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O Dia do Rádio

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No Dia do Rádio, 25/09 (esse veículo de comunicação,(um dia poderoso), Literatura na Arquibancada reverencia dois pioneiros no rádio esportivo brasileiro. O primeiro, Nicolau Tuma, o pioneiro nas narrações esportivas. O segundo, um empresário que soube como ninguém utilizar a força do esporte nas rádios que criou: Paulo Machado de Carvalho.

Há muitos nomes na história do rádio esportivo, inesquecíveis, imortais, como Fiori Gigliotti, Osmar Santos, Luiz Mendes, Gagliano Neto (o primeiro a narrar uma Copa do Mundo para o Brasil, em 1938), Garotinho... Todos eles são personagens do livro, “Os Donos do Espetáculo – Histórias da Imprensa Esportiva no Brasil” (Editora Terceiro Nome, 2007), de André Ribeiro, de onde o texto abaixo foi extraído.



Os donos da bola
Por André Ribeiro

Nicolau Tuma nas primeiras narrações de futebol
Se no início do século passado, Charles Miller batalhou para que notícias do futebol fossem divulgadas pelos jornais paulistanos, Nicolau Tuma, um jovem estudante de Direito, de apenas 20 anos, foi quem convenceu seus patrões da Rádio Educadora Paulista, a transmitir na íntegra, pela primeira vez na história do rádio, uma partida de futebol. O jogo escolhido para a transmissão era entre as equipes de São Paulo e Paraná, válido pelo Campeonato Brasileiro de 1931.

Havia dois anos que Tuma trabalhava na Rádio Educadora, onde exercia a função de locutor de notícias e ganhava 500 mil réis, um bom salário para a época. Quando propôs a ideia a seus chefes, sabia que tinha o desafio de fazer os ouvintes, que receberiam a transmissão pioneira, criar em suas mentes o cenário exato de tudo que acontecia durante o jogo.

No dia 19 de julho de 1931, Tuma e sua equipe pegaram os equipamentos de transmissão, tomaram um táxi e partiram rumo ao estádio da Floresta, no bairro da Ponte Grande (atual Ponte das Bandeiras), na região central de São Paulo. Para realizar a transmissão, difícil foi encontrar espaço entre os torcedores que se espremiam nas arquibancadas. Faltando poucos minutos para o início da partida, ansioso, o jovem locutor anunciava para os ouvintes: “Como repórter, vou transmitir daqui tudo aquilo que for acontecendo no campo...Como vocês sabem o campo de futebol é um retângulo. Então vocês façam um retângulo aí em sua frente, numa cartolina...Ou então, peguem uma caixa de fósforos. A caixa de fósforos é um retangulozinho, não é? Agora sim, a caixa de fósforos é o campo. Do lado esquerdo vão jogar os paulistas, do lado direito, os paranaenses”.

O jogo começa e Tuma não poderia se esquecer do detalhe de como identificar os jogadores em campo, porque naquele tempo ainda não existiam camisas numeradas. O jeito seria memorizar detalhes da cor do cabelo, chuteiras, calção, ou até mesmo a altura ou cor do atleta. Sem a ajuda de nenhum comentarista ou repórter, com a bola rolando no estádio da Floresta, faltava ainda outro “pequeno” detalhe. Como narrar o gol, momento maior de uma partida de futebol? Meio que por acaso, Tuma definiria um estilo para o futuro das transmissões esportivas do futebol. Quando Gabardino, jogador da seleção do Paraná, abriu a contagem, Tuma disparou um grito curto e seco: GOL !. Para sua sorte, ou azar, naquela tarde de domingo teve de repetir dez vezes a narração, já que o placar final registrou 6 a 4 para os paulistas.

Nicolau Tuma (centro). Renato Macedo (esq) e César Ladeira.
O grito de gol era sem muita emoção, mas durante o tempo restante do jogo, Tuma tinha de se virar no improviso, falando do clima, das arquibancadas, da lotação do campo, dos torcedores: “eu nunca gritei aquele gol esticado, demorado. Sempre achei que o ouvinte queria saber logo quem tinha marcado, o nome do jogador, como ele estava comemorando. Durante todo o jogo, a minha única preocupação era não parar de falar. Eu achava que se o ouvinte ficasse um segundo sequer sem ouvir nada, mudaria de estação. Então, não parava”.

E bota rapidez nisso. Eram aproximadamente, entre 200 e 300 palavras por minuto, pronunciadas com a mesma velocidade. O jeito inédito de transmitir o futebol acabou imortalizando um apelido que carregaria por toda a carreira: “speaker metralhadora”.

O sucesso obtido por Nicolau Tuma nas transmissões da Rádio Educadora despertou rapidamente o interesse da concorrência. Um ano depois, em julho de 1932, às vésperas de irromper a Revolução Constitucionalista, Tuma era contratado pela Rádio Record, adquirida havia um ano por um outro jovem empresário que faria história no rádio e na televisão brasileira.

Seu nome era Paulo Machado de Carvalho e tinha apenas 30 anos quando decidiu abandonar a carreira de advogado para aventurar-se nas ondas do rádio. Seu pai era Antonio Marcelino de Carvalho, negociante bem-sucedido que chegou à presidência da Associação Comercial de São Paulo. O novo empreendimento de Paulo Machado tinha tudo para dar errado.

Criada em 1928, três anos depois, a Record estava em crise, entrava no ar a cada três dias, e a saída encontrada pelo seu ex-proprietário, Álvaro Liberato de Macedo, foi vendê-la ao primeiro que aparecesse. Mesmo com as precárias instalações, Paulo Machado associou-se ao seu cunhado, João Batista do Amaral, o Pipa; a Jorge Alves Lima, um parente distante de sua esposa Maria Luiza; e ao técnico de som Leonardo Jones, para arrematar a Record por 25 contos de réis, uma fortuna para a época.

A sede da emissora ficava na Praça da República, 17, centro da capital paulista e seu nome de batismo era “Casa Record”, especializada na venda de aparelhos de rádio. O cenário encontrado pelo seu novo proprietário era desolador, com cadeiras empoeiradas, estúdios escuros e apertados, que mal comportavam os enormes microfones da época.

Todavia, o talento do jovem empresário; uma estratégia inovadora de programação; e muito suor fizeram da Record, em pouco tempo, a primeira líder de audiência do rádio paulista: “o que mais me lembro é que ao entrar na Record vi um piano. Bati nas teclas, mas o piano não tinha som. Resolvi abrir para saber porque não funcionava. E não funcionava porque estava cheio de tampinhas e garrafas de cerveja, a bebida preferida do meu amigo maestro Sérgio Polera. A primeira impressão foi um pouco dura, mas depois eu fui me acostumando com aquilo. No início eu era telefonista, discotecário, arquivista, dava recibo, tirava fatura. Eu fazia de tudo, todos os dias, de domingo a domingo.”

Desde o dia 11 de junho de 1931, quando entrou pela primeira vez no ar, a PRA-R começou a transmitir óperas ao vivo, aulas de ginástica, histórias para crianças narradas por Monteiro Lobato, no programa chamado “Hora Infantil”, e claro, futebol.

Paulo Machado era um apaixonado pelo esporte desde os tempos de garoto, quando, aos 11 anos, chegou a montar um time de futebol chamado de América Futebol Clube. Conhecia todos os campos de várzea da região onde morava, próxima à rua das Palmeiras, região central de São Paulo. Em sua nova emissora de rádio, o futebol tinha espaço fixo nas tardes de domingo.

José Augusto Siqueira, o comandante técnico das transmissões, nos estúdios da emissora, recebia telefonemas dos repórteres que acompanhavam aos jogos nos estádios e os colocava no ar: “não era nada mais do que uma série de telefones, daqueles de manivela em que se falava do campo. De lá se dava uma notícia. Siqueira pegava, escrevia num papel e o locutor dizia: ‘agora acabou-se de marcar um gol no Parque Antártica’”.

Pode parecer simples hoje, mas na época era uma revolução, o primeiro plantão esportivo do rádio brasileiro, batizado de “Esporte nas antenas”. Na Record, o futebol também era notícia todas as tardes da semana, no programa “Record nos Esportes”, com boletins produzidos em parceria com a equipe comandada por Thomaz Mazzoni, no jornal A Gazeta Esportiva.

Um ano depois de sua criação, a Record já era a maior rádio de São Paulo, considerada modelo pela qualidade de sua programação moderna e popular.

Assis Chateaubriand
No início de suas atividades, Paulo Machado encontrava-se com freqüência com Assis Chateaubriand, que chegou a comandar na Record, o primeiro jornal falado do rádio. Em pouco tempo, ambos se tornariam concorrentes, mas por enquanto, Chateaubriand estava preocupado, apenas com o futuro de seus negócios no ramo de jornais impressos que se espalhavam por todo o País.

Não é à toa que Chatô construiu um império das comunicações. Naquele distante ano de 1931, ao sair dos estúdios da Record, o empresário profetizou: “Olha Paulo, isto que a gente está vendo aqui é o início de uma grande transformação que vai acontecer no mundo inteiro. Na minha opinião, no futuro, estas coisas vão progredir de tal maneira que vão surgir aparelhos de rádios pequeniníssimos, como uma caixa de fósforos. As pessoas vão andar na rua com rádios junto aos ouvidos, ouvindo as notícias. Vamos chegar ao rádio de lapela. Os jornais impressos estarão sempre atrasados. Eu temo pelos jornais”.


Guga, Um Brasileiro

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Um livro obrigatório para os amantes da literatura esportiva. Saiu a autobiografia de um dos maiores esportistas brasileiros de todos os tempos. Guga, Um Brasileiro (Editora Sextante) foi construído a partir de depoimentos do tenista ao jornalista Luís Colombini.

Histórias de superação, de conquistas, de um sonho nunca sonhado transformado em realidade em quadras espalhadas pelo mundo: Gustavo Kuerten, o Guga, 20 títulos individuais e primeiro do ranking mundial por 43 semanas !

Histórias como a do Guga menino, que sonhava ser bombeiro. Em recente entrevista a Revista Época (http://epocanegocios.globo.com/Inspiracao/Vida/noticia/2014/09/guga-se-eu-nao-fosse-brasileiro-nao-teria-sido-o-numero-1-do-mundo.html), Guga relata o “custo” para chegar tão longe:  “A minha mãe vendeu piano, jóia, relógio do meu pai, carro e estava pronta para vender a casa. Minha família foi dissolvendo todos os investimentos seguros. Isso é bem empolgante no livro porque a gente vê que, apesar de não ter nenhuma certeza, a gente estava convicto de que ia dar certo. Porque como é que a gente estava tendo coragem de botar tudo em risco assim para alguma coisa que não fosse acontecer?”

Apesar de todas as conquistas, Guga segue com a mesma simplicidade que sempre o caracterizou, dentro e fora das quadras.  Sua inacreditável trajetória vencedora, como ele mesmo afirma, não teve nada de anormal: "Se você olhar hoje pensa: não pode ser verdade, é inacreditável ver aonde cheguei. Mas não tem nada de mágico, uma fórmula secreta ou um cometa Halley que passa a cada tantos anos. É a história de um cara comum que aproveitou as oportunidades".

Mais ou menos Guga. Você é pra lá de especial.

Apresentação (da editora)

É em junho de 1997 que Gustavo Kuerten inicia a maior virada de sua vida. O palco é Roland Garros, o torneio de tênis mais charmoso do mundo. Como personagem inicialmente coadjuvante e depois protagonista, o desconhecido cabeludo, surfista e boa-praça iria abalar as tradições do esporte refinado e entrar para a história mundial do tênis e do esporte brasileiro.

Mas sua trajetória brilhante rumo ao topo do ranking tem início muito antes, quando ainda era criança em Florianópolis, onde seria preparado pela família, pelas tragédias e por um treinador que esteve ao seu lado em todos os grandes momentos.

Em um relato absolutamente sincero, empolgante e emocionante, Guga revela através de seus sentimentos as passagens mais marcantes de sua vida. Ele descreve as memórias de sua infância e adolescência com o mesmo estilo modesto e divertido que o caracteriza como jogador.

A forte base familiar, a inspiração no pai, a admiração pelo irmão tenista, o apoio irrestrito da mãe, a paixão pelo irmão caçula e a confiança inabalável do treinador são peças fundamentais em sua história, a base que o levou a superar a falta de incentivo, a descrença em si mesmo e os adversários mais temidos de sua época.

Essa jornada sem igual, passando pelos torneios juvenis e profissionais, o tricampeonato de Roland Garros, a chegada ao topo do ranking mundial, entre outras conquistas, é contada a partir da visão única do menino que nasceu para ser campeão e cativou o coração de todos os brasileiros.

Literatura na Arquibancada destaca abaixo uma das muitas histórias narradas por Guga.

“Estava tão tenso, tão dominado pelas emoções, tão apavorado que, se Kafelnikov devolvesse dentro, não me enxergava em condições de dar continuidade ao ponto. Caso a bola voltasse para o meu lado, já me via paralisado, sem ação, só observando minha ruína. Tudo bem que ainda podia ter mais jogo pela frente, mas, se eu já me sentia destruído naquele momento, de onde tiraria força para ir além?

O russo ficava me encarando com uma expressão provocativa, querendo dizer “Vai, cara, manda, você está tão nervoso que tá óbvio que não vai acertar”. Saquei na direita dele. Queria muito dizer que dei um ace fulminante. Mas não foi nada disso. Com o braço encolhido, o saque saiu muito lento, supostamente fácil para o russo. Só que demorou tanto para chegar que ele se atrapalhou e rebateu torto com o aro da raquete, isolando a bola uns três metros para fora da quadra. Por dentro, eu dava pulos de alegria. Empatei, 40/40.

Nessa hora, em mais uma legítima e arrebatadora esquizofrenia de tenista, saí do fundo do poço e fui direto para a estratosfera.

– Ganhei o jogo! Agora não tem mais jeito. O cara não aproveitou a chance dele e ele que se lasque. Este jogo é meu – decretei, os olhos cintilando, a convicção espantando as dúvidas e, com elas, todos os meus fantasmas e demônios.

A sensação da vitória era tão profunda que retomei o desempenho do primeiro set, um cara mirando no alvo e disparando em linha reta até acertar na mosca. Quando finalizei o game, ganhando a partida e concretizando o inimaginável, urrei como se tivesse conquistado o título.

Ainda com adrenalina saindo pelos olhos, Rafa exultava, berrava, vibrava. Em lágrimas, Letícia, a namorada dele, quase esmagava meu irmão no abraço de comemoração. Larri estava eufórico e emocionado. A plateia foi ao delírio e aplaudia, sorrindo com o ar de satisfação de quem presencia um fenômeno raro, o cometa flamejante que só cruza o céu a cada duzentos anos.

Caramba, o que tinha sido aquilo? Depois de estar perdendo de 2 sets a 1, como é que eu havia mudado o roteiro da história? Como tinha sido possível ganhar do Kafelnikov, o número 3 do mundo?! Como aquele absurdo tinha acontecido? Apesar de ter sido o protagonista da história, naquela hora eu não tinha resposta para nenhuma das perguntas. Ainda mal acreditava que tinha vencido, que aquele carnaval na torcida era todo para mim. No entanto, era real. Eu tinha derrotado o monstro e a escalada da montanha continuava.

Eu estava na semifinal de Roland Garros.”



Sobre Gustavo Kuerten (da Wikipédia):
Nasceu em Florianópolis, no dia 10 de setembro de 1976. É considerado o maior tenista da história do Brasil. Oúnico tenista da história a ganhar de Pete Sampras e Andre Agassi no mesmo torneio. Guga, Roger Federer, Rafael Nadal e Novak Djokovic são os únicos quatro jogadores não norte-americanos a jogar pelo menos uma vez a final de todos os quatro Masters Series ATP jogados na América (Indian Wells, Miami, Montreal/Toronto e Cincinnati).
Gustavo Kuerten teve a vida marcada por duas tragédias familiares. A primeira foi a morte de seu pai, Aldo Kuerten, jogador amador de tênis e incentivador da educação pelo esporte, que colaborava nos campeonatos como juiz de cadeira. Quando Guga contava apenas 8 anos de idade, em 1985, teve que enfrentar a morte do pai devido a um ataque cardíaco, enquanto arbitrava uma partida entre juniores em Curitiba. A segunda envolve o irmão caçula, Guilherme Kuerten, que durante o nascimento sofreu de privação prolongada de oxigênio, causadora de dano cerebral irreversível e conseqüentes deficiências física e mental severas. Guilherme faleceu em 7 de novembro de 2007, vítima de parada cardiorrespiratória.

Guga, seu irmão e a mãe.
Desde cedo Guga foi estreitamente ligado à luta diária do irmão, algo que incorporou em sua carreira de tenista: em cada jogo disputado, a partir de 1998, Kuerten doava duzentos dólares a instituições de caridade; além disso, todos os troféus conquistados eram dados para o irmão caçula (incluindo as três réplicas em miniatura do troféu de Roland Garros). Gustavo Kuerten começou a jogar tênis aos 6 anos, por incentivo paterno. Começou treinando com o professor Paulo Allebrandt. Quando tinha 14, conheceu Larri Passos, seu técnico pelos 15 anos seguintes. Foi ele quem convenceu o jogador e sua família de que o jovem tenista tinha talento suficiente para se profissionalizar. Ambos - Kuerten e Larri - começaram a participar de torneios juniores no Brasil e no exterior. Em 1995 Kuerten tornou-se profissional. Além do tênis, Guga costuma praticar o surfe nas praias de Florianópolis. No futebol, Guga torce pelo Avaí Futebol Clube de sua cidade natal . Também é conhecido por ser extremamente humilde e respeitar seu público, quando fora das quadras.


Sem Rumo na Copa

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Existem muitas maneiras de se cobrir um evento mundial como uma Copa do Mundo de Futebol. Mas, certamente, a menos divulgada é aquela escolhida por muitos “aventureiros”, no bom e real sentido da palavra. É o que fizeram os jovens catarinenses Diego Madruga, Pedro Rockenbach e Renan Koerich, três mochileiros que exploraram o universo paralelo a um evento como a Copa. A aventura transformou-se em livro sobre a Copa disputada na África, em 2010: “Sem Rumo na Copa – 45 dias de uma aventura na África do Sul” (editora Via Escrita). Nada de bola rolando, dentro de campo, mas muitas lições do cotidiano para guardar.

Apresentação

Você consegue lembrar exatamente o que você fez nos últimos 45 dias? É difícil rememorar dia por dia. Mas nós lembramos exatamente como foi cada um durante o mês e meio que passamos na viagem para a África do Sul em 2010. Cada minuto da aventura mais incrível de nós três, pelo menos até a confecção deste texto, reverbera na memória. Não somos levianos em usar “da vida” porque o futuro é um mistério e esperamos aventuras cada vez mais marcantes.

Juntamos as economias e partimos para acompanhar de perto a Copa do Mundo de futebol. Para nós – Diego Madruga, Pedro Rockenbach e Renan Koerich – era a primeira vez fora do continente. Era a primeira vez tanto tempo longe de casa.

A ideia surgiu no início de 2010, quando a mãe do Renan viu uma chamada da Copa na televisão. Dona Sandra sugeriu: “Por que vocês não vão para lá?”. Meio ano depois, o aparente devaneio se transformou em realidade.

Um pacote para cursar inglês durante um mês na África do Sul, no período do Mundial, foi a forma mais econômica de viajar. Às 10h do dia 5 de junho, iniciamos a nossa jornada num voo partindo do Aeroporto Hercílio Luz, em Florianópolis.

O curso ofereceu estadia para os estudantes. Por isso, ficamos numa casa com 16 brasileiros. Em quase todas as histórias contadas neste livro, mais alguém da residência estava conosco. Nas reportagens e nas demais furadas, há a participação desses amigos. A colega Bárbara Lins, que se juntou ao trio para colocar o pé na estrada quando deixamos a Cidade do Cabo, também contribuiu e participou de várias entrevistas e passeios pelo Cabo.

Nos 45 dias, mantivemos um blog, enviamos reportagens para o jornal Diário Catarinense, à rádio CBN Diário e transmitimos vídeos para o clicrbs.com.br. Ao retornarmos ao Brasil, contamos inúmeras vezes as experiências vividas no país.

Percebemos que esses relatos eram tão cheios de informações jornalísticas como as reportagens. Então, decidimos eternizar o abstrato em algo físico. Foi o nascimento do livro “Sem Rumo na Copa”.

O texto também nos permite fazer um paralelo para com o Brasil. Muitos dos fatos narrados pelo trio se tornaram um déjà vu em nosso país. Os problemas de internet, obras atrasadas, estádios que são “elefantes brancos” e transporte coletivo precário são alguns dos exemplos negativos que vimos na África do Sul e apareceram no horizonte brasileiro em 2014.

Mas também vimos muitos exemplos positivos que se repetiram por aqui. Principalmente, em relação às pessoas. Brasil e África do Sul são países muitos parecidos em níveis econômicos e sociais. E, mesmo com muito esforço para ganhar a vida, as pessoas que movem as duas nações têm sempre um sorriso para compartilhar, solicitude para ajudar e uma enorme vontade de receber o mundo em sua casa. Querem mostrar que, mesmo não tendo o nível europeu, tão imposto pela FIFA, têm outras inúmeras qualidades, como riqueza em cultura e vasta opção de belezas naturais, por exemplo.

Antes de o leitor conhecer as peripécias do trio, vale uma explicação. Para escrever, usamos a 1ª pessoa do plural, nos momentos em que os três participam, e a 3ª do singular para ações individuais ou em dupla.

Sobre o conteúdo, não tivemos a pretensão de confeccionar um livro de História. Apenas contar a nossa história misturada às reportagens produzidas por nós.

Prefácio
Por Fábio Zanini


“Quem em sã consciência trocaria Florianópolis pela dureza de um continente com mosquitos, conexão de internet a carvão e ônibus que só partem quando o motorista quer?

Os autores deste livro trocaram. Certamente eles já ouviram dezenas de vezes a pergunta: “Por que a África?”, e aqui eu vou repetir a resposta que costumo dar sempre que sou emparedado por olhares incrédulos: “Por que não?”.

Veja bem, a África é a parte do planeta em que um jornalista pode realizar plenamente a satisfação de contar uma história. Lá, está ainda tudo por construir, pacificar, desenvolver. As pessoas têm um senso agudo de pertencerem a um coletivo. O individualismo ainda engatinha.

E a surpresa mais gratificante é descobrir que nem tudo é desgraça. As pessoas riem e são simpáticas. Estrangeiros são bem-vindos, desde que não adotem uma atitude de colonizadores extemporâneos. De vez em quando, o mundo até para e presta atenção a algo mais do que fomes e guerras. Foi assim na libertação de Nelson Mandela, em 1990. Foi assim na Copa do Mundo da África do Sul, em 2010.

Pedro, Diego e Renan deixaram Floripa para vivenciar um momento único na trajetória do continente. Este livro reúne suas histórias. São relatos de quem não teve medo de se misturar a pessoas desconhecidas em ônibus, albergues e lan houses, nem se sentiu intimidado pela porta na cara que a FIFA bateu em incontáveis jornalistas pelo mundo.

Uma Copa do Mundo não é somente o que acontece nos estádios, hotéis e restaurantes coalhados de torcedores. Às vezes, nesses locais é onde a Copa menos acontece. Se alguém quisesse sentir de verdade a tensão da competição, o orgulho que despertou nos sul-africanos e a paralisia que provocou em um país inteiro, não era assistindo a Eslováquia contra Nova Zelândia no estádio reformado da cidadezinha de Rustenburgo.

Era nos shebeens, os bares sul-africanos, ou no coração de Joanesburgo, onde aquele evento gigantesco representava bem mais do que uma festa de mídia para a FIFA. Era mais um sinal de libertação após décadas de tirania racial.

Felizmente, os autores deste livro perceberam isso direitinho.”

Literatura na Arquibancada destaca abaixo um dos capítulos da obra.

Música e pelada à beira-mar

Para variar, entre idas e vindas, no domingo fomos parar de novo no Waterfront. Como uma ótima surpresa, valeu a pena outra pernada pela área turística do antigo porto. Assistimos, literalmente, a um show de cultura no início da tarde.

Vários artistas de rua solos e em grupo se apresentavam nas calçadas de lajotas simetricamente alinhadas. Atabaques de couro, flautas em cano de PVC, mágicos e até um saxofonista hipnotizavam os olhos e enfeitiçavam os ouvidos dos turistas.

Alguns traziam rostos pintados e entoavam cânticos remetendo aos povos tribais, os primeiros habitantes da atual África do Sul. Tribos foram dizimadas pelos colonizadores e embarcadas em porões de navios negreiros ali naquele mesmo porto para colônias e países de regime escravocrata.

Paramos em frente a um senhor baixinho de coluna arqueada. Ele vestia boné, uma jaqueta, calça jeans e trazia ao peito um saxofone de tom avermelhado desbotado. Ao reconhecer nossas camisas, iniciou os acordes de Garota de Ipanema.

E nós acompanhamos balbuciando a letra: com um doce balanço a caminho do... béééééééé. A melodia “travou” numa nota. Enquanto encontrava ar para segurar o acorde com uma das mãos, com a outra o baixinho apontava o lenço estendido no chão. Só daria sequência ao clássico de Tom Jobim e Vinicius de Moraes se colocássemos dinheiro sobre o lenço. Sacamos algumas moedas e deixamos ali.

Achou pouco, fez sinal negativo com a cabeça e pediu mais. Tivemos boa vontade, mas o amigo do sax não conhecia a realidade do trio, que vivia sob forte avareza desde o desembarque no Cabo. Fizemos cara de “é isso que temos” e partimos. A Garota ficou interrompida.

