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Carnaval e Futebol

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O Carnaval chegou. E a festa popular, ao lado do futebol, duas das maiores paixões do povo brasileiro, tem ligações históricas. É o que nos conta Laércio Becker, do Paraná, em uma pequena série de três reportagens especiais sobre as ligações entre o Carnaval e o futebol brasileiro.

Literatura na Arquibancada também recomenda a leitura do livro, Do fundo do baú, também de Láercio Becker, disponível gratuitamente no link http://www.campeoesdofutebol.com.br/leitura/livro_do_fundo_do_bau.html





Influências carnavalescas no futebol carioca
Por Laércio Becker

Desfile da Beija-Flor, "O mundo é uma bola"

É inegável que carnaval e futebol são manifestações conjuntas da identidade nacional (Damatta). 

Nesse sentido, sempre são lembradas as influências do futebol no carnaval carioca. 

A começar pelos inúmeros enredos compostos sobre temas futebolísticos – p.ex., O mundo é uma bola, da Beija-Flor, em 1986. 

Também algumas escolas de samba tiveram origem em times de futebol. 

P.ex., a GRES São Clemente foi fundada em 1961 a partir do São Clemente FC, surgido em 1953, e teve as cores (amarelo e preto) inspiradas não no time que lhe deu origem (azul e branco), mas no uruguaio Peñarol.


Independente, time que originou a Mocidade Independente de Padre Miguel.

Já a GRES Mocidade Independente de Padre Miguel – apesar da estrela na bandeira, que lembra o escudo da AA Portuguesa carioca – é originária do Independente FC, um time de várzea da Zona Oeste, da década de 50. 

Aliás, a primeira Escola de Samba, a Deixa Falar, teve as cores inspiradas no América FC. 


Mas aqui vamos tratar é da contra-mão. E, de preferência, de histórias bem antigas, de influências do carnaval no mundo do futebol.

Lima Barreto

Talvez o primeiro autor a intuir isso tenha sido, ironicamente, o grande adversário do futebol: Lima Barreto (ver nosso artigo “Contra o foot-ball”). 

Na crônica “Bailes e divertimentos suburbanos”, publicada na Gazeta de Notícias de 07.02.1922, ele afirma que, em relação aos clubes dos “bairros elegantes”, a diferença é que, nos suburbanos, havia o costume de “festejarem a vitória sobre um rival, cantando os vencedores pelas ruas, com gambitos nus, a sua proeza homérica com letra e música da escola dos cordões carnavalescos. Vi isto só uma vez e não garanto que essa hibridação do samba, mais ou menos africano, com o futebol anglo-saxônico, se haja hoje generalizado nos subúrbios. Pode ser, mas não tenho documentos para tanto afiançar.”

Gilberto Freyre

A mistura do DNA inglês com o brasileiro, esboçada nesse trecho de Lima Barreto, é retomada por Gilberto Freyre (ver nosso artigo “Gilberto Freyre e o futebol”). 

Em Sobrados e mucambos (1ª ed. de 1936), diz que a agilidade do mulato com os pés o habilita ao samba e ao futebol. No artigo “Foot-ball mulato”, publicado originalmente no Diário de Pernambuco, em 18.06.1938, ele também disse que o jeito brasileiro de jogar futebol era “dançado”, o que nos remete ao samba e ao carnaval. 

No ano seguinte, na crônica “Brasil-Argentina”, Mário de Andrade também compararia o futebol brasileiro a um bailado. Não seria a ginga do jogador brasileiro uma influência carnavalesca? A refletir.

As cores dos clubes e das sociedades carnavalescas

Comissão de Frente, Tenentes do Diabo, 1932.

Antes do futebol, os cariocas se dividiam entre as chamadas “grandes sociedades carnavalescas”. Eram clubes em que, durante o resto do ano, os sócios se dedicavam a beber, jogar cartas e discutir política. Assim como os clubes de futebol, elas tinham apelidos, cores e fãs ardorosos. Falaremos das três maiores e mais famosas.

A primeira é o Clube Tenentes do Diabo, fundada em 31.12.1855 com o nome de “Zuavos Carnavalescos” e com as cores vermelho, branco, azul e preto. Dela participaram grandes romancistas da época, como Joaquim Manuel de Macedo, Manuel Antônio de Almeida e Machado de Assis. Conhecida como Tenentes do Diabo a partir de 1861, mudou oficialmente de nome em 1904, quando resumiu suas cores ao vermelho e preto. Seus foliões eram chamados de “baetas”, nome de um cobertor de lã rubronegra, em alusão às cores do tecido adotado em suas fantasias. O símbolo (mascote), como não podia deixar de ser, era o diabo – aliás, a fantasia de diabo era a que predominava nos carnavais de antigamente, como relata Luís Edmundo.

Clube dos Democráticos. (acervo Augusto Malta)








A segunda grande sociedade é o Clube dos Democráticos, fundado em 19.01.1867, tendo por padroeira Nossa Senhora da Glória. Freqüentaram seus salões ilustres políticos como José do Patrocínio e Benjamim Constant. Suas cores eram verde, amarelo, preto e branco. Em 1894, reduziu para listras pretas e brancas. Os foliões eram chamados de “carapicus”, que é uma espécie de sardinha alvinegra.



Clube dos Fenianos, 1934.

A terceira grande sociedade é o Clube dos Fenianos, fundado em 07.12.1869, com o apoio de Rui Barbosa, Evaristo da Veiga, Quintino Bocaiúva e Silva Jardim, entre outros. Suas cores eram vermelho e branco e seus foliões em conhecidos como “gatos”. O apelido surgiu porque as mascotes do Clube eram bichanos que viviam espreitando pelas janelas da sede.

Vemos nesses clubes carnavalescos algumas características em comum com os de futebol. Em primeiro lugar, todos são clubes dedicados ao lazer. Em segundo lugar, além do nome, têm um apelido extensivo aos seus fãs e inventado pelos rivais – como os torcedores do Flamengo, apelidados de “urubus” pelas outras torcidas. Em terceiro lugar, os clubes carnavalescos tinham até mascote – como boa parte dos clubes de futebol, sendo que a dos baetas é igual à do América: o diabo. 

Fenianos, 1913.

Em quarto lugar, os Democráticos tinham até padroeira – como o Flamengo adota São Judas Tadeu. Em quinto lugar, os clubes carnavalescos tinham seus “pufes”, que eram poemas surgidos a partir de 1877 que, entre outras coisas, procuravam exaltar seus próprios méritos – assim como os hinos oficiais e extra-oficiais dos clubes de futebol.


Mas o mais importante, em minha opinião, é a questão das cores. Os Tenentes do Diabo eram rubronegros, como o Flamengo. Os Democráticos eram alvinegros, como Vasco e Botafogo. E os Fenianos eram alvirrubros, como o América e o Bangu.

Tenentes do Diabo, 1913.



Não queremos, com isso, insinuar que a escolha das cores dos clubes de futebol foi feita com base nas cores dos clubes de carnaval. Quando o Flamengo mudou de azul e dourado para vermelho e preto, os Tenentes do Diabo ainda tinham quatro cores – e cogita-se que o Flamengo se inspirou no Jockey Club (ver nosso artigo “Camisas de clubes de cores diferentes”).

O clube da colina adotou o preto dos “mares ignotos” e a faixa branca foi para representar a rota de Vasco da Gama para a Índia (ver o capítulo “Primeiras camisas com faixa diagonal”, em nosso livro “Do fundo do baú”). Para seu uniforme alvinegro listrado, o Botafogo FC buscou inspiração na Juventus de Turim (idem). O CR Botafogo, não sei em que se inspirou para suas cores, mas o fato é que foi fundado exatamente no ano em que os Democráticos adotaram o preto e o branco, portanto acho pouco provável – embora não impossível – alguma ligação nisso.

Belfort Duarte

Quanto ao vermelho e branco, o América mudou para essas cores por sugestão de Belfort Duarte, inspirado nas cores da AA Mackenzie College, na qual ele havia jogado antes de se mudar para o Rio. Já o Bangu se inspirou nas cores do escudo do Southampton FC, ou nas de São Jorge, padroeiro da Inglaterra, cuja bandeira é uma Cruz de São Jorge (ver nosso artigo “As cruzes dos times de futebol”). Ou seja, nada a ver com os Fenianos.

O único dos grandes clubes de futebol cuja combinação de cores destoa das usadas pelos clubes carnavalescos é o Fluminense. Como já dissemos no capítulo “Primeiras cisão, fusão, incorporação, troca de nome, de cores e de cidade”, do nosso livro “Do fundo do baú”, o Fluminense quase nasceu alvi-anil, mas acabou nascendo cinza e branco em 1902, mudou para grená, verde e branco em 1904, e se aventurou pelo laranja em 2001 (cf. nosso artigo “Camisas de clubes de cores diferentes”). 

Fluminense, 1906.

Será que isso não reforçou a postura diferenciada que sempre teve o aristocrático tricolor das Laranjeiras? Interessante que, em 2011, o Fluminense lançou uma camisa três inteira grená com detalhes em dourado. Alguém diria: como se estivesse, mesmo que involuntariamente, tentando ocupar, no imaginário popular, o mesmo espaço dos três clubes alvirrubros da cidade – Fenianos, América e Bangu. Pouco provável, quase impossível, mas se alguém quiser prosseguir nessa hipótese, fique à vontade.

Antes de chegarmos à conclusão deste capítulo, precisamos mencionar que, na crônica “Rei Momo”, escrita em 1935, Mário de Andrade afirma que azul e vermelho “são as cores tradicionais da alegria brasileira”. Refere-se ao carnaval daquela época.

Mário de Andrade

Diz que a fama da combinação dessas cores vem das danças dos Congos e Gingas, dos Congados e Moçambiques, bem como das Cavalhadas, em que o azul representava os cristãos e o vermelho os mouros. Apesar de estender ao Brasil, será que estava tomando por base o carnaval paulista? De qualquer modo, o mais importante clube carioca rubroanil é o Bonsucesso FC, enquanto o maior clube paulista a combinar essas cores (e com o branco) é o Nacional AC.

Diante do que foi exposto, tudo indica que não houve influência dos clubes carnavalescos na escolha das cores dos clubes de futebol. Contudo, não custa especular que essas combinações de cores – rubronegro, alvinegro e alvirrubro – já estavam bem presentes na tradição cultural do lazer carioca e, por conseqüente, no imaginário popular. Não é de admirar, por isso, que tenham obtido tamanha popularidade, talvez no vácuo dessas grandes sociedades que, com o tempo, foram desaparecendo do cenário e dando lugar a outras manifestações populares, como os blocos e escolas de samba. O terreno já estava preparado. É uma hipótese a considerar.

Abaixo, os links para os outros dois artigos especiais de Laércio Becker, sobre “Carnaval e Futebol”.











Megafone do esporte: a memória do futebol

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Arte: Zuca Sardan


Deixa Falar: o megafone do esporte, espaço de debates que sai quinzenalmente, sábado sim, sábado não, aqui, no Literatura na Arquibancada, na Carta Maior (http://www.cartamaior.com.br) e no blog do Juca (http://blogdojuca.uol.com.br/), debatendo o esporte em geral e o futebol em particular, dialogando com a História, Política, Música, Economia, Literatura, Cinema, Humor, apresenta nesta sua sexta edição, artigo de Bernardo Borges Buarque de Hollanda.

Arte: Zuca Sardan

É com alegria, nesta abertura do carnaval que apresentamos aos leitores uma boa novidade para todos os admiradores do futebol. Craques como Amarildo, Coutinho, Dino Sani, Djalma Santos, Gérson, Ademir da Guia, Edu e Pepe, dentre outros, concederam longas entrevistas ao Museu do Futebol. Suas histórias nofutebol podem ser vistase lidas no link assinalado, nobelo texto de Bernardo Buarque de Hollanda. E ainda aqui, no Literatura na Arquibancada, outras entrevistas podem ser acessadas no link http://www.literaturanaarquibancada.com/2012/04/o-projeto-de-memoria-que-faltava-no.html



Museu do Futebol entrevista craques do Brasil nas Copas
Por Bernardo Borges Buarque de Hollanda

Arte: Zuca Sardan
  
No último mês de dezembro, foi concluída a pesquisa “Futebol, Memória e Patrimônio: projeto de constituição de um acervo em História Oral para o Museu do Futebol”. Com o apoio da FAPESP, a pesquisa foi resultado de uma parceria entre duas instituições: a Fundação Getúlio Vargas, por iniciativa do seu Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), e o Museu do Futebol, pertencente à Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, sediado nas dependências do Estádio do Pacaembu.

Em que consistiu o projeto? Durante dois anos, as equipes de pesquisadores da FGV e do Museu envidaram esforços para localizar antigos jogadores do selecionado nacional, atuantes nos anos de 1950 a 1980, a fim de compor um acervo total de 120 horas de gravação. As entrevistas, filmadas e conduzidas por representantes das duas instituições, reconstituíram as histórias de vida dos futebolistas brasileiros que atuaram em Copas do Mundo, quer sejam titulares ou reservas. 

Djalma Santos e os entrevistadores do projeto, Daniela Alfonsi (dir) e Bernardo Buarque.

Qual o critério adotado para a escolha dos jogadores? Tendo em vista a premência em registrar os relatos dos atletas em idade mais avançada, adotou-se um recorte cronológico para a seleção dos entrevistados. Prestaram depoimento cinquenta e cinco ex-jogadores, com uma média de duas horas e meia de duração por entrevista. Para tanto, oito edições do Mundial foram enfocadas, a começar com a Copa da Suíça, em 1954, e a terminar com a Copa da Espanha, em 1982.

Trata-se de uma iniciativa única e original? Longe disto. Em termos institucionais, o projeto inspirou-se em experiências pretéritas, como as empreendidas pelo Museu da Imagem e do Som, nos idos de 1960 e 1980. Não obstante, somente agora, após a inauguração do Museu do Futebol (2008), uma ideia semelhante pode ser retomada.

Como foram essas edições anteriores? No MIS do Rio de Janeiro, o produtor musical Ricardo Cravo Albin idealizou a série Depoimentos para a Posteridade, com o registro da voz de centenas de jogadores, dirigentes e técnicos. Em agosto de 1967, o arqueiro da belle époque,Marcos Carneiro de Mendonça, deu início à composição desse acervo sonoro, que teve continuidade com Domingos da Guia, Zizinho, o técnico Flávio Costa e muitos outros.

Dino Sani e a equipe de entrevistadores do projeto.

Já em São Paulo, o MIS desenvolveu um trabalho bem parecido, entre fins dos anos 1970 e princípios dos 1980, quando era então dirigido pelo fotógrafo e estudioso de fotografia Boris Kossoy. Memória do Futebol, assim intitulava-se a coleção paulistana, foi realizada por pioneiros dos estudos acadêmicos sobre futebol e História Oral no Brasil, os uspianos José Sebastião Witter e José Carlos Sebe Bon Meihy, e contou com a participação de Juca Kfouri entre os entrevistadores.

Há diferenças com relação ao acervo que acaba de ser entregue ao Museu do Futebol? Evidente que sim. Basta frisar o seu aparato técnico. A consulta é facultada na íntegra, através da webpage http://cpdoc.fgv.br/museudofutebol/resultados, ficando disponível tanto a entrevista quanto a sua transcrição.

Outra distinção frente às coleções pregressas diz respeito a seu suporte audiovisual: ele permite não apenas superar a caducidade dos registros em fita magnética como captar o som do entrevistado em um quadro imagético mais amplo. Em lugar do gravador, a câmera capta todo o gestual, a expressão facial, bem como a mise-en-scène que acompanha a fala do futebolista.


Trata-se de um detalhe apenas aparentemente sem importância. Para historiadores e pesquisadores, o recurso à fonte fílmica pode vir a ser crucial. O cineasta Eduardo Escorel, no artigo Vestígios do passado: acervo audiovisual e documentário histórico, chama a atenção para a força de testemunho das imagens em movimento e acentua “a discrepância notável que pode existir entre o relato dos cronistas e o que inferimos do registro filmado”.

Ora, não tem sido esse ponto – a confiabilidade nos cronistas de outrora para a reconstituição do passado esportivo nacional – o pomo da discórdia entre aqueles que debatem a historiografia do futebol brasileiro?

Para ilustrar o contraste entre o filmado e o escrito, pode-se pinçar apenas um exemplo no material recém-depositado no Museu do Futebol. Este se apresenta já na tematização do Mundial de 1954, o primeiro da série. Nesta Copa, o debate sobre a eliminação da Seleção nos gramados helvéticos costuma fiar-se no relatório legado pelo chefe da delegação brasileira, o jurista João Lyra Filho.


O dirigente atribuía a derrota para o selecionado húngaro à tibieza psicossocial do atleta brasileiro. Para Lyra Filho, a incapacidade de autocontrole e a instabilidade nervosa demonstrada em campo pelos jogadores se revelavam especialmente nos momentos decisivos, tais como aqueles vivenciados na semifinal contra a Hungria do major Ferenc Puskás.

Se tal versão ficou consignada nos anais da então Confederação Brasileira de Desportos (CBD), uma visão antagônica a essa pode ser encontrada nos depoimentos gravados com os três atletas remanescentes daquele evento: Djalma Santos, Índio e Cabeção.

Nos relatos filmados, os jogadores justificam a derrota em função dos aspectos organizativos, justamente aqueles sob responsabilidade dos cartolas da CBD. Políticos em demasia na delegação, excesso de discursos, falta de planejamento, desconhecimento das regras do torneio, imposição tática – a marcação por zona do treinador Zezé Moreira – ainda pouco familiar entre os atletas, ausência de aquecimento prévio à partida: todos estes pontos foram evocados pelos jogadores na rememoração do Mundial disputado na Suíça. 

 
Mais do que interpretações inéditas, furos jornalísticos ou pontos de vista discrepantes, o material agora franqueado ao grande público e aos pesquisadores permitirá o acesso a uma série de histórias, com a narração de casos pitorescos e com inúmeras passagens saborosas que as reminiscências dos jogadores nos dão a conhecer sobre as Copas das quais foram protagonistas.

Dois toques do Megafone:

1)    Assistindo às entrevistas de Gérson, Edu e Marco Antonio, por exemplo, algumas dúvidas sobre fatos que antecederam a saída de João Saldanha e a entrada de Zagallo na seleção brasileira em 1970 podem ser avaliadasmais adequadamente, além de vários outros assuntos, como a Copa do Mundo de 1966.

2)    A entrevista de Gérson ao Museu do Futebol é excelente. Como documento histórico complementar é interessante ver um longo depoimento do canhotinha (50 minutos) à Rádio Globo. Muito bom. Ver no link:  http://www.youtube.com/watch?v=1jg02BP4ZVQ

Sobre Bernardo Borges Buarque de Hollanda:
 
É professor da Escola Superior de Ciências Sociais (FGV) e pesquisador do CPDOC/FGV. Editor da coleção Visão de Campo (7 Letras). Em 2012, publicou o livro ABC de José Lins do Rego (Editora José Olympio).






Deixa Falar: o megafone do esporte, criação e edição de Raul Milliet Filho.

Sobre os autores do “Deixa Falar: o megafone do esporte”

 
Ademir Gebara– graduado em História e Educação Física, mestre em História pela USP, PH D em História pela London School of Economics and Political Science, ex-diretor e coordenador de Pós da FEF Unicamp, professor visitante Universidade Federal da Grande Dourados.


 Antonio Edmilson Rodrigues – é América, livre docente em História, professor da UERJ e da PUC-RJ, pesquisador de História do Rio de Janeiro, escritor de temas vinculados à história urbana, coordenador do projeto Conversa de Botequim e autor de João do Rio, a cidade e o poeta.

 
Flavio Carneiro – É botafoguense, além de escritor, roteirista e professor de literatura na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).www.flaviocarneiro.com.br.


José Paulo Pessoa – é botafoguense, ator, advogado, que achava o Didi mais impressionante que o Garrincha (que foi o maior que já vi!). Diretor, cantor e compositor do Bloco das Carmelitas, de Santa Teresa (RJ).

 
José Sebastião Witter – é torcedor do São Paulo, professor emérito da USP e professor normalista.


Luiz Carlos Ribeiroé professor do Departamento de História da UFPR e coordenador do Núcleo de Estudos Futebol e Sociedade.


Marcelo W. Proni – economista, doutor em Educação Física pela Unicamp, professor do Instituto de Economia da Unicamp, torcedor do Botafogo de Ribeirão Preto.

 
Raul Milliet Filho – é botafoguense, mestre em História Política pela UERJ, doutor em História Social pela USP. Como professor, pesquisador e autor prioriza a cultura popular. Gestor de políticas sociais, idealizou e coordenou o Recriança, projeto de democratização esportiva para crianças e jovens.


Ricardo Oliveira – é Vasco, jornalista, educador da prefeitura do Rio de Janeiro e pesquisador da História do futebol. Coordenador da pesquisa do livro Vida que Segue: João Saldanha e as Copas de 1966 e 1970.


Wanderley Marchi Jr – doutor em Educação Física e Sociologia do Esporte e professor da Universidade Federal do Paraná/BRA e da West Virginia University/USA.


Zuca Sardan (Carlos Felipe Saldanha) – É torcedor do Vasco, nasceu no Rio de Janeiro em 1933, mas vive em Hamburgo, na Alemanha. Estudou arquitetura, mas fez diplomacia. Estudou desenho, mas fez letras. 
Hoje dedica-se a desenhos, vinhetas, poesias e folhetins. Entre seus livros, estão: Ás de coletepoesias, desenhos e Osso do Coração. (para acessar o currículo completo, clique aqui http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_lit/index.cfm?fuseaction=biografias_texto&cd_verbete=5288&cd_item=35)

Confira os outros artigos já publicados do Deixa Falar: o megafone do esporte


Semana de Arte Moderna e o Futebol

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Capa do catálogo feita por Di Cavalcanti
Nesta semana comemoram-se os 91 anos da Semana de Arte Moderna. Uma data de extrema importância para a história da cultura brasileira, um marco definitivo que levaria décadas para se consolidar ou melhor, evoluir em diversas fases envolvendo centenas de nomes consagrados da cultura brasileira espalhados em diversos segmentos como arte, pintura, literatura e muito mais. No ano passado, Literatura na Arquibancada preparou uma série especial sobre o tema e que você pode acompanhar logo abaixo.


A Semana de Arte Moderna, realizada em São Paulo, nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro, no Teatro Municipal, é considerada um divisor na história da cultura brasileira.

O evento declarou o rompimento com o tradicionalismo cultural associado às diversas correntes literárias e artísticas existentes anteriormente como o parnasianismo, simbolismo e arte acadêmica. 

Ela acabou se transformando no marco simbólico do surgimento do Modernismo Brasileiro.


Artistas como os escritores Mário e Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, os pintores Anita Malfatti e Di Cavalcanti, além do músico Heitor Villa-Lobos e o escultor Victor Brecheret, entre outros, buscavam identidade própria e liberdade de expressão.

O modernismo seguiu sua “revolução” durante as décadas seguintes à realização da Semana de Arte Moderna. 

A partir de hoje e durante a próxima semana, Literatura na Arquibancada apresenta uma série de artigos sobre esse marco de nossa cultura chamado de Modernismo Brasileiro.

Paulo Mendes Campos

Começamos com uma crônica espetacular (para variar) feita pelo escritor Paulo Mendes Campos. 

Um marco para a literatura esportiva brasileira, pois neste texto o escritor revela as paixões (ou não) pelo futebol de diversos personagens adeptos do Modernismo.  

E mais importante do que isso, descreve a realização de um jogo histórico, ocorrido em uma praia carioca. 

Dois times de primeiríssima linha, um verdadeiro “clássico” do Modernismo Brasileiro.

Passe de Letra
Por Paulo Mendes Campos

Rubem Braga

Mário Filho conta no Romance do Futebol uma partida histórica na qual o poeta Augusto Frederico Schmidt tomou parte, esforçadamente, mas em vão. 

Em crônica antiga, Rubem Braga descreve a manhã de sol que levou às areias da praia escritores de Copacabana e Ipanema, uns contra os outros. 

Também tomei parte no hilariante cotejo, no time de Copacabana.

Di Cavalcanti

Aníbal Machado revelou-se um jogador impetuoso (foi extrema do Clube Atlético Mineiro); Vinícius de Moraes, platônico de bola, sentiu logo o menino e foi fazer companhia às moças; o atual Embaixador Lauro Escorel foi um escolástico inútil; Di Cavalcanti, esfuziante goleiro, dizia sempre que as bolas haviam passado por cima do inexistente travessão; o próprio Braga era um zagueiro tontíssimo, porém valente.

O melhor jogador em campo, um médico de óculos, calvíssimo, entrou de enxerto, sendo amigo de Aníbal; foi nele que o Braga acertou uma de suas traulitadas, dizendo: “Para fazer gol aqui é preciso pisar sobre o meu cadáver”. 

O que foi feito.

Augusto Frederico Schmidt

Schmidt, que também jogou, de centroavante, proporcionou este espetáculo inédito: no momento de dar a saída, quis fingir que passava para a esquerda e passar para a direita; atrapalhou-se todo, seus pés não atingiram a bola parada, desequilibrou-se e caiu sentado na areia. 

Assim, o jogo foi interrompido por dez minutos depois do apito inicial; o riso farto esgotou os contendores.





Mário de Andrade

Mário de Andrade era um entusiasta do futebol. Queixava-se dos trezentos e cinqüenta compromissos que o impediam de ser assíduo aos estádios. 

Em seus livros, há algumas referências ao futebol, sempre com excelente conhecimento técnico. 

Mário tinha especial predileção pelo estilo do famoso centromédio Brandão. Dizia, com sua inflexão enlevada: “É um ma-ra-vi-lho-so bailarino!”.

Cyro dos Anjos

Já conversei com Cyro dos Anjos e Rosário Fusco sobre futebol. 

Curioso, os dois me apresentaram motivos idênticos para explicar a razão pela qual não gostam do esporte: ressentimento. 

O autor do Amanauense Belmiro, em Montes Claros, era goleiro, desses que vão para o arco depois que os outros meninos escolhem as demais posições da linha e da defesa; o autor de Carta à noiva, nas peladas de Cataguases, era também péssimo goleiro, apesar de sua ótima envergadura.



José Lins do Rego

Entre os escritores, um dos maiores fãs foi José Lins do Rego: uma vez, no campo do Vasco, durante um sururu, a Polícia Especial atirou o corpulento romancista por cima do aramado. 

Zé Lins costumava dizer, depois disso, que passou a ser o homem mais valente do Rio de Janeiro, pois, no inquérito, figurou como agressor da Polícia Especial.





Otávio de Faria

O mais apaixonado e fiel é Otávio de Faria. 

Este vai a quase todos os treinos do Fluminense. 

Há uns dois anos, matando saudades do velho estádio, compareci ao campo do Vasco para ver um jogo entre o Fluminense e o São Paulo: encontrei na arquibancada o Otávio, no lado do sol, casaco e gravata, roendo as unhas como sempre.





