naquela tarde de 1950, cai dentro do fosso que separa as arquibancadas do campo. Com ele cai também outro homem, de personalidade completamente oposta. Juntos eles terão que imaginar o momento histórico que está acontecendo a poucos metros de suas cabeças.

“É um livro de vingança. Tudo o que Aureliano, o protagonista, quer é que o Brasil sofra um golpe tão duro quanto o que ele levou. Mas como toda boa trama de vingança, esta também é uma história de redenção.”, afirma Vinícius Neves Mariano, autor da obra.

“Empate” é um livro que você assiste. Isso porque a linguagem escolhida pelo autor para contar essa história é bastante visual. “Em alguns momentos, você deixa de ler e passa a enxergar as cenas”, complementa o autor, que também é roteirista. Apesar de esta ser uma das principais características de “Empate”, em inúmeros momentos o autor também recorre a lirismos sensíveis e profundos, como no trecho em que descreve o clima que imperava no Maracanã naquela tarde:

“Os nomes de Zizinho, Ademir e Jair sambavam em profecias despudoradas. Gritos jogavam gols para cima como quem joga confetes no salão. O burburinho alegre embriagava qualquer um de esperanças. Estavam todos convencidos de que o jogo seria uma formalidade; o título era uma flor que certamente desabrocharia depois dos noventa minutos desnecessariamente obrigatórios.”

Foi essa combinação de linguagens que chamou a atenção da editora:
“É um livro cinematográfico. O trabalho de reconstrução do estádio tem detalhes tão nítidos e vivos que podem ser acompanhados por uma câmera. Mas, ao mesmo tempo, tudo é descrito com o viés traumatizado de um personagem.”, confirma Rodrigo Simonsen, editor do livro.

Para conseguir tal nível de detalhes da época, Vinícius pesquisou livros e sites especializados, além é claro, de saber minuto a minuto do que acontece em campo naquele dia. 

“Foram meses de pesquisa intensa. Hoje sinto que visitei o Rio de Janeiro de 1950. 

Sou uma daquelas 200 mil pessoas que assistiram a esse jogo”, conta o autor.

Empate será lançado via financiamento coletivo, uma estratégia escolhida pela editora para reduzir os riscos. 

Segundo Rodrigo Simonsen, “o financiamento coletivo é um caminho mais seguro para publicar novos talentos”.




Capítulo 1

Quando os portões de ferro foram abertos, às oito da manhã, o estádio foi inundado por uma multidão disforme. Derramaram-se pelos corredores mais de duzentas mil pessoas. A mancha humana escorreu das rampas de acesso para as arquibancadas. Antes mesmo do meio-dia, o Stadium Municipal do Rio de Janeiro já estava transbordando.

Aureliano parou diante da rampa de acesso e tirou a carteira de cigarros do bolso esquerdo do paletó cigarros no esquerdo, chaves no direito. Desejou que fosse um Yolanda. A mulher loira da embalagem amarela, de lábios formosos e pescoço delgado, foi sua companhia feminina mais fiel nos campos de batalha. Yolanda. Cabelos cacheados, sobrancelhas grossas e a inscrição “Cia de Cigarros Souza Cruz” logo abaixo, que impedia a fantasia de ir longe demais. Yolanda. Acendeu pensando sobre quão patético era sentir saudade de uma embalagem de cigarro. Que bom que era um Continental.

O fumo queimou em um laranja vivo e um fio de fumaça dançou provocante diante de seu rosto indiferente. Por trás da pequena cortina branca que se desfazia frustrada, revelou-se o olhar apertado de um Aureliano completamente tomado pelo tamanho da construção. “O maior do mundo”, como chamavam-no com pretensão e orgulho pelas ruas, parecia ser capaz de guardar o próprio mundo em si. Um ano antes havia lido por aí que Jules Rimet comparava as obras do estádio à construção do Coliseu, na Itália, “pela majestade de sua concepção arquitetônica”, ou qualquer exagero do tipo. Na época, descartou o delírio senil. Hoje, contudo, Aureliano compreendeu o que o velho havia sentido.

O Stadium Municipal impunha-se onde antes era o Derby Club, uma área imensa, descampada e verde. Aureliano cresceu ali perto, na Vila Isabel. Quando menino, costumava ir com os amigos até a região para pescar no Rio Maracanã. Pescar não era sua brincadeira favorita, mas sempre que voltava para casa com o puçá cheio, a mãe ficava feliz. Ela segurava seu rosto e armava um beijo enorme, fazendo um bico que parecia a boca de um peixe. Aureliano achava graça nisso. Levava um peixe para a mãe e a mãe empeixava.