Miduduzi Mbuyazi
Logo à frente, encontramos outro jazzista. Mais simpático, mais atencioso e mais talentoso que o anterior. Munido apenas de cano de PVC e um pequeno chocalho em forma de bola, Miduduzi Mbuyazi, de 25 anos, tocava algo criado por ele, batizado de Unico Jazz. Do cano e do chocalho, sentado no chão, Miduduzi tirava cadências parecidas com aqueles sons andinos tocados em praças do Brasil.

Usando uma roupa de estampa de onça e uma touca em forma de bola de futebol, o sul-africano fica de duas a três horas por dia nos pontos turísticos da cidade. Segue essa rotina há cinco anos.

Para quem ouve e não entende nada de música, o Unico Jazz soa apenas como um barulho agradável. Porém, aqueles com audição mais apurada percebem a sutileza do som, as variações de tons, a metragem perfeita da batida. Enxerga também a sensibilidade e o cuidado com que o jazz de Miduduzi é moldado. “Eu amo tocar aqui, isso aperfeiçoa meu som, que ainda tem muito a melhorar.”

Quando encerramos a nossa conversa com o inventor do “Unico Jazz”, o relógio marcava 16h. Estávamos atrasados para o nosso show. Modéstia à parte, na tarde de domingo, nós também faríamos uma apresentação. Não artística, mas futebolística.

O “trio dos sonhos” de qualquer time iria participar de uma pelada no bairro Camps Bay, o metro quadrado mais caro do país. Buscamos rapidinho o fardamento em casa e fomos rumo à estreia fora do Brasil. O lugar ficava à beira-mar, rodeado de mansões, restaurantes de pelo menos quatro talheres e lojas das mais caras grifes do mundo.

Nos fundos de um desses restaurantes, ficam os dois campos de futebol. A bola já rolava ao descermos da van. Encostamo-nos à beira do gramado com cara de menino pidão. Pelo menos um do trio sempre usava a camisa da Seleção Brasileira.

Isso facilitava as coisas muitas vezes. E para bater uma bola, não foi diferente. Não demorou muito para um brasileiro chamar a nossa atenção e perguntar se queríamos entrar. Complementamos as equipes da pelada, que acontecia todos os domingos à tarde. Descobrimos o local por meio de amigos das aulas de inglês. Passamos pouco tempo no curso, entretanto deu para fazer algumas amizades.

O futebol ali era uma espécie de mini Copa do Mundo. Trocamos passes com ingleses, nigerianos, brasileiros, sul-africanos, portugueses e por aí vai. A nossa Copa do Mundo. O único problema estava no que não podia ser visto, apenas sentido.

O frio intensificado pelo vento riscava as nossas canelas. A sensação térmica com certeza devia estar por volta dos 5ºC. Corremos uns 20 minutos, mais para se aquecer do que para marcar ou fazer gol. Numa dividida, Renan recebeu uma entrada forte. Ficou uns dois dias reclamando de dor, praguejando contra o inglês perna de pau que o lesionara. Todos deixaram o campo quando desabou a chuva.

Frio e corpo molhado não seriam nada agradáveis. O tempo na Cidade do Cabo tem
características surpreendentes. Há cinco minutos, o céu azul e um lindíssimo pôr do sol pintavam a paisagem. Sem aviso, veio a precipitação. Passou em cinco minutos.

Essas alterações aconteciam constantemente em Cape Town. Várias vezes não havia
nem sinal de nuvem, e surgia uma chuva.

A brincadeira sob baixas temperaturas rendeu resfriado ao Diego e ao Renan. À noite, ambos foram dormir na mesma sintonia: “Cara, estou com dor de cabeça e no corpo”. Reclamaram apenas da dor porque ninguém ousava se arrepender de jogar aquele futebol. Sabíamos que fora um privilégio compartilhar o mesmo objetivo com tantas culturas diferentes. “Tabelei com um nigeriano”, Diego enfatizava emocionado cada vez que precisava recontar a tarde de domingo.

Terminava com dois debilitados e um rindo da cara deles a primeira semana na África do Sul. Obviamente, nem imaginávamos, mas, nos próximos dias, aguardavam pelo Sem Rumo na Copa uma escalada, uma ilha-prisão, uma favela, um estádio lotado e um pedaço do Brasil a oito mil quilômetros de distância das terras descobertas por Cabral.


Juízo, Torcida Brasileira!

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O fato de ter escrito um livro com o editor deste blog, não afetará em nada do que será dito a respeito desse cidadão. Vladir Lemos acaba de ter mais um livro publicado: “Juízo – Torcida Brasileira!” (Editora Realejo). Trabalhamos juntos, durante vários anos, na TV Cultura, e sem medo de errar, sempre lhe dizia que um dia aquelas mãos seriam as de um escritor. Um dos melhores repórteres da TV brasileira, com sensibilidade ímpar. Assinar uma obra com ele foi apenas a “cereja do bolo”.


A Magia da Camisa 10 (Verus Editora), correu o mundo, publicado em alguns países desse planetinha obsceno. Não nos trouxe riqueza, somente orgulho da cria parida a quatro mãos. Agora, as mãos de Vladir, escreveram em conta gotas, na reflexão do dia a dia sobre o futebol, crônicas saborosas, várias publicadas no seu blog http://blogdovladir.blogspot.com.br/. Por isso, se você, leitor, achar pouco o que irá ler aqui, fique a vontade para se deliciar com as linhas criadas por Vladir Lemos, no livro, no blog e por aí. Esse, conhece!




O futebol que imita a vida e vice-versa
Xico Sá

“Por uns quatro anos, tive o prazer de participar, ao lado de Vladir Lemos, do “Cartão Verde” (Cultura), um dos mais resistentes e democráticos da televisão brasileira. Para completar a festa, tínhamos as companhias do doutor Sócrates e do Vítor Birner.

A mesma elegância usada para comandar o programa, Vladir aplica neste livro. Tive a honra de selecionar as crônicas, a partir da sua vasta produção para “A Tribuna”, de Santos, cidade que o autor divide com São Paulo.

Foi um trabalho difícil deixar alguns textos de fora. É do jogo de qualquer edição. O que ficou neste volume é muito representativo do que foi e do que é o nosso futebol nos últimos anos. Sempre com um olhar que foge daquilo que o centenário Nelson Rodrigues, nosso craque maior da crônica esportiva, chamava de “idiotas da objetividade”.

Muito ao contrário. Vladir olha pela lente do lirismo. Em algumas ocasiões, tem a capacidade de desfocar do jogo para vê o homem que está à frente de tudo, como na página em que conta sobre um torcedor embriagado que corria risco de vida nas arquibancadas do Parque Antártica diante das câmeras que preferiam a tragédia à mínima solidariedade humana.

Vladir sabe que uma partida de futebol tem uma complexidade que não permite apenas uma leitura. E para ler o absurdo que pode representar  uma peleja esportiva, sempre imitando a vida e vice-versa,  o cronista busca  na escrita maluca e genial de Luigi Pirandello a surpresa de enquadrar as coisas. 

Não é simplesmente o esquema tático que interessa ao autor. Ele foge o máximo dessa frieza. Porque sabe, como deixa patente, que “torcer é um tipo de esperança”. Porque sabe, e deixa evidente em uma imagem bonita, que “o futebol está nu” diante de incontáveis câmeras na cobertura de uma partida.

Outro ponto marcante do livro é um certo enfado com o futebol tosco. Na convivência com o doutor Sócrates, esse aspecto foi sempre ressaltado. O craque do Botafogo de Ribeirão Preto, do Corinthians e da Seleção Brasileira não tinha a menor paciência, muitas vezes não suportava dez minutos, de um jogo feio. Cada passe errado que via doía no coração, como o amigo lerá em um dos mais comoventes textos desta coletânea.

Boa leitura a todos.”

Literatura na Arquibancada destaca abaixo duas crônicas de Vladir Lemos:

Um olhar sobre a história

Os dias têm me insinuado que ver o tempo passar e não se render ao saudosismo é um desafio dos grandes, muito maior do que esse que o Corinthians acaba de encontrar ao iniciar sua saga pela Série B. O futebol é uma boa prova disso, mas não é a única. Tá cheio de gente por aí, debruçada sobre as referências do passado como se ele ainda fosse possível. E o pior, é que essa insistência em comparar épocas distintas só ajuda a deixar ainda mais evidente a pobreza dos gramados atuais.

Nesta hora, os saudosistas já devem estar bradando algo como: “Quem esse moleque pensa que é? Diz isso porque não viu Pelé jogar!”. Tá certo, não vi mesmo, mas que culpa tenho por não ter nascido antes?

Saibam que isso não me alegra nem um pouco. Ao tocar no assunto, quase não me perdôo, por jamais ter perguntado ao meu pai, se um dia, ele me levou a um estádio em que se apresentava o Rei. Ainda que minha memória não tenha gravado um único flash do acontecido, a confirmação me confortaria.

Saudosistas, fiquem calmos, ninguém será capaz de apagar o virtuosismo e a elegância de um Nilton Santos, de um Didi ou de um Zizinho.

Ninguém será capaz de ameaçar aqueles que por meio da bola ganharam outra dimensão.

E olha, dizer que nunca pude ver Pelé jogar, não é uma verdade absoluta. Lembro muito bem do dia em que o CT do Santos foi inaugurado. As traves virgens aguardavam, claro, o Rei. Ainda posso ver a cena. Pelé chegou, segurou a bola. Mirou a luz do sol. Indicou o melhor lugar para o batalhão de fotógrafos e cinegrafistas. E, então, soltou a bola no chão e, narrando seus próprios movimentos, a chutou de encontro à rede. Deu até Jornal Nacional. E eu nunca mais esqueci aqueles segundos. Acho até que não seria muito diferente se o craque em questão fosse o Pagão ou o Garrincha.

Fazer o quê? Nessa vida não se pode tudo.

Mas, esta semana, ao ler o artigo escrito por José Miguel Wisnik para a revista Piauí, intitulado “São Vicente e Pelé”, vivi o inverso desse sentimento de limitação temporal.

Nas palavras do ensaísta embarquei num passeio delirante pelo futebol da Baixada Santista das décadas de 50 e 60. E nelas encontrei o Continental, o Beija-Flor, o Itararé. Times que eu vi jogar, como o Paulistano, onde o clima era sempre de rivalidade pura. Esses esquadrões cravaram nas minhas lembranças lances inesquecíveis, e gols que alegraram muitos domingos.
Então, em silêncio comigo, inundado por uma saudade imensa, pensei. Talvez não os tenha visto no auge, mas vi, ô se vi.

Da vida dos Reis

Da vida dos Reis costuma-se exaltar os grandes feitos, conforto, as facilidades da nobreza, as muitas mordomias. Tudo normal, quando o mundo, de tanto girar, fez desses nobres personagens fáceis.

Que Reis nos sobraram? O Juan Carlos, da Espanha? O que não se fala é que ao longo da história grande parte dos reis não teve vida fácil. Morriam cedo. Muitos passaram a maior parte da vida em meio a batalha ferozes, dormindo em camas de camas de campanha, cercado de homens e de uma realidade imunda. Assim, e só assim, conseguiam reafirmar a condição de líderes e manter a honra.

Metaforicamente com o Rei do Futebol não foi diferente. Lembro que uma década atrás, quando completava 60 anos, Pelé concedeu uma entrevista a uma rádio. Depois de cumprir o compromisso por lá, se entregou a um bate-papo em clima amistoso, como sempre, com os jornalistas que naquele dia tinham a missão de ouvi-lo e, mais importante, tinham a informação de onde ele estaria.

Recordo também que no final do encontro, quando o pessoal já dispersava, eu, e se não me engano, o Luciano Faccioli, estendemos um pouco a conversa e tomamos a liberdade de brincar com o fato de sua majestade não ter um único fio de cabelo branco. Usaria o rei uma tintura?

Nada como estar diante de um Rei diferente. Dessa vez, perto de completar 70 anos, Pelé decidiu não falar. Quantas perguntas sobre o tema fariam sentido?

Sinto, porque por outro lado, a idade costuma das aos homens uma lucidez impressionante. Além do mais, uma chance a menos de falar com o Rei será sempre uma chance a menos.

Mas queria dizer que parte dessa lucidez percebi na entrevista que Pelé concedeu na última sexta durante o lançamento de um programa educacional-esportivo. Disse, por exemplo, que chegou a dizer para Neymar que “o dom do futebol a gente ganhou de Deus. Mas o resto é a gente que tem que cuidar. A gente tem que cuidar da condição física”.

Acho até que isso pode explicar aquela ausência de cabelos brancos nessa divindade. Há quem diga ainda que Pelé foi muito ajudado pelo fato de ter brilhado em uma época em que a televisão já se fazia presente. Não entro nessa. Se pouco vi Pelé, imagina os que vieram antes dele. Respeito os homens pela história que deixam. Não é fácil construí-las.

O que sei do Rei é que poucas vezes na vida encontrei alguém com tamanha capacidade para lidar com a fama. Certa vez, quando o Santos inaugurava o CT ali perto da Santa Casa, percebi que não havia uma bola no locar.

Sim, o Centro de Treinamento estava sendo erguido. Perto do desespero, implorei a um guri que se amontoava entre os fotógrafos e cinegrafistas para que arrumasse uma bola. O menino deu conta do recado. Quando o Rei chegou, olhou aquela multidão de sedentos por imagens e declarações, mirou o sol, e decretou:
“Quem está com câmeras vai para lá. A luz está melhor para lá”.

Ordenou que todos se posicionassem atrás de um dos gols. E com a bola debaixo de um dos braços caminhou lentamente até a linha imaginária do meio-campo, que também não existia. Colocou a bola no chão e veio com ela dominada, narrando sua trajetória até o chute derradeiro. Finalizou dizendo:

– “Lá vai Pelé! É gol!!!”

Foi ao fundo da rede, pegou a bola e saiu dizendo: “O primeiro gol aqui nesse lugar foi eu que fiz!”

E eu nunca mais esqueci como era diferente de tudo ver Pelé fazer um gol.

Sobre o autor:
Vladir Lemos começou a carreira no início da década de noventa como repórter da TV Tribuna, na cidade de Santos. É autor de livros e documentários. Trabalhou como repórter e apresentador do programa "Grandes Momentos do Esporte, da TV Cultura, de São Paulo, onde atualmente apresenta o programa "Cartão Verde".

Michel Laurence: o francês mais brasileiro do mundo

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Ao mestre Michel Laurence
Por André Ribeiro

Muitos, mas muitos mesmo, devem a Michel Laurence a gratidão de um dos gestos mais nobres que um ser humano pode ter: o de ensinar sem nada querer em troca. Se devo algo ao mestre, como sempre o tratei, é isso: gratidão. Se consegui entrar no universo dos livros foi por sua “culpa”. E a história, ah a história (o que ele melhor sabia e nos ensinou a fazer, até mesmo durante esses últimos dias de vida com seu diário da dor e do futebol, só ele mesmo para fazer isso), de como ele me convenceu a começar a escrever é a forma que encontro agora, no momento da notícia de sua entrada em outro estágio de sua caminhada, de retribuir e agradecer um pouco de sua bondade.

Nos tempos de Cultura, Michel costumava tratar a quase todos com aquele jeitão que só os cariocas sabem fazer: “gente boa”, era assim que ele começava a conversar contigo quando tinha alguma história a contar. Até que em um de nossos intermináveis fim de tarde, no trailer que ficava na praça em frente a TV Cultura, ele resolveu me perguntar, meio que provocando, por que eu não escrevia, já que tanto gostava de procurar por histórias que pudessem virar pautas para os programas que produzíamos juntos. Minha resposta foi simples e direta: “Porque não sei escrever”. Mas Michel sabia como convencer os durões com o jeito simples de ensinar. E retrucou com outra pergunta: “Mas quem disse a você que quem escreve precisa ‘saber escrever’?”. Evidentemente que minha resposta só poderia ser uma: “Como assim?”. E Michel foi de uma objetividade direta e reta em sua resposta: “Coloca no papel as ideias, do jeito que você sabe, da mesma forma que produz as pautas. Não se importe se está escrevendo certo ou errado. Alguém irá corrigir, se estiver errado”.

E foi assim, pensando da mesma forma simples que ele recomendou, e que para ele era exatamente assim que funcionava, que decidi começar a escrever um livro. E outros seis vieram. Tudo “culpa” dele...Michel, contador de histórias fenomenal, estimulava essa arte de maneira quase espontânea, em quase todos que o cercavam, ou pelo menos, para aqueles que, como ele, gostavam disso: contar boas histórias.

Assim como nas várias outras redações em que trabalhou, desde Placar, na Abril, passando por Globo, Band, SBT, Estadão e tantas outras, na Cultura, dos anos 1990, Michel era o nosso “contador de histórias”, “causos” do mundo da bola que só ele poderia saber, dentro do programa Grandes Momentos do Esporte. Deixou eternizados textos fantásticos sobre os mais diversos personagens do esporte brasileiro, especialmente, quando o assunto era futebol, e mais especial ainda, se o personagem fosse o Santos, e, claro, o rei do futebol, Pelé, pois se havia algum jornalista que o rei respeitasse, esse alguém era ele, Michel. Respeito de gênio com outro gênio, pois os dois se conheceram quando Pelé ainda jogava, no auge do final dos anos 1960.

Só que, às vezes, e não foram poucas, Michel, como todo gênio criador, que não tem hora para ter o “estalo” da criação, resolvia escrever crônicas enormes, de dois, três minutos de duração, na sexta-feira bem a noite, quando quase toda a redação havia ido embora. Programa “fechado”, com quase tudo pronto, ele terminava seu texto e chamava o produtor ou editor que estivesse por perto e dizia: “Gente boa, dá uma lida nisso aqui”...Nunca houve alguém que se recusasse a transformar em VT um de seus textos, apesar da certeza do trabalho enorme que teríamos, pois seus textos eram ricos em detalhes, jogadas, a precisão do olhar, do flash ocorrido dezenas de anos atrás. Mas como valia a pena “sofrer” para ver editada e pronta uma crônica do “seu Michel”...ainda mais quando a voz era a do “nosso” Luís Alberto Volpe (ah, como ficavam lindos os textos de Michel naquela voz).

Por tudo isso, Michel, de onde estiver agora, continue a contar suas histórias. Aqui, os que ficam, como eu, não terão talento suficiente para continuar seu trabalho, mas tenha a certeza de que, pelo menos eu, nunca deixarei de perpetuar a quem interessar o que é mais valioso no jornalismo: uma boa história para contar.

Década de Ouro: Bora Baêa!

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Grandes, enormes torcidas. A paixão do brasileiro pelo futebol não fica restrita aos tradicionais clubes da região Sul e Sudeste, como Corinthians, Flamengo, Internacional ou Cruzeiro. No Nordeste, há clubes com histórias riquíssimas em suas longas trajetórias.

É o caso do tradicional Bahia, para a massa apaixonada de torcedores: “Baêa”...Melhor ainda quando o grito é “Bora Baêêêa!”...Povo que se espalhou pelos quatro cantos do país. Basta ver um clássico do campeonato brasileiro, com qualquer grande clube de São Paulo, por exemplo, para vê-los com suas bandeiras em grande número nas arquibancadas dos estádios.

E há momentos nesta bela história de vida que mereciam transformar-se em um livro. É o que o jornalista Elton Serra fez com o seu “Década de Ouro – A história do heptacampeonato do Esporte Clube Bahia” (Editora Via Escrita).

Sinopse (da editora):

Com prefácio do ex-jogador e técnico Evaristo de Macedo, e orelha do ex-jogador do Bahia Douglas Franklin, a obra imortaliza uma epopeia. Conquistas que saem das arquibancadas e dos gramados da Fonte Nova e ganham as páginas do livro “Década de Ouro – A história do heptacampeonato do Esporte Clube Bahia”, de Elton Serra.

Serra traz histórias de personagens importantes para o futebol da Bahia, como o seguro Sapatão, o incansável Baiaco, o sempre regular Fito e o extraordinário Douglas, além dos mestres Zezé Moreira e Paulo Amaral, dentre outros espetaculares jogadores e técnicos que passaram pelo Tricolor e também cravaram seus nomes na lista dos grandes do Esporte Clube Bahia. Histórias que fizeram com que o clube se tornasse um dos mais populares do Brasil.

É preciso voltar no tempo para entender o porquê de um time tão vencedor. Conhecer as histórias dos protagonistas de uma década repleta de conquistas, bem como os estorvos encontrados num caminho nada fácil, num período onde a ditadura era extremamente voraz no Brasil. Uma época em que o Bahia encantou gerações, formou craques e catapultou a carreira de dirigentes. Momentos que envolvem brigas dentro e fora de campo, muito sincretismo religioso e guerras de nervos sem fim, contadas por aqueles que construíram a própria história.

O dia 28 de setembro de 1979 é um dos mais marcantes da história do Esporte Clube Bahia. Fito marcava o último gol de uma saga que durou sete anos e transformou o Esquadrão de Aço num dos clubes mais vencedores da história do futebol brasileiro. Era o sétimo título baiano seguido de uma equipe que nasceu para vencer e arrebatou corações estado afora.

Com o desenrolar dos jogos e das conquistas, o leitor constata as façanhas da geração mais vencedora do Bahia. Ainda assim, a obra não traz superlativos. Apenas tenta recontar uma história repleta de glórias, que por si só se encarregam de enaltecer os seus principais personagens.

Apresentação
Por Elton Serra

A comemoração foi inesquecível. Uma multidão tomou as ruas de Salvador naquela noite de 28 de setembro de 1979, invadindo a madrugada do dia seguinte. O Esporte Clube Bahia estabelecia uma soberania no futebol estadual e revirava a história do esporte na terra do Senhor do Bonfim, com sete títulos consecutivos no Campeonato Baiano. Numa década em que o desenvolvimento econômico em Salvador era inversamente proporcional à desigualdade social, o Tricolor de Aço se enriqueceu, ao mesmo tempo em que apaixonou ricos e pobres, através dos pés de Sapatão, Baiaco, Fito, Douglas e suas dezenas de companheiros.

Nasci pouco mais de dois anos após o último título da saga do heptacampeonato, mas a memória é tão rica que venceu os anos de industrialização do futebol, elitização do esporte com as modernas arenas e os inúmeros jogos em canais fechados de televisão, e perdura até hoje nos ouvidos e olhos dos mais novos. Recontar um período em que atletas jogavam muito mais por amor do que por dinheiro é eternizar uma das mais ricas histórias da Bahia, onde uma gama de sentimentos se mistura com as cores do maior ganhador de títulos do estado.

Jogadores moldados por técnicos que souberam explorar o máximo de seus talentos, dando padrão tático e liberdade para que os craques usassem a inteligência em prol do time. Meio-campistas acima da média, que eram resguardados por uma defesa sólida e abasteciam um ataque veloz e fulminante. Um grupo que superou os inúmeros meses de salários atrasados e as dificuldades de não ter local fixo para treinar para tornar-se respeitado em todo o país, por acreditar que a nação azul, vermelha e branca era o principal combustível para atropelar adversários e empilhar taças na galeria do clube.

Uma história cercada de rivalidade, que envolve um Ba-Vi que terminou na delegacia e um torneio que não acabou por causa do clima quente entre tricolores e rubro-negros. De um craque decidindo um campeonato após chegar embriagado na concentração e outro trocando as chuteiras pela Câmara de Vereadores. De uma final que quase não aconteceu por conta de uma confusão na interpretação do regulamento. De um estadual que ficou ameaçado em virtude de briga entre cartolas da Federação Bahiana de Futebol.

O sincretismo religioso também fez parte da trajetória do Bahia em busca dos títulos na década de 1970. Das caminhadas à Colina Sagrada por cada troféu conquistado às mandingas feitas por Lourinho, santos e orixás foram personagens presentes na campanha do hepta. Os clássicos disputados na Fonte Nova também envolveram guerras psicológicas, que tinham como coadjuvantes vodus e até cães domésticos. Religião que também se misturava com as festas regadas a trio elétrico e muita música baiana, que começavam no gramado da velha Fonte e se estendiam madrugadas afora, para celebrar a consagração de seus heróis.

Este livro se propõe a contar a história de um clube vencedor e arrebatador de corações. O Esporte Clube Bahia de Luís Antônio, Toninho, Sapatão, Roberto Rebouças, Romero, Baiaco, Fito, Douglas, Osni, Beijoca, Jésum e grandes personagens como Buttice, Perivaldo, Ubaldo, Zé Augusto, Altivo, Edmilson Pombinho, Merica, Dendê, Alberto Leguelé, Cristóvão, Natal, Mickey, Ricardo Silva, Peri, Tirson, Jorge Campos, Picolé, Gilson Gênio e muitos outros que passaram pelas mãos de Evaristo de Macedo, Zezé Moreira, Paulo Amaral, Orlando Fantoni e Carlos Froner, começando no pior momento do time na década, necessário para entender como um dos melhores times do futebol baiano iniciou sua formação.

Enfim, uma obra que contempla um grupo que encantou a Bahia de ponta a ponta, e exportou craques para outros grandes clubes do país, celebrando uma década quase perfeita. Um feito que poucos conseguiram em campeonatos estaduais e que fez com que o respeito e a admiração pelo Esporte Clube Bahia, o Esquadrão de Aço, só aumentasse. Na bola e na arquibancada.

Prefácio
Por Evaristo de Macedo

O futebol me proporcionou muitas alegrias nos meus mais de cinquenta anos de carreira. Fui ídolo no Barcelona e no Real Madrid, dois dos maiores clubes do mundo; vesti o manto sagrado do Clube de Regatas do Flamengo, uma potência do futebol brasileiro; fui técnico da Seleção Brasileira, posto desejado por dez em cada dez colegas de profissão; e conquistei diversos títulos por onde passei. Mas acho que poucas coisas foram tão especiais como fazer parte da história do Esporte Clube Bahia. Foi com o querido Esquadrão de Aço que consegui meu primeiro título nacional no Brasil, glória que poucos possuem em mais de oitenta anos de clube.                            