José Honório Rodrigues

José Honório Rodrigues e Valdemar Cavalcanti são rubro-negros inseparáveis. O primeiro é um alucinado. Depois de um jogo no Maracanã, no qual o Botafogo levantara o campeonato carioca contra o Flamengo, ele partiu para mim como se fosse me dar um soco na cara; a meio caminho, mudou de ideia e me deu um abraço, dizendo-me que era a primeira vez que cumprimentava um botafoguense depois dum campeonato perdido pelo Flamengo.

Também encontrava muito no Maracanã o bom e saudoso amigo Cavalcanti Proença, que ia sempre para o meio da torcida popular, deliciando-se com as expressões do povo.

Lúcio Rangel é um dos maiores conhecedores da história futebolística do clube da Rua General Severiano. Como quase não freqüenta as partidas interestaduais e internacionais, o Lúcio explica: “Sabe duma coisa? Eu não gosto de futebol, gosto é do Botafogo”.

Emílio Moura

Em Belo Horizonte, o manso e místico poeta Emílio Moura, durante mais de vinte anos, compareceu aos estádios na companhia do manso e místico poeta Cristiano Martins. 

O Emílio, atleticano, perdia a calma e espinafrava acaloradamente o América; o manso Cristiano, americano, ouvia tudo em olímpica serenidade. 

Acabada a partida, Emílio invejava a superioridade do Cristiano. Vinte anos depois, num raro acesso verbal, o manso e místico Cristiano revelou ao Emílio que, por dentro, ficava a zumbir de ódio e paixão.




Fonte:

Ivan Cavalcanti Proença realizou uma das primeiras pesquisas acadêmicas sobre o futebol, em 1981. Ele defendeu no programa de Pós-graduação em Poética da UFRJ, a tese Futebol e palavra posteriormente editada em livro de mesmo nome (Editora José Olympio, 1981). O texto de Paulo Mendes Campos, “Passe de Letra”, encontra-se na pg. 143.








Acompanhe outros artigos sobre a Semana de Arte Moderna e o futebol:


O Leão da Toscana

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Um “livraço”...Essa é a definição correta para “O Leão da Toscana” (Editora Zahar, 2012). E se você, leitor, achava que um esporte como o ciclismo não renderia uma “grande” história, está pra lá de enganado. Os irmãos canadenses Aili e Andres McConnon conseguiram com sua prosa empolgante narrar a “emocionante história do ciclista campeão que desafiou os nazistas na Segunda Guerra e inspirou uma nação”. As aspas formam o subtítulo da biografia de um verdadeiro herói: Gino Bartali.

O que seria preciso dizer mais do que as impressões de Elie Wiesel, escritor e Prêmio Nobel da Paz: “’Não serás omisso’ é um poderoso ensinamento bíblico. Este livro oferece um exemplo emocionante de coragem moral. Um cidadão simples, e grande atleta, decide se opor a uma ditadura política cruel e racista salvando judeus na Itália. Era tão difícil tornar-se um herói então? Era o necessário – o necessário para permanecer humano.”

Abaixo, Literatura na Arquibancada destaca o texto encontrado nas “orelhas” de “O Leão da Toscana”.

Gino Bartali

“Poucas biografias são tão comoventes, inspiradoras e surpreendentes como a do italiano Gino Bartali, um dos maiores atletas do século XX e um herói secreto da Segunda Guerra Mundial.

Resultado de quase dez anos de pesquisa impecável, O Leão da Toscana acompanha a história de Gino desde a infância pobre em Ponte a Ema – vilarejo próximo a Florença –, onde descobre a paixão pelo ciclismo.  É numa velha bicicleta, comprada com dinheiro suado, que o garoto franzino começa a descobrir a vida sobre duas rodas.

Aos 24 anos, já bicampeão do Giro d’Italia, impressiona o mundo com uma vitória espetacular no Tour de France de 1938 e é transformado em ícone do esporte internacional.

Pressionado pelos fascistas, Bartali – católico devoto e contrário ao regime – recusa o posto de garoto-propaganda de Mussolini e é boicotado e acusado de antipatriota pelo governo. Com a entrada da Itália na guerra e a ocupação do país pelos nazistas, ele abriga a família de um amigo judeu em uma casa alugada e toma parte em ações secretas e extremamente arriscadas. Simulando estar em treinamento, aproveita sua fama e o vão do quadro da bicicleta para transportar identidades falsas que irão salvar as vidas de centenas de perseguidos.


Ao fim da guerra, Gino tenta recomeçar a carreira. Tratado com desdém pela imprensa italiana, fracassa no Tour de 1947, entrando no de 1948 desacreditado e subestimado. Chega a hora de provar por que é conhecido como “O Leão da Toscana”.

Narrada de modo eletrizante, esta é a história épica de coragem, persistência, humildade e redenção de um homem que nunca aceitou ser chamado de herói, mas cujos atos seguem inspirando gerações.”

Abaixo, Literatura na Arquibancada reproduz fragmentos de um dos capítulos da obra. Mas não qualquer fragmento. Nele, encontramos parte da narrativa empolgante sobre a forma que Gino Bartali envolveu-se na “resistência” durante a Segunda Guerra Mundial. Não deixe de ler o livro, pois o final é ainda mais surpreendente.

O círculo dos falsificadores
Por Aili e Andres McConnon


(...)

Gino falava a respeito de qualquer coisa, menos da guerra. Podia passar horas analisando a estratégia usada em uma corrida anos antes ou contando suas últimas ideias sobre a melhor alimentação antes de um treino. Seus rivais, contudo, constituíam seu assunto favorito, e, em 1943, isso significava Fausto Coppi, o presunçoso jovem que se tornara um sério competidor naquelas últimas corridas na Itália antes de a guerra ficar mais séria. Coppi parecia ser um dos pouquíssimos ciclistas capazes de enfrentar metodicamente os ataques em staccatode Gino, com uma fluidez inabalável que não se deixava capturar. Inevitavelmente, nessas corridas de treinamento, Gino jurava que iria ganhar o Tour de France outra vez. E calaria a boca daqueles críticos na comunidade ciclística que, ele supunha, começavam a espalhar o boato de que seu tempo já passara, que o chamavam de Il Vecchio, o Velho, um “vovô [que tinha de ser] levado para dar uma volta de vez em quando”.


Mas Coppi estava fora da Itália havia mais de seis meses, mandado para a África em uma das fracassadas campanhas militares de Mussolini. Nem o Tour poderia parecer mais remoto. Cinco anos depois da vitória de Gino, não era mais do que o sonho de um passado distante, anterior à guerra. E assim, nos raros momentos de silêncio em que treinava sozinho, sem parceiros, Gino lutava contra um crescente sentimento de desesperança. Acreditava que estava desperdiçando os “anos mais férteis” para conquistar as principais honras do ciclismo e ganhar os prêmios em dinheiro que seriam críticos para sustentar a família. Quaisquer que fossem seus planos para o futuro, eles minguavam a cada mês que se passava sem corridas.

Depois de 120 quilômetros, Gino chegou a Terontola, onde tinha um pequeno trabalho a fazer. Terontola era uma aldeia toscana típica, um aglomerado de prédios nas cores ocre e castanho, mas tinha uma particularidade incomum: era o lugar de baldeação entre a estrada de ferro norte-sul, a principal da Itália, e uma linha regional que seguia para o sudoeste, para Perugia, Assis e Foligno.


A cerca de quatrocentos metros da estação, Gino parou perto de uma ponte. Estava adiantado, de modo que fingiu estar ocupado examinando a bicicleta. Mas, enquanto mexia nela, observava os trilhos. Esperava um trem que passava por Terontola vindo do norte e que estaria trazendo refugiados judeus ou outros antifascistas fugindo para o interior ou para o sul da Itália. Aquela estação era particularmente perigosa, porque muitas vezes tinham de fazer baldeação, arriscando-se a ser detidos ou capturados ao atravessar as plataformas.

Os refugiados judeus temiam as estações de trem porque ficavam expostos a muitos inimigos. Como explicou um judeu italiano: “Era onde havia maior probabilidade de ser pego. Por toda parte, uniformes nazistas e fascistas e só Deus sabe quantos agentes do serviço secreto. O que mais chamava a atenção era a polícia militar alemã. Eram uns demônios altos, que caminhavam aos pares, impecavelmente vestidos em seus bem-passados uniformes cinzentos, com as mãos enluvadas atrás das costas e as botas bem-engraxadas batendo em ritmo lento e sincronizado. Uma placa de metal polido, com a palavra Feldgendarmerie gravada, pendia no pescoço por uma corrente, e ela balançava no peito enquanto eles vigilantemente ziguezagueavam em meio à multidão”.


Gino conhecia esses perigos, e assim, quando o trem finalmente surgiu ao longe, montou na bicicleta e entrou na cidade, parando no bar em frente à estação da estrada de ferro. A notícia de sua chegada logo se espalhou pela estação e por toda a cidadezinha. A presença em Terontola de um dos mais famosos astros do esporte italiano era um acontecimento palpitante, incomparável a qualquer outro. O dono do bar, que era amigo de Gino, cumprimentou-o; outro amigo, o alfaiate da cidade, e que trabalhava ali perto, ofereceu a Gino um sanduíche deprosciutto. Em volta, quem estava na estação se empurrava, procurando aproximar-se de Gino. Muitos queriam lhe dar um abraço ou um amistoso tapinha nas costas. Outros ficariam honrados em pagar um espresso para seu ídolo ou pedir um autógrafo.

Num instante, o barzinho ficou lotado, e Gino foi convidado a falar à barulhenta aglomeração. Disse algumas palavras amistosas de saudação e ouviu de volta aplausos ruidosos. Toda essa comoção extraordinária chamou a atenção de vários soldados na estação, alguns dos quais provavelmente bem que gostariam de conseguir um autógrafo também. Acredita-se que essa distração planejada tenha dado cobertura de alguns preciosos minutos para os refugiados e dissidentes que tentavam evitar alemães e fascistas ao trocar de trem.

Quando tudo acabou, Gino montou na bicicleta e rumou para a cidade de Perugia, onde planejava passar a noite em uma igreja local.


(...)

Ao alvorecer, Gino acordou na igreja perugiana em que havia passado a noite. Fez sua calistenia matinal, como em quase todos os dias desde 1936, e examinou a bicicleta. As distâncias entre o selim, o guidão e os pedais eram sempre as mesmas; qualquer diferença, ainda que de apenas um centímetro, poderia provocar distensão muscular ou dor durante uma corrida. Quando se deu por satisfeito com a bicicleta, montou e saiu da igreja. Colocou o boné de ciclista e partiu para Assis. No horizonte, o sol começava a se erguer. O mundo dormia, mas nessa hora do dia havia uma calma esperança que Gino sempre prezara. Era o momento em que as corridas longas começava, que o ciclista esperava, com nervosa animação, para verificar se as centenas de quilômetros de treino acumuladas em suas pernas tinham sido suficientes.

Saindo de Perugia, primeiro Gino foi devagar, “esquentando o motor”, como dizia, procurando perceber como seu corpo se sentia. Já haviam se passado quase seis meses desde a última competição, uma corrida reconhecidamente medíocre de tempos de guerra, mas suas pernas continuavam notavelmente fortes. A estrada desenrolava-se à sua frente como uma fita, verdes e prateados, com seus glóbulos maduros ainda sendo transformados em ouro líquido por algumas poucas pessoas de coragem. Gino forçou um pouco. O coração se acelerou, e sentindo calor ele tirou o abrigo e ficou só de camiseta. A estrada se nivelou, oferecendo-se como sedutora tentação. Gino forçou um pouco mais, deslizando pelos campos da Úmbria, mais selvagens e mais acidentados que os de sua Toscana natal. Finalmente, começou a sentir os contrafortes da cadeia montanhosa dos Apeninos sob as rodas. Mas continuava a manter uma reserva; uma subida de verdade só podia ser conquistada quando o último grama de força entrava em jogo. Gino olhou em volta e tentou avaliar a que distância estava de seu destino – e então olhou para o relógio e atacou.


À sua frente, a cidade de Assis destacava-se na paisagem, um aglomerado de mosteiros, conventos e igrejas cor-de-rosa e branco, empoleirado nas encostas do monte Subasio. Importante e austera, muito da história de Assis remontava ao século XIII e a seu morador mais importante, o monge e santo católico Francisco de Assis, reverenciado por seus ensinamentos de caridade e simplicidade. A ordem monástica de Francisco se espalhara pelo mundo, transformando o sonolento lugar em um importante centro de atividade religiosa. Gino conhecia a cidade: antes da guerra ele havia visitado suas igrejas, quando ganhara de presente do bispo local um cálice para a capela de sua casa. Naquele dia, porém, não viera a Assis em peregrinação. Estava ali para ver frei Rufino Niccacci.

Encontrou-o no mosteiro de São Damião, um grandioso prédio de pedra cor de aveia logo depois dos muros da cidade, num bosque de oliveiras e ciprestes. Gino se encaminhou para a pesada porta de madeira e bateu. De sua cela, Niccacci ouviu e correu para abrir e deixá-lo entrar.

“Você vai pegar uma gripe, Bartali!”, exclamou, olhando com surpresa para o ciclista de calções e camiseta e convidando-o a entrar.

“Treze quilômetros de Perugia aqui em um quarto de hora não está mau, não é mesmo?”, replicou Gino com um toque de fanfarronice, tirando o boné. Niccacci conduziu o ciclista para uma sala privada no mosteiro.


Depois de se certificar de que estavam sozinhos, Gino passou a trabalhar na bicicleta, com Niccacci observando enquanto ele retirava sua carga preciosa. Primeiro afrouxou o parafuso que prendia o selim, removeu-o e retirou o esconderijo de fotografias e documentos, que vinham enrolados e ocultos nas partes ocas da bicicleta. Niccacci pegou os documentos, desenrolou-os delicadamente e escondeu-os em um armário no qual se guardavam relíquias sagradas, no oratório do mosteiro.

Voltando-se para Gino, convidou: “Venha tomar café”. Caminharam para o refeitório dos monges, um salão de teto abaulado como uma catacumba, forrado de madeira marrom e pedras creme. Sentaram-se a uma das mesas compridas e gastas sob uma pintura quase em tamanho natural retratando a crucificação, e Niccacci serviu café de cevada torrada. Era uma refeição simples, mas Gino apreciou. Enquanto sorvia sua bebida, contou que o cardeal lhe dera instruções para ir mais ao sul, falar com um padre que tinha contato com alguns contrabandistas que talvez estivessem dispostos a ganhar um dinheiro transportando refugiados judeus pelas linhas de batalha até o território controlado pelos aliados. Na volta ele pararia de novo em Assis.

Quando terminaram, Niccacci acompanhou o hóspede até uma porta lateral. A conversa se encaminhou para o ciclismo, enquanto Gino colocava de novo o boné. “Um dia serei campeão outra vez. Vou mostrar a eles quem é Il Vecchio”, prometeu audaciosamente. Com isso, montou e partiu. 


Niccacci manteria esse encontro e os que se seguiram tão secretos quanto possível. Mesmo assim, em pelo menos uma ocasião foram flagrados por um monge que não estava envolvido com a rede. Aconteceu logo depois que Gino chegou com uma de suas entregas. Por acaso, Pier Damiano, na época com 22 anos de idade, estava saindo de sua cela quando viu o ciclista em pé na porta lateral. Confuso, Damiano parou e observou o estranho, reconhecendo imediatamente o rosto e a figura musculosa que já havia visto em inúmeros jornais.

Niccacci fez Damiano jurar segredo sobre a visita de Gino. Era essencial que a rede que eles haviam montado continuasse a funcionar sem interrupção, porque a chegada de Gino entregando fotografias só podia significar uma coisa: em Florença, o cardeal Dalla Costa estava precisando de mais documentos de identidade falsificados.

Sobre os autores:
Aili McConnon formou-se nas universidades de Princeton, Cambridge e Columbia. Ela colabora com publicações como Business Week, The New York Times, The Wall Street Journal e The Guardian. Vive em Nova York.

Andres McConnon formou-se em história pela Universidade de Princeton e colaborou como pesquisador para diversos livros.

Aili e Andres são irmãos.


Literatura na Arquibancada recomenda ainda os links abaixo, um filme raro sobre Gino Bartali:



Futebol: 10 x 0 no Estado de Direito

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Muito próximo de o país sediar mais uma Copa do Mundo, o jornalista e escritor Luiz Peagê organiza uma obra fundamental, não apenas para a literatura como para o esporte mundial. “Futebol 10 x 0 no Estado de Direito” (Clínica Literária, 2013) é um mergulho profundo nos bastidores do poder (ou poderosos) do futebol. Um “time” de “craques” de primeiríssima linha traz reflexões importantíssimas para quem quer saber como alguns poucos se apoderaram do “evento” futebol.

Literatura na Arquibancada recomenda a visita ao site de Luis Peagê (www.luispeaze.com). Além da forma de como adquirir a obra, o leitor é brindado com belíssimas crônicas do autor, textos e muitas informações sobre diversas áreas.

Sinopse:


O Futebol dá uma goleada de 10 x 0 no Estado de Direito. Em pleno século XXI,  essa atividade humana coletiva, capaz de mobilizar milhões de pessoas, é comandada pelo IFAB, formado por quatro membros institucionais que se reúnem apenas duas vezes por ano, e um presidente, da FIFA, com poderes robustos eleito de modo discutível por alguns poucos indivíduos. Este é o fio condutor deste livro-reportagem que inclui importantes depoimentos: Profª Conceição Gomes, pesquisadora da Univ. Coimbra,  Zico, ícone mundial do futebol, Prof. Muniz Sodré, UFRJ, Andrew Jennings, jornalista da BBC que revelou escândalos da FIFA, Prof. Candido Mendes, reitor da Universidade Candido Mendes, membro da ABL e da Comissão Afonso Arinos, que inspirou nossa atual constituição, Prof. Dennis Coates, Universidade de Maryland, Renske Leijten, membro do Parlamento Holandês, único país que protestou contra as demandas draconianas da FIFA, e o renomado jornalista Juca Kfouri.

A propósito, o livro começa e termina com uma estocada na crônica esportiva. Futebol, Direito, Jornalismo esportivo e o grande público, assuntos de interesse de todos os cidadãos.


A franquia Futebol, multitudinária e multibilionária, gravita numa esfera paralela ao Estado de Direito, e apenas apropria-se de seus mecanismos. O aparato do Direito Desportivo funciona ora em harmonia, ora sob tensão dentro do pluralismo jurídico, mas não impede que o Futebol supere as bases do Constitucionalismo ao redor do mundo.

É muito poder concentrado, e é esta a lente de aumento que este livro-reportagem utiliza para investigar o assunto e sinalizar um caminho possível para a sociedade (re)instaurar o seu domínio sobre o patrimônio imaterial universal que é o Futebol.

Futebol 10 x 0 no Estado de Direito, Nos direitos de cada um de nós.

CONTRACAPA:


O jornalismo é responsável por boa parte desse fenômeno ambíguo que é o Futebol, que transporta significados positivos e, se não forem também negativos, no mínimo são muito difusos. O objetivo deste “livro-reportagem” é destacar esta face difusa, raramente percebida do grande público e mesmo dos seus atores principais. Um fenômeno de dimensão planetária.

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Não há precedente desse fenômeno na história da nossa civilização: mesmo após inundar a paisagem mental coletiva – e não se trata aqui do inconsciente coletivo – o Futebol continuou sendo regulado pelos “guardiões das leis do jogo”, o IFAB e a FIFA, meia dúzia de indivíduos escolhidos ocasionalmente por outros poucos indivíduos. É muito poder concentrado e parece que ninguém contesta, pede mudanças, questiona todo esse poder.

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Peazê traz à tona pontos emblemáticos das entranhas do futebol como ele realmente é, tentando provar o imenso poder concentrado nas mãos da FIFA e do IFAB; Juca Kfouri foi ao fundo das tripas onde as piores coisas acontecem neste esporte tão amado, que nos torna crianças, que nos seduz, que seduz o presidente de um país do mesmo modo que seduz um proletário; Andrew Jennings, jornalista escocês da BBC que investigou escândalos da FIFA e os revelou para o mundo, afirma que “a FIFA é uma organização do sindicato do crime”; Muniz Sodré faz uma análise filosófica e social do futebol mostrando os traços de seu sistema feudal de organização vigente até hoje; o Prof. Candido Mendes diz surpreso “isso não pode, a Constituição não permite!”; O Prof. Dennis Coates (EUA) aponta falsidades nas projeções dos benefícios dos mega eventos; Zico dá o seu depoimento e recomenda mudanças;

Orelha

Zico

“...muitas coisas podem e devem ser feitas para aperfeiçoar, sobretudo, as entidades de administração do futebol.”
Zico

– Não. O salário de ministro não é bom, não quero trocar São Paulo por Brasília, mas, principalmente porque não vou ter autonomia para ‘não´ receber o presidente da FIFA...; pior ainda, porque não será o ministro procurado, será o Presidente da República, que acolherá a FIFA“
Juca Kfouri (ao recusar convite de FHC para Secretário de Esporte)

“A política vigente no futebol corresponde a um comportamento social que se poderia chamar de “pré-capitalista – com a presença de “feudos” de poder na organização internacional do futebol”
Muniz Sodré

Profª Conceição Gomes

"o futebol de hoje é também o compadrio, a baixa política, a incompetência, os negócios escusos, em que milhões de pessoas projetam toda a insegurança, as carências e a subserviência até ao excesso da loucura. Será este o quadro social onde se insere o futebol dos nossos dias, nesta dinâmica controversa de paixões e de ídolos, imbrincados com altos interesses financeiros; longe da pureza que terá caracterizado os seus precursores e que alguns teimam em lhe reconhecer."
Profª Conceição Gomes - Observatório da Justiça de Portugal

Sobre o autor:

 
Luis Peazêé escritor, tradutor e jornalista. Publicou, entre outros, a História do gênero Crônica, O Elo Perdido da Medicina (co-autoria), Alvídia – Um Horizonte a Mais (aventura), Tabela Heurística do Treinador de Futebol e traduziu Por Quem os Sinos Dobram de Ernest Hemingway. 
www.luispeaze.com

Nota do autor:
A obra será inicialmente lançada em formato Kindle, exclusivo pela Amazon.com.bre Amazon.com . Subsequentemente, na versão impressa.

Che Guevara, Madureira e Futebol

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Você sabia que Che Guevara, o revolucionário mais popular da história da América Latina também adorava o futebol? Che era torcedor do Rosário Central, da Argentina, e tinha como maior ídolo o craque Alfredo Di Stéfano. Che bem que tentou jogar, durante a juventude era goleiro.

Sabia ainda que o recorde brasileiro de permanência de um clube no exterior pertence ao Madureira, quando realizou 36 jogos em 144 dias no ano de 1961? O elenco viajou pela Europa, Ásia e Estados Unidos, obtendo 23 vitórias, 3 empates e 10 derrotas. Marcou 107 gols – média de quase 3 gols por partida. Foi o primeiro clube de futebol brasileiro a visitar o Japão e Hong Kong, nesta excursão.


Dois anos depois, foi a vez de o clube viajar pelas Américas. Os amistosos, negociados por José da Gama Correia da Silva, o Zé da Gama, português que presidiu o Madureira no biênio 1959/60 e atuava como empresário de futebol, começaram na Colômbia, seguiram-se na Costa Rica, passando por El Salvador e México. Em Cuba, o Madureira fez um total de cinco jogos, vencendo todos: Industriales (campeão local, 5 a 2), Municipalidad de Morrón, da Província de Camaguey (6 a 1), um combinado universitário (11 a 1) e uma seleção de Havana (vitórias por 1 a 0 e 3 a 2). A segunda, no dia 18 de maio, foi presenciada por Che Guevara, na época ministro da Indústria.

Todas as informações, inclusive o texto foram extraídas do site oficial do Madureira (http://madureiraec.com.br/wp/historia/), mas o artigo abaixo, assinado pelo escritor Marcos Eduardo Neves, autor da espetacular biografia sobre Heleno de Freitas, resgata em detalhes as aventuras do Madureira pelo mundo afora. Publicada originalmente na Revista Trip 189, no dia 08/06/2010 (http://revistatrip.uol.com.br/revista/189/reportagens/che-e-madureira.html), a história torna-se um documento raro para a literatura esportiva. Certamente, uma aventura que poderia, um dia, virar livro.


“Maio de 1963. Tempo em que não apenas a seleção brasileira viajava mundo afora. Enquanto o escrete de Pelé e Garrincha voava por Hamburgo, Amsterdã, Milão, Londres, Cairo e Tel Aviv, os clubes cariocas não se contentavam em acompanhar pelo rádio. O Fluminense excursionava por Suécia, Finlândia, Bulgária e Moscou. O Vasco exibia-se em Gana e na Costa do Marfim. O Botafogo viajava de Marrocos para Paris e de lá para Bélgica. O Flamengo conhecia Romênia, Polônia, Suécia, Áustria e a então Tchecoslováquia, entre outras culturas.



Jogador do Madureira cumprimenta adversário em um dos jogos.

Até aí tudo bem. O que soa como inconcebível é lembrar que, ao mesmo tempo, o modesto Madureira, pequeno clube do Rio de Janeiro, estava em Cuba. Do calor insuportável de seu bairro para o epicentro da Guerra Fria. Mais que isso: recebido com pompas, o tricolor suburbano, primeira agremiação esportiva a adentrar a pátria de Fidel Castro depois da revolução socialista de 1959, teve direito até a recepção do líder Ernesto Che Guevara.

Não pense que o Madureira contava à época com um grande time. Pelo contrário. A equipe era fraca tecnicamente. Antes de chegar à ilha, perdera para o quase amador Alajuelense, na Costa Rica, por um a zero. O placar não interessava tanto. E sim a cota de US$ 800.

Juramento anticomuna

Ironia do destino. Para que um clube saísse do Brasil, era preciso fazer até juramento anticomunista. Além de certidão negativa de imposto de renda, título de eleitor, certificado de reservista, fotos, visto no passaporte e o famoso “nada consta”, para se entrar nos Estados Unidos, por exemplo, fazia-se necessário estirar o braço direito jurando ser contra o comunismo, 100% democracia.

Nos quartos, havia gravadores. A recomendação era não falar sobre política.

Farah, ex-jogador do Madureira mostra seu álbum de recortes da viagem a Cuba.

O time brasileiro chegou a Havana no dia 11 do mês das noivas. Na bagagem, café, cigarros, poucas bolas, menos ainda jogos de camisas, alguns macacões de lã, flâmulas, escudos, uma bandeira do clube, pares de sapatos-tênis e um fogareiro. Além de uma substância proibida: “Não entrava dólar em Cuba”, lembra Farah, meio-campo da equipe, hoje com 72 anos. “Ao chegar à alfândega eles retiveram a moeda americana nos entregando o correspondente em pesos cubanos. Só nos devolveram os dólares na saída.”