Agora o Rio Maracanã estava canalizado e o estádio se agigantava sobre as residências assustadas do bairro. O entorno era só entulho. A construção parecia ter brotado da terra, rasgando o solo em ferimentos ainda expostos. O verde de outrora virou cinzas. Na falta de cores, lembrou-se de ler nas páginas rosas do Jornal dos Sports a campanha incessante de Mário Filho em prol daquela construção: “O Rio de Janeiro precisa de um estádio à sua altura”, argumentava o jornalista. Aureliano se questionou, diante da grandiosidade da obra que tomava sua vista, se o Rio de Janeiro, ou o Brasil, estavam à altura daquele estádio. Tinha como certo que não.

Aureliano deu uma última tragada em seu cigarro e o atirou no chão. Eram quinze para as oito da manhã. Um homem que passava por ele se abaixou, apanhou o cigarro e fumou, sem nem olhar para seu antigo dono. Ainda parado, Aureliano observou a cena enquanto soltava a fumaça do último trago pelo nariz. O homem andava apressado; nem os esbarrões em outras pessoas o faziam diminuir o passo. Aureliano o seguiu com os olhos só assim podia seguir alguém tão ligeiro, e entendeu que até a bituca do seu cigarro entraria no campo primeiro que ele.

Havia chegado cedo ao estádio porque sabia que teria dificuldade para subir a rampa. A perna direita era um peso que arrastava em descompasso fazia cinco anos; já estava acostumado a compensar a falta de agilidade com tempo. Para um jogo que começaria às três da tarde, chegar às oito era garantia de um bom lugar mesmo para um aleijado como ele.

Perdeu de vista o homem que levara seu cigarro e voltou a si. Se queria ser testemunha da vingança que tanto desejava, teria que encarar aquela subida. Com a perna esquerda, deu o primeiro passo em direção aos portões de entrada. Atrasada e fraca, vinha a direita, desritmada, no contratempo do que lhe era natural. Era este seu compasso: esquerda e direita politicamente desencontradas. Aureliano havia sido forjado em um homem cujo até o andar é conflituoso.

Pouco depois da metade da rampa, parou atrás da multidão aglomerada ante ao portão de ferro trancado. A perna manca já começava a sentir o esforço; Aureliano se curvou para massagear a coxa dolorida. Seus sapatos pretos já tão desgastados agora estavam sujos com a poeira das obras inacabadas do estádio. Não eram só os seus. Todos ao seu redor tinham as calças e os sapatos empoeirados. A poeira os fazia iguais. Era parte da massa, como um rebanho marcado pela imundice. Maldito Ary Barroso. Ele era um dos culpados. Tinha que continuar é compondo música e não fazendo política. Conseguiu apoio quase irrestrito da população em uma discussão com Carlos Lacerda sobre a relevância da obra para o país. Encomendou uma pesquisa que revelou que o mesmo povo que hoje sobe a rampa se sujando de terra porque essa monstruosidade não ficou pronta a tempo estava até disposto “a arcar com algum sacrifício” para que o maior estádio do mundo fosse erguido no Rio de Janeiro. Aureliano lembra-se de ter rido quando leu sobre isso nos jornais. O que essa gente sabe sobre sacrifício? Maldito Ary Barroso. Maldita Aquarela ufanista.(...)

Sobre o autor:
Vinícius Neves Marianoé publicitário, roteirista e agora escritor. Trabalhou por anos como redator em algumas das principais agências de publicidade do país antes de se especializar em
roteiro para cinema e televisão. Como roteirista, além de outros trabalhos, foi co-criador de Várzea, série de TV lançada em 2014.


Quem desloca tem preferência

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Difíceis são as teses acadêmicas publicadas em livro que seduzam o leitor “comum”. O mineiro Marcelino Rodrigues da Silva tem esse dom. Para os estudiosos e pesquisadores do esporte (e também o leitor da literatura esportiva tradicional) seu novo livro “Quem desloca tem preferência: ensaios sobre futebol, jornalismo e literatura” (Relicário Edições) é leitura obrigatória.

Literatura na Arquibancada apresenta abaixo o texto de apresentação da obra e ainda um trecho de um dos capítulos, gentilmente cedidos pelo autor e editora.

Apresentação
Por Pedro Henrique Trindade Kalil

A importância do futebol para o Brasil é inversamente proporcional à quantidade de estudos dedicados a esse esporte, considerado, tanto por nós quanto pelos estrangeiros, um dos pilares da identidade brasileira. Desde que Charles Miller importou o futebol da Inglaterra para o Brasil, no final do século XIX, o jogo tomou uma proporção na sociedade que não condiz com o espaço que pesquisadores, artistas e escritores dedicaram ao esporte. O mesmo pode ser dito a respeito de diversas manifestações populares e da cultura de massa que não encontram no meio acadêmico-artístico-cultural sua tradução.

Esse cenário, entretanto, começou a mudar nos últimos anos, quando diversas publicações e estudos, além de manifestações artístico-culturais, passaram a dar atenção para essas áreas tantas vezes negligenciadas. As razões para essa omissão são várias e, talvez, a mais difundida seja a máxima “o futebol é o ópio do povo”, que exprime a opinião daqueles que percebem no esporte bretão não mais do que uma “fuga da realidade” e dos “problemas de verdade”.