E minha história no Bahia começou na década de 1970, quando fui convidado para treinar o time pela primeira vez. Ajudei a montar uma equipe que, com o passar do tempo, tornou-se uma das mais vencedoras do futebol baiano. Ter trabalhado com talentos como Douglas, Fito, Sapatão, Baiaco, Elizeu, Buttice, Picolé, Peri e muitos outros me enche de orgulho. Foi nesta década que conquistei meu primeiro título no clube e tive as portas abertas para voltar outras vezes e ser muito bem acolhido por sua imensa torcida. É um período da minha carreira que dá gosto de recordar. 

É com muita satisfação que me vejo fazendo parte de algumas páginas desta história contada por Elton Serra, com riqueza de detalhes e uma precisão quase que cirúrgica nas palavras. Desde a minha chegada ao clube, com o objetivo de, junto com um grupo jovem e muito forte, devolver a hegemonia do futebol estadual ao Bahia, até a conquista do sétimo título consecutivo por uma geração que ajudei a construir. Glórias que vieram com muito suor e trabalho, mesmo com as dificuldades que a estrutura da época nos proporcionava.

Imortalizar esta epopeia é uma ideia fantástica. Elton Serra traz em sua obra histórias de personagens importantes para o futebol da Bahia, como o seguro Sapatão, o incansável Baiaco, o sempre regular Fito e o extraordinário Douglas, além dos mestres Zezé Moreira e Paulo Amaral, dentre outros espetaculares jogadores e técnicos que passaram pelo Tricolor e também cravaram seus nomes na lista dos grandes do Esporte Clube Bahia. Histórias que fizeram com que o clube se tornasse um dos mais populares do Brasil. 

Ser campeão no Bahia não é só escalar um time, sentar no banco de reservas e fazer substituições. É suar a cada treinamento, se arrepiar sempre que entrar no sagrado gramado da Fonte Nova e vibrar a cada gol feito pelo clube do povo. Afinal, ser Bahia é também torcer junto com uma nação que lhe empurra rumo às vitórias com uma energia que só os privilegiados podem sentir. E pode ter a certeza de que me considero um tricolor de corpo e alma. E é parte desta história que Elton Serra nos propõe a contar, sempre colocando aqueles que deram suas vidas dentro de campo como protagonistas de uma linda e árdua trajetória. “Década de Ouro”, definitivamente, é a expressão mais perfeita de uma época onde o Esporte Clube Bahia era um esquadrão quase intransponível.

Sobre o autor:
Elton Serra é baiano de Salvador. Comentarista e editor de esportes na CBN. Pós-graduado em Jornalismo e com especialização em Radialismo, também é bacharel em Administração e Gestão de Negócios. Foi repórter e comentarista esportivo nas rádios Transamérica e Tudo FM, e diretor de redação dos portais Futebol Baiano e Arena Nordeste. Nos últimos anos, tem se empenhado em contar histórias do futebol da Bahia através dos livros.



Uma biografia de Sócrates

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Quem escreveu duas biografias como as de Paulo Machado de Carvalho e de Tarso de Castro, além de ser vencedor de um prêmio Jabuti, merece ser lido, nem que seja para a crítica negativa. O que não é o caso de Tom Cardoso, que marcou mais um gol de letra, agora, com a biografia do craque filósofo da bola, “Sócrates – A história e as histórias do jogador mais original do futebol brasileiro” (Editora Objetiva).

Sinopse (da editora)

Ídolo do Corinthians, capitão da mítica Seleção da Copa de 82, Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira deixou sua marca também fora dos gramados.

O futebol era pequeno demais para a grandeza de suas ideias, e ele se engajou intensamente na vida pública do país. Idealista e rebelde, o meio-campista genial que desafiava as autoridades e incomodava os cartolas carregava no nome a paixão pelo Brasil, que se viu refletida na participação ativa na campanha das Diretas Já. Formado em Medicina, foi, ao lado de nomes como Wladimir e Casagrande, um dos líderes da Democracia Corintiana, movimento com repercussões políticas, esportivas, sociais e culturais.

O mais velho dos seis filhos de seu Raimundo, um vendedor de rapadura apaixonado por filosofia grega, Sócrates queria mexer com as estruturas do país. Em campo, o ritmo de jogo cadenciado, a calma, a elegância e o temperamento frio atraíam admiradores e críticos. Fora dos gramados, a coerência, a postura contestadora, a transparência e as posições firmes igualmente conquistavam entusiastas e desafetos.

Revelado no Botafogo de Ribeirão Preto, consagrou-se no Corinthians, por onde foi bicampeão paulista em 1982 e 1983. Formou com Palhinha, primeiro, e Casagrande, mais tarde, parcerias inesquecíveis. Avesso às convenções, viveu uma vida de excessos, coerente com a maneira como gostaria de ser lembrado: “Se tivesse me dedicado mais, não seria uma pessoa tão completa como sou agora.”

De jaleco no Pacaembu
Por Tom Cardoso

A quinta-feira do dia 9 de maio de 1975 prometia ser exaustiva para Arildo Paris, o motorista do Botafogo de Ribeirão Preto. A rotina como chofer resumia-se, até então, a curtos deslocamentos, normalmente para levar algum dirigente em casa ou a pequenas compras para o departamento de futebol. Mas agora era diferente. Ele teria pouco mais de quatro horas para percorrer cerca de 350 quilômetros, a distância entre Ribeirão Preto e São Paulo. A ordem partira de Faustino Jarruche, presidente do Botafogo: Arildo que fizesse o “impossível” para que Sócrates, o maior talento do time, chegasse a tempo ao estádio do Pacaembu, onde a equipe interiorana enfrentaria o poderoso Corinthians pela abertura do segundo turno do Campeonato Paulista.

Não era a primeira vez que Arildo buscava Sócrates no campus de Ribeirão Preto da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Quase sempre era para pegá-lo para que ele participasse a tempo do treinamento da tarde. O motorista nunca entendera como alguém poderia conciliar atividades tão distintas como estudar Medicina e jogar bola profissionalmente. O garoto nem parecia jogador de futebol. Os pés eram pequenos, tamanho 41, não combinavam com a altura, 1,91metro. Era engraçado vê-lo correr, tentando se equilibrar no próprio corpo. 

Apesar dos 21 anos, possuía o condicionamento físico de um veterano — nas raras vezes em que participava dos coletivos, jogava em uma faixa só do gramado, normalmente na sombra. A falta de fôlego se justificava pelos trinta cigarros consumidos por dia e pelo fim de tarde dedicado às rodas de chope nos bares da cidade. E o garoto, veja só, ainda queria ser médico.

O mais curioso de tudo, pensava Arildo, era que aquele magrelo, como todos gostavam de chamá-lo, jogava uma barbaridade. Ele nunca tinha visto talento igual. Na cidade, todos sabiam que Geraldão só se tornara artilheiro do Campeonato Paulista de 1974 por causa dos lançamentos e passes cirúrgicos do aspirante a médico — o centroavante do Botafogo devia a eles pelo menos 80% dos 23 gols marcados. A maneira com que jogava era original. Eliminara o esforço de girar o corpo, erguer a cabeça e fazer o passe, abusando dos toques de calcanhar. O recurso não era uma novidade no futebol, mas a forma com que ele o utilizava, com espantosa eficiência e objetividade, sim, era difícil de se ver. E o jeito de finalizar, então. O chute saía sem força, rasteiro, no cantinho do goleiro. A bola parecia que não ia entrar, mas entrava. Diziam que o estilo de jogo lembrava e muito o de um ex-craque do Vasco, também de nome esquisito, “Ipojucan”, tão alto, magro e talentoso quanto o garoto.

Arildo sabia que o Botafogo se tornava um time comum sem Sócrates e que jogar no Pacaembu contra um Corinthians há vinte anos sem títulos seria dureza. Mas levá-lo para São Paulo, naquelas circunstâncias, com pouco tempo e a bordo de uma Variant, era perda de tempo. Eles não chegariam. Se chegassem, provavelmente o time já estaria nos vestiários, fazendo o aquecimento, pronto para entrar em campo. Mas ordens do presidente do clube eram para ser cumpridas. E ele passara a vida cumprindo ordens, ao contrário de Sócrates, que vivia em pé de guerra com a direção do clube. O garoto tinha personalidade forte. Era o único atleta do Botafogo que possuía 30% do passe e treinava quando os estudos permitiam.

Dizia que a Medicina era prioridade, mas todos sabiam que ele tinha outras também. Quantas vezes, no meio da tarde, em pleno treinamento, ele encontrara Sócrates tomando cerveja com amigos no Jangada. E fumando como uma chaminé.

Sócrates já esperava Arildo na entrada do campus, como combinado.
Estava de jaleco branco, imundo, sentado na escadaria, fumando calmamente. Não parecia ansioso por causa da viagem e do pouco tempo que teriam para chegar ao Pacaembu.
— E aí, seu Arildo? Vamos nessa?
— Cadê o uniforme, Sócrates?
— Deixei com o Sebinho, no clube. Ele levou para São Paulo.
— Isso não vai dar certo...
— Seu Arildo, no caminho vamos parar para tomar uma gelada?
— Tá maluco, garoto?
— Preciso me hidratar.
— Com cerveja? E larga esse cigarro, sô!

O tempo estava bom e havia pouco movimento na estrada. E não é que a Variant parecia que iria aguentar a viagem toda? Com um pouco de sorte, eles, quem sabe, até chegariam. Arildo, enfim relaxou:

— Então, garoto, vai virar doutor e largar o futebol?

Se fosse possível, Sócrates conciliaria para sempre as duas profissões.
Seria um bom médico, de preferência em algum hospital na periferia de Ribeirão, e jogaria apenas aos fins de semana. Nada mais longe de sua realidade. Desde que entrara para a universidade, em 1972, ano que subira para o time principal do Botafogo, ele se desdobrava para agradar ao mesmo tempo o pai, que exigia prioridade nos estudos, e os dirigentes do clube, sempre insatisfeitos com a sua ausência nos treinamentos. Era mais difícil ludibriar o pai. A marcação do velho Raimundo Vieira era cerrada, dura, homem a homem.

Sócrates nunca mais se esqueceu do dia em que tentara enganá-lo.

Era um domingo e o pai o deixou na porta do cursinho Cesar Lattes para ele fazer o simulado do vestibular de Medicina. Sócrates nem chegou a entrar na sala. Caminhou de lá até o estádio do Botafogo, onde ocorreria a final do Campeonato Juvenil de Ribeirão Preto. Era o tipo de jogo que Sócrates não gostava de perder, um Come-Fogo, o nome dado ao maior clássico da cidade, disputado pelos dois principais clubes, o Comercial e o Botafogo. O garoto de 17 anos acabou com o jogo, marcou dois gols, deu o título ao Botafogo e voltou para casa com os cadernos debaixo do braço.

Não escapou da bronca. O pai descobriu tudo: estava na arquibancada.

Arildo estacionou a Variant na praça Charles Miller, em frente ao estádio do Pacaembu. Faltavam apenas vinte minutos para o início do jogo.

O supervisor técnico do Botafogo, Milton Bueno, o “Tiri”, que havia combinado com Sócrates aguardá-lo do lado de fora do estádio, até meia hora antes de a partida começar, não estava mais lá. Arildo desesperou-se:
— Porra, e agora? Tanta correria pra nada.
— Pode voltar pra Ribeirão, seu Arildo. Eu vou entrar.
— Como?
— Vou comprar ingresso. Lá dentro eu me viro. Tchau!
Sócrates partiu correndo, de jaleco branco, bolsa a tiracolo, em direção à bilheteria. Comprou ingresso para a arquibancada, entrou pelo portão principal e passou a perguntar onde ficava o vestiário do time visitante.

Um funcionário apontou para o lado esquerdo, em direção ao tobogã, o setor mais popular do estádio.
— Fica ali embaixo.

Sócrates acelerou o passo com o rosto quase colado ao alambrado, na esperança de avistar algum diretor do Botafogo. Não viu ninguém. Pensou em pedir para um repórter de alguma rádio avisar ao árbitro, já em campo, que ele estava atrasado, mas que em cinco minutos ficaria pronto para o jogo. Desistiu: aquilo não faria o menor sentido. Passou a correr, desesperado, rumo ao portão que dava acesso ao vestiário do Botafogo, embaixo do tobogã, já tomado pela barulhenta torcida corintiana. Um funcionário do Pacaembu vigiava a entrada. Sócrates achou melhor dizer a verdade.

Ofegante, gesticulando muito e atropelando as palavras, explicou que era jogador titular do Botafogo de Ribeirão Preto, mas que não pudera viajar com a delegação porque não podia mais faltar à aula de propedêutica. Sim, era isso mesmo: ele era estudante de Medicina e por isso estava de jaleco e sapatos brancos. Viajara em cima da hora e viera para São Paulo com o carro do clube. Pagara ingresso e agora estava tentando entrar no vestiário para se trocar e, enfim, entrar em campo.

O funcionário do Pacaembu não teve dúvidas: só podia se tratar de algum paciente foragido do setor psiquiátrico do Hospital das Clínicas.

Aquele sujeito não parecia nem médico, muito menos jogador de futebol. Como alguém podia jogar bola sendo tão magro e tão alto? E o pezinho de bailarina? E que história maluca era aquela? O cara tinha comprado ingresso e queria entrar em campo para jogar? Só podia estar em pleno surto psicótico. O jeito era não contrariar. Quem sabe o cara ia embora.
— Está bem, craque. Em qual posição você joga?
— Estou falando sério. Preciso entrar logo!
— Você não está bem...
— Vai até o vestiário do Botafogo e avisa que o Sócrates chegou.
— Sócrates?
— Sim, Sócrates. Por quê?
— Isso lá é nome de jogador de futebol, garoto?
— Porra, diga que o Sócrates chegou!

Sócrates escapou, por pouco, da camisa de força. João da Silva Neto, o Sebinho, massagista do Botafogo, tinha ido, a pedido da diretoria, dar uma última olhada no portão do vestiário e encontrara o jogador aos berros com um funcionário. Sócrates trocou de roupa no próprio túnel de acesso ao gramado. Mesmo sem aquecer, desnorteado pela longa e cansativa viagem a São Paulo, foi o melhor jogador do Botafogo em campo — marcou o único gol na derrota por 4 a 1. Os 33.201 pagantes do Pacaembu nem imaginavam que aquele cabeludo todo de branco, que passara correndo ao lado do alambrado, se tornaria um dos maiores ídolos do Corinthians e o mais original jogador da história do futebol brasileiro.

Sobre o autor:
Tom Cardoso, nascido em 1972, é jornalista, com vasta passagem pela imprensa paulistana. Autor das biografias do empresário Paulo Machado de Carvalho (O Marechal da Vitória) e do jornalista Tarso de Castro (75KG de músculos e fúria), foi um dos vencedores do Prêmio Jabuti 2012 com o livro-reportagem O cofre do dr. Rui, que narra o assalto ao cofre de Adhemar de Barros, em 1969, comandado pela Var-Palmares.

Corinthians: 20 Jogos Eternos

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Mais um “livraço” do corintianíssimo Celso Unzelte está na área. “20 Jogos Eternos do Corinthians” é mais um título da Coleção Memória de Torcedor, da Maquinária Editora. Os jogos foram escolhidos por corintianos ilustres (como se precisasse ser ilustre para ser corintiano de verdade!).

Há jogos para relembrar para todos os gostos e épocas. O que importa é recordar ídolos envolvidos nessas histórias como Luizinho Pequeno Polegar, Sócrates, Neto, Marcelinho Carioca e tantos outros. “Costurando” as histórias, todo o contexto político e social dos “jogos eternos”.

Literatura na Arquibancada agradece ao autor, Celso Unzelte, pela cessão de um dos capítulos da obra para divulgação.

Uma noite em 77
Por Celso Unzelte

Não foi só uma noite, aquela noite de 13 de outubro de 1977. Foram 22 anos, oito meses mais sete dias e sete noites como aquela, contados, um a um, a partir de 6 de fevereiro de 1955. Tempo suficiente, por exemplo, para o Brasil ter sete presidentes da República: Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, João Goulart e os militares Castello Branco, Costa e Silva, Médici e Geisel. Fora os interinos Café Filho, Carlos Luz, Nereu Ramos, Ranieri Mazzilli (esse duas vezes) e a Junta Provisória formada pelos ministros do Exército, da Marinha e da Aeronáutica que governou o país por dois meses em 1969.

Naquele período, o mundo conheceu três papas — Pio XII, João XXIII e Paulo VI. Foram disputadas seis Olimpíadas (em Melbourne, Austrália, 1956; Roma, Itália, 1960; Tóquio, Japão, 1964; Cidade do México, 1968; Munique, Alemanha, 1972; e Montreal, Canadá, 1976) e cinco Copas do Mundo (Suécia 1958, Chile 1962, Inglaterra 1966, México 1970 e Alemanha Ocidental 1974), das quais o Brasil ganhou três. Deu tempo para os húngaros, em 1956, e os tchecos, em 1968, se rebelarem e serem sufocados em seguida pelo regime soviético.

Em 1957, a própria União Soviética colocou em órbita o Sputnik, primeiro satélite artificial. Em 1958, surgiu nos Estados Unidos a boneca Barbie. Em 1959, a revolução comandada por Fidel Castro assumiu o poder em Cuba. Em 1960, Brasília foi inaugurada e a capital do país deixou de ser o Rio de Janeiro. Em 1961, ergueu-se o Muro de Berlim, separando as Alemanhas Ocidental e Oriental. Em 1962, foram fabricados os primeiros disquetes para computadores. Em 1963, o presidente americano John Kennedy foi assassinado. Em 1964, eclodiu no Brasil o golpe civil-militar que somente treze anos depois começava a dar sinais mais evidentes de distensão. Em 1965, surgiu a Jovem Guarda, movimento musical liderado por Roberto Carlos. Em 1966, os americanos foram às ruas para protestar contra a Guerra do Vietnã.

Em 1967, da África do Sul, o doutor Christian Barnaard realizava o primeiro transplante de coração, inspirando também o casal Manoel Ferreira e Ruth Amaral a compor a marcha de Carnaval Transplante de Corinthiano. Gravada pelo apresentador de TV Sílvio Santos, a música dizia:
Doutor, eu não me engano, o coração é corintiano.
Doutor, eu não me engano, o coração é corintiano.
Eu não sabia mais o que fazer, troquei o coração, cansado de sofrer.
Ai, Doutor, eu não me engano, botaram outro coração corintiano.

Em 1968, estudantes protestaram nas ruas de todo o mundo, enquanto no Brasil foi baixado o terrível Ato Institucional número 5, instrumento da ditadura que suspendia vários direitos constitucionais dos cidadãos e permaneceria em vigor por quase dez anos, até 13 de outubro de 1978. Em 1969, o homem chegou à lua, com o americano Neil Armstrong. Em 1970, os Beatles se separaram. Em 1971, começou a Era de Aquário, preconizada pelos hippies. Em 1972, a TV em cores chegou ao Brasil. Em 1973, um outro golpe militar, dessa vez no Chile, depôs o socialista Salvador Allende. Em 1974, abalado pelo escândalo de espionagem que ficou conhecido como Watergate, o presidente americano Richard Nixon foi obrigado a renunciar. Em 1975, finalmente terminou a Guerra do Vietnã. Em 1976, começou a ser comercializado nos Estados Unidos o Apple I, primeiro modelo de computador pessoal.

“É, 22 anos foi mesmo tempo suficiente pra acontecer muita coisa. Menos para o Corinthians voltar a ser campeão.” Era só nisso que ele conseguia pensar enquanto dirigia o Fusca azul-calcinha na direção do Estádio do Morumbi, com o filho e a futura nora no banco de trás. Quantas vezes na vida havia repetido aquele ritual? Na maioria delas, é verdade, o destino foi outro, em geral o Pacaembu, pois até 1960 o Morumbi nem sequer existia e até 1970 era pouco utilizado. Muitas dessas vezes aconteceram sem o filho, que ainda nem havia nascido, e sem o Fusca, que só pôde ser comprado em 1971. A futura nora, então, ele estava levando ao estádio pela primeira vez justamente naquela noite em que o Corinthians decidiria o título de campeão paulista de 1977 contra a Ponte Preta. Será que a mocinha ia dar sorte?

Naqueles mais de 22 anos, sua vida também tinha mudado bastante. Havia concluído o curso técnico em contabilidade, se casado, se tornado pai e agora estava às portas da aposentadoria. A paixão, no entanto, foi sempre a mesma. Levava-o a perseguir por mais de duas décadas uma alegria que teimava em não voltar. Orgulhava-se de ter estado no Pacaembu naquele fim de tarde de 6 de fevereiro de 1955, comemorando o título do IV Centenário. Depois daquilo, se o Corinthians nunca mais havia voltado a ser campeão paulista ou mesmo brasileiro (apesar de continuar ganhando alguns torneios nacionais e internacionais, entre eles o Torneio Rio-São Paulo de 1966, dividido com Santos, Botafogo e Vasco), não havia sido por falta de insistência dele. Afinal, também esteve presente na maioria dos jogos do vice-campeonato paulista de 1955 e do terceiro lugar de 1956. Na alegria do empate por 3 a 3 diante do Santos, com um gol no último minuto que valeu a conquista definitiva da Taça dos Invictos, e na tristeza da derrota por 3 a 1 para o São Paulo que custou o título paulista na última partida, ambas em 1957.

Continuou firme mesmo a partir de 1958, quando a provação começou a ficar mais evidente e ele já estava comprometido, perto de se tornar pai de família. Mas sempre que ressurgia a esperança do Corinthians ser campeão ele voltava aos estádios. Foi assim quando o clube contratou Almir, o Pernambuquinho, chamado de “Pelé Branco”, em 1960, Garrincha, em 1966, e mais recentemente Palhinha, naquele mesmo ano de 1977. Para ver mais um craque estrear, em uma manhã de domingo, ele e o filho acotovelaram-se entre mais de 60 mil outros corintianos.

Também havia acompanhado o “Faz-me Rir” de 1961, time que a cada derrota fazia os adversários lembrarem ironicamente o bolero de mesmo nome. Vibrado com os gols da dupla Silva e Ney, que valeram um vice-campeonato dividido com o São Paulo, em 1962. Assistido in loco o time dar adeus ao título paulista de 1964, quando já se completavam dez anos, com uma incrível derrota por 7 a 4 para o Santos, na penúltima rodada, em que Pelé, sozinho, marcou no segundo tempo os quatro gols que fizeram toda a diferença entre aquela decepcionante goleada e uma vitória que chegou a parecer possível. Viu Rivellino surgir como o maior craque da história do clube, em 1965. Testemunhou, em 1967, o Timão, mesmo já eliminado, impedir que o São Paulo fosse campeão depois de dez anos, empurrando-o para uma decisão em jogo extra afinal vencido pelo Santos, graças a um gol de canela de Benê, que empatou o clássico com o tricolor em 1 a 1 no último minuto.

Quando Paulo Borges e Flávio acabaram com o tabu contra o Santos, em 1968, ele estava lá. Quando o lateral-direito Lidu e o ponta-esquerda Eduardo morreram juntos em um trágico acidente automobilístico em 1969, justo quando parecia que o Corinthians ia tirar o pé da lama, ele também chorou. Recepcionou Zé Maria em 1970, acreditou que Adãozinho ajudaria a virar para 4 a 3 um jogo que parecia impossível diante do Palmeiras, em 1971, aí já ao lado do filho. Também juntos, eles acompanharam a chegada do Timão às semifinais do Brasileiro e a queda por 2 a 1, de virada, diante do Botafogo, em 1972. A decepcionante derrota por 1 a 0 na final do Paulista para o Palmeiras, em 1974. A invasão do Maracanã, ele, dessa vez, só por procuração, representado pelo filho e pela futura nora, em 1976. Agora, na noite em que o Corinthians finalmente podia voltar a ser campeão, ele não poderia estar ausente.

Imaginava que para o “garoto”, como costumava chamá-lo apesar de já ter até namorada, aquela noite devia ser ainda mais importante. O filho havia nascido, crescido, ido para a escola, depois para o ginásio, depois para o colégio e o Corinthians continuava sem ser campeão. Sabia muito bem que os meninos que torciam para o São Paulo falavam dos títulos paulistas de 1970, 1971 e 1975. Que os que torciam para o Palmeiras enchiam o peito para falar dos títulos brasileiros de 1967, 1969, 1972 e 1973, fora os paulistas de 1972, 1974 e 1976. Que os que torciam para o Santos... Ah, deixa pra lá! Sabia, enfim, que existia um adjetivo terrível associado a todo torcedor do Corinthians, coisa que os outros faziam questão de repetir: “sofredor”. Corintiano era sofredor. Ele era sofredor. O filho era sofredor, e muitas vezes sentia-se culpado por isso.

Assim, logo que o trio adentrou as arquibancadas do Morumbi, ele procurou exorcizar a lembrança da fatídica decisão perdida para o Palmeiras, naquele mesmo lugar, menos de três anos antes. Repetiu mentalmente o mantra emprestado de uma das muitas faixas levadas pela Fiel naquela noite: “Eu te amo, não me mates! Eu te amo, não me mates! Eu te amo...” Os dois primeiros jogos daquela decisão ele, o filho e a futura nora também haviam assistido juntos, mas pela TV. O primeiro, 1 a 0 para o Corinthians, na quarta-feira da semana anterior, gol de Palhinha marcado com a cara no rebote de uma saída precisa do goleiro Carlos, foi porque, naquele dia, ainda não se definiria nada — aquela final era uma disputa em melhor de quatro pontos. A segunda partida, 2 a 1 para a Ponte Preta, de virada, em um domingo ensolarado, teve que ser vista de casa simplesmente porque não haviam conseguido ingressos. Naquele dia em que, caso vencesse, o Corinthians teria sido campeão, 138.032 pagantes, mais 8.050 menores, bateram o recorde de público no Morumbi. Eram, ao todo, 146.082 pessoas acomodadas como e onde podiam, inclusive nas marquises de cimento originalmente construídas para acomodar refletores, no alto do estádio. Quando Vaguinho, que havia entrado durante o jogo no lugar de Palhinha, contundido, fez 1 a 0 para o Corinthians, no final do primeiro tempo, os três comemoraram e ao mesmo tempo se amaldiçoaram por não estar lá. Quando Dicá, cobrando falta, e Rui Rei viraram o jogo para 2 a 1, forçando a realização da terceira partida, eles ficaram tristes, mas ao mesmo tempo esperançosos por terem ganhado mais uma chance de estarem presentes no momento que tanto esperavam.