A viagem foi viável graças a Zé da Gama, mais do que um homem de negócios, um pioneiro entre os empresários responsáveis por compra e venda de jogadores. Zé da Gama viabilizava excursões internacionais para grandes clubes. Mas, com ligações políticas com o Madureira, aliou-se a Carlos Teixeira Martins, ou Carlinhos Maracanã, executivo número 1 do clube na época, conhecido por suas relações com a Portela e com o jogo do bicho.

Tanques e rebolado


Aproveitando-se do fato de o Brasil estar na moda, devido ao bicampeonato mundial nas Copas do Mundo de 1958 e 1962, Cuba tratou a delegação carioca a pão de ló. O Madureira se hospedou no hotel Riviera. Nas paredes dos quartos, gravadores espalhados. Houve a recomendação de que não fizessem a besteira de conversar sobre política. Falar só banalidades. De preferência, futebol.

Passados alguns dias, faltou água no hotel. Para que Cuba não queimasse o próprio filme que pretendia vender, os brasileiros foram transferidos para o luxuoso cinco estrelas Habana Libre, que comportava até boate de alto nível.

“Na época do Fulgêncio Batista (ditador deposto pela revolução), crioulo não passava nem na porta daquele hotelzão”, sorri Alfredinho, ponta-esquerda do Madureira.

Detalhe de notícia de jornal cubano sobre a visita de Che ao time carioca.

Passeando pela cidade, os jogadores e dirigentes viram cenas que jamais sairiam da memória. “Tinha um prédio gigantesco com o rosto enorme do Fidel Castro estampado numa bandeira”, conta o ex-atacante. Não só isso. Casas com teatro rebolado rivalizavam com tanques de guerra e canhões. Tudo em nome da segurança da orla. “As mulheres, para você ver, tomavam a guarda e faziam a vigilância das 18h até o começo da manhã”, diz Alfredinho.

Numa visita a uma fábrica de charutos, os cariocas perceberam os trabalhadores sendo obrigados a aplaudi-los, visivelmente constrangidos. Mas, nos bastidores do sistema, os cubanos davam a alma para consumir produtos proibidos no país. “Queriam tudo o que a gente tinha”, recorda-se Farah. “Um zagueiro nosso vendeu suas roupas e saiu de lá cheio da grana.”

Sin perder la ternura

Na última partida, em 18 de maio, a quinta vitória em cinco jogos: Madureira 3 a 2 na seleção de Havana. Com seu indefectível uniforme militar verde-oliva, o então ministro da Indústria Che Guevara compareceu ao campo, ou melhor, ao estádio de beisebol adaptado para a prática futebolística. Sorridente, sem tensão, leve, feliz, Che entrou no gramado e cumprimentou um a um os jogadores. Argentino torcedor do Rosário Central, Che não era apenas um guerrilheiro destemido, mas também um goleiro frustrado, apaixonado por esportes. “Ele foi muito amável conosco, carinhoso. Até deixou uma flâmula com o Zé da Gama”, assegura Farah.

Dois anos após ser congratulado no Brasil com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul pelo presidente Jânio Quadros, Guevara se sentiu no dever de retribuir a gentileza, e quem se deu bem foi a delegação brasileira. Na mesma noite, os comandantes do comunismo se despediram no hotel do Madureira. Os jogadores ganharam caixas de garrafas de rum, que tinham como invólucro a frase “Cuba, País Libre de América”.

Goleiro frustrado, Che chegou sorridente e cumprimentou todos jogadores

Da esq. para a dir., Alfredo, Alfredinho, Che, Odir, o empresário Zé da Gama e Homero.

Em 27 de maio a delegação partiu para México, El Salvador e Panamá. Os mexicanos distinguiam jogadores de dirigentes e técnicos. Os primeiros eram classificados como artistas; os demais, turistas. Assim, cada atleta pagava US$ 43 para poder desenvolver sua “atividade artística”, ao passo que os demais membros, apenas US$ 3.

Ao pisar na Cidade do México, houve um choque de diplomacia. As caixas de papelão que protegiam o rum cubano foram dizimadas na alfândega. “Destruíram todas, alegando que faziam propaganda comunista”, conta Alfredinho. “Ao menos nos liberaram as bebidas...”

Após três meses e 20 dias de viagem, a delegação chegou ao Rio em 26 de junho. Três tardes depois, que dureza, os jogadores treinaram no campo da fábrica de tecidos Borborema. Estavam de volta à vida real.

Madu in China

O marechal Chen Yi cumprimenta Farah na viagem proibida do Madureira à China em 1964.

Não só em Cuba o Madureira fez história no começo da década de 60. O clube foi o primeiro do Brasil a dar uma volta ao mundo, em 1961. No total, foram seis meses de excursão pelos mais variados e exóticos cantos do planeta.

Entre aquele ano e o de 1964, o time conheceu quase todo o globo terrestre. Apresentou-se nos Estados Unidos, Japão, Indonésia, Malásia, Índia, Bélgica, França, União Soviética, África, Guatemala, Colômbia, Itália, Sri Lanka e por aí vai. Detalhe: no momento em que os militares deram o golpe no Brasil, o tricolor suburbano estava em plena China.

Na foto acima vê-se o meia Farah apertando a mão do vice-primeiro-ministro chinês Chen Yi, nomeado marechal do Exército Popular de Libertação e que respondia ainda como ministro dos Negócios Exteriores.

Em mais um pioneirismo de um clube que fazia, sem saber, história, o Madureira era o primeiro time brasileiro a visitar a fechada China comunista. Desfilou seu futebol mediano em Cantão, Pequim, Xangai e Tientsin sem licença da Confederação Brasileira de Desportos, a CBF da época, que cumpria determinação da Fifa que proibia jogos internacionais no país asiático.

Sobre o autor
 
Jornalista e escritor, Marcos Eduardo Neves é autor de “Nunca Houve um Homem como Heleno” (Zahar, 2012), “Vendedor de Sonhos – A Vida e a Obra de Roberto Medina” (Melhoramentos, 2006; Palavra (POR), 2006; Nowtilus (ESP), 2008); “Servenco, sobrenome Steinberg – a história do casal de engenheiros que construiu História” (Rotativa.Art, 2011); “O Maquinista – Francisco Horta e sua Inesquecível Máquina Tricolor” (Maanaim, 2009); e “Anjo ou Demônio – A Polêmica Trajetória de Renato Gaúcho” (Gryphus, 2002).
Passou por redações cariocas, como as do Jornal do Brasil e Jornal dos Sports. Editou revistas e uma enciclopédia esportiva para o jornal LANCE!. Curador do futuro Museu Flamengo, foi consultor e colaborador do filme “Heleno”, de José Henrique Fonseca, e colabora regularmente com revistas como Placar, Lola, Trip e Tam nas Nuvens. 

Megafone: Goya e a sociologia dos esportes

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Arte: Zuca Sardan


“Deixa Falar: o megafone do esporte”, espaço de debates que sai quinzenalmente, sábado sim, sábado não, aqui, no Literatura na Arquibancada, na Carta Maior (http://www.cartamaior.com.br) e no blog do Juca (http://blogdojuca.uol.com.br/ ), debatendo o esporte em geral e o futebol em particular, dialogando com a História, Política, Música, Economia, Literatura, Cinema, Humor, apresenta nesta sua quinta edição, artigo do mestre Ademir Gebara.

UMA PINTURA DE JOGADA DE UM ESPANHOL CHAMADO GOYA,
OU UMA PRÉVIA PARA A SOCIOLOGIA DOS ESPORTES.
Por Ademir Gebara


Para Johan Huizinga, historiador holandês, autor do clássico “Homo Ludens”, a brincadeira precede a cultura posto que os animais também brincam; porém não jogam e tampouco praticam esportes, eis aí uma questão central para pensar o esporte moderno. Iniciemos pelos jogos e brincadeiras.

“El Pelele”, é um dos mais populares e conhecidos cartões de tapeçaria de Goya (1746 – 1828). Carlos IV da Espanha, fez esta encomenda para sua sala de despachos solicitando quadros com temas campestres e jocosos.  Este tema carnavalesco, retrata um jogo no qual quatro jovens executam movimentos ritmados com uma manta, de tal maneira que um boneco, neste caso uma figura masculino, é manuseado, ou manipulado, sendo jogado para o ar sucessivamente.

Não é uma atividade competitiva, pelo contrário é solidária, pois é imperativa a coordenação motora entre as participantes no sentido de executar a brincadeira. A presença de um juiz é absolutamente dispensável, bem como não existem regras, embora possam ser sugeridas tentativas de movimentos diferenciados para o boneco, o que implica em um grau de coordenação crescente, já próximo de malabarismos. Talvez aqui possamos compreender a distancia entre uma atividade de passa tempo da elite, e uma atividade que implica em treinamento e, em um futuro próximo, uma certa dose de profissionalismo (esporte?). Brincar ou jogar para, e com o seu grupo, é diferente, nesta medida de buscar espectadores para uma determinada habilidade possivelmente profissional. 


O vestuário elegante das participantes indica um modo de vida refinado, com expressões de prazer e intensa participação, brincam tendo ao fundo um possível bosque de um castelo, divisando uma de suas torres. Sintomaticamente quatro mulheres, e apenas mulheres, manipulam um boneco vestido como palhaço. Tal situação seria simbolicamente impensável em passado não muito remoto. Nitidamente temos um universo onde a posição da mulher é indicadora de uma participação mais acentuada no jogo de poder entre os gêneros. Neste quadro, os passatempos sugerem um requinte e uma sofisticação que nem de longe apontam para qualquer participação popular.

Modelos desenvolvidos por Goya, também para tapeçaria, neste mesmo período, sugerem uma outra abordagem quando os estratos urbanos da população são focalizados, no caso seguinte, o grupo ou ação que centraliza o evento é apresentado tendo em segundo plano uma pequena multidão, a vida e a emoção das pessoas comuns tem um universo de compartilhamento permeado pela presença de inúmeros outros homens comuns, anônimos ou não, freqüentadores do cotidiano e das ruas das cidades.

Vejamos mais detidamente esta questão relativa aos jogos/brincadeiras populares, em relação à forma pela qual a elite foi retratada no quadro anterior. Na decoração da mesma sala de despachos, Goya pinta “Los Zancos” onde dois jovens usando longas pernas de pau, e acompanhados de dois outros a pé, tocando cornetas, se movimentam no interior de uma cidade, aparentemente anunciando um evento ou portando uma mensagem digna de se tornar pública. A ação retratada é, nitidamente, focada no sentido de chamar a atenção, do maior número de pessoas possível para o intento das quatro figuras em primeiro plano.


No segundo plano, observando a cena, temos uma grande quantidade de pessoas. O vestuário, os trajes e a atitude indicam claramente tratar-se de trabalhadores em atividades do seu dia a dia, contrastando com a auto-suficiência do grupo em foco no desenho anterior.

Neste quadro há um elemento novo que é a presença de pessoas envolvendo a cena, alguns, como as duas crianças mais centradas na movimentação da pintura, participando ativamente, outros, apenas olhando a distancia e com distancia. É visível um misto de participação e distanciamento das pessoas envolventes, estabelecendo-se assim uma nítida diferenciação entre o segundo plano de Los Zancos em relação a e El Pelele, onde a natureza é retratada inicialmente como moldura mais inóspita e depois já civilizada, este recurso à natureza que permite sobrelevar os altos estratos da elite é no último quadro substituído pela presença da população movimentando-se no seu cotidiano. Contudo, aqui também não temos atividade competitiva, tampouco regras ou mesmo a perspectiva de um eventual árbitro.

As emoções retratadas são diferentes das presentes no quadro anterior. Essencialmente a presença dos tocadores de corneta em ação, visa chamar mais ainda a atenção do entorno para a presença dos dois figurantes com as pernas de pau, todos os quatro convenientemente trajados, como se fossem uniformizados, de tal maneira que a performance em pauta deve referir-se a algum ritual encomendado, eventualmente até mesmo pago.

Há uma percepção pela direção das imagens segundo a qual os “zancos” estariam se dirigindo a jovem no balcão, poder-se-ia supor que a ela alguma mensagem pudesse estar sendo entregue, da mesma maneira, e o conjunto do movimento retratado assim o sugere, trata-se de uma atividade para a qual o grupo necessitaria ter algum tipo de treinamento, dada a presença de elementos de imprevisibilidade no decorrer da ação motriz retratada.

Como avançamos destas imagens do Século XVIII para os esportes modernos, com regras, juízes, records, prêmios e tudo o mais que se configuraria a partir dos anos 1850?

O nascimento dos esportes modernos na segunda metade do século XIX, será abordado em outras oportunidades, aqui no Deixa Falar: o Megafone do esporte, em paralelo às  inúmeras  transformações econômicas, sociais, políticas e culturais ocorridas nesta conjuntura histórica..

Sobre Ademir Gebara :

Graduado em História e Educação Física, mestre em História pela USP, PH D em História pela London School of Economics and Political Science., ex-diretor e coordenador de Pós da FEF Unicamp, professor visitante da Universidade Federal da Grande Dourados.




Dois toques do Megafone:

1)    Ademir Gebara ao lado de José Sebastião Witter faz parte do time dos precursores da análise e da pesquisa dos esportes/futebol na Universidade brasileira.

Gebara é autor de diversos artigos e livros, dentre os quais indicamos:

“Considerações para uma história do lazer no Brasil”. In: BRUHNS, Heloísa Turini (org.). “Introdução aos Estudos do Lazer”. Campinas, São Paulo. Unicamp. 1997

“Conversas sobre Norbert Elias”(depoimentos para uma História do Pensamento Sociológico), com apresentação de Eric Dunning - Biscalchin Editor - 2005.

2)    Na apresentação mencionada diz Eric Dunning: "a publicação de Ademir Gebara Conversas sobre Norbert Elias é, sob qualquer aspecto imaginável, um evento notável e significativo. O livro sinaliza o fato de que, sob a liderança do Professor Gebara, os historiadores e sociólogos brasileiros colocaram-se na dianteira, no continente americano, do envolvimento acadêmico com o pensamento de Elias".

Por fim além do que já foi dito acrescentamos que Ademir Gebara é torcedor apaixonado do São Paulo e um churrasqueiro de mão cheia.

* Deixa Falar: o megafone do esporte: criação e edição de Raul Milliet Filho.

Sobre os autores do “Deixa Falar: o megafone do esporte”


Antonio Edmilson Rodrigues – é América, livre docente em História, professor da UERJ e da PUC-RJ, pesquisador de História do Rio de Janeiro, escritor de temas vinculados à história urbana, coordenador do projeto Conversa de Botequim e autor de João do Rio, a cidade e o poeta.


Bernardo Buarque – professor da Escola Superior de Ciências Sociais (FGV) e pesquisador do CPDOC/FGV. `É editor da coleção Visão de Campo (7 Letras). Em 2012, publicou o livro ABC de José Lins do Rego (Editora José Olympio).


Flavio Carneiro – É botafoguense, além de escritor, roteirista e professor de literatura na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).www.flaviocarneiro.com.br.


José Paulo Pessoa – é botafoguense, ator, advogado, que achava o Didi mais impressionante que o Garrincha (que foi o maior que já vi!). Diretor, cantor e compositor do Bloco das Carmelitas, de Santa Teresa (RJ).

 
José Sebastião Witter – é torcedor do São Paulo, professor emérito da USP e professor normalista.


Luiz Carlos Ribeiroé professor do Departamento de História da UFPR e coordenador do Núcleo de Estudos Futebol e Sociedade.


Marcelo W. Proni – economista, doutor em Educação Física pela Unicamp, professor do Instituto de Economia da Unicamp, torcedor do Botafogo de Ribeirão Preto.


Marcos Alvito - é carioca de Botafogo e Flamengo até morrer.  É um antropólogo que dá aula de História na UFF desde o longínquo ano de 1984.  Perna-de-pau consagrado, estuda um jogo que nunca conseguiu jogar direito: o futebol. Mas encara qualquer um no futebol de botão. Acaba de publicar A Rainha de Chuteiras: um ano de futebol na Inglaterra (www.clubedeautores.com.br)


Raul Milliet Filho – é botafoguense, mestre em História Política pela UERJ, doutor em História Social pela USP. Como professor, pesquisador e autor prioriza a cultura popular. Gestor de políticas sociais, idealizou e coordenou o Recriança, projeto de democratização esportiva para crianças e jovens.



Ricardo Oliveira – é Vasco, jornalista, educador da prefeitura do Rio de Janeiro e pesquisador da História do futebol. Coordenador da pesquisa do livro Vida que Segue: João Saldanha e as Copas de 1966 e 1970.


Wanderley Marchi Jr – doutor em Educação Física e Sociologia do Esporte e professor da Universidade Federal do Paraná/BRA e da West Virginia University/USA.


Zuca Sardan (Carlos Felipe Saldanha) – É torcedor do Vasco, nasceu no Rio de Janeiro em 1933, mas vive em Hamburgo, na Alemanha. Estudou arquitetura, mas fez diplomacia. Estudou desenho, mas fez letras. Hoje dedica-se a desenhos, vinhetas, poesias e folhetins. 

Entre seus livros, estão: Ás de coletepoesias, desenhos e Osso do Coração.




Confira os outros artigos já publicados do Deixa Falar: o megafone do esporte


 

Megafone: Fora Marin e a tragédia de Oruro

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Arte: Zuca Sardan


Deixa Falar : o megafone do esporte sai em edição extraordinária para abordar dois assuntos: o abaixo-assinado pedindo a saída de José Maria Marin e o homicídio culposo de um adolescente no jogo Corinthians x San Jose.

Literatura na Arquibancada esclarece que o “Megafone do esporte” é um espaço aberto para discussões e reflexões sobre o esporte sem, contudo, concordar com artigos assinados por seus autores. No caso do item 2 deste artigo, “Homicídio Culposo”, LA deixa claro que, respeita, mas não concorda com os argumentos de seu autor, especialmente, na questão sobre a exclusão do Corinthians da Libertadores.

Dois toques do Megafone:

1) Fora José Maria Marin!

Deixa Falar: o megafone do esporte vem a público subscrever integralmente as palavras e o abaixo-assinado José Maria Marin fora da CBF!, elaborado por Ivo Herzog, presidente do Instituto Vladimir Herzog e filho do jornalista morto sob tortura nas dependências da OBAN, em São Paulo, em 1975.

“José Maria Marin tem sua vida ligada àqueles que sustentaram a ditadura brasileira. Fez discursos publicamente em favor do assassino, sequestrador e torturador Sérgio Fleury. Apoiou os movimentos que levaram à tortura, morte e desaparecimento de centenas de brasileiros. O caso mais notório é do jornalista Vladimir Herzog. Se a justiça não consegue processar estas pessoas por conta de uma lei de Anistia torta, não podemos permitir que Marin viva a glória de estar à frente do maior evento mundial da nossa história”.

Clique aqui para ler mais a respeito e assine.

2) Homicídio Culposo
Por Raul Milliet Filho (historiador, criador e editor do Megafone do esporte)

Kevin Espada, torcedor morto na Bolívia.
Sobre a violência que culminou com a morte de um adolescente de 14 anos no jogo Corinthians x San Jose, trata-se evidentemente de um homicídio culposo e como tal deve ser julgado, tanto pela justiça comum quanto pela desportiva.

O regulamento da Conmebol é claro e prevê o afastamento de clubes da Libertadores em situações como esta. As punições anunciadas até o momento são brandas e paliativas. Não advogo ritos sumários, nem tribunais de exceção, mas diante de um acontecimento desta gravidade impõe-se a exclusão do Corinthians da competição, a bem da ética e dos valores gregários do esporte.

A promiscuidade entre diretorias de grandes clubes e torcidas organizadas é conhecida e comprovada. Tudo isso remete a questões estruturais, mas que exigem medidas também de imediato. Li em vários lugares e concordo que Dr. Sócrates apoiaria o afastamento do Corinthians. Lembro do episódio da final da Copa Europeia em Bruxelas (Juventus x Liverpool), temporada 84/85, em que morreram 39 torcedores.

Após o incidente, a neoliberal Margaret Thatcher pressionou e acabou excluindo seis clubes ingleses durante cinco anos das copas europeias.

O que farão os mandatários do futebol brasileiro e sul-americano?

E o ministro Aldo Rebelo, ficará circunscrito a uma tímida e inócua nota de pesar?

Arte: Zuca Sardan
Acompanhe as outras edições do Deixa Falar: o megafone do esporte nos links abaixo:



O futebol explica o Brasil?

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Se você, leitor, quer conhecer historicamente a importância do futebol na sociedade brasileira tem que ler o livro do jornalista e historiador Marcos Guterman. “O futebol explica o Brasil - Uma História da Maior Expressão Popular do País(Editora Contexto, 2009) traça um arco que vai da introdução do futebol no país, no final do século 19, até a conquista do pentacampeonato em 2002. Uma viagem centenária repleta de informações e curiosidades.

Sinopse (da editora)

Charles Miller (centro, sentado) e o SPAC, em 1904.

De esporte de elite a entretenimento das massas; do amadorismo ao profissionalismo; dos salários modestos à globalização-exportação; o uso político do esporte e o uso da política pelo esporte. Quando se estuda futebol no Brasil, não se fala "só" de um jogo, mas da própria história do país, emaranhada com a evolução nas quatro linhas do campo.

O jornalista e historiador Marcos Guterman mostra a trajetória do futebol no país desde sua chegada da Inglaterra, a formação dos primeiros clubes, os craques, os grandes fracassos, as peculiaridades. O livro narra os acontecimentos do último século no Brasil, mas principalmente mostra como política, economia, sociedade e futebol estão muito mais associados do que costumamos imaginar. Assim, o esporte mais popular do mundo, se lido corretamente, consegue explicar o Brasil.

Introdução
Por Marcos Guterman

 
O futebol é o maior fenômeno social do Brasil. Representa a identidade nacional e também consegue dar significado aos desejos de potência da maioria absoluta dos brasileiros. Essa relação, de tão forte, é vista como parte da própria natureza do país – as explicações para o fenômeno geralmente vão mais na direção da Antropologia que da História. O que este livro mostra é que o futebol, pelo contrário, não é um mundo à parte, não é uma espécie de “Brasil paralelo”. É pura construção histórica, gerado como parte indissociável dos desdobramentos da vida política e econômica do Brasil. O futebol, se lido corretamente, consegue explicar o Brasil.

O esporte aparece primeiro como atividade da elite, importado e jogado por estrangeiros aristocráticos ou ligados aos investidores europeus que exploraram as oportunidades abertas pelo desenvolvimento do país no final do século XIX. Negros e operários só teriam vez ou nos campos de várzea ou quando passaram a ser decisivos para que os times de brancos ricos ganhassem títulos.

 
Os muros erguidos em torno do futebol não resistiram à formação das metrópoles brasileiras. Foram demolidos pela massa de trabalhadores que encontrou nesse esporte a essência democrática que lhe era negada em todas as outras áreas. A profissionalização do futebol foi uma consequência óbvia disso – as competições começaram a atrair grande público, e os
melhores jogadores passaram a ser disputados e remunerados por clubes cada vez mais interessados em competir para vencer. O futebol deixava de ser dândi e blasé.

Com a massificação, o futebol passou a ter também importância política. Sua capacidade de mobilização logo se impôs como elemento muitas vezes decisivo para definir o humor de um eleitorado crescentemente menos controlável. O mundo do poder político e ideológico também se reproduziu dentro dos campos de futebol – a Copa do Mundo da Itália, no auge do fascismo, em 1934, é talvez o melhor símbolo disso.

Quando se tornou global, o futebol passou rapidamente a ser o campo das disputas por hegemonia planetária. Ter o “melhor futebol do mundo” virou uma obsessão brasileira, perseguida como um projeto de afirmação nacional. A realização da Copa de 1950 no Brasil traduziu esse sonho, mas a força da ideia ficaria mais clara na Copa de 1970, quando a Ditadura Militar transformaria cada vitória brasileira em sintoma das nossas imensas possibilidades.

 
Mais tarde, porém, em meio a crises econômicas e à bagunça administrativa, o futebol brasileiro se transformou em exportador de craques no final dos anos 1980 – a chamada “década perdida”. O fenômeno coincidiu com a “desnacionalização” do futebol por meio da formação de times europeus a partir da colheita de atletas de todas as partes do mundo. A globalização entrou em campo e exigiu como premissa a descaracterização do elemento nacional. Para ver seus melhores jogadores em campo, os brasileiros não precisavam mais ir ao estádio. Bastava ligar a tv e assistir a qualquer campeonato da Europa. A seleção brasileira se transformaria, a partir dos anos 1990, em seleção “estrangeira”.

Mas a vitória brasileira na Copa de 2002, com a conquista do pentacampeonato, mostrou que ainda existia um “primus inter pares” no futebol, isto é, mesmo com toda a pasteurização das táticas e técnicas e a pulverização das fronteiras culturais, restava algo que ainda fazia o Brasil “superior entre os iguais”. O triunfo no Mundial disputado na Coreia e no Japão, simbolizado por um Cafu orgulhoso de sua origem social miserável, coincidiu com um momento de transformação do país, em que a afirmação nacional, ainda que tímida diante dos desafios, somou-se à maturidade da democracia brasileira e à promessa do resgate de séculos de dívida social.

Este livro, portanto, é otimista. Eu o escrevi por acreditar que, tanto no futebol como na vida brasileira, mesmo um time mais fraco é capaz de vencer.

Sobre Marcos Guterman:
Adicionar legenda

É jornalista profissional desde 1989. Trabalhou por 15 anos na Folha e desde 2006 está no Estadão, onde edita a Primeira Página. É historiador, com graduação e mestrado pela PUC-SP. Atualmente faz doutorado em História na USP, tendo o nazismo como tema de pesquisa. É autor do livro "O Futebol Explica o Brasil". Sua pátria é o Santos Futebol Clube.

60 anos de Zico

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Zico completa 60 anos, domingo, dia 03 de março de 2013. Literatura na Arquibancada apresenta abaixo uma série especial sobre a vida do Galinho de Quintino, publicada no ano passado por aqui. No futebol brasileiro, Zico é uma das figuras mais populares e premiadas por tudo que fez dentro dos gramados até quando parou de jogar definitivamente no ano de 1994.

Zico é dono de marcas impressionantes em sua vida profissional. É quase um Deus para a torcida do Flamengo. E não é à toa. Tornou-se o maior artilheiro na história do Maracanã com 333 gols. Foi eleito como o terceiro maior jogador de futebol brasileiro do século 20, pela Federação Internacional de História e Estatísticas do Futebol (IFFHS). As honrarias não param por aí. Zico é um dos quatro brasileiros a figurar no Hall da Fama da Fifa (os outros são Pelé, Garrincha e Didi). A Fifa também o considerou o oitavo maior jogador do século 20 e no Brasil a revista Isto É colocou-o em nono lugar como Brasileiro do Século no esporte. Na Inglaterra, a revista World Soccer colocou-o em décimo lugar no ranking dos melhores jogadores de todos os tempos.


Não é pouco. Apesar de todas essas conquistas Zico encerrou a carreira sem conseguir conquistar um título mundial pela Seleção Brasileira. 