O combate a esse posicionamento pode ser visto como a preleção deste belo livro de Marcelino. Quem desloca tem preferência faz um drible no senso comum sobre a história e a importância do futebol na sociedade brasileira. O que temos aqui não é uma simples narrativa histórica do futebol ou mesmo uma análise que vai de encontro a opiniões tão difundidas no imaginário intelectual, mas a complexificação do fenômeno futebolístico em nosso país – e isso é uma primeira importância deste livro.

As contradições e os paradoxos dos objetos, que muitas vezes tentam ser escamoteados nos trabalhos teóricos, são aqui ressaltados para que se examine a fundo várias facetas dos discursos futebolísticos. É como se Marcelino perseguisse a máxima de Mikhail Bakhtin, quando esse teórico russo afirma que “em todo signo ideológico confrontam-se índices de valor contraditórios”. Marcelino não é um goleiro com medo diante do pênalti – recorrendo ao nome do filme de Wim Wenders –, mas aquele que sabe que, quando se aventura a analisar um jogo que ocorre entre quatro linhas, tudo pode acontecer. Nesse sentido, o livro irradia a própria magia do futebol por abordar algumas das possibilidades infinitas que esse esporte oferece.

O esquema tático do livro foi montado em quatro blocos que, obviamente, são intercambiáveis e dialogam intensamente entre si. Enfim, é uma tentativa de fazer com que o time jogue sem buracos em campo, um esquema em que o goleiro liga o jogo até o ataque, passando pela defesa e pelo meio de campo. A primeira parte, “Um jogo é um jogo é um jogo”, trata de questões do futebol brasileiro de maneira geral, perpassando por ligações entre o futebol, as letras e as artes, o futebol e o Modernismo, futebol e identidade, futebol e sua memória. Marcelino descontrói, nesse conjunto de textos, velhos preconceitos e ideias mofadas para ventilar uma nova abordagem sobre esse jogo, que se mostra, especialmente no nosso país, mais do que uma simples disputa entre duas equipes.

Na segunda parte, “Jogando em casa”, a atenção se volta para a cidade de Belo Horizonte, onde a rivalidade entre o Atlético Mineiro e o Cruzeiro se torna o eixo para se discutir as diversas ideias modernizantes do Brasil, a construção identitária da capital mineira e a elaboração da memória inventada das duas torcidas. Esse último ponto pode ser apreendido através do trabalho de Mangabeira, que criou as mascotes não só dos times de Belo Horizonte, mas também de Minas Gerais. A publicação deles, principalmente no jornal Estado de Minas, ao passo que se baseou nos ideais de cada clube e sua torcida, construiu também sua própria caracterização.

Mário Filho
Essa importância dos jornais para a construção da ideia de futebol no Brasil, pois, é o foco da terceira parte, “Mesa redonda”. Nela, Marcelino exibe um panorama de como os jornais cariocas, em especial a figura ímpar de Mário Filho, ajudaram a construir a ideia de futebol no Brasil. Aqui, discute-se também a relação entre o torcedor, o jornal, a televisão, o rádio e a literatura, dinamizando os discursos que permeiam esse esporte. A última parte, “Outros campos”, deixa transparecer, ainda mais, os diversos fios que ligam o esporte a outros campos da nossa vida. O cinema, a literatura e até outros esportes, como o surf, aparecem para que se fomente a ideia de que o futebol é, também, uma construção discursiva.

A fluidez da escrita do autor é outro ponto para conquistar a torcida, até mesmo a adversária.

É raro ver um trabalho acadêmico no qual é empregada uma linguagem tão acessível e envolvente, sem prejudicar em nada o conteúdo, como é o caso deste. A trama articulada por meio das palavras desenvolve aquela atração presente em todos os grandes clássicos.

A partir dessa escrita, a coerência entre os diversos textos aqui apresentados também merece destaque. Poucas vezes é possível ver um time jogando com a consistência que encontramos aqui. Quer se fale da história de Pieruccetti, quer se fale dos arquivos construídos a partir das imagens dos negros nos jornais, Marcelino parte para o ataque com a convicção de muitos dos nossos maiores goleadores. É um gol atrás do outro, fazendo com que este livro já tenha o espírito vencedor daqueles que ousam ver além do que já é reconhecido.

Ao vivo e em cores: 
a experiência midiática do esporte
Por Marcelino Rodrigues da Silva

(...)

Nos dias de hoje, embora o hábito de acompanhar o futebol pelo rádio não tenha sido abandonado, boa parte do espaço que era ocupado por essa mídia na vida esportiva da multidão de futebolistas foi tomado pela televisão. O futebol se tornou um programa de TV e o campo perceptivo por meio do qual ele é experimentado voltou a ser o visual. Devemos nos perguntar, então, se isso não terá trazido de volta o “esporte ao quadrado”. Pois, a princípio, poderíamos pensar que a mediação da câmera de televisão é menos sujeita a distorções e apenas reproduz a experiência do torcedor que vai ao campo.