Graças a seu inseparável radinho de pilha (naquela noite, parecia mais inseparável, até, que a própria namorada), o filho informava ao pai que o Corinthians não iria contar mesmo com seu melhor jogador, Palhinha. Ele, que sofrera um estiramento ainda no primeiro tempo do jogo do domingo, estava irremediavelmente fora do jogo, substituído por Luciano. O quarto-zagueiro titular, Zé Eduardo — e isso todos já sabiam —, estava suspenso por ter levado o terceiro cartão amarelo na falta que originou o gol do empate da Ponte no domingo. Em seu lugar, entraria Ademir, aquele mesmo que, em 1974, não havia conseguido tirar a bola de Ronaldo no lance do gol palmeirense. Pai e filho gelavam só com aquela lembrança. O goleiro Tobias, que no domingo havia cumprido suspensão pelo terceiro cartão amarelo, voltava ao gol, no lugar do gigante Jairo. Basílio e Zé Maria, dúvidas durante toda a semana por causa de contraturas musculares, estavam escalados. Do lado da Ponte Preta, o desfalque era o lateral-esquerdo Odirlei, também suspenso, substituído por Ângelo.

Fundada em Campinas, em 1900, a Ponte disputa com o Esporte Clube Rio Grande, do Rio Grande do Sul, a condição de clube mais antigo do Brasil. Buscava o primeiro título de sua história e tinha uma equipe tecnicamente até superior à do Corinthians, com o goleiro Carlos e os zagueiros Oscar e Polozi (todos convocados para defender a Seleção Brasileira na Copa do Mundo disputada na Argentina no ano seguinte, 1978), os laterais Jair (futuro técnico, com o nome de Jair Picerni) e Odirlei, o veterano volante Vanderlei, os meias Marco Aurélio e Dicá (excelente cobrador de faltas, maestro da equipe), o arisco ponta direita Lúcio, o perigoso centroavante Rui Rei e o ponta-esquerda Tuta, que seria marcado por seu irmão, o corintiano Zé Maria. Não por acaso, dos cinco jogos disputados entre os dois times naquele Paulistão, a Ponte havia vencido quatro, o primeiro deles por goleada, 4 x 0, na única vez em que se enfrentaram em Campinas. Na decisão, a Federação Paulista de Futebol tomou para si o mando dos três jogos, marcando-os todos para o Morumbi.  

No Corinthians, a base do time vice-campeão brasileiro no ano anterior, 1976, havia sido mantida pelo folclórico e apaixonado presidente Vicente Matheus, com o goleiro Tobias, os laterais em nível de Seleção Brasileira Zé Maria e Wladimir, os zagueiros Moisés e Zé Eduardo, o volante Ruço, o meia Basílio e o ataque formado por Vaguinho, Geraldão e Romeu. A grande contratação, junto ao Cruzeiro, por na época inacreditáveis 7 milhões de cruzeiros, era o ponta de lança Palhinha. No banco de reservas, o carismático Oswaldo Brandão, 61 anos, último técnico campeão pelo Corinthians, em 1954, estava de volta. Substituía Duque, que havia caído ao longo daquela árdua campanha, iniciada mais de oito meses antes, em 9 de fevereiro. Árdua e irregular. Depois de ter ficado de fora dos mata-matas do primeiro turno (vencido pelo Botafogo de Ribeirão Preto), o Corinthians foi o campeão do segundo, derrotando o arquirrival Palmeiras por 1 a 0 na decisão. Mas nada disso adiantava, porque o que decidiria tudo, mesmo, era um terceiro turno, com oito times enfrentando-se em jogos  só de ida, mas divididos em dois grupos de quatro, dos quais sairiam os dois finalistas. Após uma derrota para o Guarani por 1 a 0, no Pacaembu, o Corinthians teria que vencer os três jogos que faltavam se quisesse ganhar o Grupo F e ir para a final contra a Ponte, campeã do Grupo E. Derrotou o Botafogo por 1 a 0, em Ribeirão Preto, a Portuguesa por 1 a 0 e o São Paulo por 2 a 1, ambos no Morumbi. Nessas duas últimas partidas, ele e o “garoto” também estiveram presentes.

Apesar da confirmação sempre em cima da hora, já se esperava que o jogo fosse transmitido ao vivo para São Paulo, como haviam sido os dois anteriores. Isso ajudava a explicar o público de “apenas” 86 677 pagantes, com 6 896 menores que não pagaram ingressos, praticamente a metade de domingo. Mesmo assim, quando os times entraram em campo, o barulho dos cornetões e apitos, distribuídos na entrada do estádio para atrapalhar a concentração e o toque de bola da Ponte Preta, foi infernal. Também como havia acontecido na decisão de 1974, a fumaça dos fogos de artifício impedia que se enxergasse o próprio gramado. São 21 horas e quinze minutos quando o árbitro autoriza o início da partida.

A Ponte Preta, toda de branco, com sua tradicional faixa transversal negra na camisa, toca na bola pela primeira vez, com Rui Rei passando para Dicá. Logo no primeiro minuto, um rojão explode na entrada da área, com a fumaça atrapalhando a visão do goleiro Carlos. O Corinthians, com a camisa preta de listras finas brancas que nem todo corintiano gostava de ver em campo naqueles tempos de jejum, calções também pretos e meias brancas, só vai dominar a bola pela primeira vez aos 3 minutos, justamente com Basílio recolhendo um passe lateral de Moisés no campo de defesa. Ecoam os primeiros gritos de “Corinthians, Corinthians”, sempre acompanhados pelo pai, pelo filho e pela futura nora. Com 3 minutos e meio, a primeira grande emoção: o corintiano Luciano arrisca um chute de longe e a bola bate no pé da trave esquerda. Na volta, Polozi desvia o chute de Geraldão para escanteio. Aos 17 minutos e 20 segundos, Oscar dá um chutão para a frente. Na disputa com Ademir, Rui Rei carrega a bola com a mão e em seguida tromba com o zagueiro corintiano, caindo dentro da área. O árbitro, Dulcídio Wanderley Boschillia, marca falta contra a Ponte e manda Rui Rei se levantar. O jogador continua reclamando e recebe cartão amarelo. Insiste e recebe o vermelho, para vibração do trio, que se abraça nas arquibancadas como se o Corinthians tivesse marcado um gol. Agora, com um jogador a menos, justo seu artilheiro, a Ponte pode se tornar um adversário mais fácil.

Brigas, invasões de campo, paralisações. O jogo fica parado por cinco minutos. Antes que o primeiro tempo acabe, Geraldão, o artilheiro corintiano naquele campeonato, acerta uma fantástica meia-bicicleta, mas Carlos vai buscar a bola lá em cima, mandando-a para escanteio. Já o goleiro corintiano Tobias só vai tocar na bola pela primeira vez no último minuto daquele primeiro tempo, recolhendo um chute de longe, praticamente atrasado por Dicá. Na segunda etapa, o Corinthians continua insistindo, mas apesar de ter um jogador a mais não consegue chegar ao gol. Quando a Ponte Preta está com a bola, pai, filho, futura nora e praticamente todo o resto do estádio sopram seus apitos a plenos pulmões. Se o 0 a 0 permanecer, haverá prorrogação de mais trinta minutos. Se a prorrogação também terminar empatada, o campeão será o Corinthians, por ter mais vitórias que a Ponte (26 contra 23) ao longo da competição. Mas o presidente ponte-pretano, Lauro Morais, havia passado a semana inteira dizendo que o regulamento era falho, e que se houvesse prorrogação seu time se recusaria a jogar. Isso, porém, não será necessário.

São passados exatamente 36 minutos e 48 segundos do segundo tempo quando a bola se oferece, por fim, ao pé direito de Basílio, depois de ter viajado para a área na cobrança de uma falta por Zé Maria, se chocado contra o travessão no chute de Vaguinho e sido salva em cima da linha pela cabeça do zagueiro ponte-pretano Oscar após uma outra cabeçada, do corintiano Wladimir. Basílio, um jogador discreto, que havia chegado menos de três anos antes com a responsabilidade de vestir a camisa 10 de Rivellino. Que teve uma parada respiratória dentro de campo em um jogo contra o América de São José do Rio Preto. E que sobreviveu para, agora, se tornar o autor do tão aguardado gol da libertação. “É gente que se abraça, é gente que chora, é gente que ri”, improvisa o locutor Fiori Gigliotti pela Rádio Bandeirantes. Entre toda aquela gente, havia um pai, um filho e uma futura nora.      

Faltavam ainda oito minutos para o jogo terminar, agonia acrescida por outros quatro, por conta de nova invasão de jogadores reservas e repórteres, quando a dupla de brigões Oscar e Geraldão foi expulsa. As últimas duas bolas endereçadas para a área do Corinthians são devidamente rechaçadas por chutões providenciais, primeiro de Zé Maria, depois de Wladimir. Caem no meio da torcida e não voltam mais. A fumaça dos fogos de artifício forma uma nova nuvem, que desce ao gramado e dessa vez não mais se dissipará. Na comemoração que não terá fim, muitos invadem o campo, alguns fincam suas bandeiras, outros arrancam as redes e até comem a grama. O presidente Vicente Matheus perde um pé de seus sapatos. Pai, filho e futura nora se abraçam. Riem que nem tontos, olhando uns para os outros, depois para o campo, depois uns para os outros, depois para o campo novamente. Descobrem que não sabiam como se comemorava um título, e aí riem mais ainda. O pai pensa em pedir perdão ao filho, por ter lhe causado tanto sofrimento. Mas é interrompido pelo garoto, que se antecipa agradecendo. Por ter-lhe feito corintiano.

Ficha Técnica:
Corinthians 1 x 0 Ponte Preta
Campeonato Paulista/final – 3º jogo
Data: 13/outubro/1977
Local: Morumbi, São Paulo
Juiz: Dulcídio Wanderley Boschillia
Renda: Cr$ 3.325.470,00
Público: 86.677 pagantes
Gol: Basílio 37’ do 2º tempo
CORINTHIANS: Tobias, Zé Maria, Moisés, Ademir e Wladimir; Ruço, Basílio e Luciano; Vaguinho, Geraldão  e Romeu.  
Técnico: Oswaldo Brandão
PONTE PRETA: Carlos, Jair, Oscar, Polozi e Ângelo; Vanderlei, Marco Aurélio e Dicá; Lúcio, Rui Rei e Tuta (Parraga, no intervalo).
Técnico: José Duarte


Diário da Copa: Alemanha campeã 2014

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Quantos jornalistas não sonham em cobrir uma Copa do Mundo, ainda mais quando o evento é realizado em seu país? Gustavo Hofman, jornalista da ESPN Brasil, teve o privilégio de ser o “setorista”, aquele que acompanha diariamente uma equipe, da seleção campeã do mundo, a Alemanha.

Foram dias e dias de convívio com os campeões do mundo, que acabaram sendo os maiores algozes dos brasileiros, na goleada histórica por 7 a 1.

Gustavo reuniu essas vivências em um livro: “Quarenta dias com a campeã do mundo – Histórias e bastidores da Alemanha no Brasil” (Via Escrita Editora). E essas obras serão sempre bem-vindas, pois apesar da ampla cobertura de todas as mídias, especialmente as TVs, mesmo veículo que Hofman trabalha, nem sempre conseguimos ter detalhes de tudo o que acontece (ou aconteceu) no dia a dia de uma competição, ainda mais quando esse evento é uma Copa do Mundo.

Apresentação
Por Gustavo Hofman

Cobrir uma Copa do Mundo é algo espetacular. Fiz jornalismo por causa do esporte e sempre fui um apaixonado por futebol. Consequentemente, estar em um Mundial era o sonho maior. Quando o Brasil foi escolhido como sede em 2007, senti uma mistura de emoções. Fiquei feliz pela escolha do meu país, mas ao mesmo tempo preocupado com tudo de ruim que poderia acontecer com o dinheiro público.

Demorou um pouco para a ficha cair e perceber que, logo ali, haveria uma Copa do Mundo no jardim de casa, e que eu poderia estar nela. Nessa época eu trabalhava na Trivela e já tinha coberto um Mundial, em 2006, mas alocado na redação. O mesmo aconteceu quatro anos depois.

Agora era diferente. Como comentarista da ESPN, fui escalado para substituir Gerd Wenzel na cobertura da seleção alemã em território brasileiro. O Wenzel é a maior referência de futebol alemão no Brasil, um dos pioneiros do tema por aqui, desde os tempos de TV Cultura. Ele optou por ficar em São Paulo, na redação da ESPN, e eu com muita honra recebi a missão.

O que você lerá nas próximas páginas é um livro de memórias do Mundial, o meu diário da Copa.

Um diário de trabalho, o “Diário Alemão da Copa”, como coloquei em meu blog durante a competição. São relatos do cotidiano de uma cobertura, bastidores da seleção alemã, curiosidades de tantas viagens pelo Brasil como setorista da equipe (26 voos em 40 dias).

É também um diário que mostra toda competência e excelência alemã na busca pelo tetracampeonato mundial, que veio com um atropelamento contra o Brasil e a final contra a Argentina em pleno Maracanã.

E não deixa de ser uma forma de relembrar essa incrível Copa do Mundo. Boa leitura.

Prefácio
Por Gerd Wenzel

Quando os alemães optaram por estabelecer o Centro de Treinamento para a sua seleção na Vila de Santo André, no município de Santa Cruz Cabrália na Bahia, não faltaram polêmicas. Afinal, com esta decisão, os dirigentes da Federação Alemã de Futebol haviam rejeitado todas as opções oferecidas pela Fifa através do Comitê Organizador Local e encamparam um projeto pré-existente de um Hotel Resort administrado por empresários alemães.

A repercussão, tanto na mídia alemã como na brasileira, foi enorme e muito se falou sobre a conveniência ou não de praticamente isolar os jogadores de todo burburinho, para dizer o mínimo, da Copa do Mundo no Brasil, ao contrário de outras seleções como a Holanda e os Estados Unidos, só para citar dois exemplos.

Mas, na contramão do que imaginavam os críticos contumazes, a partir do “Marco 0” do Brasil – Santa Cruz Cabrália na Bahia – praticamente tudo deu certo para a seleção alemã em terras brasileiras. A começar pela sua chegada: rodaram o mundo fotos dos já descontraídos jogadores na balsa atravessando o Rio João de Tiba, trajeto que iria se repetir à exaustão para a alegria dos futuros campeões mundiais.

Descontração, alegria e simpatia, marcas registradas do elenco. Mas quem conhece a Bahia sabe que estas são também as características do generoso povo baiano. E por conhecer relativamente bem a Bahia, mesmo à distância, tive a nítida impressão de que este jeito baiano de ser acabou sendo incorporado pelos jogadores alemães.

Não faltaram exemplos para comprovar esta tese: a inteiração com os índios pataxós, o carinho com as crianças numa escola de Santo André, a forma atenciosa de tratar os torcedores brasileiros.

Tudo isto sem perder de vista o foco principal: a conquista do quarto título mundial. Só que, pouco antes do início da Copa do Mundo no Brasil, o treinador alemão enfrentou sérios problemas de contusão de alguns jogadores considerados fundamentais para compor o elenco, principalmente Marco Reus, considerado o melhor jogador alemão da atualidade.

O que fazer? Manter o foco, buscar alternativas e fomentar o espírito de equipe. E foi exatamente o que a comissão técnica em conjunto com todo elenco fizeram durante o tempo que estiveram no Brasil e, neste sentido, a escolha de Santa Cruz Cabrália acabou caindo como uma luva para que o objetivo final pudesse ser atingido. Em outras palavras: a pequena Vila de Santo André forneceu as condições necessárias aos jogadores alemães para o pontapé inicial rumo à jornada histórica que culminou com a conquista no templo do futebol mundial, o Maracanã.

E esta jornada foi descrita de forma exemplar pelo jovem jornalista Gustavo Hofman no seu “Diário de Bordo” que à noite, após um exaustivo dia de trabalho enviando boletins para a emissora, fazendo entrevistas com Deus e o mundo, acompanhando coletivas de imprensa, trocando ideias com colegas jornalistas, viajando de cima para baixo com a seleção alemã, comentando os jogos nos estádios, fazendo matérias extra-futebol, além de enfrentar dia sim e outro também, problemas de ordem organizacional que só um setorista conhece, ainda foi encontrar tempo e energia para colocar no papel as suas experiências vivenciadas naquelas últimas 25 horas. Sim, 25 horas – porque para um repórter como Gustavo Hofman este é o tempo mínimo da duração de um dia. Portanto, foi também uma jornada pessoal rumo às entranhas da Copa do Mundo no Brasil. Ficará para sempre em sua memória. Uma jornada que poderá contar com orgulho para o seu filho e, quiçá, mais tarde, para os seus netos.

E ficará para sempre também em nossa memória graças ao seu livro “40 dias com a campeã do mundo – histórias e bastidores da Alemanha no Brasil” onde Gustavo Hofman soube transmitir com maestria a sua vivência daqueles dias de experiências extraordinárias.

Sobre o autor:
Gustavo Hofman nasceu em Belo Horizonte (MG), em 5 de maio de1981, mas cresceu em Campinas (SP). Mora em São Paulo (SP). É formado em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (Pucamp/SP) e tem pós-graduação em Comunicação e Marketing pela Faculdade Cásper Líbero (SP). Antes de ser jornalista, jogou basquete pela Sociedade Hípica e pelo Tênis Clube, ambos de Campinas, tendo disputado os campeonatos paulistas da base entre 1994 e 1998. Começou a carreira em sites e revistas customizadas de Campinas. Já como repórter, ingressou no jornal Folha de S.Paulo e pouco tempo depois foi contratado pelo portal Terra, exercendo a mesma função. Em 2005 foi editor do site e repórter da revista Trivela. É comentarista dos canais Espn, blogueiro do site Trivela.com e colunista do ExtraTime.com.br. 
(fonte: Portal dos Jornalistas- www.portaldosjornalistas.com.br)

Adeus a Roberto Porto

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O jornalismo esportivo perdeu neste 4 de dezembro de 2014 mais uma de suas maiores referências. Roberto Porto, o “Robertão” para os amigos, um jornalista que jamais escondeu sua paixão pelo clube de coração, o Botafogo.

Porto nasceu em 1940, no Rio de Janeiro. Foi repórter e redator do Jornal do Brasil. Na Bloch Editores trabalhou nas revistas Enciclopédia Bloch, Fatos & Fotos e Domingo Ilustrado, trocando depois as revistas por O Globo, onde foi subeditor de esportes. Voltou ao Jornal do Brasil, como subeditor de esportes, retornando pouco depois a O Globo no mesmo cargo. Por fim, trabalhou em O Dia e foi editor-chefe da Tribuna da Imprensa. Foi colunista do Jornal dos Sports

Por todos os jornais, Porto cobriu várias Copas do Mundo, Jogos Olímpicos e Pan-Americanos.

Escreveu também diversos livros. Com João Máximo, publicou A História Ilustrada do Futebol Brasileiro (Edobrás, 1968), em quatro volumes, e, com Carlos Leonam e Manoela Pena, lançou Dicionário Popular de Futebol – O ABC das Arquibancadas (Editora Nova Fronteira, 1999). Manteve um blog http://blogdorobertoporto.blogspot.com.br/. Participava do programa Loucos por Futebol, do canal ESPN Brasil.

Entre tantos livros publicados sobre o Botafogo, um em especial, Botafogo: 101 Anos de História, Mitos e Superstições (Editora Revan, 2005), acabou gerando pelo editor da obra, seu amigo César Oliveira (o acento você entenderá ao ler o texto abaixo), uma crônica emocionante.

Ao longo dos três anos de existência, Literatura na Arquibancada destacou vários livros e textos do craque Roberto Porto e que podem ser acessados nos links a seguir:

MEU AMIGO ROBERTO PORTO
Por César Oliveira

Eu o vi pela primeira vez nas arquibancadas do Maracanã, atrás do gol, mas meio de esguelha, fumando feito louco e, de vez em quando sendo reconhecido e saudado pela Torcida.

Não lembro mais qual foi a coluna dele no Jornal dos Sports que eu comentei, através do e-mail portoroberto@uol.com.br. Mas é claro que era sobre a sua maior paixão imaterial: o Botafogo de Futebol e Regatas. Era 2004 e ele logo respondeu.
E-mail pra cá, e-mail pra lá, ele manda essa, quase um lamento:

– César (ele sempre acentuou meu nome), meu sonho é escrever o meu livro sobre o Botafogo.

Se você escrever, eu dou um jeito de publicar, respondi. Como assim?, quis saber. Ora, trabalho com livros desde 1980, sei fazer, vamos fazer?

A resposta abriu caminho para o começo de uma curta, mas intensa amizade:
– Onde você mora?
Morávamos a menos de 500 metros um do outro, ele na Senador Nabuco, eu na Visconde de Abaeté, em Vila Isabel. Pedi seu telefone, liguei, Ada atendeu e passou pra ele:
– Vem pra cá agora! – pedido quase ordem que se repetiu pela amizade afora, mesmo depois que ele mudou pros cafundós do Recreio dos Bandeirantes.

Foi difícil convencê-lo que ele não era um qualquer. Que estava à altura de Saldanha e Sandro, Oldemário e Sergio Augusto.

Foi assim que começou o sucesso de “Botafogo: 101 anos de histórias, mitos e superstições” que, agora posso revelar, mereceu apoio imediato de Manoel Renha, Carlos Augusto Montenegro, Sávio Neves, Luiz Roberto Santos, Pedro Bulcão e Durcésio Mello. Valério Gomes, da Ideia Busdoor, nos concedeu um monte de adesivos em ônibus. O Jornal dos Sports não criou impedimento a que usássemos seu rico acervo para ilustrar o livro. Eu ainda não havia criado a LivrosdeFutebol.com e, então, lançamos pela Revan.

Um livro histórico, de colecionador, com muitas fotos do Jornal dos Sports e o rico projeto gráfico da MQuatro Design, dos meus queridos Marcelo Fonseca da Rocha e Lina Mizutani. Um brinco de livro, um orgulho imenso e pra sempre.

Ele escreveu tudo rapidamente e não parava de ligar, várias vezes ao dia, indócil como o seu maior projeto editorial. Era o sonho de uma vida:
O "meu" livro sobre o Botafogo!

Quando o livro chegou da gráfica, chamei o Marcelo e combinamos de levar o livro pro Porto. Entramos no apartamento, ele nos recebe, então o Marcelo abre a pasta e apresenta a preciosidade. Ele olhou a capa, com sua caricatura feita pelo Ique, comemorando um gol do Botafogo numa pilha de jogadores que tinha Elton, Mané Garrincha, um jovem Jairzinho e, como cereja do bolo, Gérson Canhotinha de Ouro ainda com muito cabelo.

Ele pegou o livro, virou-se de costas pra nós, que não sabíamos o que fazer ou dizer, apenas vê-lo se afastar para a varanda, onde se sentou, e folheou o livro, chorando por quase meia hora.

O lançamento foi na livraria Dantes, da Ana e do Flamínio Lobo, em cima do Odeon BR. Como ele morava no Recreio, pedi que fosse de manhã pra casa do cunhado, em Vila Isabel, almoçasse e descansasse, para chegar ao Odeon lá pelas 18 horas.

Fez tudo o que eu pedi. Chegou à livraria às 17 horas, normalmente ansioso.

Mal subiu as escadinhas, já encontrou cinco torcedores na fila. Um, chegara pouco antes de Juiz de Fora, especialmente para o lançamento. Pra agradar os torcedores, sentou-se no local reservado a ele e começou a atender a todos. Trouxera dez canetas e quatro maços de cigarros.

Logo, uma multidão encheu o local, e olha que o Botafogo não ganhava o Carioca desde 1997, passara o Centenário em branco.

Alexandre Niemeyer, do Canal 100, generosamente fornecera um filmete de vinte minutos, que passava no cinema enquanto o lançamento acontecia. Velhos companheiros, imprensa, torcedores e admiradores lotaram o espaço, mais de quatrocentos livros vendidos.

Marcelo Duarte, um dos Loucos por Futebol, apareceu com um bigode de bombril, para homenagear o Mestre.

No final da noite, no rescaldo da alegria, ele se levanta, estávamos apenas em família, então peço o meu autógrafo e ele me diz:
– Porra, espera que eu preciso mijar! Não levantei dali desde que cheguei! Nem fumar, fumei.
"Em poucas e resumidas palavras": mais Roberto Porto, impossível.

Que Deus te abençoe, meu amigo! Pelo menos, agora, você vai matar as saudades da Ada Regina!

O abraço e a admiração do
César Oliveira
PS.: Nessa despedida, acato a sua gozação e autoacentuo o meu nome.