No Japão, onde foi jogador e treinador, ganhou o apelido de “Deus do futebol”. Até estátua recebeu em homenagem por tudo que fez por lá.

Apesar de todas essas façanhas e o prestígio acumulado ao longo da carreira, Zico talvez tenha se tornado tão carismático entre os torcedores brasileiros por conta de uma característica pouco vista no mundo do futebol: a simplicidade. 

Na entrevista exclusiva, abaixo, Zico relembra seu início de vida no subúrbio carioca em Quintino, as decepções e alegrias na longa carreira como técnico e jogador e várias outras histórias. E para aqueles que ainda sentem saudades do futebol arte da seleção brasileira de 1982 da qual ele fez parte, Zico revela o que faria se pudesse voltar no tempo e mudar a história daquele dia em que o Brasil acabou desclassificado pela Itália. No final desta entrevista, Literatura na Arquibancada recomenda a leitura dos outros posts feitos sobre a vida de Zico, o "galinho de Quintino".

Literatura na Arquibancada:
Passados 59 anos (agora 60), quando você se lembra dos tempos do Juventude, de Quintino, o que lhe vem a cabeça?

Zico no Juventude de Quintino.

Zico:
As peladas de rua, coisas boas, naturais, descontraídas e onde a gente começa a dar os primeiros passos. As peladas na calçada, no paralelepípedo, e onde a gente foi formando o time do Juventude até chegar no time do futebol de salão, que hoje é o futsal. Quintino foi uma grande escola, o fato de você jogar todos os sábados e domingos aquelas peladas – e modéstia a parte eu era bom – me chamavam pra jogar em todos os times...Sábado e domingo eu jogava em tudo quanto é lugar.


Toda hora tinha uma pelada, em campo de terra, campo de 11, mas de terra. Tinha futsal, tinha pelada em terreno baldio, pelada no meio da rua com aqueles paralelepípedo de gol, era de tudo...Foi assim que a gente aprendeu a tabelar com o meio fio, a parede, tinha reflexo para a bola bater no buraco e ir para um canto e outro e você saber para onde ela ia...Então, os campos do Americano, Bariri, Volta Redonda para mim não eram problema (risos).

L.A:
Qual foi sua maior decepção pessoal e profissional? (tanto como jogador, treinador e dirigente)


Zico:
Pessoalmente, graças a Deus não tivesse decepções. As coisas que não foram favoráveis eram rotinas da vida mesmo.  Mas a grande decepção no futebol foi a não ida à Olimpíada, em 1972. Pelas circunstâncias, pelo fato de eu ter feito o gol da classificação do Pré-Olímpico, na Colômbia, por estar jogando bem a ponto do treinador ter ido falar comigo para voltar a jogar nos juvenis, para eu me manter em atividade e ele poder me convocar. 

Eu voltei, fomos campeões, eu fui o artilheiro e meu nome não estava na lista. Essa foi minha maior decepção que me fez quase parar de jogar futebol.

Zico e o irmão Edu.

Eu só não parei porque tive dois irmãos que jogaram e que passaram por momentos tão difíceis quanto esse e me fizeram perceber que o Flamengo não tinha culpa de nada, que eu tinha compromisso é com o Flamengo...Mas a decepção com o futebol é grande. A gente na família já teve um exemplo do meu irmão Antunes que por causa de meu pai não querer assinar um contrato de gaveta, o diretor do Fluminense, que também era da Seleção Brasileira, não o levou para a Olimpíada de 1964. O Edu, eleito por toda a imprensa, melhor jogador do Brasil em 1969, não foi à Copa de 1970. Então a família tinha meio que essas coisas. Foram eles que me fizeram seguir em frente.

Zico, técnico do Olympiakos.

Como treinador não tive problemas. Tive essas coisas de sair de um lugar e que acabou gerando um fato inédito. Eu fui demitido por um Oficial de Justiça em casa !!! Eu nunca tinha visto isso. Aconteceu no Olympiakos, da Grécia. Mas isso é falta de, não vou dizer de escrúpulo, mas de conhecimento de futebol. Você ter um diretor de futebol que trabalhava com metrô e não sabia nada de futebol só poderia dar nisso. Ele disse, simplesmente, que queria conversar comigo para que eu pedisse demissão e eu disse a ele que não ia pedir, porque nosso time estava em segundo lugar, e eu achava que perder um jogo não tinha nada a ver.


Ainda mais com o campeonato na segunda rodada do returno. E disse também que acreditava que o time ainda tinha condições de disputar a Champions League, fato que acontecia pela segunda ou terceira vez na história do clube. Aí ele falou que seu eu não pedisse demissão não cumpriria nada que estava no contrato. Então eu disse a ele: “então está bom, amanhã, se o senhor não me mandar algum documento, vou lá dar o treino”.  Aí ele mandou o Oficial de Justiça. Perdeu tudo, coitado, porque teve de pagar, não ele, porque todos os dirigentes foram embora, e depois o presidente foi até preso. Eu levei o caso a Fifa e aí entrou uma diretoria nova no clube. Para não ter problema, pagaram tudo.


Como dirigente, também não. 

Esse negócio que aconteceu no Flamengo, isso aí das pessoas serem infiéis é mais do que normal. 

O que fica de tristeza é que mesmo por tudo o que você fez no Flamengo foi aberto um inquérito de desconfiança, de eu querer lesar o Flamengo através de um contrato que até hoje, quem assinou, nunca veio a público para dizer se o contrato era ou não lesivo ao Flamengo.
  
L.A:
O que você faria novamente em sua vida para corrigir algum erro do passado? E qual teria sido (se é que existiu) o grande erro em todos esses anos?


Zico:
Eu acho que hoje é muito fácil, depois de as coisas acontecerem, você chegar e corrigir o que aconteceu. Eu acho que se tivesse alguma coisa que eu não fiz e gostaria de ter feito teria sido, por exemplo, o gol de empate contra a Itália, naqueles 3 a 2, na Copa de 1982. Aí sim valeria a pena voltar no tempo. Por tudo que aquela seleção representou e marcou eu acho que são resultados que acontecem no futebol, mas se tivesse alguma coisa que eu gostaria de ter feito teria sido isso, nem a vitória precisava, o empate já bastava. 

L.A:
Existe alguém (exceto familiares) que já tenha falecido, mas ainda te faça chorar só de lembrar nesta pessoa? Se existe, fale um pouco sobre ela.

Dr. Giuseppe Taranto e Zico.
 
Zico:
Não que me faça chorar, porque os momentos vividos foram tão bons que não seria motivo para chorar. Faz parte da vida você ter sido levado.  Eu falo do Dr. Giuseppe Taranto, uma pessoa que realmente representou muito na minha vida, como médico, como pai, como amigo, mas faleceu. Viveu muito bem, muito tempo, chegou aos 74 anos. Fazia aniversário no dia seguinte ao meu (04/03), sempre comemorávamos juntos. Fazíamos ceia na minha casa, convidava ele e quando passava da meia-noite comemorávamos juntos.

Outra pessoa foi o Geraldo, ex-jogador, grande amigo, morte prematura. 

L.A:
O que o Zico de hoje, experiente, tem a dizer para o Zico de Quintino?


Zico:
A mesma coisa que eu digo para os jovens. Gosta de alguma coisa, quer seguir em frente, você deve se entregar de corpo e alma para o resultado acontecer. Porque, às vezes, você nasce com um dom mas se não intensificar isso, não se dedicar, e achar que com aquilo só já está bom não vai chegar a lugar algum. É o que eu falo ainda hoje para os jovens, que eles tem que estar querendo sempre aprender alguma coisa, fazendo daquilo a sua grande atividade. Porque o que eu vejo muito hoje é que vários profissionais que tem outras atividades e não se dedicam a dele específica, que faz ele conseguir tudo na vida. Futebol o que eu aprendi foi isso. Graças a exemplos dentro de casa, como o meu pai, como alfaiate e eu via a dificuldade que ele tinha para sustentar os seis filhos, trabalhar de manhã a noite, para não deixar faltar nada pra gente. Isso tudo foi um grande aprendizado para mim.

L.A:
Qual é a sua maior virtude e o seu maior defeito?

Zico e o irmão Edu comemorando o título pelo Fenerbahce.

Zico:
Acho que minha maior virtude é a determinação. Aquilo que eu me proponho a fazer eu me entrego de corpo e alma. Defeito a gente tem vários. Um deles é querer botar as coisas todas nos seus devidos lugares. Um perfeccionista, talvez.

L.A:
Financeiramente você é um profissional resolvido. O que lhe falta conquistar na vida? Tem algum sonho a realizar tanto na vida pessoal quanto na profissional?

Zico:
Na vida profissional muito além do que eu esperava. Hoje o que eu quero é estar mais juntos dos meus netos do que eu estive com os meus filhos.


Muitas coisas eu não pude acompanhar de perto, festas dos dias dos pais, porque estava concentrado...viajando e todos os pais estarem lá e o meu sogro lá, no meu lugar...Poder buscar e levar as crianças na escola...Hoje eu estou fazendo isso muito mais com meus netos. Ainda bem que meus filhos entenderam tudo isso. (Zico havia acabado de chegar da escola onde fora buscar o neto Felipe quando deu essa declaração)

L.A:
Se tivesse “poderes” especiais o que gostaria de mudar no futebol?


Zico:
A violência. Gosto do jogo limpo. Aquela coisa de entrar no campo para matar jogada, entrar no campo para fazer falta não tem nada a ver. O futebol tem que ser jogado. Essa é uma das coisas boas que o Telê deixou. Ensinar os jogadores a jogar futebol. 

L.A:
Até quando pretende ser treinador de futebol?

Zico:
Não sei. Até quando tiver “saco”, prazer ou quando deixarem. 

Porque a gente nunca sabe. 

O futebol é muito imprevisível, a gente é sempre interino.


Hoje, principalmente por causa de muita gente que se sente dona dos clubes, uns são verdadeiramente e então eles fazem disso uma brincadeira, não tem respeito aos profissionais, não tem respeito a ninguém, simplesmente, tomam decisões sem critérios, sem nada, por ser nada, por ser o bambambam, por ter dinheiro. No futebol, também existe aquela coisa hoje de te atravessarem. O dia que eu quero contratar um jogador eu tenho de falar com empresário, não pode ser de presidente para presidente, sempre ter que ter um intermediário...  

L.A:
Você gosta de ler? Quais são os livros que citaria? (da literatura esportiva e em geral)


Zico:
Leio vários livros. De tudo um pouco. Futebol, biografia, romance, leio tudo. Ganho muitos livros. Leio tudo, ainda mais eu que viajo muito, viagens longas, aí já viu...Do esporte, o que me marcou muito foi a biografia do Garrincha, escrita pelo Ruy Castro. Apesar de eu ter visto muita coisa do Garrincha, porque peguei ele no Flamengo. Fui visitá-lo quando ele já estava no final. Não tinha assim tanta amizade, mas muita coisa eu não conhecia e acabei descobrindo neste livro. Me marcou bastante por tudo o que ele representou. Eu acho que ele não merecia ter o final que ele teve. Eu acho que quiseram tirar ele do habitat onde ele se sentia feliz. Era um cara para viver no campo, viver na fazenda, no mato, porque ali era a vida dele. Quiseram trazer ele para o centro da cidade para fazer coisas que não davam prazer a ele, porque ele ser o Garrincha, para se aproveitarem da fama, prestígio. O negócio dele era ficar lá, com os amigos, com os passarinhos, com a vida dele tão gostosa. Acho que poderiam ter dado essa felicidade para ele.

Complete as frases:

Jogar com Sócrates foi...maravilhoso, exigia inteligência.

Ser treinado por Telê foi...aprender a disciplina no esporte.

                        A Copa no Brasil vai ser...uma incógnita.


Ser brasileiro é...ser criativo, corajoso e determinado.

Dinheiro é bom, mas...sempre ajuda.

                           Ser Flamengo é...um estado de espírito, 
                              uma paixão, minha segunda casa.

Confira abaixo os outros três artigos da série especial sobre Zico, que completa 60 anos, dia 3 de março:


Os reis do futebol

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A primeira grande aventura do futebol brasileiro ao “velho continente” aconteceu somente 30 anos após a introdução do esporte no país. E o protagonista desta história foi o Clube Atlético Paulistano, único tetracampeão consecutivo do Campeonato Paulista (1916 a 1919), e melhor equipe do estado com onze títulos (1905, 1908, 1913, 1916, 1917, 1918, 1919, 1921, 1926, 1927 e 1929) contra sete do Corinthians e três do Palestra.

Na Europa, acabaram coroados "reis do futebol".  Foram 10 jogos, contra franceses, suíços e portugueses. O saldo incrível foi de nove vitórias e apenas uma derrota, 31 gols marcados e oito sofridos. Os jogos foram esses:


15/03/1925 Paris Paulistano 7 X 1 Seleção da França
22/03/1925 Paris Paulistano 3 X 1 Stade Français
28/03/1925 Cette Paulsitano 0 X 1 Cette
02/04/1925 Bordeaux Paulistano 4 X 0 Bastidienne
04/04/1925 Havre Paulistano 2 X 1 Havre/Normandie XI
10/04/1925 Strasbourg Paulistano 2 x 1 Strasbourg
11/04/1925 Berna Paulistano 2 X 0 Auto Tour
13/04/1925 Zurich Paulistano 1 X 0 Seleção da Suiça
19/04/1925 Rouen Paulistano 3 X 2 Rouen
28/04/1925 Lisboa Paulistano 6 X 0 Seleção de Portugal
 
Foram mais de 20 dias de viagem até o desembarque em Paris. Uma viagem bem diferente das atuais: sem concentração, bicho e dinheiro. Cada atleta tinha de bancar seus gastos. A excursão foi “bancada” pelo Stade Français, equipe francesa, enquanto as despesas com transporte, hospedagem e alimentação, das rendas dos jogos e do bolso de Antonio Prado Junior, presidente do Paulistano.







Crédito (foto ao lado): 
Equipe que venceu o Stade Français por 3 a 1. Em pé: Antonio Prado Junior - Orlando Pereira - Amphilóquio Guarisi Marques (Filó) - Mário Andrada e Silva - Arthur Friedenreich - Durval Junqueira Machado - Ernesto Pujol Filho (Netinho) - Mariano Procópio e Juan Mestre Alijostes. Agachados: Bartholomeu Vicente Gugani - Sérgio - Nondas - Júlio Kuntz Filho - Francisco Abate e Clodoaldo Caldeira.

No dia 8 de março aconteceu o primeiro treino e o primeiro jogo, no dia 15 de março de 1925, no estádio de Búfalos, em Mont Rouge, Paris. O adversário: a seleção da França.

O time do Paulistano deixou o futebol oficialmente em 15 de dezembro de 1929.

Toda essa façanha foi resgatada em um livro histórico, escrito curiosamente por um dos jogadores integrantes da equipe, Araken Patuska. “Os reis do futebol” demorou a ser lançado, em 1945, vinte anos após a importante conquista.

Literatura na Arquibancada agradece ao pesquisador e colecionador, José Renato Santiago pela cessão do exemplar raro de sua coleção.

Como pano de amostra de “Reis do Futebol”, o autor lançava na “Gazeta Esportiva”, de 11 de março de 1944 este artigo.

Por Araken Patuska


Estamos hoje a 19 anos de um dos maiores feitos do futebol brasileiro. Pois, meus leitores, por distinção do Sr. Antonio Prado Junior, presidente do C. A. Paulistano autor desta façanha, mereci a honra de ter sido incluído na luzida embaixada que conquistou para o Brasil um punhado de glórias e o título de “Reis do Futebol”. Justamente a 10 de fevereiro de 1925, embarcávamos em Santos, a bordo do vapor “Zeelandia”, do Loyd Real Holandês, com rumo a Cherburgo.

Chefiava a embaixada Orlando Pereira, veterano campeão do clube e diretor esportivo na época. Compunham a comitiva: arqueiros: Nestor de Almeida e Julio Kuntz, este já falecido; zagueiros: Clodoaldo e Caetano Caldeira, Luiz Lopes de Andrade e Bartholomeu Vicente Gugani, mais conhecido por Barthô, também falecidos, médios. Sérgio Pereira, Epaminondas Motta (Nondas), Francisco Abate, Maurício Vilela, Juan Mestres Alijostes e Seabra jogador do C.R. Flamengo, do Rio de Janeiro, atacantes: Amphilóquio Marques (Filó), Mario de Andrade e Silva, Arthur Friedenreich, Araken Patusca, do Santos F.C,  Ernesto Pujol Neto (Netinho), Antonio Carlos Seixas, Durval Junqueira, do C.R. Flamengo, e Miguel Feite, do C.A. Ipiranga.

A imprensa era representada pelos srs. Americo Neto, do Estado de São Paulo, e Mario Vespaziano de Macedo, do S. Paulo Esportivo, jornal de esportes daquele tempo, acompanhavam-nos ainda as sras. Mario Vespaziano de Macedo, Julio Kuntz e Sergio Pereira, com seu filhinho.


A bordo, o nosso “Chorinho” foi logo organizado. Fried ao violão, Miguel ao violino, Guarani, ao piano, Netinho na caixa de fósforos, que já era batida, acompanhando os sambinhas, e Araken Patusca, de chocalho em punho, era o “canteiro”. Grandes sucessos, bailes, exibições de maxixe, conquistas e “otras cositas”...foi mato...E quais arrojados bandeirantes, em busca de glórias, recebendo os rapazes do C. A. Paulistano, em Santos, Rio de Janeiro, em Salvador da Bahia, e Recife, os adeuses dos patrícios e os votos de vitórias, fomos até nosso destino.

De Cherburgo, onde tivemos que deixar os cigarros que lavávamos na Alfandega, ou pagar direitos para passar com eles, fomos a Paris. Noitinha, 7 horas, “gare du Nord”, primeira grande impressão da Cidade-Luz, movimento, corre-corre, trens que chegam e saem, tudo barulhento, tudo grandioso, escadas que levam às plataformas sem que necessitemos mover as pernas, taxis, destino Hotel du Mont Thabor. Juntinho à Praça da Concordia, a maior do mundo, jardim das tolherias cheio de história e poesia, mais de mil faróis de automóveis nos cegam na enorme praça, correm em todas as direções. Fim de inverno, capotas de carros ainda cobertas de neve, impressão primeira e maravilhosa. Um bom chá...cama e cansaço do dia de viagem por terra nos domina, dormimos sonhando com o nosso Brasil e o que se poderia fazer em Paris. Pela manhã, passeios de reconhecimento. Divisamos pertinho do hotel, o Café da Paz, centro dos brasileiros em Paris. Os grupos se dividem. Miguel Feite e Abate, mais afoitos, se metem pelos trens subterrâneos, e resulta que ficaram 3 horas, lá por baixo, fazendo baldeações e baldeações, estudando mapas, sem encontrar o caminho do hotel. Os grandes “boulevards” estão a dois passos. Paris é nosso...mas, há sempre o mas...seu Antonio nos chama, nada de ilusões, meninos, vamos mover as pernas, não bailando nos cafés, e sim em Saint Cloud, onde o Stade Français, clube que nos recebe, tem seu estádio.


Tomamos o ônibus, que nos leva a Floresta, agasalhados em excesso, frio intenso, gelados quase, saímos do carro, para o grande campo de esportes. Treinos, inverno a acabar, pernas duras da viagem, terreno naturalmente lamacento, ginástica e massagens para nos animar, William Gueraud, posto à nossa disposição, se mexe, Barthô sempre alegre, o apelida logo “Pilantrão”, ele gosta do apelido e ri satisfeito, torna-se grande amigo da rapaziada; nos serviu muito.

Ao deixarmos o campo acontece a primeira; foi com Netinho. Rumo aos vestiários, na porta está atravancando o caminho um rapaz simpático e sorridente. Netinho chega-se a ele, e diz, todo mesura e gentileza, permite a passagem, seu trouxa...e empalidece ao ouvir a resposta: –  “Pois não, meu caro patrício”!

Netinho não se dá por achado, abraça-o e tudo é levado em brincadeira, e como estas, dezenas delas. Voltamos a treinar sempre em S. Cloud, enquanto os uruguaios venciam quadros e quadros franceses por resultados pequenos e bastante difíceis. No dia 14 de março, somos chamados no hotel pelo nosso presidente, que nos diz: – Chegou a hora; vamos jogar amanhã e mister é que não se esqueçam que no Brasil estão de olhos fitos em nós; precisamos honrar nossas tradições de paulistanos e de brasileiros. Emoção na turma. Quem irá jogar, perguntamos a nós mesmos, alguns torcendo para não figurar e outros ansiando por ouvir seus nomes. Afinal, estoura a bomba. Vão jogar amanhã os seguintes rapazes. Silêncio, de ouvir o voar dos mosquitos. Sai o primeiro nome: Nestor, treme o garoto de 18 anos; Clodoaldo e Barthô, alegria nos dois zagueiros; Sergio, Nondas e Abate, satisfação. Agora os atacantes. Filó, outros dezoito anos em festa, Mario, Fried, Araken e Netinho. Abraços de boa sorte dos que não vão vestir as camisetas do Paulistano; não há substituição, por isso não há reservas.


A guerra de nervos aí iniciada só terminou quando, depois de ouvirmos postados diante da tribuna de honra de Bufalo, o estádio onde jogamos contra a seleção da França, o nosso Hino Nacional Brasileiro, com lágrimas nos olhos, vimos Mario de Andrade, 16 segundos após sofrermos o primeiro tento, empatar a partida; aí nos refizemos, aí surgimos como verdadeiramente éramos. O que foi a nossa reação, nos conta o resultado final, 7 a 2, com maior riqueza de detalhes que poderia contar a palavra aqui escrita. Um episódio contado por um jornal da época, diz o que foi essa luta titânica que nos premiou com o título dado pela crítica francesa de “Le rois du football” (Os reis do futebol). No estádio de Bufalo, o quadro brasileiro do C. A. Paulistano enfrentou a seleção da França. Nas arquibancadas estavam sentados junto a um grupo de brasileiros um senhor e sua gentil filha; ela mignon, delicada, fina e palradora, ele grandalhão, cabeleira, bigodes bastos e sarrentos – retira do canto da boca um respeitável cachimbo e refestelado na sua sapiência, obtemperou:

– Pardon, monsieur; le Brésil c’est une colonie argentine qui est um grand pays de L’Amérique du Sud. (Perdão, senhor; o Brasil é uma colônia argentina que é um grande país da América do Sul)
– Il n’y a pas de quoi. (Não tem de quê)
– Ah! Merci. (Oh!, obrigado)

Nesse momento, entram pelo pseudo gramado os brasileiros, na imaculada brancura de seu fardamento, intangidos de frio.


Desse modo, eles pareciam mais débeis e franzinos e davam-nos a ideia de um bando de níveas garças encorujadas pelo açoite cruel das nevadas...

Um sussurro, um murmúrio perpassou pelos espectadores: toda aquela mole humana parecia ter uma surpresa, um sentimento de alívio ao depará-los.

Apenas umas chochas palmas de pragmática saudaram-nos.

A nossa francesinha, não contendo a sua estupefação exclamou:

– Mon Dieu de la France! Ils sont trop petits! Mais ils sont blancs et pas sauvages… (Meu Deus da França! Eles são muito pequenos! Mas eles são brancos e não são violentos...)
  C’est vrai! (É verdade!) – respondeu o pai.
  Je crois que la victore est a la France: ils sont trop petits. (Eu creio que a vitória será da França: eles são muito pequenos.)
  Certainement! (Certamente)

Assomam ao campo os gauleses: estrugem os aplausos calorosos e a alma parisiense vibra em hinos de incitamento a seus defensores.

Colocam-se os contendores. Começa a peleja. “Les petits” (Os pequenos) mal se sustentam de pé: escorregam, fazem piruetas, patinam sobre um lençol de lama que lhes macula a brancura de suas vestes. E diante daquela assistência se não hostil, contudo indiferente – são tomados de indefinível nervosismo; suas pernas fraquejam, seus músculos bambeiam e a vista anuvia-se...Barthô, ao primeiro impulso escorrega e cai fragorosamente com grande gozo da assistência. Clodoaldo vem em seu auxílio e repete-lhe o feito: o povo não se contem e chasquea-os em vaias estrepitosas e chalaças cruéis.


Bardot, que carregava a bola, não encontra obstáculos ao seu desiderato e, sozinho, diante de Nestor envia-lhe formidável arremesso que ele não pode conter, devido ao estado precário do terreno. Um delírio inenarrável se apossa daquela colossal massa humana. Ouvem-se os comentários mais desairosos a nosso respeito: Hes ne sont pas les maitres du foot-ball! C’est um grand bluff. (Eles não são mestres do futebol! São um grande blefe.)

Amortecem os aplausos e, repentinamente, rompe o espaço um vibrante grito: Viva o Brasil!
Era a voz súplice da pátria distante. Como que um raio de energia suprema invadiu a alma daqueles “petits brèsiliens” (pequenos brasileiros), seus músculos se retezam, suas pernas se perfilam, e seus olhos se desanuviaram. E desse momento, eles só divisavam o auri-verde pendão da nossa terra a sossobrar...Fried grita: “o Brasil precisa vencer”, e célere toma da bola e relampejando passa a Araken e este ameaça arremessa-la e manda-la a Mario que por sua vez finta três adversários e estremece a rede francesa. E certamente ela teria dito: Les français ne sont pas grands...(Os franceses não são grandes). Eram passados 16 segundos do feito de Bardot. Os assistentes se estatelam de espanto. A tal francesinha emudece e de seus olhos se desfia um copioso rosário de pérolas.

Contudo, num esforço supremo, o mesmo Bardot, consegue, mais uma vez, vencer a habilidade de Nestor. Todavia, a voz da Pátria já se fizera ouvir e seus filhos não podiam renegá-la.


Fried após um rasgo fulmineo de perfectibilidade técnica faz a rede francesa dançar. O grupo de torcedores brasileiros delira de entusiasmo inaudito. E o público francês começa a compreender que “les brésiliens ne sont pas trop petits” (Os brasileiros não são muito pequenos).

Araken por duas vezes e magistralmente abate a maestria de Cottenet. Fried imita-o, e finalmente Filó como grande mestre, encerra a soberba contagem elevando-a 7 a 2. A nossa meiga francesinha, ainda palida e com os olhos em mar de lágrimas, apesar da dor intensa que lhe embarga a voz, balbucia: – Papa! les petits brésiliens sont de petits géants, et ils sont blacs et pas sauvages! (Pai, os pequenos brasileiros são pequenos gigantes, e eles são brancos e não violentos)

E depois abraços, somos cumprimentados pelo Duque de Orleans, e o príncipe D. Pedro não tomou conhecimento da lama, que nos sujara, e assim enlameados, mesmo, somos abraçados por sua alteza, num contentamento que jamais olvidamos. E depois festejamos nossa primeira vitória no dia 15 de março de 1925.

Abaixo, Literatura na Arquibancada resgata texto também publicado na obra de autoria do escritor Coelho Neto.