Se o ouvinte de rádio, para aceitar a informação que recebe, precisa de um pacto de confiança com o locutor e sabe que esse pacto pode ser rompido, para o espectador de TV não se trata de ter fé em algo que alguém lhe diz, mas de acreditar em seus próprios olhos. Mas, será realmente neutra e livre da trucagem a mediação do futebol pela televisão? Podemos realmente confiar em nossos olhos?

Para responder a essas perguntas, consideremos inicialmente as transmissões “ao vivo”, em que o espetáculo esportivo é levado ao espectador em sua totalidade e em “tempo real”, com o auxílio dos satélites e redes retransmissoras. Embora a impressão seja a de que a imagem que chega ao espectador é bastante confiável, dando a ele uma percepção bem próxima à do torcedor que vai ao campo, não é exatamente isso o que acontece. Marcel Pagnol, citado por Paul Virilio no livro Guerra e cinema, mostra que a perspectiva da câmera é, na verdade, uma redução da multiplicidade de pontos de vista sob os quais um acontecimento pode ser observado:

Em um teatro, mil espectadores não podem sentar-se no mesmo lugar e logo podemos afirmar que nenhum dentre eles assistirá à mesma peça. (...) O cinema resolve este problema, pois o que cada espectador vê, onde quer que ele esteja sentado na sala, (...) é exatamente a imagem que a câmera focalizou. (...) Não mais existem mil espectadores (ou milhões, se juntarmos todas as salas), agora existe não mais de um único espectador, que vê e escuta exatamente o que a câmera e o microfone registram. (apud Virilio, 1993)

A perspectiva única da câmera é, portanto, uma redução dos diferentes ângulos e possibilidades que o torcedor teria se estivesse no estádio. Certas nuances do jogo estão inevitavelmente fora de seu alcance: a disposição tática dos atletas por todo o campo, os movimentos sem bola de jogadores que participam da jogada fora de seu enquadramento, os detalhes que um determinado ângulo de observação permite enxergar e que outro não permite etc. Sem falar nos momentos em que a câmera ou o editor de imagens se perdem e não conseguem acompanhar a jogada. Na tentativa de superar essas limitações, as estações de televisão se entregam a esforços que beiram o delírio tecnológico dos filmes de ficção científica: várias câmeras posicionadas em diversos ângulos, microfones próximos ao gramado, replays, câmeras sobre trilhos ao longo do campo, imagens computadorizadas que verificam matematicamente a velocidade da bola, congelamento da imagem no momento do lançamento para apurar se o jogador se encontra em posição de impedimento... Mas o que todo esse aparato tecnológico faz é instaurar um excesso de luz cujo efeito pode ser o de uma cegueira, uma “obscenidade” de imagens que, por vezes, mais confunde do que esclarece.
É o que acontece naqueles intermináveis debates, em que os comentaristas discutem se a decisão do juiz foi ou não correta, repetindo as imagens do lance diversas vezes e chegando a um veredicto que, para espanto do espectador, é exatamente o contrário do que as câmeras mostram.

Assim, as transmissões “ao vivo”, embora aparentem ser fidedignas e capazes de oferecer uma visão mais aguda e completa dos acontecimentos, podem também ser traiçoeiras.

Mas, a princípio, a trucagem, a distorção e a desinformação parecem estar descartadas e os juízos, opiniões e impressões dos narradores e comentaristas estão sempre sujeitos a serem checados e rejeitados pelo espectador, em função daquilo que seu olho vê.

Entretanto, se verificarmos estatisticamente que tipo de programação esportiva predomina na televisão e em quais programas os telespectadores colhem suas informações sobre o esporte, perceberemos que as transmissões “ao vivo” ocupam bem menos espaço do que a variedade de outros formatos. São os “gols da rodada”, os “compactos”, as entrevistas, as mesas redondas, os informativos esportivos e os quadros humorísticos que predominam e oferecem aos aficionados a oportunidade de vivenciar o futebol. Se mesmo nas transmissões “ao vivo” a fruição do esporte se afasta daquela experiência que Umberto Eco definiu como o “esporte ao quadrado”, nesses outros tipos de programa esse distanciamento é muito mais evidente.

Vejamos, por exemplo, o caso dos “compactos”, que reúnem os “melhores lances” de um jogo para possibilitar ao telespectador uma visão geral de seus acontecimentos mais importantes. Aqui, além de todos os artifícios tecnológicos utilizados nas transmissões “ao vivo”, somam-se nada menos do que os recursos de corte e montagem. Citando Orson Welles, Paul Virilio (1993) nos lembra de que “a montagem é o único momento em que se pode exercer um controle absoluto sobre o filme”. Em outra passagem de seu livro, o filósofo informa que durante a Segunda Guerra Mundial realizaram-se, a mando de Hitler, “filmes baseados exclusivamente em documentários jornalísticos absolutamente autênticos” destinados a “aterrorizar os espectadores estrangeiros e forçá-los a reconhecer a superioridade do exército alemão”.