Em 12 Rounds

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Para muitos o boxe está nocauteado após a impressionante popularização do MMA. O esporte que chegou a arrastar multidões no século XX tornou-se menos “comercial”. Nos Estados Unidos, porém, ele continua “vivo”, sendo explorado pela literatura e pelo cinema. Por aqui, no Brasil, dois autores, Bruno Freitas e Maurício Dehò, desafiaram a lógica do esquecido boxe brasileiro e decidiram criar uma obra histórica, um resgate fundamental, para o esporte e, principalmente, para a literatura esportiva. Acertaram um direto, com o seu “Em 12 Rounds – Histórias do boxe no Brasil. De Jofre a Popó, dos Zumbano a Tyson (Editora Via Escrita).

Apresentação - 1
Por Bruno Freitas

Eduardo Suplicy
Bloqueio de escritor é uma coisa séria. Levando ao mundo do boxe, poderia ser um pugilista de roupão, pronto na beirada de um ringue, que, por uma hesitação estranha, receia em caminhar em direção a seu adversário. Vivi um momento assim, no encaminhamento deste projeto. A certa altura, estava com tudo pesquisado, tudo apurado. Era me sentar e escrever meus seis capítulos – os outros seis estariam nas mãos e na criatividade de Maurício Dehò, colega de empreitada. Mas, sei lá por quê, não começava.

Chegou uma hora em que não dava mais para adiar. Numa noite de vai ou racha, refleti sobre a lista de meus seis capítulos e elegi Eduardo Suplicy. O episódio do jovem de classe alta, que se encanta com o boxe, e suas lições humanas subliminares, simboliza muito do que é este projeto.

São histórias que transcendem o ringue, a mera troca de golpes. É a busca por aquela essência misteriosa da nobre arte que fascina o cinema norte-americano e suas plateias há décadas.

A aventura do filho dos Matarazzo nos ringues mexeu com a São Paulo da década de 1960 e, talvez, tenha ajudado a iluminar a consciência social do futuro político sobre a complexidade das diferenças de classes – o próprio senador admite isso.

Suplicy, boxeador.
Mas, enfim, o que era hesitação de escritor virou uma euforia por escrever. Varei a madrugada com a história de Suplicy nas mãos e só parei com ela concluída na tela do computador. Quando vi, eram 6 e pouco da manhã, mas o sono inexistia. A adrenalina intimidava a ideia de ir para cama. Então, num rompante maluco, vesti roupas esportivas e fui correr no Ibirapuera.

Cruzei o parque contente com a pequena vitória pessoal que o mundo desconhecia. Ali, com o dia ainda se criando, fui em direção à pista de corrida. Quase ninguém pelo caminho, só os dedicados atletas das manhãs. Ao chegar no começo da pista de terra, parei para um breve alongamento, sozinho, eu e as árvores. De repente, um senhor aparece a alguns metros, deixando o local calmamente, ao fim de seu exercício pessoal. Ninguém menos do que Eduardo Suplicy!

Parecia uma brincadeira da vida. Passara a madrugada com a cabeça na experiência de um personagem e dou de cara com ele ao sair de casa. Não tive muita reação, admito. Poderia relatar toda aquela história, dividir a surpresa do destino com aquele inesperado interlocutor. Mas só esbocei um “bom dia, senador”. Ele respondeu educadamente, certamente não  lembrava do jornalista que o visitou em uma tarde. Afinal, já passara mais de um ano. Apesar da frustração de não ter conseguido uma conversa mais extensa, ficou ali, para o autor, a sensação meio mística de que o projeto daria certo. Era um sinal, não? Naquela altura, tínhamos um acordo verbal com uma editora, mas as coisas não deram certo. O boxe já arrastou multidões no século XX, mas hoje não é um tema lá tão comercial – vivemos os dias de glória do MMA. Enfim, fomos atrás de parceiros, batalhamos alternativas de publicação, porém, nada vingava. Os anos foram passando, e o livro, pronto, ficou na gaveta um bom tempo. Faz parte do jogo. Depois, nos associamos à Via Escrita, fomos ao Catarse, em busca de financiamento de leitores, e o resultado está agora em suas mãos.

A ideia deste livro surgiu no já distante ano de 2006, com a leitura de A Luta, do craque das letras Norman Mailer, obra que deu origem ao documentário Quando Éramos Reis, premiado com um Oscar. Agora, nas próximas páginas, temos o privilégio de apresentar episódios incríveis do boxe – mas casos vividos em solo nacional. Sim, nós também temos as nossas histórias cinematográficas. Alô, produtores espertos, que tal um Touro Indomável made in Brazil?

Apresentação - 2
Por Maurício Dehò

Valdemir Pereira, o Sertão.
Se o ambiente do boxe são as academias, com seu inconfundível cheiro de suor e os eventos em que o ringue já foi centro de uma festa de gala e, hoje, estão às moscas, este livro mostra que um outro cenário é fundamental para a nobre arte: a rua. Escrever Em 12 Roundsfoi um exercício que levou, a mim e ao parceiro Bruno Freitas, a deixar nossas casas, em busca de entrevistados, personagens, testemunhas de cada história contada.

A necessidade de ver, ouvir e sentir o que cada um dos envolvidos nos nossos 12 rounds tinha a oferecer acabou provando que não é só enfurnado em uma academia que o boxe brasileiro se fez.

Uma das missões com a obra foi sair da zona de conforto. No desafio mais ousado dessa nossa jornada, juntei-me ao amigo pugilista Washington Silva, peguei um avião para Salvador e, na sequência, um ônibus, para entrar no interior baiano, em busca de Cruz das Almas, a cidade do último campeão do boxe verde-amarelo: Valdemir Pereira, o Sertão.

Além de sentir o calor cruz-almense, andar pelas ruas de paralelepípedos e terra e ver com meus próprios olhos onde os garotos brigões da cidade trocaram a violência pela arte de boxear, eu ainda tinha de achar Sertão. O ex-campeão dos penas havia jogado tudo para o alto, depois de se descobrir doente antes de uma luta, e voltou à sua cidade, para viver no ostracismo.

Praticamente escondido, como ele reagiria a um jornalista batendo à sua porta, sem avisar? Nem Washington, meu guia turístico, queria se meter nessa. Deixou-me a dois quarteirões e falou: "Ali é a casa da mãe dele. Te espero aqui, leva o tempo que precisar". O "Deus da pauta" deu uma mão. Ao bater à porta, foi a mãe de Sertão quem atendeu. Mostrou fotos, falou com orgulho do filho e, assim, o caminho para chegar a ele estava amaciado. Quando Valdemir chegou, a estranheza de receber um repórter no meio de um fim de semana foi logo deixada de lado, e ele até me recebeu na casa em que morava, bem próxima à de sua mãe.

Assim como meu parceiro Bruno Freitas sabia que nosso trabalho sairia de nossos computadores e ganharia páginas de papel quando avistou Suplicy, minha certeza veio, nessa viagem, diferente de tudo que já tinha vivido como jornalista, e que ainda incluiu uma pausa em Salvador para longas conversas com Popó e Luiz Dórea. Popó, claro, é mais um exemplo de pugilista que saiu da vida simples, fazendo bicos na rua, para ser disputado por empresários milionários, e até acabou detido por isso, como veremos adiante.

Esquiva e Yamaguchi Falcão
A rua também é papel fundamental na história de Nilson Garrido, o pernambucano chamado de doido por muitos, ao montar academias de boxe embaixo de viadutos de São Paulo. Ou na dos irmãos Falcão, que já ficaram desabrigados nos momentos mais difíceis que o pai, Touro Moreno, teve na vida. A família capixaba, por sinal, foi a última adição ao projeto, com sua história digna de filme, e sua trajetória impensável nos Jogos Olímpicos de 2012, em Londres.

De Suplicy aos Falcão, o boxe permite entrar em todas as camadas da sociedade. Permite ir além do esporte, falar de História, de cultura, mostrar os diversos Brasis que a população viveu nos últimos 50 anos. Cada capítulo, um reflexo diferente dos tempos.

E mais. O livro é sobre boxe no Brasil, mas foi possível colocar no papel dois capítulos sobre lendas estrangeiras do boxe. Muhammad Ali e Mike Tyson estiveram em São Paulo e protagonizaram momentos que seus interlocutores brasileiros dificilmente esquecerão. Momentos que, como nos outros capítulos, estavam se esvaindo das mentes dos amantes da nobre arte, mas que são resgatados aqui.

Obrigado por vir junto conosco nessa e um agradecimento, em especial, a todos os apoiadores do Catarse, que acreditaram neste livro, antes mesmo de ele ser real. Hora de subir no ringue, o gongo vai soar. Boa leitura.

Prefácio
Por Álvaro José (jornalista TV Record)

Cassius Clay
Nenhum outro esporte lhe dá, ao mesmo tempo, um balé e um soco no queixo e o coloca no chão. Como se fosse possível passar incólume a isso, ainda é conhecido como a nobre arte. Esporte olímpico desde os Jogos da Antiguidade, ganhou seu passaporte definitivo para integrar o programa dos Jogos Olímpicos da Era Moderna em Antuérpia, 1920. Seus protagonistas têm vitórias de superação e de glória únicas, inclusive, na luta contra o preconceito. Até mesmo Cassius Clay, campeão olímpico em Roma, 1960, jogou sua medalha de ouro em um rio, em frente a uma lanchonete, após ter sido barrado por ser negro.

No Brasil, existem muitos ídolos a reverenciar. O boxe brasileiro sofreu, durante muito tempo, o mesmo problema do futebol, com a profissionalização de seus lutadores muito cedo. Os atletas olímpicos deveriam ser, obrigatoriamente, amadores, o que fez com que grandes talentos da nobre arte, aqui no Brasil, ficassem sem condição de disputar os Jogos Olímpicos.

O boxe fez parte de minha infância e pré-adolescência. Eder Jofre era campeão mundial e meu pai, o jornalista esportivo Álvaro Paes Leme, assistia e trabalhava nas grandes lutas. Falava de Luisão, Oscar Banavena e Luís Faustino Pires como donos de punhos de ferro. Ganhamos, meu irmão e eu, luvas infantis “Galo de Ouro Eder Jofre”, por ele autografadas. Elas renderam, durante as férias escolares, muita diversão para nós e preocupações infinitas para minha mãe. Quando meu pai chegava em casa, íamos esperá-lo no portão, com as luvas, e já pedíamos dicas de posição dos pés, esquivas, golpes e tudo mais.

Quando entrávamos, invariavelmente, todos nós tomávamos bronca, mas logo depois a sala virava um ringue novamente e, de vez em quando, sozinhos, meu irmão Claudio e eu exagerávamos na dose, e lá ia um para o chão. Mais bronca.

Além de Eder, Servílio de Oliveira, nosso medalhista olímpico no México, em 1968; Juarez de Lima, que fez sua carreira praticamente fora do Brasil e chegou a ser numero um do ranking; Miguel de Oliveira, João Henrique e todos os grandes lutadores brasileiros dessa época eram assunto em casa. Da mesma maneira, Abraham Katznelson e Kaled Cury, amigos de meu pai e figuras que encontrávamos, normalmente, quando estávamos junto com ele, em algum lugar, eram muito conhecidos. Ralph Zumbano, outro grande ex-pugilista, tio de Eder e que foi treinador de Maguila, também era próximo. Tal qual num ringue, o mundo do boxe da época girava próximo a nós.

Quando me tornei jornalista, o boxe continuou em minha vida, desta vez na empreitada do Luciano do Valle, com quem tive o privilégio de trabalhar durante muitos anos, em levar o Adilson Maguila Rodrigues a lutar pelo título mundial dos pesos pesados.

Foi um dos grandes momentos da história do boxe brasileiro, sem dúvida. A organização de grandes combates aqui no Brasil, e lá fora, para que Maguila alcançasse posições de destaque no ranking, para poder desafiar os melhores na busca de um título para o Brasil, foi um momento mágico.

Acelino Popó Freitas
Na esteira disso vieram, depois, Acelino Popó Freitas, campeão mundial, tal como Eder, em duas categorias, mas por quatro vezes.

Em Londres, vi os irmãos Falcão, Esquiva e Yamaguchi, conquistarem prata e bronze para o boxe olímpico brasileiro, depois de um jejum de 44 anos. Junto com eles, Adriana Araújo, a primeira medalhista brasileira no boxe feminino. Momentos inesquecíveis.

O boxe tem uma característica única de mexer com o imaginário de todos nós. É um esporte tão singular! Torna-se o vilão que, por vezes, leva embora até as lembranças de seus maiores ídolos. Aqueles que fizeram sua glória. Apaga memórias, mas não apaga a história que tem obras como essa para contá-la.



Sobre os autores:
Bruno Freitasé jornalista desde 1998 e acumula coberturas internacionais em 18 países. Cobriu três Olimpíadas e uma Copa do Mundo, entre outros eventos. Este é seu segundo livro. Também é autor de “Queimando as traves de 50 – glórias e castigo de Barbosa, maior goleiro da época romântica do futebol brasileiro”.
Maurício Dehòé jornalista desde 2006, com coberturas nacionais e internacionais de boxe e MMA, entre outros esportes. Este é seu primeiro livro.

Estrelas que brilham

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Um ano em que o Literatura na Arquibancada caminhou devagar, por conta de seu editor ter que defender o “leite das crianças”, longe da capital. Agradeço aos leitores fiéis que mantiveram a audiência e permitiram atingir a expressiva marca de quase 710 mil views em 2014.

Ano triste, de muitas perdas no jornalismo e na literatura esportiva. Gente que não devemos jamais esquecer e reverenciar, especialmente neste Natal. Viraram estrelas a brilhar no céu.

Nos links abaixo, destaques para o imenso trabalho deixado por Roberto Porto, Michel Laurence, Dr. Osmar de Oliveira, Prof. Sebastião Witter e Renato Pompeu.








Empate

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Ainda são poucos, mas lentamente autores brasileiros começam a explorar o gênero romance na literatura esportiva. A conquista do prestigiado prêmio Portugal Telecom 2013, com o livro “O Drible” (Companhia das Letras), de Sérgio Rodrigues, talvez estimule muitos escritores a explorar a ficção no universo do futebol brasileiro.

É o que fez o mineiro Vinícius Neves Mariano com o seu “Empate”, livro de estreia do escritor, mas que ainda depende de um “pequeno empurrão” para se tornar “realidade”. É que a editora responsável pela publicação, a Simonsen, construiu uma bela campanha de financiamento coletivo para a obra. Você pode participar acessando o link a seguir:

Mais do que recomendar, Literatura na Arquibancada agradece ao autor, Vinícius Neves Mariano e ao editor Rodrigo Simonsen pelo envio de um vídeo especial para os leitores deste blog. 

Ficamos honrados: http://youtu.be/HG_0nLbNoMo

Abaixo, você confere a sinopse da obra e ainda trecho do primeiro capítulo de “Empate”.









Sinopse (da editora)

Um homem traumatizado pela II Guerra Mundial almeja se vingar do Brasil. E a derrota para o Uruguai na final da Copa do Mundo jogada em casa é o golpe perfeito para sua desforra. Assim é apresentado o protagonista de Empate, livro de estreia do autor Vinícius Neves Mariano que será lançado pela Editora Simonsen.

O romance histórico tem início quando o protagonista, sem resistir à superlotação do Maracanã naquela tarde de 1950, cai dentro do fosso que separa as arquibancadas do campo. Com ele cai também outro homem, de personalidade completamente oposta. Juntos eles terão que imaginar o momento histórico que está acontecendo a poucos metros de suas cabeças.

“É um livro de vingança. Tudo o que Aureliano, o protagonista, quer é que o Brasil sofra um golpe tão duro quanto o que ele levou. Mas como toda boa trama de vingança, esta também é uma história de redenção.”, afirma Vinícius Neves Mariano, autor da obra.

“Empate” é um livro que você assiste. Isso porque a linguagem escolhida pelo autor para contar essa história é bastante visual. “Em alguns momentos, você deixa de ler e passa a enxergar as cenas”, complementa o autor, que também é roteirista. Apesar de esta ser uma das principais características de “Empate”, em inúmeros momentos o autor também recorre a lirismos sensíveis e profundos, como no trecho em que descreve o clima que imperava no Maracanã naquela tarde:

“Os nomes de Zizinho, Ademir e Jair sambavam em profecias despudoradas. Gritos jogavam gols para cima como quem joga confetes no salão. O burburinho alegre embriagava qualquer um de esperanças. Estavam todos convencidos de que o jogo seria uma formalidade; o título era uma flor que certamente desabrocharia depois dos noventa minutos desnecessariamente obrigatórios.”

Foi essa combinação de linguagens que chamou a atenção da editora:
“É um livro cinematográfico. O trabalho de reconstrução do estádio tem detalhes tão nítidos e vivos que podem ser acompanhados por uma câmera. Mas, ao mesmo tempo, tudo é descrito com o viés traumatizado de um personagem.”, confirma Rodrigo Simonsen, editor do livro.

Para conseguir tal nível de detalhes da época, Vinícius pesquisou livros e sites especializados, além é claro, de saber minuto a minuto do que acontece em campo naquele dia. 

“Foram meses de pesquisa intensa. Hoje sinto que visitei o Rio de Janeiro de 1950. 

Sou uma daquelas 200 mil pessoas que assistiram a esse jogo”, conta o autor.

Empate será lançado via financiamento coletivo, uma estratégia escolhida pela editora para reduzir os riscos. 

Segundo Rodrigo Simonsen, “o financiamento coletivo é um caminho mais seguro para publicar novos talentos”.




Capítulo 1

Quando os portões de ferro foram abertos, às oito da manhã, o estádio foi inundado por uma multidão disforme. Derramaram-se pelos corredores mais de duzentas mil pessoas. A mancha humana escorreu das rampas de acesso para as arquibancadas. Antes mesmo do meio-dia, o Stadium Municipal do Rio de Janeiro já estava transbordando.

Aureliano parou diante da rampa de acesso e tirou a carteira de cigarros do bolso esquerdo do paletó cigarros no esquerdo, chaves no direito. Desejou que fosse um Yolanda. A mulher loira da embalagem amarela, de lábios formosos e pescoço delgado, foi sua companhia feminina mais fiel nos campos de batalha. Yolanda. Cabelos cacheados, sobrancelhas grossas e a inscrição “Cia de Cigarros Souza Cruz” logo abaixo, que impedia a fantasia de ir longe demais. Yolanda. Acendeu pensando sobre quão patético era sentir saudade de uma embalagem de cigarro. Que bom que era um Continental.

O fumo queimou em um laranja vivo e um fio de fumaça dançou provocante diante de seu rosto indiferente. Por trás da pequena cortina branca que se desfazia frustrada, revelou-se o olhar apertado de um Aureliano completamente tomado pelo tamanho da construção. “O maior do mundo”, como chamavam-no com pretensão e orgulho pelas ruas, parecia ser capaz de guardar o próprio mundo em si. Um ano antes havia lido por aí que Jules Rimet comparava as obras do estádio à construção do Coliseu, na Itália, “pela majestade de sua concepção arquitetônica”, ou qualquer exagero do tipo. Na época, descartou o delírio senil. Hoje, contudo, Aureliano compreendeu o que o velho havia sentido.

O Stadium Municipal impunha-se onde antes era o Derby Club, uma área imensa, descampada e verde. Aureliano cresceu ali perto, na Vila Isabel. Quando menino, costumava ir com os amigos até a região para pescar no Rio Maracanã. Pescar não era sua brincadeira favorita, mas sempre que voltava para casa com o puçá cheio, a mãe ficava feliz. Ela segurava seu rosto e armava um beijo enorme, fazendo um bico que parecia a boca de um peixe. Aureliano achava graça nisso. Levava um peixe para a mãe e a mãe empeixava.

Agora o Rio Maracanã estava canalizado e o estádio se agigantava sobre as residências assustadas do bairro. O entorno era só entulho. A construção parecia ter brotado da terra, rasgando o solo em ferimentos ainda expostos. O verde de outrora virou cinzas. Na falta de cores, lembrou-se de ler nas páginas rosas do Jornal dos Sports a campanha incessante de Mário Filho em prol daquela construção: “O Rio de Janeiro precisa de um estádio à sua altura”, argumentava o jornalista. Aureliano se questionou, diante da grandiosidade da obra que tomava sua vista, se o Rio de Janeiro, ou o Brasil, estavam à altura daquele estádio. Tinha como certo que não.

Aureliano deu uma última tragada em seu cigarro e o atirou no chão. Eram quinze para as oito da manhã. Um homem que passava por ele se abaixou, apanhou o cigarro e fumou, sem nem olhar para seu antigo dono. Ainda parado, Aureliano observou a cena enquanto soltava a fumaça do último trago pelo nariz. O homem andava apressado; nem os esbarrões em outras pessoas o faziam diminuir o passo. Aureliano o seguiu com os olhos só assim podia seguir alguém tão ligeiro, e entendeu que até a bituca do seu cigarro entraria no campo primeiro que ele.

Havia chegado cedo ao estádio porque sabia que teria dificuldade para subir a rampa. A perna direita era um peso que arrastava em descompasso fazia cinco anos; já estava acostumado a compensar a falta de agilidade com tempo. Para um jogo que começaria às três da tarde, chegar às oito era garantia de um bom lugar mesmo para um aleijado como ele.

Perdeu de vista o homem que levara seu cigarro e voltou a si. Se queria ser testemunha da vingança que tanto desejava, teria que encarar aquela subida. Com a perna esquerda, deu o primeiro passo em direção aos portões de entrada. Atrasada e fraca, vinha a direita, desritmada, no contratempo do que lhe era natural. Era este seu compasso: esquerda e direita politicamente desencontradas. Aureliano havia sido forjado em um homem cujo até o andar é conflituoso.

Pouco depois da metade da rampa, parou atrás da multidão aglomerada ante ao portão de ferro trancado. A perna manca já começava a sentir o esforço; Aureliano se curvou para massagear a coxa dolorida. Seus sapatos pretos já tão desgastados agora estavam sujos com a poeira das obras inacabadas do estádio. Não eram só os seus. Todos ao seu redor tinham as calças e os sapatos empoeirados. A poeira os fazia iguais. Era parte da massa, como um rebanho marcado pela imundice. Maldito Ary Barroso. Ele era um dos culpados. Tinha que continuar é compondo música e não fazendo política. Conseguiu apoio quase irrestrito da população em uma discussão com Carlos Lacerda sobre a relevância da obra para o país. Encomendou uma pesquisa que revelou que o mesmo povo que hoje sobe a rampa se sujando de terra porque essa monstruosidade não ficou pronta a tempo estava até disposto “a arcar com algum sacrifício” para que o maior estádio do mundo fosse erguido no Rio de Janeiro. Aureliano lembra-se de ter rido quando leu sobre isso nos jornais. O que essa gente sabe sobre sacrifício? Maldito Ary Barroso. Maldita Aquarela ufanista.(...)

Sobre o autor:
Vinícius Neves Marianoé publicitário, roteirista e agora escritor. Trabalhou por anos como redator em algumas das principais agências de publicidade do país antes de se especializar em
roteiro para cinema e televisão. Como roteirista, além de outros trabalhos, foi co-criador de Várzea, série de TV lançada em 2014.


Quem desloca tem preferência

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Difíceis são as teses acadêmicas publicadas em livro que seduzam o leitor “comum”. O mineiro Marcelino Rodrigues da Silva tem esse dom. Para os estudiosos e pesquisadores do esporte (e também o leitor da literatura esportiva tradicional) seu novo livro “Quem desloca tem preferência: ensaios sobre futebol, jornalismo e literatura” (Relicário Edições) é leitura obrigatória.

Literatura na Arquibancada apresenta abaixo o texto de apresentação da obra e ainda um trecho de um dos capítulos, gentilmente cedidos pelo autor e editora.

Apresentação
Por Pedro Henrique Trindade Kalil

A importância do futebol para o Brasil é inversamente proporcional à quantidade de estudos dedicados a esse esporte, considerado, tanto por nós quanto pelos estrangeiros, um dos pilares da identidade brasileira. Desde que Charles Miller importou o futebol da Inglaterra para o Brasil, no final do século XIX, o jogo tomou uma proporção na sociedade que não condiz com o espaço que pesquisadores, artistas e escritores dedicaram ao esporte. O mesmo pode ser dito a respeito de diversas manifestações populares e da cultura de massa que não encontram no meio acadêmico-artístico-cultural sua tradução.

Esse cenário, entretanto, começou a mudar nos últimos anos, quando diversas publicações e estudos, além de manifestações artístico-culturais, passaram a dar atenção para essas áreas tantas vezes negligenciadas. As razões para essa omissão são várias e, talvez, a mais difundida seja a máxima “o futebol é o ópio do povo”, que exprime a opinião daqueles que percebem no esporte bretão não mais do que uma “fuga da realidade” e dos “problemas de verdade”.

O combate a esse posicionamento pode ser visto como a preleção deste belo livro de Marcelino. Quem desloca tem preferência faz um drible no senso comum sobre a história e a importância do futebol na sociedade brasileira. O que temos aqui não é uma simples narrativa histórica do futebol ou mesmo uma análise que vai de encontro a opiniões tão difundidas no imaginário intelectual, mas a complexificação do fenômeno futebolístico em nosso país – e isso é uma primeira importância deste livro.

As contradições e os paradoxos dos objetos, que muitas vezes tentam ser escamoteados nos trabalhos teóricos, são aqui ressaltados para que se examine a fundo várias facetas dos discursos futebolísticos. É como se Marcelino perseguisse a máxima de Mikhail Bakhtin, quando esse teórico russo afirma que “em todo signo ideológico confrontam-se índices de valor contraditórios”. Marcelino não é um goleiro com medo diante do pênalti – recorrendo ao nome do filme de Wim Wenders –, mas aquele que sabe que, quando se aventura a analisar um jogo que ocorre entre quatro linhas, tudo pode acontecer. Nesse sentido, o livro irradia a própria magia do futebol por abordar algumas das possibilidades infinitas que esse esporte oferece.