O “Grande Coelho Neto” escreveu


“O Clube Atlético Paulistano” entrou com o pé direito em Paris. No princípio do jogo, com o pé no lodo, como se achou, meteu os pés pelas mãos, não fazendo mais do que cair, não só no chão, enlameado, como no ridículo.

A assistência, diante de tantos e tão seguidos trambolhões rompeu em assuada vendo que os nossos rapazes, mais do que a bola de couro, andavam no campo aos boléos. De repente, porém, a um brado enérgico do capitão, que via as coisas em mau pé, puseram-se todos os do grupo firmes, tomando pé e começou desde logo a investida.

Ponta pé à bola era “goal” na certa e, do pé para a mão, os que já eram vaiados com o “vae victis!” passaram a ser aplaudidos e aclamados como senhores da situação. E não houve mais pôr-lhes pé adiante.

Tão ágeis se mostraram os jogadores nos passes e arremessos que aos franceses maravilhados parecia que os pés que por ali andavam não eram de homens, mas de vento, principalmente os de Friedenreich que valiam por dois ciclones.

Chegada do Paulistano ao Brasil.

E a França, por mais que se esforçasse, fazendo finca pé para não ser levada de vencida, não teve remédio senão render-se ficando aos pés do Brasil que, desta vez provou, e perante juízes íntegros de várias nacionalidades constituindo um Conselho Supremo de Nações, ou Liga, como agora se diz em estilo jarreteiro, que o Brasil sabe, pelo menos, onde põe o pé.

Aquilo mesmo das escorregadelas e trambolhões iniciais tenho, para mim, que foi ardil ou “truc” dos rapazes, um meio astuto de esconder o jogo no começo para dar mais brilho à vitória final.

Assim entraram fazendo corpo mole, pisando em pés de lã para, a súbitas, darem aquela formidável rasteira pondo em pantana o famoso “scratch” com o “score” de 7 x 2. O que muitas das tais embaixadas diplomáticas, que nos custam os olhos da cara, não conseguiram fazer com a cabeça, com as mãos e até com a língua, araviando discursos simpáticos, realizaram em hora e meia os rapazes, e brilhantemente, com os pés.

O Brasil tem hoje um pé na Cidade Luz, é o pé do Paulistano e por esse pé fica o mundo conhecendo o valor do colosso sul-americano como, segundo o adágio, pelo dedo se conhece o gigante.

Paulistano: 1ª apresentação após o retorno ao Brasil.

Ora, sendo o pé a base do corpo, pode o Brasil dizer ufano que está com os alicerces da sua glória firmados no poleiro de Chantecler, podendo doravante, cantar de galo ele que, até bem pouco, nem como pinto piava.

Dirão, agora as más línguas – e elas são tantas e afiadíssimas prontas sempre a nos cortarem a pele ! – que esse jogo foi o pé de que se serviu o Brasil para tornar-se mundialmente conhecido.

Mas não foi ele o único que entrou de pés nas terras europeias – os uruguaios impuseram-se  nas Olimpíadas pelos pés e os argentinos vão também pisando louros no velho continente e, onde quer que apareçam sul-americanos , não há quem resista de pé aos “shoots” que os tornaram famosos.

Está a questão neste pé, felizmente esportivo e não de guerra, e os franceses, sentidos das derrotas que lhes têm infligido nos seus próprios campos os bárbaros cá desta banda, estudam meios de descalçar a bota que lhes aperta o calo do amor próprio, calo que deve doer como mil diabos.


Pode ser que consigam alguma coisa, mas os nossos, que não põem pé em ramo verde, estão também tratando de melhorar o “team”, substituindo nele certos jogadores que reputam fracos. É o que se chama um remonte.

Eu, capitão do “team”, não consentiria na mudança deixando as coisas no mesmo pé porque esse, enfim, já conhece o terreno em que vai pisar, daí...Quem anda é que sabe onde lhe aperta o sapato.

A França não contava com o resultado do jogo e quando os brasileiros tiraram o pé do lodo marcando sete “goals” sobre 2 a surpresa foi grande.

Conhecesse ela o rifão dos nossos maiores, que diz: “Debaixo dos pés se levantam desastres” e certo não cantaria vitória antes de tempo, guardando o riso e as vaias para depois da fritura dos ovos...

Mas o que passou, passou. A verdade é que conseguimos por os pés em Paris...tratemos agora de entrar com o resto do corpo...e de cabeça.


Megafone do Esporte: A Copa no Brasil

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Arte: Zuca Sardan


“Deixa Falar: o megafone do esporte”, espaço de debates que sai quinzenalmente, sábado sim, sábado não, aqui, no Literatura na Arquibancada, na Carta Maior (http://www.cartamaior.com.br), no blog do Juca (http://blogdojuca.uol.com.br/ ) e no Centro Esportivo Virtual (CEV) (http://cev.org.br/), debatendo o esporte em geral e o futebol em particular, dialogando com a História, Política, Música, Economia, Literatura, Cinema, Humor, apresenta nesta sua sexta edição, artigo do economista Marcelo W. Proni.

A Copa do Mundo no Brasil: qual o legado provável?
Por Marcelo Weishaupt Proni


Quando o Brasil sediou a Copa, em 1950, não havia essa preocupação com legado, nem com os impactos econômicos dos gastos necessários para organizar o torneio. A construção do Maracanã, projeto gigantesco, certamente aumentou a demanda de material de construção, implicou em geração de empregos, contribuiu para a urbanização daquela região da cidade e ajudou a dinamizar momentaneamente a economia da Capital federal. Talvez o dinheiro gasto pelo governo na construção do Estádio Municipal (renomeado “Jornalista Mário Filho” em 1966) pudesse ter sido utilizado de outra forma – como afirmavam políticos de oposição –, mas a população carioca acabou legitimando a decisão de investir numa obra que encheu de orgulho a nação.

Não foi preciso construir ou ampliar outros estádios. Em São Paulo, já havia o Pacaembu; em Belo Horizonte, o Independência. Também foram usados: o estádio dos Eucaliptos em Porto Alegre, a Vila Capanema em Curitiba e a Ilha do Retiro no Recife (mas, a desistência de 3 seleções diminuiu o número de jogos). O Morumbi, o Mineirão e outros grandes estádios foram construídos bem depois.


Em 1950, estima-se que a população do Rio passava de 2,3 milhões de pessoas. O novo estádio, projetado para mais de 160 mil pagantes, tinha capacidade de receber todo tipo de público. Os torcedores ficavam divididos em torno do campo em 4 categorias principais: camarote, cadeira, arquibancada e geral. Um jogo de futebol no domingo à tarde era, como diria Nelson Rodrigues, uma festa “democrática”.

O maior legado da Copa de 1950 foi, sem dúvida, no campo esportivo. Em especial, o Maracanã se tornou o principal palco do futebol brasileiro e ampliou a arrecadação com bilheteria para os grandes clubes cariocas. De quebra, mostrou ao mundo a capacidade de engenharia do País e se tornou cartão postal da cidade maravilhosa. Provavelmente, o torneio ajudou a atrair turistas estrangeiros.

Naquela época, não havia caderno de encargos e a Fifa era mais flexível (o próprio Maracanã não estava totalmente pronto, durante a Copa). O futebol era considerado um espetáculo popular, mas ainda não tinha entrado na fase da televisão e do marketing.


Na era da globalização, a Copa do Mundo se transformou num megaevento transmitido ao vivo para centenas de milhões de telespectadores, exigindo uma organização de alta complexidade e propiciando uma diversificada fonte de receitas. Os contratos de exclusividade assinados pela Fifa passaram a requerer uma série de garantias. Desde 1990, o país escolhido para sediar o torneio teve de demonstrar que é capaz de oferecer perfeitas condições de trabalho para a imprensa e de treinamento para as delegações, além de oferecer estádios seguros e confortáveis para os torcedores e plenas condições para o transporte e hospedagem dos turistas vindos de todas as partes do globo.

A preocupação com legado e com os impactos econômicos derivados da realização de uma edição da Copa do Mundo é relativamente recente. Principalmente no caso de países em desenvolvimento, como a África do Sul e o Brasil, que apresentam infraestrutura insuficiente e precisam mobilizar elevados recursos para atender as exigências da Fifa. Tornou-se necessário legitimar o enorme gasto público necessário com a promessa de que a realização do torneio traz uma série de benefícios para a sociedade em geral.

Contudo, estudos efetuados posteriormente às Copas da Alemanha (2006) e da África do Sul (2010) indicam que os efeitos positivos para a economia nacional foram insignificantes, seja em relação ao crescimento do PIB ou à geração de empregos, e que mesmo o setor de turismo teve ganhos muito aquém dos projetados antes do torneio. As avaliações referentes à Copa de 2010 evidenciam certos efeitos negativos, em particular a ociosidade dos estádios (“elefantes brancos”) e os benefícios concentrados na classe média, em detrimento de gastos na área social que poderiam beneficiar a população mais pobre.


Por outro lado, a prestação de contas da Fifa e dos comitês organizadores locais demonstra claramente que a Copa do Mundo é um negócio bastante lucrativo. Aliás, há várias empresas (e empresários) que ganham muito com o megaevento.

As projeções oficiais sobre os impactos econômicos da Copa de 2014 são bastante otimistas e procuram realçar o potencial máximo de ganhos que poderiam decorrer da efetivação dos gastos previstos para a preparação da infraestrutura urbana nas 12 cidades sede e para a construção ou reforma de estádios, assim como dos gastos referentes aos turistas estrangeiros durante o megaevento. Porém, a literatura internacional vem demonstrando que os resultados efetivos da realização de uma edição da Copa, pelo menos do ponto de vista econômico, costumam ser bem mais modestos e beneficiar apenas alguns segmentos privilegiados.

É preciso mencionar que o torneio estabeleceu um cronograma para várias melhorias na área de transporte aéreo e urbano, mas muitas obras estão atrasadas e com o custo inflacionado. Embora exista uma expectativa justificável de que a Copa estimule o setor turismo no País, é provável que seus principais legados não sejam na área econômica.


Olhando do ponto de vista esportivo, tudo indica que a Copa vai ser um marco na história do futebol brasileiro, mais um passo na transição para um estágio mais avançado de organização empresarial. O futebol mudou bastante nas últimas décadas, tanto dentro como fora dos gramados. As novas arenas multiuso – o legado mais palpável – expressam a preferência por um tipo distinto de torcida.

Atualmente, o Rio tem mais de 6,3 milhões de habitantes, mas a capacidade de público do Maracanã encolheu para menos de 80 mil pessoas, todas sentadas em cadeiras numeradas. Em São Paulo, o Pacaembu está ficando obsoleto, ao passo que as novas arenas (Corinthians, Palestra) e o Morumbi reformado vão privilegiar um tipo de público mais exigente e comportado. Em compensação, por enquanto, os principais jogos ainda são transmitidos pela televisão aberta, dando a sensação de acesso democrático ao espetáculo.

Entretanto, o caríssimo orçamento das arenas projetadas para a Copa tem colocado em questão a necessidade de tais investimentos e a consequência das dívidas assumidas. Por exemplo, é difícil explicar a decisão do governo do Distrito Federal de gastar R$ 1,2 bilhão na reforma e ampliação do estádio Mané Garrincha, agora com capacidade para 70 mil espectadores. Têm sido realizados seminários para discutir a sustentabilidade econômica dessas arenas multiuso, mas há muita desconfiança em relação à ociosidade de estádios onde o futebol ainda não entrou na era empresarial, caso da Arena Pantanal, da Arena das Dunas, da Arena da Amazônia e do próprio Estádio Nacional. Estes projetos estão sendo financiados pelo BNDES, mas os governos estaduais é que vão pagar os empréstimos para viabilizar negócios privados.


Em suma, na nova etapa do futebol brasileiro, os três níveis de governo continuam sendo solicitados para apoiar a modernização da infraestrutura, para uma atividade que é cada vez mais dominada pela lógica econômica. Prevalecendo a racionalidade do mercado, o preço médio dos ingressos provavelmente vai aumentar, o que pode excluir definitivamente os torcedores de baixa renda. Inclusive, há quem defenda essa medida como estratégia para combater a violência entre torcedores. Ainda assim, alguns governos estaduais terão de custear a manutenção das arenas construídas e o governo federal será pressionado a renegociar as dívidas dos grandes clubes nacionais.

O futebol vai continuar sendo uma paixão nacional, elemento da nossa identidade coletiva, mas a Copa vai intensificar o processo de privatização do espetáculo, tendência que parece ser irreversível.

Sobre Marcelo W. Proni

É economista formado pela Unicamp, mestre em Ciências Econômicas e doutor em Educação Física, também pela Unicamp. Atualmente, é diretor associado do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit). Autor do livro A Metamorfose do Futebol e de vários artigos sobre economia do esporte. É torcedor do Botafogo de Ribeirão Preto.




Dois toques do Megafone:

1) O Megafone indica A Metamorfose do Futebol São Paulo: Unicamp,2000.
Neste livro o leitor encontrará uma sólida análise do processo histórico de estruturação e desenvolvimento do futebol brasileiro, desde os seus primórdios ao advento da modernização deste esporte e suas contradições. Destacamos o segundo capítulo e a investigação da transição do futebol no Brasil, do amadorismo para o profissionalismo.

2)O tema deste artigo será recorrente aqui no Deixa Falar: o megafone do esporte. Outros autores publicarão suas ideias, pesquisas e dados sobre os megaeventos e a Política de Esportes levada a termo em nosso país nos últimos 20 anos.

Deixa Falar: o megafone do esporte: criação e edição, Raul Milliet Filho.

Sobre os autores do “Deixa Falar: o megafone do esporte”

Ademir Gebara
Graduado em História e Educação Física, mestre em História pela USP, PH D em História pela London School of Economics and Political Science., ex-diretor e coordenador de Pós da FEF Unicamp, professor visitante da Universidade Federal da Grande Dourados.


Antonio Edmilson Rodrigues – é América, livre docente em História, professor da UERJ e da PUC-RJ, pesquisador de História do Rio de Janeiro, escritor de temas vinculados à história urbana, coordenador do projeto Conversa de Botequim e autor de João do Rio, a cidade e o poeta.




Bernardo Buarque – professor da Escola Superior de Ciências Sociais (FGV) e pesquisador do CPDOC/FGV. `É editor da coleção Visão de Campo (7 Letras). Em 2012, publicou o livro ABC de José Lins do Rego (Editora José Olympio).



Flavio Carneiro – É botafoguense, além de escritor, roteirista e professor de literatura na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).www.flaviocarneiro.com.br.

 
José Paulo Pessoa – é botafoguense, ator, advogado, que achava o Didi mais impressionante que o Garrincha (que foi o maior que já vi!). Diretor, cantor e compositor do Bloco das Carmelitas, de Santa Teresa (RJ).


José Sebastião Witter – é torcedor do São Paulo, professor emérito da USP e professor normalista.


Luiz Carlos Ribeiroé professor do Departamento de História da UFPR e coordenador do Núcleo de Estudos Futebol e Sociedade.


Marcos Alvito - É carioca de Botafogo e Flamengo até morrer.  É um antropólogo que dá aula de História na UFF desde o longínquo ano de 1984.  Perna-de-pau consagrado, estuda um jogo que nunca conseguiu jogar direito: o futebol. Mas encara qualquer um no futebol de botão. Acaba de publicar A Rainha de Chuteiras: um ano de futebol na Inglaterra (www.clubedeautores.com.br)


Raul Milliet Filho – é botafoguense, mestre em História Política pela UERJ, doutor em História Social pela USP. Como professor, pesquisador e autor prioriza a cultura popular. Gestor de políticas sociais, idealizou e coordenou o Recriança, projeto de democratização esportiva para crianças e jovens.


Ricardo Oliveira – é Vasco, jornalista, educador da prefeitura do Rio de Janeiro e pesquisador da História do futebol. Coordenador da pesquisa do livro Vida que Segue: João Saldanha e as Copas de 1966 e 1970.


Wanderley Marchi Jr – doutor em Educação Física e Sociologia do Esporte e professor da Universidade Federal do Paraná/BRA e da West Virginia University/USA.


Zuca Sardan (Carlos Felipe Saldanha) – É torcedor do Vasco, nasceu no Rio de Janeiro em 1933, mas vive em Hamburgo, na Alemanha. Estudou arquitetura, mas fez diplomacia. Estudou desenho, mas fez letras. Hoje dedica-se a desenhos, vinhetas, poesias e folhetins. Entre seus livros, estão: Ás de coletepoesias, desenhos e Osso do Coração.

Acompanhe as outras edições do Deixa Falar: o megafone do esporte nos links abaixo:

Arte: Zuca Sardan

150 anos de futebol

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A literatura esportiva brasileira acaba de ser presenteada com uma “pequena” grande obra. “Pequena” porque os livros são de leitura rápida (80 páginas cada um) e “grande” pela qualidade do conjunto. Trata-se da série “150 anos de futebol”, composta por cinco livros que formam a coleção “Atleta do Futuro” da Sesi-SP Editora. Todos os livros são assinados por um craque do jornalismo, José Eduardo de Carvalho.

Os três primeiros títulos, “O Jogo”, “Geopolítica” e “Dinheiro”, que já estão a venda, revelam não só a evolução do futebol, mas também o seu notável impacto nas relações internacionais e também na economia mundial. Além desses, em breve, também comporão a coleção dois novos títulos: “Fantasia” e “Gente”, que abordarão o aspecto humano do esporte mais popular do nosso tempo.


E antes que alguém pergunte a razão da efeméride, odia 26 de outubro de 1863 é considerado o dia da criação do futebol. Foi nessa data que, ao fim de seis reuniões na Freemason's Tavern, em Londres, nasceu a The Football Association.

Sinopse do livro “O jogo” (da Editora)


A disputa de dois times no teatro entre as linhas do gramado pode ser encarada como uma metáfora da própria vida: a luta diária de cada um de nós pela sobrevivência à custa de esforço e sacrifício, e também de muita criatividade e esperteza.

Em “O Jogo”, livro que abre a coleção que comemora os 150 anos do Futebol, José Eduardo de Carvalho faz uma análise detalhada do esporte que tem o poder de fazer o mundo parar. Considerado por alguns como uma oportunidade de ascensão social, e por outros como um instrumento de alienação ideológica, o futebol provoca controvérsias que envolvem a própria vivência humana, a economia, política e as relações internacionais. 





Sinopse do livro “Dinheiro” (da Editora)

O futebol talvez seja o esporte mais popular do mundo – e não demorou para se tornar também uma verdadeira mina de ouro, das mais disputadas. Cifras impressionantes são movimentadas a cada campeonato, ao ponto de causar impacto mesmo nas economias mais sólidas, e a riqueza produzida por uma única Copa do Mundo é capaz de transformar o PIB de um país. Os salários pagos pelos grandes times tornam a carreira de jogador de futebol uma das mais cobiçadas por meninos mundo afora, e os contratos de publicidade e merchandisingque enriquecem ainda mais esses jovens atletas chamam a atenção para a força dessa indústria nascida do esporte.

Sinopse do livro “Geopolítica” (da Editora)


As Copas do Mundo são exemplos de como conflitos históricos podem ser reencenados sem armas, num combate de noventa minutos dentro de uma arena gramada.  Já assistimos a soldados e bombas serem trocados por jogadores e uma bola numa condensação de diferenças étnicas e políticas nem sempre conciliadas. A diferença entre o campo de batalha e o estádio era que o único alvo permitido era o gol.

Em “Geopolítica”, José Eduardo de Carvalho faz uma análise detalhada do esporte que deflagrou conflitos e também superou guerras, tornando-se peça essencial do intrincado jogo da diplomacia e da geopolítica mundial.

Literatura na Arquibancada destaca dois textos do livro “O jogo” que comprovam a qualidade desta série espetacular: o prefácio, assinado pelo mestre Tostão; e a “introdução” do autor, José Eduardo de Carvalho, uma prosa leve, envolvente e repleta de informação.

Mais que um jogo
Por Tostão


Uma partida de futebol é muito mais que uma disputa esportiva, de técnica, tática, habilidade e criatividade. É também um espetáculo lúdico, de grande emoção, em que estão presentes todos os sentimentos e contradições humanas. É uma metáfora da vida.

Os esquemas táticos servem de referência e de repressão para os atletas. É um aviso de que eles não podem ultrapassar certos limites, que nem tudo o que se deseja é permitido e que as ambições individuais não podem estar acima do coletivo. O mesmo ocorre na vida. O esquema tático é a consciência, o alter ego dos jogadores.

Na vida e no futebol, paga-se também um preço por isso. A repressão excessiva inibe a espontaneidade, a criatividade e empobrece o ser humano.

Zico diz que a maior dificuldade que teve como treinador, no Japão, foi convencer os disciplinados japoneses de que eles poderiam também improvisar e inventar. Japoneses e americanos aprenderam todos os detalhes táticos do futebol, melhoraram bastante a técnica, mas não conseguiram dar um salto de qualidade, por falta de habilidade e de criatividade.


No futebol, diferentemente do vôlei, as improvisações e os acasos são também decisivos. No vôlei, quase tudo que é ensaiado pode ser repetido no jogo. No futebol, quando um jogador domina a bola, há milhares de possibilidades.

Além da técnica, da habilidade e da criatividade, os grandes atletas são os que convivem bem com a emoção de um jogo. “Quem ganha e perde as partidas é a alma” (Nelson Rodrigues).

A Seleção de 1970, considerada por muitos a melhor do mundo de todos os tempos, uniu o talento individual com o jogo coletivo.

Não há espetáculo sem a participação do torcedor. Eles influem também no resultado das partidas. A principal razão de os times da casa terem mais chances de vencer, quando não há uma grande diferença técnica, é o apoio dos torcedores e a pressão sobre os adversários.
Os torcedores levam também para o campo todas as suas angústias, frustrações, alegrias e tristezas. É uma verdadeira catarse.


Os treinadores, apesar de supervalorizados pelos torcedores e pela imprensa, são também importantes. O jogo precisa ter uma ordem, uma estratégia, um comando.

O técnico tem de escolher os melhores e colocá-los nos lugares certos. Não existe uma estratégia ideal para todas as partidas, tudo depende das características dos jogadores, do adversário e do momento. O bom técnico não é o que sabe mais detalhes táticos, e sim o que sabe comandar e executar melhor o que foi planejado.

Neste belo livro, José Eduardo de Carvalho conta a história do futebol, como ele surgiu, se desenvolveu na Inglaterra, se espalhou pelo Brasil e pelo mundo e como se tornou tão popular. Conta também como o futebol, para crescer, precisou se estruturar, dentro e fora do campo, criar regras, rituais e uma linguagem própria. Mostra ainda como se tornou um espetáculo e as suas relações com a sociedade.

O futebol é mais do que um jogo. Vocês vão gostar.

Introdução
Por José Eduardo de Carvalho


Tem sido uma tarefa árdua, e prazerosa, tentar desvendar o futebol. Primeiro um jogo, depois um esporte, hoje uma instituição, esse fenômeno que completa 150 anos no momento justo em que o Brasil constrói sua Copa do Mundo parece não ter limites em seu gigantismo, que ao mesmo tempo seduz multidões e alimenta adversários ideológicos. Meio bilhão de pessoas tiram seu sustento do futebol, direta ou indiretamente. Cerca de 1 bilhão e 200 milhões são ou foram praticantes do esporte e o número de seguidores já ultrapassou o patamar espantoso de 4 bilhões, quase 60% da população do planeta. Como contestar esse poder?

Nascido no coração da Revolução Industrial, o futebol atravessou todas as turbulências do mundo contemporâneo, adaptou-se às diversas conjunturas sociais, consolidou suas regras, sobreviveu a duas guerras mundiais e a inúmeras convulsões sociopolíticas, religiosas e raciais neste século e meio de vida. Não só reforçou seu estigma de aglutinador de povos como multiplicou as adesões e foi vorazmente adotado pelas diversas camadas da sociedade a partir das classes mais humildes – contrariando sua própria origem aristocrática. Ainda assim, é acusado de ser instrumento de dominação e pretexto para se fugir da realidade. Em função de seu afã conquistador que não conhece fronteiras, atrai injúrias. A maior de todas, que aponta para o uso indevido do futebol pelos diversos poderes constituídos e forças políticas, pode ser apenas uma grande falácia. Não será o contrário? Não será o futebol, em sua grandeza absoluta, quem na realidade usa instrumentos da política para fazer valer suas verdades, sua alucinante capacidade de comunicação e identificação?


Não há, definitivamente, em qualquer setor do conhecimento humano uma atividade que, semana após semana, reúna pequenas multidões de forma tão sistemática e apaixonada, nem mesmo as grandes manifestações religiosas. Autobatizado ‘país do futebol’, o Brasil usualmente questiona, pela mídia ufanista e por milhões de torcedores, a existência de outros ‘países do futebol’. Mas eles existem, a história é testemunha, até mesmo se levarmos em conta apenas as últimas décadas. A Itália consolidou a posição de país do futebol ao organizar em 1990 a Copa do Mundo que mais abarrotou estádios e paralisou a nação por um mês. O país também ignorou suas diferenças orgânicas entre norte-rico e sul-pobre ao chorar, em uníssono, pela derrota contra o Brasil em 1994, ou pela vitória na Copa de 2006, na Alemanha.

Três milhões de franceses desafiaram a postura clássica de seu perfil blasé e saíram, histéricos, às ruas de Paris no dia 14 de julho de 1998, numa proporção 20 vezes maior do que nos outros anos para as comemorações de seu Dia Nacional, a Queda da Bastilha. A explicação: dois dias antes, Zidane e sua turma haviam destroçado o Brasil e conquistado o primeiro Mundial do país, o que turbinou a festa da Pátria. Somente 17 anos após a queda do Muro de Berlim os alemães conseguiram virar de vez uma página traumática de sua trajetória política e, sob o cartão de visitas da Copa de 2006, reconquistaram a simpatia de vizinhos e outros desafetos, enterrando o espectro do divisionismo e os ecos da Guerra Fria. A Espanha também saboreia esse gostinho de ser país do futebol e não só por ser neófita em conquistas mundiais, mas pelas demonstrações históricas de fanatismo em torno de uma tradicional rivalidade, Real Madrid-Barcelona, que paralisa três quartas partes de seu território e um pedaço generoso do mundo a cada clássico. Sem contar os ingleses, que inventaram tudo isso.


A rigor, os rituais futebolísticos são continuamente reinventados por milhares de pequenos grupos em qualquer lugar do planeta onde exista um espaço e uma bola – seja nas várzeas brasileiras e argentinas, que insistem em desafiar as transformações urbanas das grandes cidades, seja nos modernos gramados europeus ou nos cantões africanos de terra batida. A bola também rola, constante, sobre a neve dos estádios russos e nas politicamente corretas arenas no Extremo Oriente, com seus torcedores high-tech, bem-comportados e sistemáticos, como se manejassem um vídeo game. É o script habitual dos domingos, também dos sábados, das quartas e quintas-feiras. Em matéria de futebol, todo dia é dia.