Recortadas, montadas e sublinhadas pela narração, essas imagens deveriam “projetar sobre o espectador seu ritmo vibrante de um grande acontecimento histórico”.

Se considerarmos que o esporte é, assim como a guerra, um campo essencialmente agonístico, que quase sempre envolve o público em um dos lados da competição, e que os recursos utilizados na montagem dos “melhores momentos” são rigorosamente os mesmos, veremos que os procedimentos descritos por Virilio podem e efetivamente são utilizados na produção dos “compactos”. E que a função supostamente informativa desses programas pode muito bem se transmutar em trucagem, distorção e desinformação. O mesmo vale para os outros tipos de programa sobre o esporte, como os “gols da rodada”, os informativos, as entrevistas e as mesas redondas, em que a seleção e a montagem são apenas alguns dos recursos que podem estar a serviço da desinformação e da imposição de uma determinada interpretação dos fatos. E essa interpretação estará sempre inserida no contexto agonístico do esporte, em que proliferam inevitavelmente os interesses e objetivos estratégicos.

Assim, a grande transformação que a televisão produz no intrincado fenômeno do espetáculo esportivo não é trazer de volta a experiência do “esporte ao quadrado”, mas sim levar ao extremo aquele afastamento midiático já operado pelas transmissões radiofônicas, porém, com uma diferença: a televisão cria uma ilusão de realidade, pois o espectador julga estar vendo os acontecimentos com seus próprios olhos, quando, na verdade, os vê por meio do olho autoritário da câmera e do tratamento interpretativo de quem a dirige. Isso faz com que ele se torne mais passivo, menos co-participante, pois ele não sente que tem que reinterpretar a informação que recebe. O futebol, através da mediação autoritária da televisão, torna-se uma realidade cada vez mais distante, infinitamente distante, até se converter em um mundo constituído exclusivamente por imagens. Transformado em um universo de imagens pela TV, ele é a aberração do que Umberto Eco chamou de “esporte elevado à enésima potência”.

O esporte atual é essencialmente um discurso sobre a imprensa esportiva: para além de três diafragmas está o esporte praticado, que no limite poderia não existir. Se por uma diabólica maquinação do governo mexicano e do senador Brundage, aliados com as cadeias de televisão do mundo inteiro, as Olimpíadas não acontecessem, mas fossem contadas dia a dia e de hora em hora com imagens fictícias, nada mudaria no sistema esportivo internacional, nem os que falam de esporte se sentiriam logrados. (Eco, 1984, p. 223-224)

Sobre o autor:
Marcelino Rodrigues da Silvaé doutor em Literatura Comparada e professor da Faculdade de Letras da UFMG. Publicou diversos trabalhos sobre o futebol em Belo Horizonte e no Brasil, entre eles o livro Mil e uma noites de futebol: o Brasil moderno de Mário Filho (Editora UFMG, 2006). É pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Futebol, Linguagem e Artes (FULIA) e do Centro de Estudos Literários e Culturais – Acervo de Escritores Mineiros (CELC-AEM).

O estádio dos desejos

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Assim como no Brasil, o México tem um povo apaixonado pelo futebol. E um de seus grandes escritores, consagrado no país e pelo mundo, Juan Villoro, construiu uma história, classificada como literatura infanto-juvenil, mas que encanta a todos os tipos de leitores.

“O estádio dos desejos” (Editora Terceiro Nome) conta as peripécias do garoto Arturo, fanático por futebol, mas que nunca viu a seleção de seu país vencer um jogo. Para tentar reverter essa situação, Arturo recorre ao pai, um cientista, para tentar descobrir uma “fórmula mágica” para a vitória.

O livro teve a tradução de Eric Nepomuceno e ilustrações de Francisco França.

Apresentação

Juan Villoro é um dos maiores, senão o maior escritor mexicano da atualidade. Aliás, essa afirmação é fácil de confirmar: ele mede quase dois metros de altura.

Acontece que ele é também um dos maiores em todos os sentidos, e confirmar isso é igualmente fácil: basta ler o que ele escreve.

São romances, contos, ensaios, histórias infanto-juvenis e peças de teatro – e tudo que Villoro faz tem recebido a admiração e o carinho dos leitores, bem como elogios da crítica.

Alguns de seus livros, como o romance Arrecife e o infanto-juvenil O livro selvagem, já foram publicados no Brasil. Assim como eles, os romances Llamada de Amsterdam e El testigo, os contos de La noche navegable e Los culpables e o infanto-juvenil Cazadores de croquete, estão entre os mais bem-sucedidos da sua geração de autores latino-americanos.

Prestigiado e premiado, respeitado e reconhecido, agradece todas essas honras, educado que é.

Mas Villoro faz questão de ressaltar que, no fundo, no fundo, seu verdadeiro ofício é torcer apaixonadamente pelo Necaxa, um time da segunda divisão do futebol mexicano.