O esquema tático do livro foi montado em quatro blocos que, obviamente, são intercambiáveis e dialogam intensamente entre si. Enfim, é uma tentativa de fazer com que o time jogue sem buracos em campo, um esquema em que o goleiro liga o jogo até o ataque, passando pela defesa e pelo meio de campo. A primeira parte, “Um jogo é um jogo é um jogo”, trata de questões do futebol brasileiro de maneira geral, perpassando por ligações entre o futebol, as letras e as artes, o futebol e o Modernismo, futebol e identidade, futebol e sua memória. Marcelino descontrói, nesse conjunto de textos, velhos preconceitos e ideias mofadas para ventilar uma nova abordagem sobre esse jogo, que se mostra, especialmente no nosso país, mais do que uma simples disputa entre duas equipes.

Na segunda parte, “Jogando em casa”, a atenção se volta para a cidade de Belo Horizonte, onde a rivalidade entre o Atlético Mineiro e o Cruzeiro se torna o eixo para se discutir as diversas ideias modernizantes do Brasil, a construção identitária da capital mineira e a elaboração da memória inventada das duas torcidas. Esse último ponto pode ser apreendido através do trabalho de Mangabeira, que criou as mascotes não só dos times de Belo Horizonte, mas também de Minas Gerais. A publicação deles, principalmente no jornal Estado de Minas, ao passo que se baseou nos ideais de cada clube e sua torcida, construiu também sua própria caracterização.

Mário Filho
Essa importância dos jornais para a construção da ideia de futebol no Brasil, pois, é o foco da terceira parte, “Mesa redonda”. Nela, Marcelino exibe um panorama de como os jornais cariocas, em especial a figura ímpar de Mário Filho, ajudaram a construir a ideia de futebol no Brasil. Aqui, discute-se também a relação entre o torcedor, o jornal, a televisão, o rádio e a literatura, dinamizando os discursos que permeiam esse esporte. A última parte, “Outros campos”, deixa transparecer, ainda mais, os diversos fios que ligam o esporte a outros campos da nossa vida. O cinema, a literatura e até outros esportes, como o surf, aparecem para que se fomente a ideia de que o futebol é, também, uma construção discursiva.

A fluidez da escrita do autor é outro ponto para conquistar a torcida, até mesmo a adversária.

É raro ver um trabalho acadêmico no qual é empregada uma linguagem tão acessível e envolvente, sem prejudicar em nada o conteúdo, como é o caso deste. A trama articulada por meio das palavras desenvolve aquela atração presente em todos os grandes clássicos.

A partir dessa escrita, a coerência entre os diversos textos aqui apresentados também merece destaque. Poucas vezes é possível ver um time jogando com a consistência que encontramos aqui. Quer se fale da história de Pieruccetti, quer se fale dos arquivos construídos a partir das imagens dos negros nos jornais, Marcelino parte para o ataque com a convicção de muitos dos nossos maiores goleadores. É um gol atrás do outro, fazendo com que este livro já tenha o espírito vencedor daqueles que ousam ver além do que já é reconhecido.

Ao vivo e em cores: 
a experiência midiática do esporte
Por Marcelino Rodrigues da Silva

(...)

Nos dias de hoje, embora o hábito de acompanhar o futebol pelo rádio não tenha sido abandonado, boa parte do espaço que era ocupado por essa mídia na vida esportiva da multidão de futebolistas foi tomado pela televisão. O futebol se tornou um programa de TV e o campo perceptivo por meio do qual ele é experimentado voltou a ser o visual. Devemos nos perguntar, então, se isso não terá trazido de volta o “esporte ao quadrado”. Pois, a princípio, poderíamos pensar que a mediação da câmera de televisão é menos sujeita a distorções e apenas reproduz a experiência do torcedor que vai ao campo.

Se o ouvinte de rádio, para aceitar a informação que recebe, precisa de um pacto de confiança com o locutor e sabe que esse pacto pode ser rompido, para o espectador de TV não se trata de ter fé em algo que alguém lhe diz, mas de acreditar em seus próprios olhos. Mas, será realmente neutra e livre da trucagem a mediação do futebol pela televisão? Podemos realmente confiar em nossos olhos?

Para responder a essas perguntas, consideremos inicialmente as transmissões “ao vivo”, em que o espetáculo esportivo é levado ao espectador em sua totalidade e em “tempo real”, com o auxílio dos satélites e redes retransmissoras. Embora a impressão seja a de que a imagem que chega ao espectador é bastante confiável, dando a ele uma percepção bem próxima à do torcedor que vai ao campo, não é exatamente isso o que acontece. Marcel Pagnol, citado por Paul Virilio no livro Guerra e cinema, mostra que a perspectiva da câmera é, na verdade, uma redução da multiplicidade de pontos de vista sob os quais um acontecimento pode ser observado:

Em um teatro, mil espectadores não podem sentar-se no mesmo lugar e logo podemos afirmar que nenhum dentre eles assistirá à mesma peça. (...) O cinema resolve este problema, pois o que cada espectador vê, onde quer que ele esteja sentado na sala, (...) é exatamente a imagem que a câmera focalizou. (...) Não mais existem mil espectadores (ou milhões, se juntarmos todas as salas), agora existe não mais de um único espectador, que vê e escuta exatamente o que a câmera e o microfone registram. (apud Virilio, 1993)

A perspectiva única da câmera é, portanto, uma redução dos diferentes ângulos e possibilidades que o torcedor teria se estivesse no estádio. Certas nuances do jogo estão inevitavelmente fora de seu alcance: a disposição tática dos atletas por todo o campo, os movimentos sem bola de jogadores que participam da jogada fora de seu enquadramento, os detalhes que um determinado ângulo de observação permite enxergar e que outro não permite etc. Sem falar nos momentos em que a câmera ou o editor de imagens se perdem e não conseguem acompanhar a jogada. Na tentativa de superar essas limitações, as estações de televisão se entregam a esforços que beiram o delírio tecnológico dos filmes de ficção científica: várias câmeras posicionadas em diversos ângulos, microfones próximos ao gramado, replays, câmeras sobre trilhos ao longo do campo, imagens computadorizadas que verificam matematicamente a velocidade da bola, congelamento da imagem no momento do lançamento para apurar se o jogador se encontra em posição de impedimento... Mas o que todo esse aparato tecnológico faz é instaurar um excesso de luz cujo efeito pode ser o de uma cegueira, uma “obscenidade” de imagens que, por vezes, mais confunde do que esclarece.
É o que acontece naqueles intermináveis debates, em que os comentaristas discutem se a decisão do juiz foi ou não correta, repetindo as imagens do lance diversas vezes e chegando a um veredicto que, para espanto do espectador, é exatamente o contrário do que as câmeras mostram.

Assim, as transmissões “ao vivo”, embora aparentem ser fidedignas e capazes de oferecer uma visão mais aguda e completa dos acontecimentos, podem também ser traiçoeiras.

Mas, a princípio, a trucagem, a distorção e a desinformação parecem estar descartadas e os juízos, opiniões e impressões dos narradores e comentaristas estão sempre sujeitos a serem checados e rejeitados pelo espectador, em função daquilo que seu olho vê.

Entretanto, se verificarmos estatisticamente que tipo de programação esportiva predomina na televisão e em quais programas os telespectadores colhem suas informações sobre o esporte, perceberemos que as transmissões “ao vivo” ocupam bem menos espaço do que a variedade de outros formatos. São os “gols da rodada”, os “compactos”, as entrevistas, as mesas redondas, os informativos esportivos e os quadros humorísticos que predominam e oferecem aos aficionados a oportunidade de vivenciar o futebol. Se mesmo nas transmissões “ao vivo” a fruição do esporte se afasta daquela experiência que Umberto Eco definiu como o “esporte ao quadrado”, nesses outros tipos de programa esse distanciamento é muito mais evidente.

Vejamos, por exemplo, o caso dos “compactos”, que reúnem os “melhores lances” de um jogo para possibilitar ao telespectador uma visão geral de seus acontecimentos mais importantes. Aqui, além de todos os artifícios tecnológicos utilizados nas transmissões “ao vivo”, somam-se nada menos do que os recursos de corte e montagem. Citando Orson Welles, Paul Virilio (1993) nos lembra de que “a montagem é o único momento em que se pode exercer um controle absoluto sobre o filme”. Em outra passagem de seu livro, o filósofo informa que durante a Segunda Guerra Mundial realizaram-se, a mando de Hitler, “filmes baseados exclusivamente em documentários jornalísticos absolutamente autênticos” destinados a “aterrorizar os espectadores estrangeiros e forçá-los a reconhecer a superioridade do exército alemão”.

Recortadas, montadas e sublinhadas pela narração, essas imagens deveriam “projetar sobre o espectador seu ritmo vibrante de um grande acontecimento histórico”.

Se considerarmos que o esporte é, assim como a guerra, um campo essencialmente agonístico, que quase sempre envolve o público em um dos lados da competição, e que os recursos utilizados na montagem dos “melhores momentos” são rigorosamente os mesmos, veremos que os procedimentos descritos por Virilio podem e efetivamente são utilizados na produção dos “compactos”. E que a função supostamente informativa desses programas pode muito bem se transmutar em trucagem, distorção e desinformação. O mesmo vale para os outros tipos de programa sobre o esporte, como os “gols da rodada”, os informativos, as entrevistas e as mesas redondas, em que a seleção e a montagem são apenas alguns dos recursos que podem estar a serviço da desinformação e da imposição de uma determinada interpretação dos fatos. E essa interpretação estará sempre inserida no contexto agonístico do esporte, em que proliferam inevitavelmente os interesses e objetivos estratégicos.

Assim, a grande transformação que a televisão produz no intrincado fenômeno do espetáculo esportivo não é trazer de volta a experiência do “esporte ao quadrado”, mas sim levar ao extremo aquele afastamento midiático já operado pelas transmissões radiofônicas, porém, com uma diferença: a televisão cria uma ilusão de realidade, pois o espectador julga estar vendo os acontecimentos com seus próprios olhos, quando, na verdade, os vê por meio do olho autoritário da câmera e do tratamento interpretativo de quem a dirige. Isso faz com que ele se torne mais passivo, menos co-participante, pois ele não sente que tem que reinterpretar a informação que recebe. O futebol, através da mediação autoritária da televisão, torna-se uma realidade cada vez mais distante, infinitamente distante, até se converter em um mundo constituído exclusivamente por imagens. Transformado em um universo de imagens pela TV, ele é a aberração do que Umberto Eco chamou de “esporte elevado à enésima potência”.

O esporte atual é essencialmente um discurso sobre a imprensa esportiva: para além de três diafragmas está o esporte praticado, que no limite poderia não existir. Se por uma diabólica maquinação do governo mexicano e do senador Brundage, aliados com as cadeias de televisão do mundo inteiro, as Olimpíadas não acontecessem, mas fossem contadas dia a dia e de hora em hora com imagens fictícias, nada mudaria no sistema esportivo internacional, nem os que falam de esporte se sentiriam logrados. (Eco, 1984, p. 223-224)

Sobre o autor:
Marcelino Rodrigues da Silvaé doutor em Literatura Comparada e professor da Faculdade de Letras da UFMG. Publicou diversos trabalhos sobre o futebol em Belo Horizonte e no Brasil, entre eles o livro Mil e uma noites de futebol: o Brasil moderno de Mário Filho (Editora UFMG, 2006). É pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Futebol, Linguagem e Artes (FULIA) e do Centro de Estudos Literários e Culturais – Acervo de Escritores Mineiros (CELC-AEM).

O estádio dos desejos

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Assim como no Brasil, o México tem um povo apaixonado pelo futebol. E um de seus grandes escritores, consagrado no país e pelo mundo, Juan Villoro, construiu uma história, classificada como literatura infanto-juvenil, mas que encanta a todos os tipos de leitores.

“O estádio dos desejos” (Editora Terceiro Nome) conta as peripécias do garoto Arturo, fanático por futebol, mas que nunca viu a seleção de seu país vencer um jogo. Para tentar reverter essa situação, Arturo recorre ao pai, um cientista, para tentar descobrir uma “fórmula mágica” para a vitória.

O livro teve a tradução de Eric Nepomuceno e ilustrações de Francisco França.

Apresentação

Juan Villoro é um dos maiores, senão o maior escritor mexicano da atualidade. Aliás, essa afirmação é fácil de confirmar: ele mede quase dois metros de altura.

Acontece que ele é também um dos maiores em todos os sentidos, e confirmar isso é igualmente fácil: basta ler o que ele escreve.

São romances, contos, ensaios, histórias infanto-juvenis e peças de teatro – e tudo que Villoro faz tem recebido a admiração e o carinho dos leitores, bem como elogios da crítica.

Alguns de seus livros, como o romance Arrecife e o infanto-juvenil O livro selvagem, já foram publicados no Brasil. Assim como eles, os romances Llamada de Amsterdam e El testigo, os contos de La noche navegable e Los culpables e o infanto-juvenil Cazadores de croquete, estão entre os mais bem-sucedidos da sua geração de autores latino-americanos.

Prestigiado e premiado, respeitado e reconhecido, agradece todas essas honras, educado que é.

Mas Villoro faz questão de ressaltar que, no fundo, no fundo, seu verdadeiro ofício é torcer apaixonadamente pelo Necaxa, um time da segunda divisão do futebol mexicano.

Muito mais que seu diploma de sociólogo, seu amplo e vasto trabalho jornalístico, sua trajetória consistente e variada, os dois grandes orgulhos de sua vida são torcer pelo Barcelona (seu pai, o grande filósofo Luis Villoro, nasceu na Catalunha e se exilou no México logo depois da Guerra Civil Espanhola), time ganhador, e pelo Necaxa, time perdedor.

Porque ele sabe que a vida é exatamente assim, feita de vitórias e derrotas. E que o importante é torcer, ou melhor, viver.

Enquanto vive e torce, Villoro escreve – para alegria de todos nós. Boa prova disso é esta  pequena joia chamada O estádio dos desejos.

Um estádio formidável
Por Juan Villoro

Arte: Chico França
No quarto de Arturo havia um globo terrestre. Antes de ir dormir, ele acariciava o globo e o fazia girar. Gostava do globo porque parecia uma bola de futebol.

Quando comia, quando tomava banho e quando dormia, Arturo imaginava gols possíveis e impossíveis. Seu pijama tinha o número 9 e as cores do Atlântida, seu time favorito.

Ficava fascinado quando ia com o pai ao estádio Atlântida, o maior e mais moderno da cidade, onde também jogava a seleção.

A arquibancada se enchia de gente enlouquecida e contente que pintava a cara e tocava tambores, cornetas e apitos num tremendo alvoroço. Cem mil gargantas gritavam quando alguém fazia um gol e cem mil narizes deixavam de respirar quando o juiz marcava um pênalti.

O estádio do Atlântida tinha uma cobertura prateada onde quatro falcões faziam ninho. Os ferozes falcões eram chamados de Pelé, Maradona, Di Stéfano e Pancho. Os três primeiros falcões tinham nomes de jogadores históricos; o quarto tinha o nome de um centroavante de que todo mundo gostava muito, mas que nunca tinha ganhado um campeonato.

Pancho era o camisa 9 do Atlântida e da seleção. No pátio do colégio, Arturo tentava imitar sua célebre jogada do cavalinho adormecido, ou seja, ficar quieto feito um cavalo que dorme de pé e arrematar a jogada com um chute de calcanhar, com a força de um corcel que dá um coice.
Pancho tinha dribles incríveis. Tinha passado a bola no meio das pernas do alemão Peter Kaspa, conhecido como Mel de Arsênico, tinha feito Ivo Tundaz, zagueiro húngaro conhecido como Gulash, o Terrível, dançar uma valsa, e tinha metido um gol de peixinho em Tito Granola, o goleiro argentino de formosa cabeleira que todo mundo chamava de Cabelinho de Anjo

Arte: Chico França
Infelizmente, a seleção precisava de mais do que isso para ganhar.

O querido Pancho era quem dava mais autógrafos e em todos fazia o desenho de um cavalinho com os olhos fechados. Era desconhecido no mundo, mas adorado no estádio Atlântida. E isso explicava o fato de um dos falcões levar seu nome.

O trabalho dos falcões, aves de rapina, consistia em afastar os intrusos. O estádio do Atlântida tinha grama de qualidade e sementes saborosas. Por isso, os pássaros gostavam de bicar o gramado, e volta e meia cruzavam o campo justo quando a bola zunia rumo ao gol. Para evitar esses choques, nos dias de jogo os falcões ficavam à espreita, lá em cima, assustando os pássaros gulosos e famintos.

Era fácil identificar os falcões: Pelé era negro; Maradona, gordo; Di Stéfano, careca; e Pancho, brincalhão (era o único que sabia voar de ponta-cabeça).

Arturo sonhava ser um grande centroavante. Era bom cabeceando, chutava bem com a perna direita e estava aprimorando seu toque com a canhota. Essas habilidades tinham feito dele o artilheiro da escola. Mesmo assim, seu pai dizia:

– Futebol, a gente joga com a mente.

O pai de Arturo era o doutor Jerónimo Gómez, um cientista especializado em magnetismo. Tinha fabricado uns ímãs famosos e, além disso, era conselheiro da seleção.

Antes das partidas, ele descia para o vestiário e dizia aos jogadores:

– Rapaziada gloriosa, o futebol é um esporte magnético: a bola chega para quem mais a deseja!

Os jogadores ficavam observando com olhos arregalados. Depois coçavam a cabeleira e esfregavam as tatuagens, sem entender direito o que aquele sábio dizia.

Nem sempre era fácil captar as ideias do doutor Gómez.  O filho Arturo tinha conseguido entender o seguinte: a Terra tem uns ímãs que atraem os metais, mas o magnetismo mais forte está no interior das pessoas.

– Se você se concentrar de verdade, as coisas vão chegar até você – dizia o pai de Arturo. – Como é que você acha que eu conquistei sua mãe?

Arturo gostava de uma menina chamada Sofia. Quando ela atravessava o pátio do colégio, podia sentir sua presença, mesmo se estivesse de costas ou concentrado numa jogada para garantir o domínio da bola.

– Existem pessoas cuja presença a gente percebe sem precisar olhar para elas – comentava o doutor Gómez.

Emocionado com suas próprias teorias, passava as mãos pela cabeleira e se despenteava ao afirmar:

– No Japão, os melhores arqueiros disparam suas flechas com os olhos fechados. O alvo é uma coisa que a gente sente. A pontaria está dentro da gente. Se você quiser alguma coisa, querendo com força você consegue. O magnetismo é a ciência da atração.

Será que era verdade o que o doutor Jerónimo Gómez dizia?

De noite, Arturo sonhava que estava em campo. Lá no fundo, via a bola. “Eu quero muito você”, pensava, e a bola rolava até seus pés, como um cachorro que volta para o seu dono.

Sobre o autor:
Juan Villoronasceu em 1956 na Cidade do México e é um dos intelectuais latino-americanos mais ativos da atualidade. Sociólogo, jornalista, tradutor e professor universitário, já recebeu diversos prêmios por seu trabalho. Tem mais de trinta livros publicados em diversos gêneros, como romance, ensaio e teatro e escreve para revistas como Letras Libres e Etiqueta Negra, além dos jornais El País e Reforma. Assim como Arturo, o protagonista de O estádio dos desejos, Villoro é apaixonado por futebol. Torce pelo Barcelona (seu pai, o filósofo Luis Villoro, nasceu na Catalunha e se exilou no México depois da Guerra Civil Espanhola) e pelo Necaxa, time da segunda divisão do campeonato mexicano.




Causos do Doutor Osmar

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Não faz nem um ano que ele partiu (julho 2014), mas a saudade é imensa. Dr. Osmar de Oliveira, além de médico respeitadíssimo, dentro e fora dos gramados ou quadras esportivas, criou uma carreira de sucesso no jornalismo esportivo, como narrador e comentarista. Durante décadas, convivendo com estrelas e anônimos do esporte brasileiro, Dr. Osmar acumulou milhares de histórias e estórias sensacionais.

Em 2008, a Companhia Editora Nacional lançou um livro “despretensioso”, pequeno em tamanho, mas sensacional no resultado: “Causos do Doutor Osmar”.

Um livro de pequenas histórias, “causos”, a maioria contada com bom humor, sarcasmo, ironia, no tom certo de todo bom contador de histórias, como era o Dr. Osmar.

Literatura na Arquibancada resgata abaixo algumas dessas “pérolas”.

A morte do cartola

Botafoguense fanático, Rivadávia Correa Meyer foi presidente da CBD (atual CBF) entre 1943 e 1955. Imparcial e empreendedor, foi um cartola respeitável.

Mesmo após desligar-se de cargos diretivos, não abandonou o vício pelo futebol e, numa final de campeonato carioca, década de 1970, lá estava ele nas tribunas do Maracanã acompanhado pelo filho e alguns amigos. Antes do jogo, um minuto de silêncio. Não se sabe quem deu a informação ao locutor do estádio, que com voz pausada e melancólica anunciou:

– A Adeg (Administração dos Estádios da Guanabara, hoje Suderj) lamenta informar o falecimento neste domingo do saudoso dirigente Rivadávia Correa Meyer.

O cartola tomou um susto e esbravejou. Um de seus acompanhantes, homem despachado, saiu correndo em direção à cabine de som. Chegou esbaforido e raivoso, chamou o locutor de louco e foi dizendo que Rivadávia estava vivo e assistindo à partida. “Você vai ser despedido do serviço público, mas antes disso corrija seu erro, seu irresponsável.” Pálido e estupefato, vendo a porta aberta, o infeliz locutor saiu correndo e sumiu pelas rampas mais próximas.

Um funcionário que levava cafés e refrigerantes a todas as cabines de rádio assistiu a tudo. Solícito e com ar de conteúdo, disse que havia sido locutor no Nordeste e prontificou-se a assumir o microfone da cabine de som, afirmando ao amigo do cartola: “Fique tranquilo que eu desminto essa notícia”. O amigo de Rivadávia sentiu confiança, voltou à sua cadeira e sossegou o ex-dirigente, pedindo que ele aguardasse um pouco que o mal entendido seria consertado.

Minutos depois, lá vem o locutor substituto:

– A Adeg informa: o sr. Rivadávia Correa Meyer, ao contrário do que se informou, não morreu MAIS.

Kafunga era fanático

Olavo Leite Bastos, o Kafunga, foi goleiro do Clube Atlético Mineiro durante vinte anos, jogou 714 partidas e foi campeão mineiro onze vezes. É até hoje uma das maiores glórias do Galo. Encerrada a carreira, tornou-se comentarista esportivo e seu programa Papo de Bola era líder de audiência. Ingressou na política e elegeu-se vereador.

Quando comentava jogos do Atlético, procurava a imparcialidade, contrariando o fanatismo pelo clube do coração. Não aguentava ver jogadores sem garra ou de pouca categoria vestindo aquela camisa que ele tanto adorava. Atribui-se a ele a expressão “cabeça de bagre”, que é falada até hoje em todo País.

Veio um jogo decisivo contra o Cruzeiro e lá estava ele comentando pelo rádio, suando frio e roendo unhas. Para o Atlético, bastava o empate e o 0 a 0 estava sendo conseguido a duras penas. Quase no final da partida, Atlético na retranca e uma bola é cruzada para a área.
Cabeçada, o beque desvia. Um arremate, bate na zaga, outro chute, goleiro caído, novo desvio. O locutor já quase sem fôlego pela emoção do lance.

O nervosismo do comentarista fez com que deixasse seu microfone aberto e, em meio à narração, escutou-se claramente a voz de Kafunga:

– Ih, embocetou tudo na área do Atlético!

Ele nem percebeu o que acabara de dizer e, após o lance, o locutor lhe deu um cutucão e fez uma pausada e compreensível linguagem labial: “E-m-b-u-c-e-t-o-u?”

Kafunga se deu conta do que falara e, um pouco mais calmo, emendou de viva voz:

– Mas embucetou no bom sentido!

Ponta-direita burro

João Avelino foi um técnico prático e vencedor. Sabia como ninguém fazer a cabeça de seus jogadores. Quando chegou ao São Bento de Sorocaba em 1969, logo percebeu que seus goleiros eram muito baixos. Chamou o homem que cuidava do campo, mandou serrar cinco centímetros de cada trave para o travessão ficar mais baixo.

Resolvido esse problema, passou a orientar os cruzamentos de seu ponta-direita Carlinhos, que era veloz, mas não calculava direito as distâncias. 

Ele mesmo lançava o ponta, pedia que corresse com a bola uns vinte metros e, em seguida, cruzasse para a área porque os outros atacantes estavam chegando. Mas nada dava certo. 

Carlinhos calculava mal aquela distância e cruzava antes ou chegava a sair com a bola pela linha de fundo.

Certo dia, depois de muita insistência e com a bronca do centroavante, João Avelino teve a grande ideia. 

Percebeu que em todas as laterais do campo havia placas comerciais da cidade. Então, foi até o ponta, pediu para ele se virar para as placas e disse:

– Meu filho, você pega a bola na Papelaria do Rosário, sai correndo e, quando chegar na
Pastelaria do China, você cruza, certo?

Depois de alguns ensaios, cabeça olhando para a bola e de vez em quando para as placas, Carlinhos passou a acertar todos os cruzamentos.


Saldanha me salvou

Trabalhei com João Saldanha na Copa de 90 na Itália. Foi um dos maiores jornalistas esportivos de todos os tempos. Um gênio, sem exageros. Vítima de uma grave doença pulmonar, morreu em Roma, dez dias após a Copa. Como médico, cuidei dele durante todo o torneio. Mesmo doente, comentou todos os jogos para os quais estava escalado.