É preciso levar em conta, além de tudo, as particularidades que tornam o próprio jogo atraente. O sociólogo francês Roger Caillois elaborou um estudo aprofundado sobre a função primordial dos passatempos. Embora tenha formulado de uma maneira velada hipóteses nem sempre reais sobre o papel do futebol, ao mesmo tempo dá elementos que decifram os segredos de sua universalização como linguagem e acontecimento grandioso. Callois enquadra os jogos como atividades livres, delimitadas em espaços fixos, incertas (com resultados imprevisíveis), improdutivas (por não gerarem bens ou riqueza específica), regulamentadas (sob o domínio de convenções ou regras) e fictícias (que correm de forma paralela à vida real). Em seguida, os divide e classifica em quatro categorias fundamentais: o agonismo (voltados para as tensões da competição); o aleatório (ligados ao acaso, à sorte e ao azar); a simulação ou mímica (que trabalham com disfarces, estratégias e blefes); e a vertigem (produtos de ansiedades, emoções e medo).


Ainda que procurasse em suas análises abranger todo tipo de jogo – do carteado à patinação –, Caillois fez involuntariamente uma obra adaptável quase por completo ao futebol, pela simples razão de que se trata de um coquetel explosivo que mescla todos os jogos em um só. Exceto pelas qualificações de ‘atividade improdutiva’, que obviamente hoje em dia está longe da verdade do futebol, e de ‘atividade fictícia’, um legado dos pobres tempos em que esse esporte ainda era taxado de ‘ópio do povo’, as definições e categorias são todas aplicadas à risca ao jogo das multidões. No futebol há comprovadamente competição – física e mental –, a sorte e o acaso são componentes usuais, a simulação legítima é ingrediente-chave do encanto do jogo (o que é um drible se não enganar, blefar, dentro da regra?), a mímica é recurso obrigatório do gestual dos atores (a comemoração de um gol, o juiz sinalizando com seus cartões, o craque do time pedindo apoio do torcedor) e a emoção/tensão paira sobre todas as outras características. É o que conduz o ritual, escreve a história e mantém viva a chama, estimulando imagens, sons e sentimentos.

De tal forma o futebol é concreto e real que suas mazelas representam com precisão o arsenal de dificuldades e obstáculos, inclusive éticos, com que nos deparamos no dia a dia. Mais do que isso, são mazelas potencializadas pela vivência esportiva. Violência, doping, corrupção, conchavos políticos e truques escusos de mercado também marcam as relações humanas no futebol, abalam suas estruturas e criam alguns monstrengos. A própria existência dos adversários ideológicos, que muitas vezes se aproveitam da visibilidade do futebol para destilar seus interesses duvidosos e estabelecer cruzadas morais demagógicas, funciona como referendo à grandeza do jogo. Nenhuma novidade, se comparado ao que enfrentamos em nossa trajetória individual e familiar, no processo educacional, no trabalho e nas relações interpessoais ao longo de nossa existência. Tudo é uma questão de interpretar, depurar e incorporar o pacote completo, desde que inclua os prazeres e o entretenimento que possa proporcionar – o “escoamento das emoções”, segundo a tese aristotélica, ou o ato simples de desfrutar dos momentos marcantes “em que uma sociedade se mexe, ri, chora e grita”, na visão do etnólogo francês Christian Bromberger.

Sobre José Eduardo de Carvalho:

Foi repórter, redator e editor de esportes do Jornal da Tarde, correspondente internacional do Grupo Estado em Madri, correspondente no Brasil do Diário AS, da Espanha; colaborador de várias publicações esportivas, editor chefe da PSN Sports no Brasil e professor de cursos de especialização em Jornalismo do Senac-São Paulo. Participou da coleção “Formação e Informação – Jornalismo para Iniciados e Leigos”. O livro trata de um dos grandes temas da mídia: o jornalismo esportivo. José Eduardo participou com o artigo "O discurso esportivo", onde fala das evoluções e involuções do linguajar da imprensa. O texto pode ser acessado neste link:

Megafone: João Cabral e o futebol

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Arte: Zuca Sardan


“Deixa Falar: o megafone do esporte”, espaço de debates que sai quinzenalmente, sábado sim, sábado não, aqui, no Literatura na Arquibancada, na Carta Maior (http://www.cartamaior.com.br), no blog do Juca (http://blogdojuca.uol.com.br/) e no Centro Esportivo Virtual (CEV) (http://cev.org.br/), debatendo o esporte em geral e o futebol em particular, dialogando com a História, Política, Música, Economia, Literatura, Cinema, Humor, apresenta nesta sua sexta edição, artigo especial do cineasta e mestre Ney Costa Santos.

Como o tema do artigo de mestre Ney é João Cabral, Literatura na Arquibancada recomenda também leitura de artigo já postado por aqui sobre o poeta:

João Cabral de Melo Neto e o Futebol
Por Ney Costa Santos

 
O poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto, um dos grandes da poesia brasileira, gostava de futebol e chegou a jogar como meio de campo no juvenil do Santa Cruz, onde foi campeão em 1935.

Sua poesia era a das coisas em si. 

O que o interessava era aquilo de dentro, o interno, o miolo das coisas e, assim falando, falava do mundo, daquilo que nele observava e vivia.

Embora dissesse que o seu interesse por futebol tenha durado dos oito anos até a adolescência, os poemas sobre esse assunto em sua obra revelam o olhar agudo de quem vê o jogo por dentro e não se fixa tão somente às suas exterioridades: o espetáculo, o rumor das torcidas, a plasticidade das jogadas, a fantasia criativa de um gol raro ou decisivo.

 
No livro Museu de Tudo, publicado em 1975, há quatro poemas sobre o futebol: O torcedor do América F.C.; Ademir da Guia; Ademir Menezes; O Futebol Brasileiro evocado da Europa.

No poema sobre o torcedor do América de Recife, tradicional clube pernambucano ainda em atividade, Cabral desvenda o gosto raro daquele torcedor que não convive com as vitórias, que torce pelo time pequeno nos estádios vazios.

                               O TORCEDOR DO AMÉRICA F.C

                               O desábito de vencer
                               não cria o calo da vitória
                               não dá à vitória o fio cego
                               nem lhe cansa as molas nervosas.
                               Guarda-a sem mofo: coisa fresca,
                               pele sensível, núbil, nova,
                               ácida à língua qual cajá,
                               salto do sol no cais da Aurora.
               
Os cariocas ao lerem esse poema pensarão logo no América do Rio, matriz dos Américas do Brasil, quase todos padecendo desse “desábito de vencer”. Pessoalmente, penso na saga do América, o “Mequinha”, tão caro às tradições do futebol carioca, time de meus tios-avós tijucanos, um time grande na minha infância, que vi no Maracanã, na arquibancada atrás do gol, aos dez anos, ser campeão carioca de 1960. Cabral fala do América do Recife e de todos os Américas, de todos aqueles que torcem pelos times pequenos e carregam essa paixão machucada pelas várzeas e estadinhos Brasil a fora, sofrendo e ansiando por uma vitória que raramente vem, mas quando chega é saboreada como “coisa fresca, pele sensível, núbil, nova, ácida à língua qual cajá”, tal um sol brilhante e repentino.

 
Seria essa fruição rara o segredo da persistência da paixão do torcedor pelos clubes sem glórias?

Os dois poemas seguintes são sobre ritmo: Ademir da Guia e À Ademir Menezes.

                                




                                ADEMIR DA GUIA

                               Ademir impõe com seu jogo
                               o ritmo do chumbo (e o peso),
                               da lesma, da câmara lenta,
                               do homem dentro do pesadelo.

                               Ritmo líquido se infiltrando
                               no adversário, grosso, de dentro,
                               impondo-lhe o que ele deseja,
                               mandando nele, apodrecendo-o.

                               Ritmo morno, de andar na areia,
                               de água doente de alagados,   
                               entorpecendo e então atando
                               o mais irrequieto adversário.

Ademir da Guia era freqüentemente acusado de lento e de atrasar o jogo. Pura inverdade. Filho do lendário zagueiro Domingos da Guia. Ademir começou no Bangu em 1960, foi para o Palmeiras em 1962 e lá jogou até 1977, participando de times como a célebre Academia. Seu ritmo era diferente, pensado e calibrado, sempre atento às variações e alternâncias do jogo ao qual Ademir ia impondo o seu ritmo. Organizava o meio de campo e a saída de bola. Quando seu time era atacado, ele sabia desarmar o adversário e passar rapidamente da defesa ao ataque. Sempre o pensamento em movimento, a cadencia exata e necessária a cada circunstancia do jogo. Ademir fazia o passe médio e longo, era capaz de correr com a bola dominada, ir à linha de fundo e cruzar com precisão, tinha presença na área para uma cabeçada ou o arremate final. Seu repertório rítmico era variado e por isso se impunha à correria adversária. A alegada lentidão não era a pouca velocidade, mas a capacidade de pensar e alternar a cadencia de jogo, era o ardil e não o espalhafato, futebol inteligente e não ornamental. Ademir da Guia foi um artista sereno e refinado. Quem não o viu jogar ou está cansado de ouvir essa conversa fiada de lentidão, deve ver o documentário “Um Craque chamado Divino”.

Ademir Menezes
                                
                               A ADEMIR MENEZES

                               Você, como outros recifenses,
                               nascido onde mangues e o frevo,
                               soube mais que nenhum passar
                               de um para o outro, sem tropeço.

                               Recifense e, assim dividido
                               entre dois climas diferentes,
                               ambidextro do seco e do úmido
                               como em geral os recifenses,

                               como você, ninguém passou
                               de dentro de um para o outro ritmo
                               nem soube emergir, punhal, do lento.
                               secar-se dele, vivo, arisco.

Ademir Marques de Menezes, craque famoso dos anos 40 e 50, foi artilheiro da Copa de 1950 com nove gols. Jogou a maior parte de sua carreira no Vasco da Gama, no famoso time do Expresso da Vitória. Em 1946 e 1947 jogou no Fluminense, sagrando-se campeão carioca na sua primeira temporada.

Não vi Ademir jogar e as poucas imagens que restam dele são aquelas da Copa de 50. Lembro-me bem de quando era garoto e ouvia as conversas dos mais velhos, que tomavam cervejas nos quintais enquanto as crianças zuniam pela casa nos aniversários. Eles descreviam os rushes de Ademir, arrancadas fulminantes em dribles rápidos, sua capacidade de sair da imobilidade e disparar em direção ao gol adversário. Contavam que era um artilheiro agudo e preciso.

Ademir Menezes

João Cabral, em Ademir Menezes, fala dessa dualidade rítmica, própria dos recifenses. 

O ritmo do mangue, que ata, e o do frevo, que dispara; a capacidade de passar de um a outro, sem tropeço, tal um punhal “vivo e arisco”.

Nesses dois poemas Cabral fala da beleza que a mescla de habilidade técnica e capacidade de variação rítmica desses jogadores-artistas proporcionava ao espectador. 

É um olhar para o “dentro” do futebol e não apenas para os seus aspectos externos.







                               O FUTEBOL BRASILEIRO EVOCADO DA EUROPA

                               A bola não é a inimiga
                               como o touro, numa corrida;    
                               e embora seja um utensílio
                               caseiro e que se usa sem risco,
                               não é o utensílio impessoal,
                               sempre manso, de gesto usual:
                               é um utensílio semivivo
                               de reações próprias como bicho,
                               e que, como bicho, é mister
                               (mais que bicho, como mulher)
                               usar com malícia e atenção
                               dando aos pés astúcias de mão.

Há uma expressão entre os boleiros que bem define o perna-de-pau: “Esse não tem intimidade com a bola...” A proximidade carinhosa com ela, a atenção aos seus caprichos, como os de uma mulher, está no DNA do futebol brasileiro. Ao contrário de Lima Barreto e Graciliano Ramos que viram o futebol como um estrangeirismo passageiro, João Cabral percebe o modo original do estilo brasileiro e define poeticamente essa maneira de jogar “com malícia e atenção/dando aos pés astúcias de mão”. Entre essas astúcias estão o passe longo e preciso ao vislumbrar o deslocamento do companheiro, a capacidade de antever a jogada, a fantasia do drible e da resolução rápida, as trajetórias surpreendentes da bola nas cobranças de faltas.


Em um poema do livro Agrestes (1985), João Cabral fala de outra característica do futebol brasileiro clássico. Digo clássico, pois em tempos de ênfase em times de guerreiros, primeiro combate, volantes de contenção e outras expressões de infantaria, a arte do passe parece em decadência. Telê Santana dizia que “o passe é um gesto de amizade”. É por aí.

                               
DE UM JOGADOR BRASILEIRO 
A UM TÉCNICO ESPANHOL
                              
                               Não é a bola alguma carta
                               Que se levar de casa em casa:

                               é antes telegrama que vai
                               de onde o atiram ao onde cai.

                               Parado, o brasileiro a faz
                               ir onde há-de, sem leva e traz;

                               com aritméticas de circo
                               ele a faz ir onde é preciso;
                              
                               em telegrama, que é sem tempo
                               ele a faz ir ao mais extremo

                               Não corre: ele sabe que é a bola,
                               telegrama, mais que voa.

É uma descrição precisa do que é ou foi a arte do passe no futebol brasileiro. Penso logo em Gerson, Didi, Zico, Ademir da Guia. Talvez hoje no futebol brasileiro apenas Deco e Ronaldinho Gaúcho, quando quer, sejam os herdeiros e praticantes dessa arte requintada. Passe, sim, e não assistência, como quer o jargão do atual jornalismo esportivo que importou o termo do basquete. Assistência lembra sirene, socorro, ambulância...

Na arte do passe brasileiro, o craque faz a bola chegar ao seu destino com cálculo de engenheiro e “aritméticas de circo”. Ciência e fantasia.


Os dois poemas seguintes, publicados em Crime na Calle Relator (1987), tratam da liberdade absoluta em um futebol utópico, livre dos esquemas táticos, um futebol que não mais seria jogo e sim brincadeira absoluta.

                               BRASIL 4 X ARGENTINA 0

                               Quebraram a chave da gaiola
                                e os quadros-negros da escola.

                               Rebentaram enfim as grades
                               que os prendiam todas as tardes
                               Nos fugitivos, é a surpresa,
                               vendo que tomaram-se as rédeas

                               (dos técnicos mudos, mas surpresos
                               brancos, no banco, com medo).

                               Estão presos os da outra gaiola
                               que não souberam abrir a porta:

                               ou não o puderam, contra o jogo
                               dos que estavam de fora, soltos.

                               De certo também são capazes
                               de idênticas libertinagens

                               uma vez soltos, porém como
                               se liberar daquele tronco

                               em que os aprisionaram os táticos
                               argentinos, também gramáticos.

                               E enquanto os fugitivos seguem
                               com a soltura, a sem lei que os regem,

                               nos bancos é uma a indignação:
                               dos que vão vencendo e dos que não:

                               “Voltamos ao futebol de ontem?
                               Voltou a ser um jogo dos onze

                               Voltou a ser jogar de pião?
                               Chegou até cá a subversão?

                               Como é possível haver xadrez
                               Sem gramática, bispos, reis?”

João Cabral e a camisa do América

Nesse Brasil e Argentina as gaiolas das táticas e estratégias foram abertas e jogou-se sem gramática, bispos e reis, um anti-xadrez, um jogo de invenção e criatividade permanente, tão destituído de qualquer calculo ou planejamento, que nem a múmia que vivia na Capelinha da Jaqueira precisou ser convocada.








        
        A MÚMIA

                               Na Capelinha da Jaqueira
                               uma múmia sobrevivera.

                               A de Bento José da Costa
                               ou de alguma amante preposta?

                               Ela não fazia fantasma:
                               era mais bem alma gorada,

                               ovo encruado, infermentação,
                               que nunca pode assombração.

                                                         *

                               Caminho do Campo do América
                               se ensaiavam dribles em sua pedra.

                               Se imitavam chutes sem bola
                               na pedra anônima em que mora.

                               E fosse de dia ou de noite
                               nunca foi de acenar a foice,

                               nem com gesto armado de morte
                               acenar-se sequer, de chofre.

          *

                               Na Capelinha da Jaqueira,
                               a múmia, amiga e companheira,

                               punha-se acima de quem joga:
                               nunca envergou a negra toga,

                               ridícula, de juiz de futebol,
                               de calças curtas como um sol

                               castrado, já antes do apito
                               epilético; é Meritíssimo.
                                                
                                                               *

                               Talvez porque a múmia era cega?
                               Nunca ela torceu pelo América.

                               Também nunca acendemos vela
                               para que ela, com suas trelas,

                               driblasse a defesa contrária,
                               o juiz, e até as arquibancadas,

                               e entrasse só no gol do Esporte,             
                               num “gol de chapéu”, com a Morte.

Talvez só Garrincha, algum dia, tenha jogado esse futebol da ludicidade absoluta, o prazer de jogar uma doce pelada cósmica.
                 
Sobre Ney Costa Santos:

É Flamengo, Mestre em Comunicação Social e Professor da PUC-Rio. Cineasta, dirigiu os filmes Heleno e Garrincha, Meu Glorioso São Cristovão, O Pulo do Gato, Cinema Interior, Cole in Rio e Padre-Mestre.

Ney Costa Santos é um convidado especial do Megafone que certamente passará a ser membro efetivo. Apoia enfaticamente “Fora Marin”.





Três toques do Megafone:

1) Como disse o autor sobre Ademir da Guia,  “quem não o viu jogar ou está cansado de ouvir essa conversa fiada de lentidão, deve ver o documentário Um Craque chamado Divino.” No link o trailer do filme. Um colírio para os admiradores do futebol arte:
http://www.youtube.com/watch?v=SplZHzOUEDY

2) João Cabral de Melo Neto teve seu poema Morte e Vida Severina, musicado por Chico Buarque de Hollanda, a pedido de Roberto Freire, diretor do teatro TUCA da PUC de São Paulo. A peça encenada em 1966 se tornou um sucesso, recebendo premiação no festival universitário de Nancy, na França. João Cabral foi o poeta brasileiro que mais se dedicou ao futebol.

No link você pode ver a força e a beleza do poema (parte 8) de João Cabral musicado por Chico:
http://www.youtube.com/watch?v=uL9cDmQxMwo

3) Ney Costa Santos voltará em breve ao Megafone com o artigo Heleno e Garrincha, tema de um de seus filmes.

Deixa Falar: o megafone do esporte, criação e edição de Raul Milliet Filho.

Sobre os autores do “Deixa Falar: o megafone do esporte”


Ademir Gebara Graduado em História e Educação Física, mestre em História pela USP, PH D em História pela London School of Economics and Political Science., ex-diretor e coordenador de Pós da FEF Unicamp, professor visitante da Universidade Federal da Grande Dourados.


Antonio Edmilson Rodrigues – é América, livre docente em História, professor da UERJ e da PUC-RJ, pesquisador de História do Rio de Janeiro, escritor de temas vinculados à história urbana, coordenador do projeto Conversa de Botequim e autor de João do Rio, a cidade e o poeta.


Bernardo Buarque – professor da Escola Superior de Ciências Sociais (FGV) e pesquisador do CPDOC/FGV. `É editor da coleção Visão de Campo (7 Letras). Em 2012, publicou o livro ABC de José Lins do Rego (Editora José Olympio).


Flavio Carneiro – É botafoguense, além de escritor, roteirista e professor de literatura na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).www.flaviocarneiro.com.br.

 
José Paulo Pessoa – é botafoguense, ator, advogado, que achava o Didi mais impressionante que o Garrincha (que foi o maior que já vi!). Diretor, cantor e compositor do Bloco das Carmelitas, de Santa Teresa (RJ).


José Sebastião Witter – é torcedor do São Paulo, professor emérito da USP e professor normalista.


Luiz Carlos Ribeiroé professor do Departamento de História da UFPR e coordenador do Núcleo de Estudos Futebol e Sociedade.


Marcelo W. Proni – economista, doutor em Educação Física pela Unicamp, professor do Instituto de Economia da Unicamp, torcedor do Botafogo de Ribeirão Preto.


Marcos Alvito - É carioca de Botafogo e Flamengo até morrer.  É um antropólogo que dá aula de História na UFF desde o longínquo ano de 1984.  Perna-de-pau consagrado, estuda um jogo que nunca conseguiu jogar direito: o futebol. Mas encara qualquer um no futebol de botão. Acaba de publicar A Rainha de Chuteiras: um ano de futebol na Inglaterra (www.clubedeautores.com.br)


Raul Milliet Filho – é botafoguense, mestre em História Política pela UERJ, doutor em História Social pela USP. Como professor, pesquisador e autor prioriza a cultura popular. Gestor de políticas sociais, idealizou e coordenou o Recriança, projeto de democratização esportiva para crianças e jovens.


Ricardo Oliveira – é Vasco, jornalista, educador da prefeitura do Rio de Janeiro e pesquisador da História do futebol. Coordenador da pesquisa do livro Vida que Segue: João Saldanha e as Copas de 1966 e 1970.


Wanderley Marchi Jr – doutor em Educação Física e Sociologia do Esporte e professor da Universidade Federal do Paraná/BRA e da West Virginia University/USA.


Zuca Sardan (Carlos Felipe Saldanha) – É torcedor do Vasco, nasceu no Rio de Janeiro em 1933, mas vive em Hamburgo, na Alemanha. Estudou arquitetura, mas fez diplomacia. Estudou desenho, mas fez letras. Hoje dedica-se a desenhos, vinhetas, poesias e folhetins. Entre seus livros, estão: Ás de coletepoesias, desenhos e Osso do Coração.


Acompanhe as outras edições do Deixa Falar: o megafone do esporte nos links abaixo:
Arte: Zuca Sardan

Moacyr Scliar e o futebol

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Você já ouviu falar no “Estádio do Pau Seco Futebol Clube”? E que o “grande” estádio acabou demolido para a construção de um cemitério vertical? Esses são os cenários principais do divertido romance escrito por ninguém menos do que Moacyr Scliar, um dos maiores nomes da literatura brasileira que nos deixou no dia 27 de fevereiro de 2011. Scliar nasceu no dia 23 de março de 1937.


A história (verídica) de Scliar revela sua verdadeira devoção por um pequeno clube do futebol riograndense, terra do autor: o Esporte Clube Cruzeiro, de Porto Alegre. Está lá, no romance uma frase que pode definir bem sua paixão pelo futebol: “Se eu morrer na sexta-feira quero ser enterrado no sábado, na hora do jogo”. Se essa declaração for entendida apenas como narrativa de seu personagem, na vida real Scliar esclarece: “Eu tinha a paixão pelo Cruzeiro no genoma”. Tudo bem que a ficção permite os exageros nas interpretações dos fatos da vida real, mas Scliar gostava sim do futebol, tanto que escreveu também diversos artigos nas colunas que assinava em jornais brasileiros.


No “mundo real”, Scliar declarou que seu maior ídolo no futebol era Garrincha. Ele também colaborou com contos em diversas publicações, uma delas no “O mundo é uma bola: crônicas, futebol e humor”.

Mas sem nenhuma dúvida, “A Colina dos Suspiros” (Editora Moderna, 1999), é a obra-prima que Moacyr Scliar deixou para a literatura esportiva. Uma obra que merece estar na estante de qualquer amante do futebol "jogado" fora dos gramados.

Resenha
A Colina dos Suspiros

Esporte Clube Cruzeiro, quarto colocado
no Gauchão de 1970.

“Com um texto bem-humorado, em A Colina dos Suspiros, de 1999, o autor brinca com a paixão dos brasileiros pelo futebol: se eu morrer na sexta-feira quero ser enterrado no sábado, na hora do jogo. Esse amor pelo clube que está presente nas grandes cidades com os seus jogadores famosos mobiliza também o coração dos torcedores dos times de pequenas cidades, distantes e humildes.

Até a presença do cartola, figura tão criticada no meio futebolístico, se faz representar na cidade de Pau Seco: o fazendeiro da região praticamente sustenta o time, e nenhuma decisão é tomada sem o seu consentimento.

Estádio da Montanha,
na Colina Melancólica, em Porto Alegre.

A ironia do texto cativa o leitor atento, e a venda do estádio do Pau Seco para a construção de um cemitério verticalizado, ponto turístico da cidade, recebe do autor tratamento primoroso. A escolha do nome "Pirâmide do Repouso Eterno", eufemismo para cemitério, seduz os habitantes da cidade, pois atenderia à vaidade humana na hierarquização dos sepultamentos: grande jogada de marketing da personagem, lance do mais fino humor de Scliar.

Enredo

Cemitério João XXIII

Futebol, intriga, paixão e mistério são os ingredientes desta história. A história é verídica. Nos anos 70, o Esporte Clube Cruzeiro, de Porto Alegre, vendeu seu estádio e o lugar se tornou um cemitério (João XXIII). Entre os torcedores do time figura o escritor gaúcho Moacyr Scliar, que inspirado no episódio escreveu um romance divertido. Justamente sobre uma equipe decadente cujo campo vai abrigar a Pirâmide do Eterno Repouso. Entre os tipos pitorescos que recheiam a trama, o mais estranho é Rubinho, craque com potencial de gênio, atormentado por assombrações.


A ascendência russa e a cultura judaica são decisivas na obra de Moacyr Scliar, assim como os conhecimentos, experiências e vivência de médico sanitarista. Admiração confessa pelos escritores Clarice Lispector, Graciliano Ramos, Franz Kafka e, na música, por Mozart, Philip Glass e Chico Buarque. Futebol é o tema de A colina dos suspiros, do gaúcho Moacyr Scliar, e a pequena cidade de Pau Seco é o cenário.

Da realidade à ficção, o autor apresenta neste romance a pequena cidade de Pau Seco, com dois clubes de futebol que se digladiam há muito tempo. Futebol em Pau Seco é o que move ou paralisa a cidade. O estádio fica junto do cemitério.


Ali, o Pau Seco Futebol Clube, à beira da falência, cede seu estádio para a construção de um cemitério. A salvação está em Rubinho, um dos trabalhadores da obra, que se revela um extraordinário jogador.

Rubinho, a possível salvação dos paussequenses, é o jogador-revelação da cidade, que sofre uma humilhação pública, pois tem medo de marcar gol em frente ao túmulo do falecido ídolo Bugio. Desaparece, e só tem um desejo - vingança. Trata-se de um momento decisivo em sua vida. Com humor e sutileza, questões éticas, políticas, sociais, familiares, amorosas, o bem e o mal são discutidos.


O cemitério volta a ser estádio. Aí aparece de tudo: coronel todo-poderoso com seus mandos e desmandos, pobre que sai do anonimato para a riqueza sem preparo, maracutaias e espertezas. Esta narrativa terá surpreendentes desdobramentos e também por isso, fascina o público jovem ou, melhor, de qualquer idade. Com humor leve, essa saborosa crônica cativa pelo ótimo texto, só interrompido pelas risadas que desperta”.

Fonte:

Esporte Clube Cruzeiro, de 1952.

Para se entender a paixão de Scliar pelo seu Cruzeiro de Porto Alegre, basta ler o texto que ele deixou para explicar sua ausência em um dos raros fatos históricos do clube de coração. 