Muito mais que seu diploma de sociólogo, seu amplo e vasto trabalho jornalístico, sua trajetória consistente e variada, os dois grandes orgulhos de sua vida são torcer pelo Barcelona (seu pai, o grande filósofo Luis Villoro, nasceu na Catalunha e se exilou no México logo depois da Guerra Civil Espanhola), time ganhador, e pelo Necaxa, time perdedor.

Porque ele sabe que a vida é exatamente assim, feita de vitórias e derrotas. E que o importante é torcer, ou melhor, viver.

Enquanto vive e torce, Villoro escreve – para alegria de todos nós. Boa prova disso é esta  pequena joia chamada O estádio dos desejos.

Um estádio formidável
Por Juan Villoro

Arte: Chico França
No quarto de Arturo havia um globo terrestre. Antes de ir dormir, ele acariciava o globo e o fazia girar. Gostava do globo porque parecia uma bola de futebol.

Quando comia, quando tomava banho e quando dormia, Arturo imaginava gols possíveis e impossíveis. Seu pijama tinha o número 9 e as cores do Atlântida, seu time favorito.

Ficava fascinado quando ia com o pai ao estádio Atlântida, o maior e mais moderno da cidade, onde também jogava a seleção.

A arquibancada se enchia de gente enlouquecida e contente que pintava a cara e tocava tambores, cornetas e apitos num tremendo alvoroço. Cem mil gargantas gritavam quando alguém fazia um gol e cem mil narizes deixavam de respirar quando o juiz marcava um pênalti.

O estádio do Atlântida tinha uma cobertura prateada onde quatro falcões faziam ninho. Os ferozes falcões eram chamados de Pelé, Maradona, Di Stéfano e Pancho. Os três primeiros falcões tinham nomes de jogadores históricos; o quarto tinha o nome de um centroavante de que todo mundo gostava muito, mas que nunca tinha ganhado um campeonato.

Pancho era o camisa 9 do Atlântida e da seleção. No pátio do colégio, Arturo tentava imitar sua célebre jogada do cavalinho adormecido, ou seja, ficar quieto feito um cavalo que dorme de pé e arrematar a jogada com um chute de calcanhar, com a força de um corcel que dá um coice.
Pancho tinha dribles incríveis. Tinha passado a bola no meio das pernas do alemão Peter Kaspa, conhecido como Mel de Arsênico, tinha feito Ivo Tundaz, zagueiro húngaro conhecido como Gulash, o Terrível, dançar uma valsa, e tinha metido um gol de peixinho em Tito Granola, o goleiro argentino de formosa cabeleira que todo mundo chamava de Cabelinho de Anjo

Arte: Chico França
Infelizmente, a seleção precisava de mais do que isso para ganhar.

O querido Pancho era quem dava mais autógrafos e em todos fazia o desenho de um cavalinho com os olhos fechados. Era desconhecido no mundo, mas adorado no estádio Atlântida. E isso explicava o fato de um dos falcões levar seu nome.

O trabalho dos falcões, aves de rapina, consistia em afastar os intrusos. O estádio do Atlântida tinha grama de qualidade e sementes saborosas. Por isso, os pássaros gostavam de bicar o gramado, e volta e meia cruzavam o campo justo quando a bola zunia rumo ao gol. Para evitar esses choques, nos dias de jogo os falcões ficavam à espreita, lá em cima, assustando os pássaros gulosos e famintos.

Era fácil identificar os falcões: Pelé era negro; Maradona, gordo; Di Stéfano, careca; e Pancho, brincalhão (era o único que sabia voar de ponta-cabeça).

Arturo sonhava ser um grande centroavante. Era bom cabeceando, chutava bem com a perna direita e estava aprimorando seu toque com a canhota. Essas habilidades tinham feito dele o artilheiro da escola. Mesmo assim, seu pai dizia:

– Futebol, a gente joga com a mente.

O pai de Arturo era o doutor Jerónimo Gómez, um cientista especializado em magnetismo. Tinha fabricado uns ímãs famosos e, além disso, era conselheiro da seleção.

Antes das partidas, ele descia para o vestiário e dizia aos jogadores:

– Rapaziada gloriosa, o futebol é um esporte magnético: a bola chega para quem mais a deseja!

Os jogadores ficavam observando com olhos arregalados. Depois coçavam a cabeleira e esfregavam as tatuagens, sem entender direito o que aquele sábio dizia.

Nem sempre era fácil captar as ideias do doutor Gómez.  O filho Arturo tinha conseguido entender o seguinte: a Terra tem uns ímãs que atraem os metais, mas o magnetismo mais forte está no interior das pessoas.

– Se você se concentrar de verdade, as coisas vão chegar até você – dizia o pai de Arturo. – Como é que você acha que eu conquistei sua mãe?

Arturo gostava de uma menina chamada Sofia. Quando ela atravessava o pátio do colégio, podia sentir sua presença, mesmo se estivesse de costas ou concentrado numa jogada para garantir o domínio da bola.