Estávamos na extinta TV Manchete, que não era um primor de organização. Em 14 de junho, chegamos ao estúdio em Roma uma hora antes do jogo Romênia x Camarões, que seria jogado no Estádio Della Vittória, em Bari. Da porta principal do Centro de Imprensa até nossos estúdios, empurrei a cadeira de rodas do João por uns trezentos metros, e vários jornalistas mais antigos de inúmeros países cumprimentaram Saldanha naquele trajeto. Vivi esses momentos em vários jogos, misturando dor pelo sofrimento do amigo e orgulho pelo respeito com que o tratavam.

A cabine de transmissão era muito pequena, mal cabiam duas pessoas. A cadeira de rodas não passava pela porta e João ficou ali mesmo, calmo e responsável. Sentei e comecei a fazer anotações sobre a partida e os jogadores. Iríamos entrar no ar quando as equipes entrassem em campo. Sem qualquer motivo, meia hora antes do jogo, a vinheta anunciou o início da transmissão e nossa TV mostrava uma imagem parada do estádio, destacando uma arquibancada com a cobertura sustentada por pilares e vigas de ferro.

Fui falando até onde pude. Destaquei Popescu, Raducioiu, Hagi, N’Kono, Oman Biyk e Milla. João Saldanha, sentindo minha dificuldade, bateu generosamente em meu ombro e pediu a palavra. Por uns dez minutos, deu uma aula sobre a construção daquele estádio, lembrou que aqueles ferros eram trilhos da antiga estrada de ferro de Bari, falou dos italianos que ergueram as arquibancadas e da veneração que tinham por Mussolini etc. etc.

Eu estava pasmo pelo conhecimento dele e agradecido pela ajuda do grande amigo. Pelo fone, recebo a ordem de chamar um comercial. Aliviado, com ternura, disse ao João:

– Obrigado, amigo.

E ele, com um sorriso que lhe era difícil pela febre e pelas dores:

– Não precisa agradecer, eu inventei tudo isso!

Mordillo - Futebol & Cartuns

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Um craque dos cartuns. Assim pode ser definido o argentino Guilhermo Mordillo. Seu traço inconfundível já era conhecido no mundo inteiro, mas o futebol era apenas um de seus temas. Agora, pela primeira vez na história, a Editora Panda Books reuniu 115 obras de Mordillo em um livro imperdível: “Mordillo – Futebol & Cartuns”.

Apresentação (da Editora)

​Quando pequeno, em seu bairro Villa Pueyrredón, em Buenos Aires, o ilustrador e cartunista Guillermo Mordillo costumava jogar bola na rua com seus amigos. Torcedor do Ferro Carril, ele amava o futebol. Mas, na mesma época, também tinha como ídolo Walt Disney e caminhava sempre com uma maleta repleta de desenhos e sonhos. Assim, ao longo de sua extensa carreira, ele criou obras que misturavam suas duas grandes paixões. E agora, pela primeira vez na história, o livro da Panda Books, Mordillo – Futebol & Cartuns, reúne seus desenhos sobre futebol em um único volume. 

Ao todo, 115 obras relacionadas ao esporte bretão apresentam a visão humorística do artista, que debate de forma singela e despretensiosa temas como a urbanização das grandes metrópoles e a resistência dos campinhos mundo afora, além de retratar cenas inusitadas dos jogos de futebol, proporcionando boas risadas. 

Reconhecidos pelo seu colorido característico e pela ausência de textos, os cartuns de Mordillo conquistaram reconhecimento internacional em vários países, como Itália, Portugal, Alemanha, França, China, Bélgica, Espanha, entre outros. 

No Brasil, seus trabalhos foram publicados em diversas revistas e foram animados para serem exibidos em programas da TV Globo.

Futebol e humor: essa é a essência tratada em Mordillo – Futebol & Cartuns. 

Para os amantes da bola e da arte, um belo presente do artista argentino.



Prefácio
Por Alberto Villas

Tinha eu pouco mais de 18 anos quando bati os olhos pela primeira vez num desenho de Mordillo. Desde pequenininho era um viciado no humor dos cartunistas. Comecei gostando de Péricles e Carlos Estevão com o Amigo da Onça, depois me apaixonei pelo traço fino do Borjalo, nas páginas da Cigarra, e do Appe, nas páginas da O Cruzeiro.

Adolescente, a curtição era o traço rápido de um Henfil, de um Ziraldo, de um Nani, de um Jaguar no irreverente Pasquim. Na minha Belo Horizonte, a coqueluche era o Oldack Esteves, que todos os dias publicava uma charge no jornal Estado de Minas. Tudo em preto e branco, papel jornal, sempre em preto e branco.

Cor era com o anarquista Millôr em seu Pif Paf, com o Claudius e o sofisticado Juarez Machado na Manchete. Quando bati os olhos no desenho de Mordillo fiquei deveras impressionado. Foi na última página da Ele Ela, uma revista para ler a dois que os Bloch começaram a editar no final dos anos 1960. Meio picante, não era lá nenhuma Playboy, mas tinha um tempero erótico que não permitia que ficasse exposta à visitação pública num salão de barbeiro qualquer da vida.

Confesso que chegava a esfregar o dedo indicador na última página da Ele Ela para tentar decifrar, tentar entender que técnica era aquela usada pelo argentino, filho de imigrantes espanhóis, que acabara de conhecer.

Ecoline? Lápis de cor? Aquarela? Guache? Pastel? Como é que ele conseguia fazer um traço tão perfeito, tão redondo e impecavelmente colorido?

Computador não havia para ninguém, era ali na prancheta e à mão que ele derramava seu talento e o seu humor elegante, silencioso, sutil, sem uma palavra sequer.

Desde pequenininho, na Buenos Aires onde nasceu, Guillermo Mordillo gostava de desenhar. Era desenhar e jogar futebol, duas paixões. Quando tornou-se maior de idade já estava ele ilustrando livros infantis e fazendo desenhos animados para a televisão e até para o cinema. Inquieto, foi morar um tempo no Peru e logo depois partiu para os Estados Unidos. Onde chegava tinha trabalho porque o talento sempre falava mais alto. De Nova York pulou para Paris, onde fez a festa. Publicou livros, fez dezenas de cartões-postais, calendários, pôsteres, enfim, espalhou sua obra pelos quatro cantos do mundo.

Mas não parou por aí. Mudou-se para Palma de Maiorca, na Espanha, e de lá continuou disparando seus desenhos para o mundo inteiro. Foi eleito presidente da International Association of Comics and Cartoons e, se tivesse um Oscar do cartum e do humor, a essa altura certamente seria um forte candidato.

Seu traço inconfundível transformava qualquer bicho, qualquer monstrengo, num bichinho fofo. Fosse um elefante, fosse uma girafa, fosse uma vaca, um jacaré. Ou fosse até mesmo um baixinho narigudo. Os humanos, geralmente em preto e branco, estavam sempre em situações que desaguavam no humor. Não aquele humor de gargalhada, do riso fácil, mas o humor que faz pensar. Quem bate o olho num Mordillo sempre para, pensa e deduz: “Que sacada!”.

Mordillo é literalmente um mestre. Virou professor honorário de humor em 1997 e, em 2002, tornou-se catedrático de humor na Universidade de Alcalá de Henares, na Espanha.

Aqui, neste belíssimo livro ele entra em campo de corpo e alma. Está à vontade correndo pra lá e pra cá, jogando em todas as posições. Com Mordillo não tem zero a zero, nenhum temor — nem mesmo na hora do pênalti. Mordillo só dá bola dentro.







Sobre o autor:
O argentino Guillermo Mordilloé um cartunista e ilustrador muito reconhecido ao redor do mundo. Ao longo de sua carreira, morou em diversos países, como Peru, Estados Unidos, França e Espanha. Ilustrou livros de contos de fadas para crianças, encabeçou campanhas publicitárias, criou desenhos animados, concebeu cartões e esboçou imagens humorísticas. Conquistou também diversos prêmios e títulos, entre eles o de professor honorário de humor e de catedrático honorário de humor pela Universidade de Alcalá de Henares, na Espanha.


Contos Brasileiros de Futebol

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Um gênero na literatura esportiva que deveria ter maior visibilidade e criadores. Se escrever Contos sobre futebol já é coisa rara, o que pensar de livros que reúnam autores? Em 2008, o escritor e poeta Cyro de Mattos fez isso e assim surgiu “Contos Brasileiros de Futebol” (Editora LGE). Uma seleção de craques da literatura como Aércio Consolin, Aldyr Schlee, Antonio Barreto, Caior Porfírio Carneiro, Deonísio da Silva, Dias da Costa, Duílio Gomes, Edilberto Coutinho, Edson Gabriel Garcia, Hélio Pólvora, José Cruz Medeiros, Lourenço Cazarré, Luís Henrique, Moacir Japiassu, Renard Perez, Salim Miguel, Sérgio Sant’Anna, Suzana Monteiro e também o organizador, Cyro de Mattos.

Literatura na Arquibancada apresenta abaixo, o texto de apresentação do organizador, Cyro de Mattos e um dos contos, do craque Moacir Japiassu, “A Bola e a Rede”.

Futebol e Literatura
Por Cyro de Mattos

Febre. Religião. A maior paixão popular. Que bonito a torcida no estádio superlotado. As bandeiras desfraldadas. Apoteose de não sei quantas gargantas que explodem no ar um só grito de gol. Delira a torcida, vendo a rede balançar. Quando a bola bate no montinho artilheiro e engana o goleiro: Óóóóóóóó! Que fatalidade, observa o torcedor: “Nada melhor que um gol aos 45 minutos do segundo tempo”. Ele sabe que nada é mais prazeroso do que a conquista do campeonato no último minuto. No torcedor derrotado um soco na barriga e como dói quando a partida é uma final de campeonato. É como um nocaute que derruba milhares no abismo.

Rostos cabisbaixos. Bandeira enrolada, queimada.

No gol de impedimento milhares xingam o homem do apito vestido de preto e, de quebra, a mãe dele deixa de ser santa. Vociferam, ameaçam Deus e o mundo. Nada mais terrível na alma do que a dor de não ser campeão. Como consolo o torcedor repete: “Estava escrito nas estrelas. Os deuses tinham escrito há milênios”. De um lado o sol tão claro, a bola esplende no peito do torcedor como um milagre, do outro é flor machucada pendendo amargura e solidão.

Obra-prima dos pés. O gol é oferta generosa dada ao torcedor, o craque festeja o feito como algo indescritível. Pode acontecer em frações de segundo. Mostra Salim Miguel na história ultraleve e ultrarrápida de “O Gol”. O contista anota: “Pela potência do chute certeiro, ficou sendo conhecido (expressão do locutor e logo incorporada) como coice de mula– pouco importando, que a rede estivesse podre”. O torcedor ama as cores desse momento maior da partida, chora e ri. Às vezes é certeza de guerra vencida, noutras acontece por causa de um lance bobo do zagueiro. A bola ia sair pela linha de fundo, ele foi cortar com a mão. Agora não tem mais jeito. É sair pra outra. Bola no pênalti só milagre pra não ser gol.

Somos a pátria das chuteiras, os melhores do planeta, por cinco vezes fomos campeões mundiais de futebol. Todas as conquistas foram em gramados estrangeiros, bom não esquecer. Uma onda movimenta-se incontrolada, de canto a canto, desse Brasil tropicalista. A marchinha bate nos tímpanos, dizendo que “o brasileiro é bom no samba, é bom de bola”. A paixão pelo futebol fascina o brasileiro desde pequeno, no campo improvisado de algum terreno baldio, na várzea ou até no meio da rua. Não importa, se não tiver bola de couro, vale de borracha mesmo ou até de meia. No vaivém do jogo, não faltam os empurrões, os bate-bocas e os xingamentos, para não falar em expulsões. Quando a partida ou pelada é no colégio, o juiz pode ser a professora, revela a narrativa primorosa de Deonísio da Silva, em “1958”.

O futebol rendeu crônicas admiráveis a autores como Nelson Rodrigues, Armando Nogueira, Rui Osterman e Roberto Drummond. Em José Lins do Rego, tem papel saliente no romance “Água-Mãe”. O ficcionista Ewelson Soares Pinto, em “Crônica do Valente Parintins”, e Renato Pompeu, em “A Saída do Primeiro Tempo”, entraram no tapete verde do campo das letras e trataram do assunto. Carlos Drummond de Andrade dedicou versos a Pelé, em: “o sempre rei republicano/ o povo feito atleta na poesia / do jogo mágico”, e à nossa conquista na Copa do Mundo de 70. João Cabral de Melo Neto fez o elogio do goleador Ademir Menezes, teceu o perfil macio de Ademir da Guia e informou sobre o “desábito” de ser campeão do América do Rio. Vinicius de Moraes com uma obra-prima de soneto traz para o campo das letras o nosso genial Mané Garrincha, a alegria do povo, com suas pernas tortas dava dribles desconcertantes.

Craques do conto brasileiro falam de dramas e paixões que o futebol proporciona, ora mostrando a vida com seus ventos contrários, ora imitando a própria arte no que tem de emoção e sonho. Com o estádio cheio ou na pelada, na jogada suja do cartola ou com os moleques de rua, nos lances cujos minutos fazem as horas do mundo, que assoberbam o brasileiro quando se trata da nossa primeira conquista de um campeonato mundial de futebol. Falam sobre a disputa na vida e no campo, revelam o futebol embaralhando-se num jogo encoberto de amor e vingança. Conseguem dar um show de bola quando afinam na escrita autêntica a vida no que tem o brasileiro como uma de suas faces mais alegre, sofrida. Transformam em obra de arte, no caso à literária, as jogadas mais sensacionais da vida, apuradas num toque sutil da palavra que rola na bola, como naqueles vinte minutos finais mais lentos da história do futebol brasileiro quando conquistamos a primeira Copa do Mundo em gramados da Suécia – é o que conta Renard Perez na história tensa com final feliz de “Copa do Mundo”.

Exatamente como faz o torcedor quando está na arquibancada ou geral, vendo o jogo atento, torcendo, vibrando, o leitor tem a oportunidade de acompanhar, lance por lance, o mundo apaixonante do futebol por meio de jogadas talentosas feitas por craques do nosso conto. É só colar os olhos em histórias como “A Sombra”, de Caio Porfírio, “O Massagista”, de Duílio Gomes, “O Gol de Gighia”, de Hélio Pólvora, “Campeonato de Futebol”, de Luís Henrique, “No Último Minuto”, de Sérgio Sant’Anna, “Meia Encarnada Dura de Sangue”, de Lourenço Cazarré, e “Uma Vez Flamengo...”, de Dias da Costa, para no final sair vitorioso.

Em “Contos de Futebol”, de Aldyr Garcia Schlee, e “Maracanã Adeus”, de Edilberto Coutinho, encontrará os momentos maiores da ficção sobre o futebol que já se escreveu entre nós. O tema é recriado de forma pungente nesses dois contistas de importante presença em nossas letras. Os dois escritores transfiguram o futebol no literário com força surpreendente. Encanto, feitiço e misérias estão presentes em histórias narradas com tensão e poesia. As horas desse esporte que alcança dimensões míticas num país de campeões encontram nos dois ficcionistas a alma sensitiva dos que se entregam por inteiro no que pretendem contar. Essas horas com personagens lendárias ou obscuras, vastas multidões ou pequena plateia no espetáculo organizado, centradas no cotidiano que experimenta o sortilégio de na vida pensar e amar pelos pés.

A Bola e a Rede
Por Moacir Japiassu

Moacir Japiassu
Quando o bando do cangaceiro Zé do Pipiu entrou em Rio Branco, na manhã de 17 de abril de 1934, o único homem que não borrou as calças foi o coronel Lenildo Pessoa; pelo contrário o fazendeiro comia um prato de cuscuz com leite na pensão de dona Reka, prostituta aposentada, e recebeu a notícia da invasão por um esbaforido portador. “Seu coroné, o capitão Zé do Pipiu tá na porta do cinema e manda chama o sinhô”. Comunicou o pipoqueiro Catôta.

Dona Reka saiu correndo para proteger algumas de suas meninas, o alarido foi grande, mas Lenildo não afastou o prato. “Diga pro capitão Zé do Pipiu que a distância daqui pro cinema é a mesma pra cá; se ele quer me ver, que venha aqui”, respondeu o coronel ao semi-desfalecido Catôta. Pois Zé do Pipiu, que tinha a feia intenção de saquear a cidade, fez hora na porta do cinema, espancou uns dois ou três meninos e depois abandonou o projeto; enfiou-se de novo na caatinga, acompanhado de seu bando imundo. O povo de Rio Branco elegeu o coronel Lenildo Pessoa o homem mais macho do sertão e lhe devotou veneração pelos anos afora.

Oswaldo Baliza
Nos anos 40 e 50 a fama da macheza se espalhou pelo Nordeste e o nome de Lenildo, apesar de meio afrescalhado, foi dado a muito menino de boa família; teve até padre chamado assim. Certa vez, em meados da década de 50, Rio Branco promoveu festança de muitos dias, pelo aniversário da cidade. Barraquinhas, quermesse, filme novo no Cine Bandeirante. O prefeito, eleito não-sei-quantas-vezes, era justamente o coronel Lenildo, que recebeu com simpatia a ideia de se trazer o Sport Club Recife para um jogo com o Democrático. O Sport era campeão pernambucano e nele jogava o goleiro Oswaldo Baliza, celebre no país inteiro, embora já em fim de carreira.

“Tá bom, a gente traz o time”, concordou o coronel, “mas o Democrático não pode perder. Festa com derrota é coisa que não combina...”. O Sport, clube calejado naquele interiorzão, exigiu cota antecipadamente paga e juiz neutro – acabou atendido. O coronel foi pessoalmente receber o árbitro do jogo na estação. Era um rapaz moço, de Caruaru. O coronel cumprimentou-o, sentou-se a seu lado no carro da prefeitura e perguntou: “O considerado tem família?”. O juiz da partida respondeu: “Tenho mulher e dois filhos pequenos, coronel; Alceu tá com três anos e Ma...”.

O homem nem completou a frase. O coronel Lenildo foi direto ao assunto: “Pois olhe: se o Democrático perder esse jogo é bem possível que o senhor não veja mais esses meninos...Não é por mim, é que o povo de Rio Branco vai invadir o campo e nem eu vou poder evitar o linchamento”. O juiz empalideceu. “Coronel, o Democrático vai ganhar e nem precisa de mim; é um time de cabra macho...”, anteviu Sua Senhoria...

Oswaldo Baliza
Domingo, campo cheio, nem bem o juiz apitou o início da partida e teve que anular dois gols do Sport. O jogo chegou ao final do primeiro tempo num penso zero a zero arrancado no apito e o juiz chegou à “Tribuna de Honra” num desespero de dar pena: “Coronel, o empate serve?”, perguntou o infeliz. Lenildo foi cruel: “É Democrático um a zero ou nada...”.

No segundo tempo, com mais seis gols anulados e quatro jogadores expulsos, o Sport continuava dominando a partida. No finzinho do jogo, quando o coronel Lenildo já alisava o cabo de madrepérola de seu revólver, o juiz ganhou coragem e apitou pênalti a favor do Democrático. Plantado no gol, enorme e sorridente, estava Oswaldo Baliza. O centroavante Bininho distância, meteu o bico na bola e Oswaldo nem precisou se mexer, pegou fácil. “O senhor se boliu muito!” – gritou Sua Senhoria, e mandou cobrar de novo. Bininho tomou descomunal distância, arrancou lá do meio do campo e meteu o pé na bola com fúria. O foguete passou raspando o travessão – foi estourar na porta da casa de dona Reka, mas o juiz correu para o meio do campo. “Foi gol! Furou a rede!” gritou ele. Aí o coronel levantou-se e ordenou que a torcida aplaudisse. Democrático um a zero.

Sobre o organizador do livro:
Cyro de Mattosnasceu em Itabuna, Sul da Bahia, escritor, poeta e advogado aposentado. Com “Os recuados”, contos, conquistou os Prêmios Jorge Amado do Centenário de Ilhéus, Leda Carvalho da Academia Pernambucana de Letras e Jabuti da Câmara Brasileira do Livro (Menção Honrosa). Seu livro “Canto a Nossa Senhora das Matas” foi traduzido por Curt Meyer Clason para o alemão. Participou como convidado do Terceiro Encontro Internacional de Poetas, da Universidade de Coimbra, Portugal. Pertence à Academia de Letras da Bahia.

Uma bola no pé e uma ideia na cabeça

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A reflexão inspirada em livros com temáticas mais “complexas” para o leitor “comum” são sempre bem-vindos. Antropologia, filosofia, psicologia, ciência e tecnologia e sociedade inspiraram 16 autores a refletir sobre o futebol. O livro “Uma bola no pé e uma ideia na cabeça: o que o futebol nos faz pensar” (Editora UFRJ e Faperj) está aí, para nos fazer pensar e entender sobre o esporte número 1 do país.
Abaixo, textos de contracapa, orelhas e trecho do artigo escrito por Bernardo Oliveira.

Texto contracapa

Multidões se aglutinam em torno do futebol, essa paixão que faz corpos se agitarem em praias, parques, campos de terra, gramados, ruas, playgrounds, etc. A bola, as torcidas, os times, os árbitros, as relações de poder, as competições organizadas e as experiências da juventude, tudo serve como objeto de pensamento.

O que dizer dos afetos que ligam as torcidas? Das estratégias dos times em campo e suas atuações? Das atividades dos árbitros? Das relações de poder que se estabelecem nas federações e nos campeonatos nacionais? Essas são algumas das questões que instigam os dezesseis autores reunidos nesta obra, que dialogam com as mais diversas áreas: antropologia, psicologia, filosofia e estudos de ciência e tecnologia e sociedade.

Texto orelhas

O fenômeno do futebol vem cres­cendo e atraindo a atenção nas pesqui­sas acadêmicas. Temas como futebol e nacionalismo, violência no futebol e hooliganismo, futebol como um ins­trumento da política, futebol e proces­sos identitários e futebol, megaeventos esportivos e planejamento urbano são somente alguns exemplos de pesquisas e publicações recentes. Como escapar, no entanto, à armadilha de que o conhe­cimento acadêmico faça do futebol uma espécie de simples marionete, falando por meio de suas principais teses ou teo­rias? Como fazer que o futebol abra um amplo campo de pensamento, im­pondo novas questões, novos temas, novos conceitos (e mesmo contracon­ceitos)? São essas as questões que mo­vem o time de autores aqui reunidos.

Contando com o trabalho de pes­quisadores e pensadores brasileiros e estrangeiros, o livro Uma bola no pé e uma ideia na cabeça: o que o futebol nos faz pensar busca, de uma forma pioneira, mudar o estilo de jogo, pela recusa da tomada do futebol como objeto dócil e por um modo de pensar não sobre ele, mas com ele, fazendo do esporte bretão um campo privile­giado para analisar alguns elementos estruturantes da sociedade.

Esse "pensar com" suscita várias tro­cas de passes com pensadores como Sócrates, Hobbes, Spinoza, Nietzsche, Deleuze, Gramsci, Lyotard, Latour e Baurnan, entre outros. Porém, este li­vro se pretende filosófico menos pelo trabalho desses célebres autores do que pelo risco de refletir sobre aquilo que o futebol nos traz como questões: ser torcedor, seus afetos, o jogo, seu es­tilo, seu acontecimento c os modos de arbitragem. É isso que os autores de­sejam fazer em escritos com distintas filiações filosóficas, nacionalidades, uni­versidades, áreas do saber e - talvez o mais importante - diferentes filiações clubísticas. Convidamos você, caro lei­tor, para uma tabelinha pensante pe­las linhas tortuosas do futebol. Que o jogo possa ser franco, aberto, sem re­tranca ou linha-burra, e que nele todos só tenham a ganhar.

Sobre os organizadores:


Arthur A. L. Ferreiraé professor da UFRJ, doutor em Psicologia Clínica pela rucsr membro dos Programas de P?S­-graduaçáo em Psicologia e em História das Ciências e das Técn icas e Epistemo­logia da UFRJ e pesquisador do CNPq.

André Martinsé professor da UFRJ, doutor em filosofia pela Un iversité de Nicc e membro do Programa de Pós-gra­duação em Filosofia da UFRJ.

Robert Segal é licenciado em Filoso­fia, mestre em Educação pela Uni Rio e doutorando em Educação pela UFRJ.

Futebol, Acontecimento
Por Bernardo C. Oliveira

O mistério que resguarda a influência do futebol sobre a vida de uma grande parte da população mundial não corresponde a uma miríade insondável, tal como imaginam muitos de seus admiradores e detra­tores. Basta recorrer às inúmeras investigações que buscam detectar as razões sociais, culturais, políticas e, sobretudo, econômicas pelas quais se constituíram o mito e a miséria futebolística. Poderemos perceber que se, por um lado, se sedimentou um imaginário deveras mítico, cuja previsibilidade o inscreve nos aspectos indeléveis da expressão humana, por outro, associa-se frequentemente sua existência às maracutaias e à ganância, em suma, ao pior da política. Aqui também parece valer a máxima pós-capitalista: a economia, estúpido!”

Dos estudos mais intrigantes a respeito do aspecto, por assim dizer, menos nobre do futebol, o precursor Jogo sujo: o mundo secreto da Fifa, compra de votos e escândalo de ingressos, assinado pelo repórter investigativo inglês Andrew Jennings (2011), é o resultado de uma pesquisa de sete anos na intimidade dos homens que controlam o nebuloso mundo do futebol. O livro mapeia e traça a degeneração da Fifa a reboque da ascensão de um brasileiro, a quem se atribui todo o projeto de unificação e dominação do futebol em escala mundial: o ex-esportista brasileiro Jean-Marie Faustin Goedefroid de Havelange. É intrigante, porque, apesar de o livro conter provas cabais sobre todas as barbaridades que denuncia, seus artífices se mantiveram no poder à revelia de processos e liminares, pois não houve retaliação institucional nem medidas oficiais que coibissem tais práticas. A situação fica ainda mais complicada quando se sabe que tais denúncias foram reforçadas pelo livro de David Yallop, Como eles roubaram o jogo, malgrado a tentativa, que permeia todo o livro, de atribuir aos latino-americanos a responsabilidade pela corrupção no futebol. Dito e escrito por um inglês, parece piada...