As citações sobre os jogos Brasil x Costa do Marfim e Brasil x Portugal, se devem ao fato de a crônica ter sido escrita durante a Copa do Mundo de 2010.





O renascimento do Cruzeiro

Equipe campeã da segundona do Gauchão.

Ser membro da Academia Brasileira de Letras é, naturalmente, uma distinção, mas tem os seus inconvenientes, como descobri na semana passada: tendo ido ao Rio para a reunião da ABL, perdi um acontecimento histórico: ao derrotar o Brasil de Farroupilha, o Esporte Clube Cruzeiro de Porto Alegre garantiu seu retorno à primeira divisão do futebol gaúcho, após 32 anos de ausência. Lamento que meu falecido pai, José Scliar, cruzeirista fanático (e um dos 18 torcedores que, segundo o folclore porto-alegrense, o Cruzeiro tinha) não haja vivido esse momento glorioso. Foi meu pai quem me introduziu ao futebol: eu tinha a paixão pelo Cruzeiro no genoma.

Recepção dos torcedores do Cruzeiro,
no retorno da excursão de 1960.

E tinha de ser uma paixão mesmo. A trajetória do Cruzeiro era um tanto desconcertante. Terceira força do futebol gaúcho, o azar no entanto nos perseguia. Mas, e isso ajuda a entender o “pathos” cruzeirista, não era um azar constante. 

De vez em quando, e da forma mais inesperada, o time ganhava de goleada, renovando nossa fé. Chegamos ao auge quando o Cruzeiro tornou-se o primeiro time gaúcho a excursionar pelo Velho Mundo, o que aconteceu duas vezes, em 1953 e 1960. Na primeira excursão, o Cruzeiro conseguiu até empatar com o Real Madrid e voltou com o autoatribuído título de Leão da Europa.


E aí vinham as surpresas desagradáveis. A última partida a que assisti, sempre ao lado do meu pai, foi realizada no estádio do time da CEEE, o Força e Luz, na Rua Alcides Cruz. Quem perdesse ficaria em último lugar. Mas, para o Cruzeiro, bastava um empate, e, quando terminou o primeiro tempo, estávamos ganhando de 3 a 0. No fim, perdemos por 4 a 3.

Ao Cruzeiro, devo a inspiração para A Colina dos Suspiros, livro destinado a jovens, que foi traduzido em vários países. O título nasceu da localização do estádio do clube, que ficava na Colina Melancólica, ali onde estão os cemitérios porto-alegrenses. Convenhamos que não era um lugar muito alegre, e o estádio acabou sendo vendido para o Cemitério João XXIII.


O clube recebeu parte do pagamento em jazigos perpétuos, que valiam uma soma apreciável e foram usados na compra dos passes de jogadores. Quando ouvi um desses jogadores dizendo, na Rádio Gaúcha, e com muito orgulho, que seu passe havia sido adquirido por seis túmulos, dei-me conta de que aquele era o time ideal para um ficcionista, e a partir daí nasceu a história.

Agora, o Cruzeiro mostra sua bravura, retornando à primeira divisão. Nas palavras de Jayme Sirotsky, presidente emérito da RBS, o time, como a mitológica fênix, renasceu das próprias cinzas. E tenho certeza de que, assim fazendo, inspirou nossa seleção na vitória sobre Costa do Marfim. “Se o Cruzeiro pode, nós também podemos”, deve ter dito Dunga. Viva o Cruzeiro.

Fonte:
Jornal Zero Hora, 22/06/2010



"Começa a partida Brasil x Portugal. Pedro Álvares Cabral apossa-se da pelota e avança, dribla um índio, dribla dois, dá um passe para Martim Afonso de Souza, este aciona Mem de Sá, surge Tiradentes, tenta interceptar, não consegue, mas aí aparece dom Pedro I, brada ‘Independência ou Morte’, domina a jogada, passa a dom Pedro II, que deixa para Deodoro da Fonseca, este estende a um presidente, a outro, a democracia chuta, e é gol! Gol do Brasil!”.
Fonte:

Triste mesmo é saber que não teremos mais a criação de contos saborosos de Scliar. Abaixo, Literatura na Arquibancada destaca dois deles:

“Namoro e futebol”


Eles se conheceram na escola, onde cursavam a mesma classe. E foi o legítimo amor à primeira vista. Uma semana depois já estavam namorando, e namorando firme. Eram desses namorados que fazem as pessoas suspirar e dizer bem baixinho: meu Deus, o amor é lindo. Ele, 17 anos, alto, forte, simpático; ela, 16 uma beleza rara. Logo estavam se visitando em casa. Os pais de ambos davam a maior força para o namoro e antecipavam um casamento no futuro: os dois formavam o casalzinho ideal. Inclusive porque gostavam das mesmas coisas: ler, ir ao cinema, passear no parque.

Mas alguma coisa tinha que aparecer, não é mesmo? Alguma coisa sempre aparece para perturbar mesmo o idílio mais perfeito.

Foi o futebol.


Ele era maluco pelo esporte. Jogava num dos times da escola, no qual era o goleiro. Um grande e esforçado goleiro, cujas defesas muitas vezes arrancavam aplausos da torcida.

Ela costumava assistir às partidas. No começo nem gostava muito, mas então passou a se interessar. Um dia disse ao namorado que queria jogar também, no time das meninas da escola. Para surpresa dela, ele se mostrou radicalmente contrário à idéia. Disse que futebol era coisa para homem, que ela acabaria se machucando. Se queria praticar algum esporte, deveria escolher o vôlei. Ela ficou absolutamente revoltada com o que considerou uma postura machista dele. Disse que iria começar a treinar de qualquer jeito.


Começou mesmo. E levava jeito para a coisa: driblava bem, tinha um chute potente. Só que aquilo azedava cada vez mais as relações entre eles. Discutiam com freqüência e acabaram decidindo dar um tempo. Uma notícia que deixou à todos consternados.

Passadas umas semanas, a surpresa: o time das meninas desafiou o time em que ele era goleiro para uma partida.

Ele tentou o possível para convencer os companheiros a não jogar com elas. No fundo, porém, não queria se ver frente a frente com a namorada, ou ex-namorada. Os outros perceberam isso, disseram que era bobagem e o jogo foi marcado.


Ele estava tenso, nervoso. E não podia tirar os olhos dela. Agora tinha de admitir: jogava muito bem, a garota. Era tão rápida, quanto graciosa e, olhando-a, ele sentia que, apesar das discussões, ainda gostava dela.

De repente, o pênalti. Pênalti contra o time dos garotos. E ela foi designada para cobrá-lo. Ali estavam os dois, ele nervoso, ela absolutamente impassível. Correu para a bola – no último segundo ainda sorriu – e bateu forte. Um chute violento que ele, bem posicionado, defendeu, sob aplausos da torcida.


O jogo terminou zero a zero. Eles se reconciliaram e agora estão firmes de novo. Mas uma dúvida o persegue: será que ela não chutou a bola para que ele fizesse a brilhante defesa? Não teria sido aquilo um gesto, por assim dizer, de reconciliação?

Ela se recusa a responder a essa pergunta. Diz que um pouco de mistério dá sabor ao namoro. E talvez tenha razão. O fato é que, desde então, ela já cobrou vários pênaltis. E não errou nenhum.

Fonte:
Folha de S.Paulo, 26/09/2005

Impedimento


De todas as mulheres que existem no mundo, eu tinha de me apaixonar logo por uma juíza de futebol, pensava ele, amargurado. A verdade, porém, é que ela tinha todas as qualidades possíveis e imagináveis: era linda, era simpática, era inteligente. Mas, acima de tudo - e isso segundo suas próprias palavras -, era juíza. E como juíza agia, inclusive na cama. Quando achava que ele estava sendo apressado, ou grosseiro, pegava o apito que estava sempre sobre a mesa de cabeceira e apitava: impedimento.

Impedido ele está quase sempre. Sua única esperança: um dia, engolfada pela paixão, ela esquecerá de apitar. E ele então marcará o grande gol de sua vida.



Fonte:

Para saber mais sobre Moacyr Scliar, acessar:
  

Quem foi melhor: Pelé ou Garrincha?

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Ele é um apaixonado pela literatura esportiva e batalha firme – mesmo com tantos “nãos” – pela formação de um mercado digno nesta área. Cesar Oliveira “sonha” com a consolidação de um (real) mercado de livros da literatura esportiva. Além de editor, também dá suas cacetadas em textos que ajudam o leitor a refletir sobre temas ligados ao futebol. É o que ele propõe na crônica abaixo (na verdade, uma mensagem enviada ao grupo Memofut – Memória e Literatura do Futebol – que o Literatura na Arquibancada pediu para postar por aqui).

César sugere um “drible na polêmica” criada em torno de quem foi melhor: Pelé ou Garrincha?
Literatura na Arquibancada sugere ainda a leitura da entrevista publicada por aqui com César Oliveira. Um papo que revela a realidade deste “mercado” dos livros de futebol.

Driblando a polêmica
Por Cesar Oliveira 


Pelé é, foi e será, para todo o sempre amém, o maior jogador de futebol de todos os tempos. E Garrincha, perguntarão? Garrincha estava acima de qualquer tipo de julgamento, ele não pode ser comparado a um atleta como Pelé, porque não era atleta. Tinha graves problemas de saúde física e, digamos, mental. Apesar disso, sempre com humildade, sem pisar em ninguém, é admirado até hoje.

Tenho um cliente na Suécia que, certa vez, me fez uma compra grande de livros sobre Mané e o futebol brasileiro. Era jovem e me explicou de maneira surpreendente o motivo da compra: "Até hoje falam de Garrincha e Didi na Suécia". Deve ser por isso que nenhum "hermano" se arvora em contestar-lhe a grandeza.

Zico perdendo pênalti contra a França, na Copa do Mundo 86

Quanto ao Botafogo... ora... o Botafogo tem uma vida centenária, linda, cheia de ídolos, lendas, craques, mitos, personagens, histórias... O Botafogo não precisa quem o defenda, muito menos eu, reles torcedor de arquibancada. Cada time e craque tem a sua grandeza. Quero reconhecer e brindar cada um. Não posso lutar contra a história do Zico, falando de um pênalti perdido; não posso lutar contra a história de Sócrates, falando das biritas. Bobagem. O que vale é o que escreveram pela vida. É isso que quero registrar, na memória e nos livros.

Por isso, não concordo e não aceito a lamentável bobajada da revista da ESPN, elegendo qualquer outro lateral-esquerdo, como o maior de todos os tempos, que não Nilton Santos. Ainda bem que se recuperam agora, resgatando essa história de Mané.


Quanto ao Ruy Castro e seu livro sobre Mané, isso já foi caso de muitos comentários e brigas. Certa feita, estava na livraria do Unibanco Arteplex (atual Blooks), em Botafogo, ouvindo Ruy, João Máximo, Helio de la Peña e a bela Clara Albuquerque falarem de literatura de futebol. No meio do papo, Marcos Eduardo Neves que, como eu, estava na plateia, questionou o Ruy sobre a capa do Estrela Solitária.

Talvez com o saco cheio de explicar isso mais uma vez, Ruy disse que não havia feito um livro sobre Mané, mas sobre alcoolismo. Estava, disse depois, em outro evento, reescrevendo o que dissera em Botafogo, tentando sublimar o próprio alcoolismo, afastar o estigma, entender como funciona. Só lhe pediam biografias, depois do sucesso do "Anjo Pornográfico".


E ele queria escrever sobre o alcoolismo, contra o qual luta diariamente, como é praxe nos adictos. Juntou uma coisa à outra e produziu o maior sucesso literário do futebol brasileiro, mais de 350 mil livros vendidos, depois dos anos de batalha judicial.

Enfim, é isso! Bola pra frente! Viva Mané, viva Pelé, vivam os grandes craques do futebol brasileiro.

Saudações Botafoguenses!

Sobre Cesar Oliveira:

Cursou a Escola Superior de Desenho Industrial e o pós-graduação da Escola Superior de Propaganda e Marketing. Editou, entre outros, "Botafogo: 101 anos de histórias, mitos e superstições", de Roberto Porto; "O artilheiro que não sorria", de Rafael Casé; e "Quem derrubou João Saldanha", de Carlos Vilarinho. É descobridor da autobiografia inédita de Arthur Friedenreich, cheio de projetos e, como Diógenes, procurando patrocinadores. Botafoguense de primeira, continua achando que, nessa polêmica Pelé vs. Garrincha, vence quem é de Pau Grande....

Vai, Corinthians !

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Entre os milhares de “loucos” corinthianos que decidiram embarcar para o Japão e torcer pela conquista do título mundial estavam quatro amigos: Dante Grecco Neto, Antonio Marcos Abrahão Junior, André Luiz Pereira da Silva e Celso Unzelte.

A “aventura” do quarteto transformou-se no livro "Vai, Corinthians! (Que nós vamos atrás...)" (Maquinária Editora). Histórias reais e bem humoradas que mostram a relação de paixão do corinthiano com o Timão.

Um deles, em especial, não tem nada de “louco” pelo Corinthians. Celso Unzelte transcende a “qualificação”. A história abaixo, publicada em “Vai, Corinthians!”, demonstra os antecedentes que Celso carrega no sangue e todas as justificativas que o levaram ao Japão (se é que precisava de alguma para ver o Corinthians Campeão Mundial). Literatura na Arquibancada recomenda a leitura de uma entrevista com ele publicada por aqui (http://www.literaturanaarquibancada.com/2011/11/um-louco-por-futebol.html)

Quem somos nós
Por Celso Unzelte


Tobogã, setor mais popular do Pacaembu, 4 de julho de 2012. Com dois golaços em cima dos argentinos do Boca Juniors, Emerson Sheik acaba de proclamar nossa independência americana. Ao meu lado, entre a imensa maioria alvinegra dos 37.959 pagantes, estavam meu filho Daniel, de 8 anos, e Dante Grecco, velho amigo na vida e nas arquibancadas. Quando, em 1977, o Corinthians fez sua primeira (e frustrada) tentativa de ganhar a Libertadores, eu não conhecia o Dante. O Daniel, obviamente, ainda não havia nascido, até porque eu mesmo tinha apenas 9 anos, quase a mesma idade que ele tem hoje.

Lá em casa, futebol já era o assunto principal, o prato do dia, fartamente servido pelo meu avô, o seu Paulo, são-paulino desde os tempos do Paulistano, e pelo meu pai, Dario, este sim corinthiano até a medula, desde 1935. Meu pai acompanhou todo o jejum de títulos de 1954 a 1977 e sofreu com o Santos de Pelé. Quando mais jovem, era capaz de “chorar pelo Corinthians”, segundo o testemunho insuspeito da minha mãe, Luíza, e das irmãs dela, Duca e Lita. Mas quem disse que isso me comovia? Eu era um “cê-dê-efe”, um “ferrinho”, um nerd, de acordo com a linguagem que se usa hoje. Futebol, para mim, era uma das coisas mais chatas do mundo. Roubava a atenção do meu pai nos fins de semana e só a devolvia quando já era noite de sábado, de domingo, às vezes de ambos os dias. Era por isso que eu preferia passar meu tempo lendo, principalmente histórias em quadrinhos.

Naquele ano mágico de 1977, porém, muita coisa iria mudar na minha vida. Tornou-se cada vez mais difícil continuar não gostando de futebol, a ponto de isso atrapalhar meu relacionamento com as outras crianças. “Ele não sabe nem a diferença entre um arremesso lateral e um escanteio”, diziam meu irmão, Paulo Roberto, também corinthiano, e um primo um ano mais velho que eu, Samuel, palmeirense, toda vez que eu tentava entrar no papo deles. O pior é que ambos estavam certos, porque eu não sabia nada de futebol, mesmo! Então, tratei de saber, pelo caminho que considerava mais fácil: o Manual do Zé Carioca, personagem de Walt Disney. Um livro ilustrado que por meio do meu mundo (o dos quadrinhos) me ensinou tudo sobre outro que eu precisava conhecer (o do futebol). 


Estarei mentindo se disser que me lembro de alguma outra coisa daquela primeira campanha corinthiana na Libertadores além do meu avô são-paulino torcendo (contra, é claro) diante de sua televisão em cores, um luxo para a época, nas derrotas do Timão para o El Nacional e o Deportivo Cuenca, ambas no Equador. É que isso aconteceu entre abril e maio daquele ano, e minha relação com a bola só começou mesmo alguns meses depois. Mais precisamente em outubro, época em que a obsessão do Corinthians era outra: decidir em três jogos contra a forte Ponte Preta o título de campeão paulista, que não ia para o Parque São Jorge havia mais de 20 anos.

Nada me lembro, também, do primeiro jogo daquelas finais, vitória por 1 a 0, gol de Palhinha marcado com a cara no rebote de uma defesa do goleiro Carlos, da Ponte Preta, em uma noite de quarta-feira. Mas a segunda partida, disputada em uma bela tarde de domingo em que bastaria mais uma vitória para, enfim, o Corinthians ser campeão, ah, essa eu acompanhei na casa da tia Duca. Seu filho Alberto, meu primo, é quem havia me emprestado o Manual do Zé Carioca. Quase doze anos mais velho que eu, ele era uma das 146.082 pessoas que foram ao Morumbi para estabelecer o até hoje imbatível recorde de público daquele estádio. Não sem antes deixar uma bandeira alvinegra pendurada na janela da casa. Vaguinho fez Corinthians 1 a 0. Aquele mar de bandeiras que a televisão já havia mostrado na entrada do time em campo e mostrou novamente na hora desse gol eu só conseguiria rever anos depois, graças ao milagre do youtube. Por muito tempo, tais imagens permaneceram apenas em minha memória, como um devaneio de infância, exagero dos meus olhos de menino. Não eram, e isso pode ser comprovado no endereço http://www.youtube.com/watch?v=ABpgASkn6H4.

Aquela, sim, eu me lembro de ter sido a primeira partida de futebol que de fato acompanhei torcendo durante os 90 minutos, ainda que intercalando a leitura do Manual do Zé Carioca e a preocupação com as certeiras cobranças de falta de Dicá, o craque da Ponte Preta.Em uma delas, lá pela metade do segundo tempo, Dicá, como eu temia, de fato acabou empatando o jogo. Depois, foi a vez do artilheiro Ruy Rei — outro perigo! — virar para a Ponte, 2 a 1. Meu primeiro jogo como corinthiano praticante, minha primeira decepção, minha primeira certeza de que na próxima vez tudo ia ser diferente. E aquela próxima vez estava marcada para logo, apenas quatro dias depois, a noite da quinta-feira, 13 de outubro de 1977. 


Com o passar dos anos, tem-se tornado cada vez mais difícil explicar para as novas gerações por que aquele título, afinal conquistado com o famoso gol de Basílio e ultimamente rotulado como apenas mais um “paulistinha”, ainda é tão importante para nós, os corinthianos acima dos 40 anos. É que naquele tempo, ainda tão distante do uso dos computadores e dos celulares, das viagens rápidas e de outras benesses da globalização, nosso mundo era nosso bairro, nossa cidade, no máximo nosso Estado. Não seria exagero, portanto, dizer que no desabafo daquela conquista, ao ser o melhor de São Paulo novamente (ou pela primeira vez, aos olhos de grande parte de seus torcedores, muitos deles já homens feitos que ainda não tinham visto seu time ser campeão), o Corinthians foi também, de certa forma, campeão do mundo. Do nosso mundo. Daí a festa indescritível, o espetáculo de imagens que não me sai da memória e que já defini mais de uma vez como uma Copa do Mundo em preto e branco.

Assistimos ao jogo em casa, a família toda reunida em frente ao televisor colorido do meu avô, mais uma vez “ponte-pretano desde criancinha”. Juro que, durante a maior parte daquela partida, eu consegui me concentrar lance a lance. Cheguei a discutir com meu avô na hora em que Ruy Rei, da Ponte Preta, foi expulso e o velho insinuou que o adversário estaria vendido. Na hora do gol salvador, porém, quando faltavam menos de nove minutos para o fim, eu, criança dispersa que ainda era, montava um castelinho de papel no tapete da sala. Daquele momento, lembro-me apenas do pé de meu pai esmagando meu castelinho antes de sair correndo para o quintal, a fim de comemorar. Em vez de reclamar pelo brinquedo estragado, fui atrás dele. E nunca mais voltei.

De certa forma, no campo das relações humanas, acho que o Corinthians me salvou, e a ele sou grato até hoje. De lá para cá, muita coisa que aconteceu na minha vida teve a ver não só com o clube como com o futebol em geral. Inclusive minha profissão, jornalista, a ponto de ter escrito vários livros sobre o esporte e o time do meu coração — o principal deles, o Almanaque do Timão, relatando detalhes sobre todos os jogos (desde o primeiro, em 10 de setembro de 1910), jogadores e técnicos da história corinthiana. Certa vez, resumi essa relação em forma de versos (dos poucos que ousei cometer em toda minha vida), originalmente publicados no livro oficial do Centenário do clube e que reproduzo aqui:


Quisera eu, como o Corinthians, ter 100 anos  
Só para ter visto o velho Neco
E as viradas, os golaços do Teleco
Para pegar o bonde rumo à Ponte Grande, ao Parque São Jorge, ao Pacaembu
Para ver as jogadas e rezar as mandingas do Pai Jaú
Para vibrar com os gols do Cláudio, do Luizinho, do Baltazar
Para também me sentir seguro a cada defesa do Gilmar
Para ter mais lembranças dos meus tempos de menino
E poder recordar melhor o futebol do Rivellino
Mas só tenho 42 anos e acompanho o Corinthians há 33
Suficientes para ter visto tudo o que conto agora a vocês

Basílio libertando todo um povo, em 77
O calcanhar do Doutor Sócrates, um ano depois
A Ponte caindo de novo em 79 — em vez de um só título, agora eram dois!
(Pausa para um descanso, entre 80 e 81)
O bi da Democracia, em 82 e 83
O Santos, sem Pelé, agora virando freguês
O Timão de 87, indo da lanterna até a final
O gol do garoto Viola em Campinas — simplesmente sensacional!
O primeiro Brasileiro, pelos pés do Tupãzinho
Cada vez mais títulos, primeiro com o Neto, depois com o Marcelinho
As conquistas “casadinhas” com a Copa do Brasil
E também aquelas avulsas, multiplicando as “tradições e glórias mil”
A torcida sempre com o time, indo bem ou indo mal
O Corinthians cada vez mais paulista, mais brasileiro, mais mundial
Até mesmo a maior tristeza eu acho que compensou
Só pra ver meu filhinho no campo, gritando comigo:
“O Coringão voltou”

Trinta e cinco anos depois que tudo isso começou para mim, foi meu filho o maior companheiro em busca da conquista inédita da Libertadores, já que minhas filhas, Carolina, de 15 anos, e Beatriz, de 10, são são-paulinas, assim como minha mulher, Patrícia. Por isso, costumo dizer que a minha casa é o único lugar no mundo em que a torcida do São Paulo é maior que a do Corinthians. Só pode ser a tal lei do eterno retorno, para alegria do meu avô Paulo, esteja onde estiver. Ele morreu aos 89 anos, em setembro de 1986, não sem antes ter ouvido pelo rádio o primeiro tempo de uma goleada do São Paulo sobre o Sampaio Corrêa, do Maranhão.

Da esquerda para a direita, os três filhos de Celso.

Vai ver, é tudo culpa minha, mesmo. O fato é que desde pequena a Carolina teve que se acostumar a dividir a atenção do pai com o futebol — e com o Corinthians. Principalmente na época da primeira edição do Almanaque do Timão, que levou cinco anos até ser concluído, os últimos três, de 1997 a 2000, emprestados de sua mais tenra infância. Quando menor, ela costumava dizer coisas como “Cadê o papai? Foi trabalhar? Maldito Corinthians!” (mesmo nas vezes em que o Timão não tinha nada a ver com a história). Ou então: “Papai, eu sou ‘dicolor’” (ela não sabia ainda nem pronunciar direito a palavra, mas já se dizia ‘tricolor’...) “Mas eu sou amiguinha de você, tá bom?” Não posso culpá-la. Já a Beatriz, embora hoje negue, “nasceu corinthiana”, como registrei nos agradecimentos da segunda edição do Almanaque do Timão, de 2005. Naquele mesmo ano, porém, quando ela estava com pouco mais de dois de vida, o São Paulo ganhou sua terceira Libertadores. Beatriz, então, viu a mãe e a irmã comemorando pela casa com uma toalha vermelha, branca e preta. Gostou da brincadeira, foi atrás das outras duas e também nunca mais voltou, como já havia acontecido comigo em relação ao corinthianismo do meu pai.     

Daniel, no entanto, parece mesmo ter “visto a luz”, como costumo dizer todas as vezes em que um filho de corinthiano também se torna corinthiano. Sempre me senti muito à vontade sendo pai de duas meninas. Por isso, toda vez que alguém, ao ver as diferenças de idade e de sexo entre meus filhos, insinua que eu “fui tentando um menininho até conseguir”, faço questão absoluta de corrigir: “Menininho, não! Eu fui tentando é um corinthiano”. Que assim nasceu, predestinado, desde o parto. Ao me entregar o garoto no colo e jogar no lixo as luvas que havia usado, um dos médicos, que sequer me conhecia e havia permanecido calado ao meu lado durante todo o processo, resolveu sentenciar:
— Mais um corinthiano no mundo!
Feliz, só pude responder:
— Doutor, o senhor arriscou alto. Mas acertou em cheio!

Daniel não tinha mais que 2 anos quando ao ser perguntado, principalmente em festas, por que era corinthiano como o pai, sempre respondia: “Eu nasci assim”. Eu, por minha vez, ao ser perguntado se meu caçula era corinthiano, falava: “Foi feito para isso”. Apesar de frequentar estádios desde os tempos da Série B, quando tinha apenas 4 anos de idade (eu só comecei aos 10, e ele vive tirando sarro de mim por causa disso), a Libertadores de 2012 representou para o Daniel o que o Paulista de 77 havia representado para mim: uma espécie de iniciação vitoriosa ao corinthianismo praticante. Juntos, estivemos presentes em quatro dos sete jogos realizados em São Paulo, dos 2 a 0 na estreia em casa, contra o Nacional do Paraguai, à redenção final diante do temível Boca. Para conseguir os ingressos, tornei-me até Fiel Torcedor, pois não podia nem queria usar minha credencial de jornalista para levá-lo junto comigo.

Celso e os filhos

Daquela Libertadores, a gente só se arrepende, mesmo, dos jogos em que não fomos. No 1 a 0 sobre o Cruz Azul, do México, acabamos convencidos em cima da hora pelas são-paulinas Patrícia, Carolina e Beatriz de que era “melhor assistir pela TV, em casa, comendo pipoca”. Não estivemos presentes, ainda, na goleada por 6 a 0 sobre o Deportivo Táchira, da Venezuela, porque afinal “o Coringão já estava classificado”, como fazia questão de informar e reinformar o próprio Daniel, sempre com o regulamento e a situação de cada campeonato na ponta da língua. Também não estávamos no Pacaembu no 1 a 1 contra o Santos que garantiu a vaga na decisão, mas aí foi meu bom senso de pai que falou mais alto: “Em jogo que tem duas torcidas, não! É muito perigoso ir ao estádio”. Por ele, no entanto, nós teríamos ido até mesmo à Vila Belmiro, na primeira partida das semifinais.