– Existem pessoas cuja presença a gente percebe sem precisar olhar para elas – comentava o doutor Gómez.

Emocionado com suas próprias teorias, passava as mãos pela cabeleira e se despenteava ao afirmar:

– No Japão, os melhores arqueiros disparam suas flechas com os olhos fechados. O alvo é uma coisa que a gente sente. A pontaria está dentro da gente. Se você quiser alguma coisa, querendo com força você consegue. O magnetismo é a ciência da atração.

Será que era verdade o que o doutor Jerónimo Gómez dizia?

De noite, Arturo sonhava que estava em campo. Lá no fundo, via a bola. “Eu quero muito você”, pensava, e a bola rolava até seus pés, como um cachorro que volta para o seu dono.

Sobre o autor:
Juan Villoronasceu em 1956 na Cidade do México e é um dos intelectuais latino-americanos mais ativos da atualidade. Sociólogo, jornalista, tradutor e professor universitário, já recebeu diversos prêmios por seu trabalho. Tem mais de trinta livros publicados em diversos gêneros, como romance, ensaio e teatro e escreve para revistas como Letras Libres e Etiqueta Negra, além dos jornais El País e Reforma. Assim como Arturo, o protagonista de O estádio dos desejos, Villoro é apaixonado por futebol. Torce pelo Barcelona (seu pai, o filósofo Luis Villoro, nasceu na Catalunha e se exilou no México depois da Guerra Civil Espanhola) e pelo Necaxa, time da segunda divisão do campeonato mexicano.



Causos do Doutor Osmar

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Não faz nem um ano que ele partiu (julho 2014), mas a saudade é imensa. Dr. Osmar de Oliveira, além de médico respeitadíssimo, dentro e fora dos gramados ou quadras esportivas, criou uma carreira de sucesso no jornalismo esportivo, como narrador e comentarista. Durante décadas, convivendo com estrelas e anônimos do esporte brasileiro, Dr. Osmar acumulou milhares de histórias e estórias sensacionais.

Em 2008, a Companhia Editora Nacional lançou um livro “despretensioso”, pequeno em tamanho, mas sensacional no resultado: “Causos do Doutor Osmar”.

Um livro de pequenas histórias, “causos”, a maioria contada com bom humor, sarcasmo, ironia, no tom certo de todo bom contador de histórias, como era o Dr. Osmar.

Literatura na Arquibancada resgata abaixo algumas dessas “pérolas”.

A morte do cartola

Botafoguense fanático, Rivadávia Correa Meyer foi presidente da CBD (atual CBF) entre 1943 e 1955. Imparcial e empreendedor, foi um cartola respeitável.

Mesmo após desligar-se de cargos diretivos, não abandonou o vício pelo futebol e, numa final de campeonato carioca, década de 1970, lá estava ele nas tribunas do Maracanã acompanhado pelo filho e alguns amigos. Antes do jogo, um minuto de silêncio. Não se sabe quem deu a informação ao locutor do estádio, que com voz pausada e melancólica anunciou:

– A Adeg (Administração dos Estádios da Guanabara, hoje Suderj) lamenta informar o falecimento neste domingo do saudoso dirigente Rivadávia Correa Meyer.

O cartola tomou um susto e esbravejou. Um de seus acompanhantes, homem despachado, saiu correndo em direção à cabine de som. Chegou esbaforido e raivoso, chamou o locutor de louco e foi dizendo que Rivadávia estava vivo e assistindo à partida. “Você vai ser despedido do serviço público, mas antes disso corrija seu erro, seu irresponsável.” Pálido e estupefato, vendo a porta aberta, o infeliz locutor saiu correndo e sumiu pelas rampas mais próximas.

Um funcionário que levava cafés e refrigerantes a todas as cabines de rádio assistiu a tudo. Solícito e com ar de conteúdo, disse que havia sido locutor no Nordeste e prontificou-se a assumir o microfone da cabine de som, afirmando ao amigo do cartola: “Fique tranquilo que eu desminto essa notícia”. O amigo de Rivadávia sentiu confiança, voltou à sua cadeira e sossegou o ex-dirigente, pedindo que ele aguardasse um pouco que o mal entendido seria consertado.

Minutos depois, lá vem o locutor substituto:

– A Adeg informa: o sr. Rivadávia Correa Meyer, ao contrário do que se informou, não morreu MAIS.

Kafunga era fanático

Olavo Leite Bastos, o Kafunga, foi goleiro do Clube Atlético Mineiro durante vinte anos, jogou 714 partidas e foi campeão mineiro onze vezes. É até hoje uma das maiores glórias do Galo. Encerrada a carreira, tornou-se comentarista esportivo e seu programa Papo de Bola era líder de audiência. Ingressou na política e elegeu-se vereador.