Apostemos em outra perspectiva: não nos ocorreu adotar a natação ou a bocha, e mesmo o vôlei brasileiro, a despeito de sua trajetória vitoriosa, para substituir o esporte bretão. Não nos ocorreu adorar outro esporte, nem a nós nem a tantos outros povos do mundo. A especificidade do sentimento futebolístico, inseparável da relação que o indivíduo mantém com seu time do coração, me leva a deixar de lado o tema do desencanto pela política e abraçar a proposta deste livro: o que se pode problematizar a respeito de uma possível relação entre a filosofia e o futebol que se afirme, ao mesmo tempo, com certa liber­dade em relação aos terríveis aspectos políticos e históricos, mas que explique, ainda que paradoxalmente, o maravilhamento produzido por esse esporte, responsável pela atenção de mais da metade da população mundial? Eventualmente, em favor do futebol, essa manobra prejudi­cará alguns temas filosóficos laterais – por exemplo, a teoria dos afetos em Spinoza. Peço ao leitor que releve. Em relação ao futebol, somos convocados a atender a uma superficialidade atenta à pele das coisas.

Ora, ao abordarmos um fenômeno labiríntico como o futebol, sob a perspectiva crítica da filosofia, convém antes precisar o ponto de vista sob o qual conduziremos a argumentação. De antemão, devo justificar a ausência do jogo propriamente – tanto no que diz respeito às regras e ao desenvolvimento das concepções táticas quanto nos aspectos "guerreiros"–, pautada por batalhas campais, partidas inesquecíveis em virtude de reabilitações e resultados imprevistos, disputas acirradas em campos encharcados, conduzidos por juízes corruptos e infestadas de brigas, estiramentos, pernas quebradas, doping, vexames, craques desmoralizados e muita emoção... Como a final do brasileiro de 1980, envolvendo Flamengo e Atlético Mineiro, ou a desclassificação do mesmo Flamengo na Libertadores de 2008, pelas mãos de um artilheiro gordinho chamado Cabanas. Não esqueçamos a chamada Batalha dos Aflitos, que definiu para o Grêmio o campeonato da Série B de 2005. São relevantes e marcam a memória com o rastro mítico do acontecimento futebolístico, mas não implicam necessariamente a intervenção criadora do craque. Parece-me que, a despeito da corrupção e das manipulações, a memória e a imaginação, imbricadas em um delírio mítico decorrente da atuação do craque, são as responsáveis pelo transe futebolístico. Do contrário, o elemento que decide uma partida dessa natureza é coletivo e, não raro, brutal.

Concentro os argumentos sobre três perspectivas que me parecem centrais: a mobilização coletiva da torcida – do torcedor fanático, "doente" ou "curado"; a ação individual-criativa do craque – respon­sável pelo que há de insubstituível na dinâmica singular do jogo; e, enfim, a convergência de individualidade e coletividade no âmago do acontecimento, entendido como o momento em que a intervenção individual se conecta à coletividade, tanto em relação ao desenrolar da partida quanto em relação à memória da torcida. "Desse entroncamen­to, formado pela convergência entre individualidade, coletividade e acontecimento, configura-se o substrato mítico do futebol, sucedâneo do pharmakós grego, delírio coletivo que tem o poder de expurgar ainda que momentânea e imaginariamente, os males da cidade. Ativada pela intervenção individual do craque, sedimentada sobre a memória e atualizada coletivamente a todo instante, a mítica futebolística prolifera pelas ruas, alheia às pressões externas e aos eventuais maus resultados. Na verdade, isso ocorre para a grande maioria dos torcedores, o que se reflete cruelmente em nossa cultura cristã pelo fato de que o "vira-casaca"!'é considerado um ser desprezível, comparável a Judas Iscariotes. (...)

Sobre o autor do texto:
Bernardo C. OliveiraPós-doutorado, IFCS/UFRJ. Doutor em Filosofia, PUC Rio. Professor da Faculdade de Educação da UFRJ. Crítico, pesquisador e produtor.

Jogo Roubado

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Em tempos que só se ouve falar em corrupção, a literatura esportiva, por intermédio do autor Brett Forrest, nos traz Jogo Roubado - A Caça as Responsáveis Pela Manipulação de Resultados de Partidas de Futebol (Editora Paralela). Para comprovar que não somos únicos na questão corrupção, pelo contrário, parecemos ser “puros”, quando comparados aos casos revelados nesse livro espetacular.

Literatura na Arquibancada disponibiliza abaixo, sinopse e o capítulo de abertura do livro.

Sinopse(da editora):

Neste livro, o jornalista Brett Forrest nos leva até o coração de um mercado de 700 bilhões de dólares: o mundo de apostas do futebol. Em 2013, a polícia europeia (Europol) revelou que mais de 700 partidas internacionais já tinham seus resultados definidos desde 2008. Forrest joga luz sobre esse caso, expondo uma rede nefasta que se espalha pelo mundo, através de oportunistas que subornam jogadores, influenciam árbitros e criam partidas armadas, tudo sob o controle de sindicatos criminosos localizados no continente asiático. Nenhuma partida é imune – nem mesmo na Copa do Mundo – especialmente quando a polícia local é carente de recursos e de vontade política para investigar. Repleto de revelações dignas de manchetes de jornal, Jogo roubadoé um livro obrigatório para quem é fã de futebol.

“Forrest detalha de forma inédita como uma máfia internacional aliada a cartolas sem escrúpulos manipulam resultados, compram jogadores e transformam a paixão de milhões de torcedores pelo mundo em meras ilusões” – Jamil Chade

Estádio khalid bin Mohammed
Sharjah, Emirados Árabes Unidos, Março de 2011

Os agentes da Fifa (Federação internacional de Futebol) chegaram ao estádio após o meio-dia, preparados para interromper o crime que estava destruindo o futebol.  Sharjah ficava a uma curta viagem de carro de Dubai, mas parecia haver um mundo de distância, no meio daquela poeira sem glamour algum naquela parte dos Emirados Árabes Unidos que a maioria dos ocidentais nunca tinha visto. Ao contrário de Dubai, Sharjah não parecia um lugar onde uma pessoa poderia ficar rica da noite para o dia. Isso fez do emirado um local apropriado para os criminosos que haviam se infiltrado nos jogos de futebol. Sua especialidade era a ilusão, e os eventos em Sharjah estavam prestes a lhes dar outro lucrativo retorno após noventa minutos de partida.

O jogo estava marcado para aquele dia 26 de março de 2011 e era um amistoso entre as seleções do Kuwait e da Jordânia. O tipo de partida que ocorria centenas de vezes por ano em todo o mundo, com pouca repercussão e poucas consequências. Técnicos de equipes nacionais muitas vezes encaravam essas disputas como treinos um pouco mais pesados. Por outro lado, grupos criminosos que iam do sudeste da Ásia até a Europa Oriental tinham interesse e consideravam tais partidas os pilares de um extenso empreendimento comercial.

A partida entre Kuwait e Jordânia se formava na linha de frente de uma guerra que estava apenas começando. De um lado estavam os grupos criminosos organizados, que lucravam centenas de milhões de dólares — se não bilhões, ainda assim um pingo no oceano de trilhões
de dólares em apostas de futebol —, através da manipulação de resultados dos jogos. Do outro lado estavam os dirigentes do futebol, que começavam a aceitar que a manipulação de resultados era o escândalo da nossa época, uma ameaça real para o esporte mais popular do mundo.

A Fifa, órgão diretivo internacional do esporte, havia recebido informações de que um grupo conhecido de criminosos pretendia manipular o resultado da partida em Sharjah. Isso não era grande surpresa, já que pontuações finais inflacionadas, aplicações duvidosas de pênaltis e padrões estranhos de apostas vinham ocorrendo com grande frequência nas últimas temporadas. O que era novidade no jogo de Sharjah era que um diretor de segurança da Fifa recém-contratado estava fazendo uma investigação clandestina. O momento de agir havia chegado.

Quando dois investigadores da Fifa entraram no estádio Khalid Bin Mohammed, pouco antes da hora do jogo, não havia ninguém por lá. Tinha sido um desafio reunir informações confiáveis sobre a partida, até mesmo para a Fifa, que a havia autorizado. A data, o horário de início, o local, nada havia sido confirmado. Os sites das seleções do Kuwait e da Jordânia forneciam informações conflitantes. O mesmo ocorria nos sites de apostas. Algumas publicações até mesmo listavam o jogo como cancelado. Foi essa a impressão que tiveram os dois homens da Fifa, enquanto passavam pelos portões abertos do estádio. Ninguém estava vendendo ingressos. As arquibancadas estavam vazias. Os investigadores da Fifa sentaram-se em um dos setores da arquibancada e notaram que não havia câmeras, nem unidades móveis de tv, como de costume. A partida não havia sido anunciada na imprensa local. Em uma era de constante cobertura jornalística e divulgação de informações, parecia que aquele jogo aconteceria apenas no mundo da imaginação.

Por fim, os jogadores entraram no estádio, assim como alguns torcedores. Os agentes da Fifa perceberam alguns homens caminhando pelas beiradas do campo e os reconheceram: um deles era de uma empresa de promoções dos Emirados, outro de uma empresa semelhante no Egito. Tinham ajudado a organizar o jogo, mas não eram essenciais na investigação.
Na verdade, a Fifa estava interessada nos arquitetos dessa operação, um grupo notório de Cingapura que operava de forma despercebida em dezenas de países em todo o mundo. Os investigadores viram quando dois conhecidos corruptores cingapurianos entraram no estádio e se sentaram na seção vip. A partida estava para começar.

A ideia de manipular o resultado em Sharjah havia se originado na mente do maior especialista na produção de placares do mundo, uma pessoa de movimentos misteriosos que havia manipulado centenas de partidas em mais de sessenta países, lucrando somas incalculáveis para um grupo de apostadores da Ásia. Mas o tal grupo o havia traído. E a polícia havia descoberto detalhes dos arranjos de Sharjah esboçados em um pedaço de papel deixado na cama do seu quarto de hotel em uma cidade finlandesa ao longo do Círculo Ártico.

Essas informações levaram os investigadores da Fifa até Sharjah. Eles planejavam entrar sem aviso prévio nos vestiários durante o intervalo e ameaçar suspendê-lo, e até mesmo processá-lo, a menos que a segunda metade do jogo fosse disputada de maneira honesta. Embora os dois funcionários da Fifa tenham tentado contato com os funcionários da Associação de Futebol dos Emirados Árabes Unidos, suas ligações e e-mails não foram respondidos. Por enquanto eles haviam sido relegados às arquibancadas, sem a credencial adequada para visitar outras áreas do estádio. Eles especularam que as autoridades do futebol dos Emirados poderiam ter conhecimento da próxima combinação de resultados. Muitas federações nacionais de futebol ao redor do mundo tinham aderido ao lucrativo negócio de combinar o placar de partidas de futebol com o grupo de apostadores de Cingapura.

O objetivo da corrupção de resultados era fraudar as apostas. Corruptores envolviam jogadores no esquema para que estes permitissem que a outra equipe fizesse gol. Os infratores subornavam árbitros para distribuir cartões vermelhos e pênaltis, influenciando, assim, os resultados das partidas. O grupo de apostadores fazia suas apostas com base no calendário de jogos. Enganavam as casas de apostas, que estavam sempre um passo atrás deles, e os torcedores, que acreditavam que o que estavam vendo era real. E também havia o jogador, muitas vezes coagido a participar. Quando a partida entre Kuwait e Jordânia começou, a atividade no mercado de apostas internacional revelou que a corrupção estava mesmo acontecendo.

Em algum momento da década de 1990, Joseph “Sepp” Blatter, presidente da Fifa, começou a classificar alguns jogadores de futebol e gerentes de todo o mundo coletivamente, em comentários públicos, como a “família do futebol”. A Fifa, que tem sede em Zurique, é a organização responsável pela realização da Copa do Mundo a cada quatro anos. No meio da colcha de retalhos de federações e confederações que controlam e administram o futebol, é a organização que carrega o maior peso. É para ela que a maioria das pessoas envolvidas com futebol recorre a fim de resolver uma disputa ou emitir um comunicado. Mas a Fifa não é a guardiã da boa vontade que a terminologia benevolente de Blatter sugere. A Fifa é registrada na Suíça como uma instituição sem fins lucrativos, mas não funciona como tal, com uma renda de 1 bilhão de dólares por ano, múltiplos acordos de patrocínios corporativos e contratos de tv. Ela também não se comporta como uma empresa moderna, com tradicionais fiscalizações corporativas e balanços. Na verdade, a Fifa reside em algum lugar impreciso no meio disso, o que, para alguns de seus mais altos executivos, é completamente aceitável, sendo tal ambiguidade um facilitador para muita exploração.

Na última década, a forma imprecisa como o futebol mundial tem sido administrado expôs o esporte à crise. A corrupção de resultados dominou o futebol. Não é culpa da Fifa que o crime organizado internacional tenha o esporte como alvo, mas, considerando a natureza criminosa da manipulação de resultados, as palavras de Blatter assumiram um novo significado.

Na verdade, esta é a “família” moderna do futebol: uma operação chamada A Última Aposta abalou a Federação italiana de Futebol, uma vez que quinze clubes e 24 jogadores, técnicos, árbitros e funcionários foram implicados em corrupção de resultados. A polícia turca prendeu aproximadamente cem jogadores, enquanto a Federação Turca de Futebol excluiu seu clube, o Fenerbahçe, da Liga dos Campeões da Uefa, questionando a forma como a equipe conseguiu vencer dezoito dos últimos dezenove jogos e levar o título nacional. A Associação de Futebol do Zimbábue baniu oitenta jogadores da seleção nacional com base na suspeita de fraude de resultados. Lu Jun, o primeiro árbitro chinês a apitar um jogo da Copa do Mundo, foi preso por cinco anos e meio por aceitar subornos no valor total de 128 mil dólares, reforçando o significado de seu apelido, “apito de ouro”.

Na Coreia do Sul, promotores acusaram 57 pessoas por fraude de resultados; dois jogadores cometeram suicídio posteriormente, em vez de enfrentar a situação. Dois árbitros brasileiros receberam ordem de prisão e a Confederação Brasileira de Futebol foi multada em 8 milhões de dólares por sua participação em uma série de jogos manipulados. Logo depois de oito estonianos receberem uma suspensão de um ano, um tribunal processou outra dúzia por corrupção. A polícia alemã gravou criminosos croatas discutindo por telefone seus planos para corromper jogos no Canadá. O presidente da Associação de Futebol da China atualmente cumpre pena em uma colônia penal específica por corrupção de resultados de jogos de futebol. A polícia húngara prendeu mais de cinquenta pessoas por corrupção e o diretor de um clube se suicidou quando foi descoberto. Os tchecos estão processando dois árbitros por corrupção. A equipe nacional cambojana manipulou sua própria derrota numa série de dois jogos com o Laos, que qualificava um dos times para a Copa do Mundo de 2014.

A Macedônia é tão corrupta que raros agentes aceitam apostas em jogos do campeonato nacional. Os executivos de um clube búlgaro, o Lokomotiv Plovdiv, exigiram que seus jogadores e técnicos fizessem um teste no detector de mentiras após um jogo perdido. Jogadores, proprietários de times e agentes de apostas georgianos estão atrás das grades por corrupção de resultados. Na Malásia, algumas dezenas de jogadores estão atualmente sob a custódia. Sabe-se que árbitros do Quênia, do Líbano e da Tanzânia tiveram participação nesses tipos de arranjos. O Níger possui o árbitro mais corrupto de todos. Autoridades da Polônia processaram uma dúzia de jogadores por corrupção. O governo russo estabeleceu um comitê para erradicar esse tipo de crime de resultados de suas ligas. O primeiro-ministro de Belize ordenou uma investigação de manipulação de resultados sobre o chefe da associação de futebol do país.

O crime organizado na China e na Itália teve a liga belga como alvo durante anos. A liga da Bósnia é alvo de criminosos do próprio país. A Suíça baniu nove jogadores acusados de manipulação de resultados. Promotores italianos fizeram acusações de corrupção contra o meio-campo Gennaro “Rino” Gattuso, popular jogador da seleção campeã da Copa do Mundo de 2006 e ex-astro do Milan. Gattuso disse que estava preparado “para se suicidar em praça pública se fosse condenado pelo crime”. Dois escândalos abalaram o futebol inglês no outono de 2013, um deles envolvendo uma quadrilha de Cingapura e o outro um ex-jogador da Premier League. A Alemanha está levando adiante o processo do caso mais famoso de manipulação de resultados, em Bochum, que revelou que uma rede criminosa de corruptores tem afetado o futebol em todos os cantos do mundo na maior parte da última década.

Será que a situação está tão ruim assim? Sem dúvida alguma. Atualmente, há em curso investigações policiais sobre corrupção de resultados de jogos de futebol em mais de sessenta países, o que significa um terço do mundo. Metade das associações nacionais e regionais afiliadas à Fifa relatou incidentes desse tipo. Dá para imaginar então a quantidade de jogos manipulados que devem ter acontecido com o conhecimento apenas dos infratores. A manipulação de resultados no futebol internacional tornou-se uma epidemia, assim como o tráfico de drogas, a prostituição e o comércio de armas ilegais. Isso está acontecendo em um esporte no qual os jogadores andam do vestiário até o campo de mãos dadas com crianças, como se o futebol fosse um refúgio da inocência e da pureza moral. Provas irrefutáveis apresentam um argumento contraditório: o jogo mais popular do mundo é também o jogo mais corrupto do mundo. 

A culpa é dos jogos de azar. O mercado de apostas esportivas inflou na última década, com sua porção ilegal rivalizando antigas organizações criminosas. A Interpol afirma que 1 trilhão de dólares são apostados em jogos de futebol por ano. Agentes de apostas asiáticos sugerem um montante muito maior. A indústria do futebol em si — os contratos de tv e patrocínios que compõem o negócio do jogo — está estimada em um valor anual de 25 bilhões de dólares.

Sem fiscalização e impulsionada pelo lucro fácil, a corrupção que ocorre através de resultados tem crescido de forma descontrolada. Clubes de futebol maiores submetem-se a clubes menores que estão tentando evitar o rebaixamento para uma divisão inferior. Técnicos, jogadores, árbitros e funcionários do governo conspiram para esse tipo de corrupção. Jogos internacionais de qualificação resultam em placares ultrajantes: 11 a 1, 7 a 0. A oportunidade de lucro fácil imediato gerou criativas tentativas de manipulação de resultados. Em 3 de novembro de 1997, em uma partida do campeonato inglês contra o Crystal Palace, o time do West Ham marcou o gol de empate após 65 minutos de jogo. De repente, as luzes do estádio se apagaram. O mesmo aconteceu quando o Wimbledon jogou contra o Arsenal um mês depois. Uma quadrilha com membros da China e da Malásia havia pagado os técnicos dos estádios para cortar a energia quando o jogo tivesse alcançado o placar combinado. A crescente ganância fez com que os próprios jogadores tomassem medidas severas para que a manipulação de resultados acontecesse. Em um jogo na Itália, em 2010, um goleiro teria drogado os próprios companheiros de equipe no intervalo para que seus adversários pudessem ganhar a partida.

Os jogadores, na verdade, não têm grande importância. Eles são apenas ferramentas dos chefes dos grupos de apostadores que operam nas sombras. Para esses criminosos, o futebol internacional tem sido uma zona livre para atividades ilícitas, um território de oportunidades infinitas para manipulações. Cada um dos cerca de duzentos países que a Fifa reconhece tem uma liga profissional e um time nacional, que é classificado em diversas faixas etárias. O número total mundial de times de futebol nacionais profissionais ultrapassa os 10 mil. Multiplique este valor pelo número de jogadores por equipe, em seguida adicione os árbitros, dirigentes de clubes e administradores da federação e perceba como os pontos de infiltração para corruptores de jogos são abundantes e estão em constante mudança de temporada para temporada. Não existe um controle centralizado, nem uma comissão disciplinar. O futebol internacional é uma rede administrada sem regras rígidas, em diferentes idiomas, culturas, leis, economias e moedas do mundo todo, muitas vezes sem conexão alguma. Essa particularidade dá ao jogo um encanto especial. Também permite que motivações obscuras floresçam. Grupos criminosos de apostadores se infiltraram de forma profunda no negócio do futebol, manipulando o mercado de apostas para sua própria vantagem, e puseram em dúvida o resultado das partidas em todo o mundo.

O início da partida entre Kuwait e Jordânia ocorreu em ritmo animado. Um homem sentado atrás dos investigadores da Fifa ria, comentando que kuwaitianos e jordanianos não se gostavam. O árbitro apitou um pênalti duvidoso no 23º minuto do jogo, quando a bola ricocheteou da mão de um desatento jogador jordaniano. O Kuwait virou o jogo. Os agentes da Fifa observavam os corruptores de Cingapura no meio da multidão, porém sua linguagem corporal não revelava muito. Mas não era preciso. Os números diziam tudo.

Existem várias maneiras de adulterar os resultados de uma partida. Um dos mais populares é apostar no número total de gols marcados. Se o agente de apostas lista o placar máximo/mínimo em 2,5 e um corruptor aposta no resultado máximo, ele vai manipular os jogadores ou o árbitro para assegurar que três ou mais gols sejam marcados no jogo. Se apostar no mínimo, então pedirá dois ou menos gols.

O grupo de apostadores operava no mercado de apostas in-game, que permite apostas durante o jogo. Na abertura do jogo de Sharjah, a 188Bet, uma das maiores casas de apostas do mundo, começou a ter uma preponderância de apostas que apoiavam três gols ou mais. As chances para três ou mais gols na 188Bet começaram em 2,0, ou uma probabilidade de 50%. Aos dezoito minutos, com o jogo ainda sem gols, as chances de três ou mais gols diminuíram para 1,88, ou 53%. Esses números mostravam um detalhe revelador. No início da partida, com noventa minutos para marcar três gols, a 188Bet calculava a chance de três ou mais gols em 50%. Paradoxalmente, dezoito minutos depois, a chance de três ou mais gols era maior, mesmo havendo menos tempo, isto é, restavam apenas 80% do jogo para marcar gols.

Os agentes de apostas da 188Bet não haviam determinado que um resultado de três ou mais gols era agora mais provável. O que eles fizeram foi mover as chances, em uma reação à esmagadora quantidade de apostas que estavam recebendo para três ou mais gols. O objetivo do agente é nivelar suas apostas, tomar medidas equivalentes em ambos os lados de uma proposta a fim de reduzir sua exposição e manter sua margem de lucro. E um apostador sabe que sua exposição é maior quando realiza uma grande quantidade de ações sobre uma proposta sem muita lógica. E ele sabe que o resultado do jogo foi manipulado, assim como os agentes de apostas da 188Bet certamente sabiam, enquanto calculavam as probabilidades in-game para o jogo de Sharjah.

Quando a partida estava próxima do intervalo, apenas um gol havia sido marcado. Aos 38 minutos, o árbitro apitou outro pênalti. Este parecia legítimo, já que um jogador da defesa do Kuwait havia derrubado um da Jordânia dentro da pequena área. O goleiro do Kuwait salvou o chute que se seguiu. No entanto, o bandeirinha assinalou movimentação ilegal antes da cobrança. A Jordânia voltou a cobrar e marcou. No intervalo, a partida estava empatada. Faltando 45 minutos de jogo, tudo de que o grupo de apostadores precisava para ganhar a aposta era de mais um gol. Fácil. Mas então algo aconteceu.

Da arquibancada, os investigadores da Fifa pensaram em tentar abrir caminho e ir até os vestiários para confrontar o árbitro e os jogadores. Enquanto faziam isso, viram o homem da empresa de promoções dos Emirados subir as escadas da arquibancada vip. E falar com os corruptores de Cingapura. A Fifa descobriu mais tarde que o árbitro da partida havia recebido a informação de que o jogo estava sendo observado. Os jogadores voltaram ao campo para o segundo tempo e os cingapurianos deixaram o estádio. No meio do segundo tempo, o placar ainda estava 1 a 1.

De repente, aos 71 minutos de jogo, as apostas se inverteram. Não havia mais apostas na 188Bet para mais de três gols, embora restassem dezenove minutos de jogo em que um terceiro gol pudesse ser marcado. Avisados de que investigadores da Fifa estavam no estádio, o grupo de apostadores cancelou a manipulação dos resultados e retirou suas apostas. A partida terminou com o empate de 1 a 1.

A partir de conversas que a equipe de segurança da Fifa coletou posteriormente em Cingapura, os membros dos grupos de apostadores estavam confusos e se perguntando quem teria vazado as informações da operação em Sharjah. Os apostadores haviam perdido cerca de 500 mil dólares naquela partida, segundo a inteligência da Fifa. Considerando o tamanho do mercado de apostas de futebol, não era um número alto. No entanto, o evento em Sharjah foi significativo. Ninguém nunca havia lutado contra o grupo antes. Claro, havia acusações e investigações efetuadas depois de o crime ter sido cometido e os lucros auferidos. Mas a Fifa nunca havia conduzido uma operação de combate em tempo real contra as manipulações de resultados de jogos de futebol. Os criminosos asiáticos e seus parceiros europeus haviam operado livremente por uma década. Mas as coisas estavam prestes a mudar.

Sobre o autor:
Brett Forresté um colaborador da ESPN The Magazine e já publicou textos em publicações como Vanity Fair, National Geographic, The Atlantic, e New York Times Magazine. Ele já morou na Rússia, na Ucrânia e no Brasil.



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