Quando comentava jogos do Atlético, procurava a imparcialidade, contrariando o fanatismo pelo clube do coração. Não aguentava ver jogadores sem garra ou de pouca categoria vestindo aquela camisa que ele tanto adorava. Atribui-se a ele a expressão “cabeça de bagre”, que é falada até hoje em todo País.

Veio um jogo decisivo contra o Cruzeiro e lá estava ele comentando pelo rádio, suando frio e roendo unhas. Para o Atlético, bastava o empate e o 0 a 0 estava sendo conseguido a duras penas. Quase no final da partida, Atlético na retranca e uma bola é cruzada para a área.
Cabeçada, o beque desvia. Um arremate, bate na zaga, outro chute, goleiro caído, novo desvio. O locutor já quase sem fôlego pela emoção do lance.

O nervosismo do comentarista fez com que deixasse seu microfone aberto e, em meio à narração, escutou-se claramente a voz de Kafunga:

– Ih, embocetou tudo na área do Atlético!

Ele nem percebeu o que acabara de dizer e, após o lance, o locutor lhe deu um cutucão e fez uma pausada e compreensível linguagem labial: “E-m-b-u-c-e-t-o-u?”

Kafunga se deu conta do que falara e, um pouco mais calmo, emendou de viva voz:

– Mas embucetou no bom sentido!

Ponta-direita burro

João Avelino foi um técnico prático e vencedor. Sabia como ninguém fazer a cabeça de seus jogadores. Quando chegou ao São Bento de Sorocaba em 1969, logo percebeu que seus goleiros eram muito baixos. Chamou o homem que cuidava do campo, mandou serrar cinco centímetros de cada trave para o travessão ficar mais baixo.

Resolvido esse problema, passou a orientar os cruzamentos de seu ponta-direita Carlinhos, que era veloz, mas não calculava direito as distâncias. 

Ele mesmo lançava o ponta, pedia que corresse com a bola uns vinte metros e, em seguida, cruzasse para a área porque os outros atacantes estavam chegando. Mas nada dava certo. 

Carlinhos calculava mal aquela distância e cruzava antes ou chegava a sair com a bola pela linha de fundo.

Certo dia, depois de muita insistência e com a bronca do centroavante, João Avelino teve a grande ideia. 

Percebeu que em todas as laterais do campo havia placas comerciais da cidade. Então, foi até o ponta, pediu para ele se virar para as placas e disse:

– Meu filho, você pega a bola na Papelaria do Rosário, sai correndo e, quando chegar na
Pastelaria do China, você cruza, certo?

Depois de alguns ensaios, cabeça olhando para a bola e de vez em quando para as placas, Carlinhos passou a acertar todos os cruzamentos.


Saldanha me salvou

Trabalhei com João Saldanha na Copa de 90 na Itália. Foi um dos maiores jornalistas esportivos de todos os tempos. Um gênio, sem exageros. Vítima de uma grave doença pulmonar, morreu em Roma, dez dias após a Copa. Como médico, cuidei dele durante todo o torneio. Mesmo doente, comentou todos os jogos para os quais estava escalado.

Estávamos na extinta TV Manchete, que não era um primor de organização. Em 14 de junho, chegamos ao estúdio em Roma uma hora antes do jogo Romênia x Camarões, que seria jogado no Estádio Della Vittória, em Bari. Da porta principal do Centro de Imprensa até nossos estúdios, empurrei a cadeira de rodas do João por uns trezentos metros, e vários jornalistas mais antigos de inúmeros países cumprimentaram Saldanha naquele trajeto. Vivi esses momentos em vários jogos, misturando dor pelo sofrimento do amigo e orgulho pelo respeito com que o tratavam.

A cabine de transmissão era muito pequena, mal cabiam duas pessoas. A cadeira de rodas não passava pela porta e João ficou ali mesmo, calmo e responsável. Sentei e comecei a fazer anotações sobre a partida e os jogadores. Iríamos entrar no ar quando as equipes entrassem em campo. Sem qualquer motivo, meia hora antes do jogo, a vinheta anunciou o início da transmissão e nossa TV mostrava uma imagem parada do estádio, destacando uma arquibancada com a cobertura sustentada por pilares e vigas de ferro.

Fui falando até onde pude. Destaquei Popescu, Raducioiu, Hagi, N’Kono, Oman Biyk e Milla. João Saldanha, sentindo minha dificuldade, bateu generosamente em meu ombro e pediu a palavra. Por uns dez minutos, deu uma aula sobre a construção daquele estádio, lembrou que aqueles ferros eram trilhos da antiga estrada de ferro de Bari, falou dos italianos que ergueram as arquibancadas e da veneração que tinham por Mussolini etc. etc.

Eu estava pasmo pelo conhecimento dele e agradecido pela ajuda do grande amigo. Pelo fone, recebo a ordem de chamar um comercial. Aliviado, com ternura, disse ao João:

– Obrigado, amigo.

E ele, com um sorriso que lhe era difícil pela febre e pelas dores:

– Não precisa agradecer, eu inventei tudo isso!

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