Mesmo dos jogos fora de casa, aqueles que acompanhamos apenas pela televisão, temos alguma história pra contar. Como o da estreia na Libertadores, quando, até os 49 minutos do segundo tempo, o time perdia por 1 a 0 para o Táchira, na Venezuela. Mais um daqueles gols sem querer que o Corinthians costumava sofrer na Libertadores. Na hora em que o adversário marcou mais um gol, cheguei a abandonar a sala, xingando, e ir para a cozinha. Só fiquei sabendo que o lance havia sido anulado (e justamente!) por impedimento porque o Daniel correu atrás de mim para avisar. De volta à sala, porém ainda descrente de que o Corinthians poderia alcançar um resultado melhor com aquele futebol que vinha apresentando, comecei a insistir para que meu filho fosse dormir mais cedo. Afinal, ele estuda de manhã e para quem tem de acordar às 6 horas qualquer tempo de sono ganho já é lucro, ainda mais em um jogo que terminou perto da meia-noite. Foi ali que recebi uma das maiores lições de perseverança (e de corinthianismo) da minha vida:
— Eu não vou. Você pode ir, mas eu não vou dormir. Você não me fala sempre que corinthiano tem que acreditar até o fim? Então, eu sou corinthiano e vou torcer até o fim.

E foi já no fim que houve aquela falta perto da área. Enquanto Alex ajeitava a bola para a cobrança, Daniel me pediu:
— Vem, pai. Vamos fazer uma corrente, ficar de mãos dadas, em pé, aqui na frente da televisão, pro Coringão empatar.

E ali ficamos, em pé, de mãos dadas, à espera de um milagre. Que veio.

Depois que a bola viajou, eu só consegui ver alguém subindo para cabecear. Pensei que fosse o Élton, mas era o Ralf. Quando finalmente foi possível enxergar pela televisão que a bola havia batido na rede antes de voltar para dentro do campo, nós dois imediatamente nos olhamos. Antes mesmo do nosso grito — que só não acordou os vizinhos porque eles também estavam acordados, gritando junto —, pude verificar a mais pura expressão de alegria que já havia visto no rosto de meu filho desde que ele havia nascido. Ali começava uma aventura que, para mim, só iria terminar do outro lado do mundo, dez meses depois. 


Nos 3 a 0 sobre o Emelec, do Equador, que garantiram a classificação para as quartas de final contra o Vasco, Daniel estreou no Tobogã — segundo suas próprias estatísticas, “o último setor do estádio que faltava para a gente ver jogo juntos”. Foi debaixo do bandeirão que anuncia, orgulhoso, “Uma Nação com Mais de 30 Milhões de Loucos” que ele me confessou: “Eu nunca mais quero sair daqui”. Na saída do Pacaembu, me intimou: “Pai, quando a taça vai chegar ao Memorial do Corinthians? Liga pro David, que cuida de lá, e pergunta o dia e a hora, porque eu quero ir ver”. De nada adiantou explicar que ainda teríamos mais seis jogos pela frente até realizar aquele sonho. Desde ali, Daniel já estava convicto da conquista.

Fizemos de tudo para estar presentes também no segundo jogo contra o Vasco, aquele inesquecível 1 a 0, gol de Paulinho, em que o goleiro Cássio e o Pacaembu inteiro realizaram o milagre coletivo de hipnotizar Diego Souza, obrigando-o a perder um gol certo, mesmo depois de caminhar com a bola desde o meio do campo, sozinho, durante intermináveis 6 segundos e 22 centésimos. Foi o Daniel, também, quem leu no jornal Lance! que, para aquele jogo, ainda seriam vendidos uns poucos ingressos de numerada, a exorbitantes 400 reais (mais 200 pela meia-entrada dele) no domingo pela manhã, no Parque São Jorge. Lá fui eu acordar mais cedo e encarar a fila em um dia que deveria ser reservado para o descanso, mas no qual ainda iria trabalhar até às 11 horas da noite. É claro que valeu a pena. Quando eu, dadas as circunstâncias daquela partida dramática, já estava até conformado com a decisão por pênaltis que se aproximava, olhar perdido no contraste da garoa fina contra a luz que vinha dos refletores, foi o Daniel, uma vez mais, quem se encarregou de me trazer de volta à realidade, com um chacoalhão e o grito:
— Pai, acorda! O Paulinho vai marcar... Goooooooooooool!!!!!!

Olhos arregalados, boca entreaberta, cabelos loiros espetados, as duas mãos espalmadas pressionando as bochechas. A expressão dele naquele momento tão especial que compartilhávamos me lembrou a foto clássica do ator mirim Macaulay Culkin no filme Esqueceram de Mim.

Daniel, filho de Celso, no melhor sono do mundo.

Para a decisão em casa contra o Boca, o Daniel já estava credenciado como menor não pagante, via site do Corinthians, desde antes do primeiro jogo da final, na Bombonera, aquele em que Romarinho entrou em campo só para empatar. O problema, agora, era arranjar um ingresso do Tobogã para que um adulto — no caso, eu — pudesse acompanhá-lo. As chances não eram das maiores, mas mesmo assim acordamos cedo no dia em que a venda pela internet seria liberada, a partir do meio-dia. Às 9h30 da manhã, já estávamos nos revezando diante do computador, conectados ao site do Fiel Torcedor e atualizando a página seguidamente por duas horas e meia. Às 12h02, apareceu um boleto para o pagamento do meu ingresso que, no entanto, logo depois, sumiu. Às 12h08 o site informou que todos os ingressos estavam esgotados. Quem nos salvou foi justamente o Dante, que já havia assistido junto com a gente o jogo contra o Emelec e tinha garantido o ingresso dele para a decisão com o Boca. Ao longo de todo aquele processo, trocávamos informações por telefone, na base do “e aí? Conseguiu?”. Agora, ele vinha com sábias palavras:
— Deixa diminuir o número de acessos, volta no site e você vai ver que o boleto está lá para pagar. Se ele apareceu uma vez, vai estar lá.

Apareceu, mesmo. À noite, com o ingresso já garantido, na hora em que coloquei o Daniel na cama para dormir, suas últimas palavras naquele dia atribulado, proferidas antes que eu apagasse a luz do quarto, foram:
— Que bom que a gente conseguiu os nossos ingressos, hem, pai? Eu ainda não estou acreditando...

Na verdade, eu também não acreditava até a véspera da decisão, quando chegou até mim, via internet, uma mensagem que enfim deu a exata dimensão do fato. Assinada por seis das maiores torcidas organizadas do clube, ela dizia: “Você que vai ao jogo foi escolhido entre os 33 milhões de corinthianos. Faça a sua parte, não pare de cantar!”

Em retribuição a tamanha sorte, tratei de fazer tudo para que aquela fosse uma noite inesquecível. O jogo só começaria às 21h50, mas perto das sete da noite já estávamos entrando no estádio. Eu com minha camisa 10 de 1977, autografada pela maioria dos heróis daquela epopeia. O Daniel com a camisa listrada do Ronaldo que eu mesmo lhe havia dado no Natal de 2009. O Dante com sua igualmente inseparável camisa retrô número 8, do herói Basílio. Propositalmente, deixei o carro em um prédio da Avenida Paulista e seguimos, eu e o Daniel, para encontrar o Dante nas imediações do Pacaembu, em procissão com outros corinthianos. Nada menos que 3,2 quilômetros a pé, que repetiríamos felizes na volta, só para sentir melhor o clima em ambas as ocasiões. Em um dos portões da entrada do estádio, a moça encarregada de checar o documento de identidade com o nome dos menores credenciados em uma lista falou para o meu filho:
— Ih, Daniel... O seu nome não está aqui, não.


Sorrindo, expliquei para ela que nessa brincadeira o Daniel já não caía mais, de tanto que os fiscais do Pacaembu a haviam feito com ele nos outros jogos. Mas a moça respondeu, mais séria, enquanto corria os olhos pela lista novamente:
— Só que dessa vez é verdade. O nome dele não está aqui, não...

Não podia ser. O próprio Daniel havia feito o cadastro pelo site do Corinthians e eu, por medida de segurança, tinha tentado fazer novamente, até receber a mensagem “número de documento já cadastrado” e ficar mais tranquilo. Achei estranho não fornecerem nenhum tipo de comprovante, mas já havia sido assim no jogo contra o Emelec e tudo havia dado certo. Felizmente, talvez por ser ainda muito cedo e não haver muita gente pressionando para entrar, a moça do portão piscou para nós e, cúmplice, falou baixinho:
— Passa, passa, passa...

Ela nem precisaria ter repetido tantas vezes. No primeiro “passa”, o Daniel já estava lá dentro, antes mesmo de mim e do Dante.

Apesar de todo o nervosismo, o jogo em si foi bem mais fácil do que se poderia prever. Ao final de um primeiro tempo equilibrado, que terminou 0 a 0, cheguei a comentar com algumas pessoas que estavam do meu lado:
— Bem que hoje nós poderíamos ter uma noite de são-paulino...
— Como é isso?
— Ah, é fazer logo 2 a 0 e, depois, só curtir o resto do segundo tempo.
— Até parece que você não conhece o time que você torce...

Mas não é que eu estava adivinhando o que iria acontecer? Logo aos 9 minutos, a bola viajou duas vezes seguidas em cobranças de faltas para dentro da área do Boca, até cair nos pés de Emerson Sheik, de frente para o gol. Por sorte, aquela jogada e nossas reações foram filmadas do Tobogã por um rapaz que estava ao nosso lado. Nessa hora, na gravação, dá para ouvir ao fundo uma voz abafada, rouca, sofrida, quase suplicante:
— Sobrou!

Era eu.

Nas imagens, hoje guardadas para sempre em vídeo no nosso computador, seguem-se abraços, palavrões, gente chorando. Eu erguendo o Daniel em triunfo com uma das mãos e limpando as lágrimas com as costas da outra. Faltavam ainda uns 20 minutos para o fim quando novamente o Sheik, aproveitando uma falha do zagueiro quarentão Schiavi, do Boca, decretou os 2 a 0. Dali pra frente foi só festa, até o apito final do juiz. Assim que ele veio, o Daniel disse:
— Há quanto tempo eu estava esperando por isso...
Perguntei, curioso:
— Há quanto tempo, filho?
E ele, com sua mania de nomes e datas:
— Desde 15 de fevereiro de 2012, dia da estreia contra o Táchira. Ou então desde 2 de fevereiro de 2011, naquela derrota para o Tolima. 

Celso, André (centro) e Dante, no Monte Fuji, Japão.

Eu e o Dante demos risada, até porque estávamos esperando havia muito, muito mais tempo. Nós nos conhecíamos desde o final de 1986, quando comecei a trabalhar no extinto Departamento de Textos da Editora Abril, onde éramos revisores. Desde então, quantas vezes não havíamos estado juntos naquele mesmo Pacaembu ou no Morumbi?  Acompanhamos nos estádios boa parte da histórica campanha corinthiana no já longínquo Paulista de 1987, quando o Timão saiu do penúltimo lugar do primeiro turno para um honroso vice-campeonato. Lado a lado, também, lamentamos uma desclassificação nas quartas-de-final da Copa do Brasil de 1989, a primeira de todas, depois de o Corinthians ter conseguido o milagre de fazer os necessários 4 a 1 no Flamengo com três gols marcados depois da metade do segundo tempo e, em seguida, ceder a diminuição da vantagem para 4 a 2 que acabou custando a vaga, gol do veterano Júnior já aos 42 minutos do segundo tempo. Naquele dia, lembro bem do Dante lamentando enquanto me dava uma carona até o metrô em seu Gol preto: “Que pena, o Corinthians perdeu uma boa oportunidade de ganhar a Copa do Brasil e voltar a disputar a Libertadores”. Também estávamos juntos em 1991, naquele mesmo Pacaembu, quando o Corinthians, enfim de volta à Libertadores após 14 anos, perdeu para o Flamengo por 2 a 0, provocando a ira de sua torcida, que atirou até os portões de madeira do velho estádio pela arquibancada abaixo. Naquela noite, nos encontramos quando o Dante veio se abrigar na tribuna de imprensa, onde eu já estava, tão assustado quanto ele.

Talvez por tudo isso, uma vez atingido o objetivo há tanto tempo almejado, sonhos de grandeza imediatamente começaram a povoar nossas cabeças. Ali mesmo, nos degraus do Tobogã, o Dante — que só futuramente iria ganhar o apelido de “Resoluto” — falou: “Celso, eu vou pro Japão. Vamos nessa?” Explicou-me que naquele ano — mais precisamente em dezembro — completaria 50 anos e que já havia resolvido, ali mesmo, “se dar esse presente”. Na hora, não confirmei nada. Mas pela primeira vez comecei não só a considerar a ideia como a gostar muito dela.
    

Psicologia de Alto Rendimento - PAR

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Um projeto inovador que todo clube esportivo deveria conhecer. Trata-se do PAR, abreviatura de Psicologia de Alto Rendimento, criado e desenvolvido pelo psicólogo e pedagogo Mario Rodrigues. Segundo ele, o “alto rendimento pode ser alcançado por todos os atletas por meio de recursos do pensamento”. Passo a passo, com teorização e prática, Mario Rodrigues mostra os caminhos de um vencedor. Bem fácil de acreditar, pois Mario Rodrigues também foi atleta e sabe das dificuldades da associação entre teoria e realidade.

Projeto PAR
Psicologia de Alto Rendimento
"Do Brasil para o mundo."
Por Mario Rodrigues


Para acabar com uma lenda que se tornou comum no ambiente do futebol, delegar à sorte ou azar a responsabilidade dos resultados, a única saída é investir no campo científico. O Projeto PAR abriu duas frentes pouco exploradas ao longo da história do futebol: o comportamento e o movimento.
Afinal, o que mobiliza o atleta dentro do campo na busca dos seus objetivos individuais? De que maneira suas habilidades pessoais podem favorecer a performance coletiva da equipe? 

Para o psicólogo e pedagogo Mario Rodrigues, o alto rendimento pode ser alcançado por todos os atletas por meio dos recursos do pensamento. “Os atletas pouco pensam quando estão na prática". Isto justifica pela ocorrência de tantos acontecimentos negativos que ocorrem nos jogos
(desentendimentos por disputa de bola, faltas excessivas, falhas individuais não aceitas pelos demais membros da equipe e por aí vai).A maneira como cada atleta utiliza seu potencial vai garantir atingir melhores resultados ou não.

Em 1987, Mario Rodrigues, ex-atleta de tênis de campo, futebol, futsal, formado em psicologia e pedagogia, criou no Santos Futebol Clube o 1º Centro de Estudos e Pesquisas sobre o Comportamento e Rendimento do Atleta de Futebol, uma iniciativa inédita na época e ainda nos dias atuais, visto que a área do comportamento ainda é pouco explorada, haja visto sua importância na performance de um atleta ou equipe. A iniciativa na época o premiou com uma medalha condecorativa do clube. Posteriormente, a convite do presidente do Orange F.C. (Los Angeles-USA), realizou os primeiros estudos científicos em atletas norte-americanos para comprovar e chegar nas conclusões científicas atuais sobre a regularidade de rendimento.

Mario Rodrigues e atletas do Orange FC.

Após retorno dos EUA, Mario Rodrigues iniciou a divulgação do Projeto PAR em jornais, programas esportivos de rádio, TV, palestras e apresentações em clubes. Detalhes adicionais sobre a metodologia científica do Projeto PAR podem ser encontrados na página de seu facebook
(www.facebook.com/projetopar). Clique em “sobre” e confira metodologia, além de fotos,
reportagens, vídeo-reportagens e experiência nos EUA.

Diante das divulgações em mídia, o ex-atleta Jonas Eduardo Américo, o Edu, ponta-esquerda do Santos F.C. e da Seleção Brasileira se interessou pelo conteúdo e oficializou seu apoio ao conteúdo desenvolvido pelo Projeto PAR.

Entre 2010 e 2012 o Projeto PAR foi apresentado ao Santos FC, que considerou um conteúdo ousado e revolucionário. A implantação no clube ainda segue indefinida. Outros clubes também estão demonstrando interesse pelo conteúdo do Projeto PAR.


O Projeto PAR – Psicologia de Alto Rendimento se baseia no estudo, análise e utilização dos recursos do pensamento, integrando-se com a Pedagogia. Trabalha com 3 eixos fundamentais no exame observatório do pensamento:

AMBIENTABILIDADE(revelam o universo no qual o atleta está inserido);

FUNCIONABILIDADE(observa os modos de ser constituídos pelo atleta a partir das vivências relatadas em sua historicidade);

REACIONALIDADE (as formas que o atleta possui para lidar com a relação emoção x raciocínio).

O Projeto PAR é um projeto gestor de alto rendimento, que vai além da psicologia tradicional e trata a regularidade de rendimento integrando os conceitos práticos do futebol com a psicologia e a pedagogia, estabelecendo em suas diretrizes a adoção do Princípio da Previsibilidade durante a prática.

Os resultados práticos alcançados por treinamentos tradicionais estão aquém da necessidade de se atingir regularidade e alto rendimento, devidamente comprovados no dia-a-dia. A realidade mostra a necessidade.

O PAR é um projeto que transita desde as primeiras categorias até a categoria profissional, capacitando atletas e treinadores a atuarem dentro de uma linha científica, proporcionando a capacitação dos atletas dentro de um perfil funcional padrão de alto rendimento.

Nosso objetivo é ajudar no aperfeiçoamento da técnica através de uma melhor exploração dos recursos do pensamento. Os atletas utilizam menos de 1/3 de seus recursos provenientes do pensamento.

 
Baseado nisso, abriu duas frentes nunca exploradas cientificamente: o comportamento e o movimento. Por meio de cinco experiências (3 práticas e 2 teóricas), criou o Princípio da Previsibilidade no futebol, dividida em três áreas: afetiva, cognitiva e espaço-corporal. O PAR considera que o alto rendimento está ligado diretamente ao relacionamento de atletas, as falhas estão ligadas à mobilidade natural do pensamento, que vai para o passado e para o futuro inúmeras vezes e também pela deficiente percepção de movimentos na prática. Explica o domínio da técnica através dos recursos do pensamento, através do Princípio da Previsibilidade Afetiva (prever acontecimentos no jogo), Cognitiva (prever movimentos de si próprio e do outro) e Espaço-Corporal (percepção do espaço que um ocupa). 

O PRINCÍPIO DA PREVISIBILIDADE AFETIVA prevê a identificação das consequências dos atos dos atletas no campo prático (relacionamento com colegas da equipe, oponentes e arbitragem, que constituem os três pontos de conflito durante a prática). O oponente é o grande aliado do atleta para buscar seu alto rendimento.

O alto rendimento não tem sua referência externa (cobrar o árbitro solicitando faltas, cobrar o colega de algo que também não domina e reclamar com o oponente, pois ele tem as mesmas possibilidades na prática). Tudo isso causa um stress muito acentuado e prejudica a operação do raciocínio e o controle emocional na prática, fundamental para o êxito. Portanto, a relação com o oponente deve ser pautada no antagonismo aliança x frieza. 

A integração de um grupo é muito relevante e a maneira como os atletas buscam essa convivência diariamente deve ser explorada cientificamente. A proposta do projeto PAR enfatiza o controle dos resíduos emocionais de véspera de jogo (stress causado por sobrecarga de acontecimentos e incapacidade de lidar com os mesmos), que interferem na capacidade de prever movimentos e determinam as falhas, além da ansiedade pela espera de acontecimentos futuros que ainda não se materializaram. Futebol é, antes de tudo, relacionamento interpessoal. Caso contrário, teríamos sempre uma regularidade, mas não é isso que acontece.


Os acontecimentos emocionais diários interferem no pensamento dos atletas e devem ser identificados periodicamente de forma a serem controlados. O Projeto PAR trabalha com pensamento condicionado dentro do estágio da previsibilidade (pós-presente - intermediário entre o presente e o futuro), que é o estágio do alto rendimento e da regularidade, onde os atletas aprendem a antever acontecimentos e movimentos que sejam úteis para neutralizar os oponentes. Por isso, os atletas tem obrigatoriamente que se situarem no pós-presente, que é o estágio da previsibilidade, para alcançar o alto rendimento na prática.

A parte funcional do pensamento exerce uma grande influência na atividade. O pensamento é móvel e flutuante e sofre a interferência das emoções. O atleta perde em vários momentos sua capacidade de atenção e raciocínio durante a prática, o que ocasiona as falhas no decorrer do jogo. Temos comprovado isto cientificamente e podemos controlar o nível de atenção concentrada do atleta com atividades específicas, como o aperfeiçoamento da previsibilidade do pensamento. Existe uma grande verdade no esporte e, especificamente, no futebol. Os atletas oscilam no rendimento porque o pensamento sofre a influência da emoção, ou seja, eventos passados e futuros ocupam em diversos momentos a mente do atleta no jogo (resíduos emocionais). Ocorrendo isso, ele perde o poder de prever e o raciocínio é comprometido, o que é crucial nos momentos decisivos de uma partida, porque acabam acontecendo as falhas. As falhas comprometem a integração do grupo na partida, fundamental para o êxito. Controlar o pensamento da interferência de eventos emocionais é a proposta do Projeto PAR.

Não existe concentração no futebol  (e também em nenhuma atividade funcional humana), porque o pensamentoé móvel e sofre a influência das emoções que invariavelmente levam a falhas técnicas. Todo plano tático passa primeiro necessariamente pela dinâmica de relacionamento dos atletas, onde "o servir e ser servido" passa a ser uma regra social e desportiva obrigatória e tem que ser acompanhada em sua dinâmica prática de treinamentos e jogos.

O Projeto PAR tem comprovado cientificamente que a obrigação de vencer ou não perder acarreta uma grande ansiedade nos atletas e influencia diretamente a operação do raciocínio na prática, com a perda de mais de 70% da capacidade do mesmo.

 
O PRINCÍPIO DA PREVISIBILIDADE COGNITIVA, que diz respeito à identificação dos movimentos do oponente. O Projeto PAR orienta sobre os tipos básicos de movimentos dos membros inferiores que identificam a trajetória do oponente, garantindo um maior domínio sobre o poder de desarme, além de tornar o atleta mais eficaz nos passes, dribles e chutes e aproximando-se mais da perfeição e do alto rendimento. Garante o desenvolvimento do raciocínio com previsibilidade e a memória. Ensinamos os atletas a atuarem com pensamento previsível (pós-presente), que é o estágio da regularidade.

Todos os atletas (defensores ou atacantes) necessitam desta habilidade para atingir o alto rendimento. Dentro desta proposta, não tomar gols é algo absolutamente atingível, o que torna possível uma equipe, no mínimo, empatar um jogo. O que uma equipe realizar eficazmente em termos de imprevisibilidade pode credenciá-la a obter o objetivo final do jogo que é “fazer gols”. Hoje em dia a imprevisibilidade dos atacantes é enaltecida porque a previsibilidade dos defensores é deficitária. Quando se exaltam alguns e menosprezam os demais o futebol perde em essência, em brilho. As disputas estão cada vez menos acirradas pela técnica porque predominam atos que não condizem com a arte do jogo. Cabe destacar que este princípio cognitivo não desmerece o atacante, pois para ele improvisar sua arte ele necessita da previsibilidade, ou seja, o atacante precisa antever situações para mostrar a sua arte, funcionando como a criação mental de várias cenas no pensamento, mais ou menos como histórias em quadrinhos. A imprevisibilidade é ilimitada e requer uma infinidade de exercícios criativos de cenas.

O PRINCÍPIO DA PREVISIBILIDADE ESPAÇO-CORPORAL, que trata da utilização do recurso físico em benefício próprio, acompanhando mais o oponente ao invés de cometer faltas desnecessárias, além do desenvolvimento da percepção espaço-corporal, aprimorando no atleta sua capacidade visual de perceber-se no espaço, evitando, com isso, choques corporais e posicionamentos incorretos, pois 100% dos gols sofridos por uma equipe são originários da incapacidade dos atletas - deficiente percepção espaço-viso-corporal. Os atletas devem aprimorar a percepção do seu movimento e do oponente e do espaço que ocupa no campo.

 
O Projeto PAR orienta e desenvolve exercícios práticos com os atletas quanto ao tempo máximo permitido para olhar para a bola durante uma partida – aproximadamente 3 min. 

Dentre as atividades desenvolvidas pelo Projeto PAR destacam-se atendimento individual aos atletas, acompanhamento da dinâmica de relacionamento das atividades de treinos e jogos, aplicação de exercícios de percepção espaço-corporal (garante à equipe não sofrer gols) e exercícios de observação de movimentos (favorece o desarme e a retomada da bola).

Além disso, o Projeto PAR ainda conta com a aplicação e mensuração do teste TPL-PAR, que identifica o perfil psicológico ideal para o alto rendimento, que identifica modelos de liderança e a dinâmica de relacionamento e postura dos atletas em diferentes situações de jogo (favorável no resultado, desfavorável no resultado, pressão do oponente, conflitos com oponente). Conta igualmente com o teste TMOP-PAR, que mede a oscilação do pensamento durante a prática.

O Projeto PAR explora o antagonismo nas atividades. O futebol é um confronto contínuo entre a imprevisibilidade e a previsibilidade, ou seja, uma equipe que não consegue prever os movimentos do oponente e que não cria movimentos imprevisíveis não tem muita chance de alcançar o objetivo do jogo. Os atletas não tem o senso de previsibilidade apurado, conforme nossos estudos. Isto porque isso nunca foi ensinado. Técnicos são ex-atletas com os mesmos hábitos. Portanto irão transmitir pela lógica os mesmos hábitos. A previsibilidade é o principal fator dentro de um campo para desarticular um oponente.

 
A técnica depende de como o atleta opera seu raciocínio na prática. E a pedagogia, que é a ciência que cuida do processo de aprendizagem e da operação do raciocínio na prática, tem um papel relevante nesse processo, pois o pensamento é oscilante por natureza e prejudica a operação do raciocínio.E a tática depende de como o atleta se relaciona no grupo. E a psicologia, que é a ciência que cuida dos relacionamentos humanos, tem um papel também relevante nesse processo. É preciso orientá-los quanto à importância do "servir para ser servido" e muitos não estão preparados para isso.

Mais que um projeto de alto rendimento, o Projeto PAR utiliza o antagonismo para explicar o rendimento. Tudo é originário do pensamento, o comportamento e o movimento. Tanto o atleta pode ser bem sucedido utilizando a imprevisibilidade dos dribles, como também pode ser bem sucedido por utilizar a previsibilidade no desarme.

Isso garante a justiça e o equilíbrio nas ações, inibe conflitos, favorece a aliança com o oponente, mas também impõe limites ao oponente porque mostra as habilidades adquiridas.

Sobre o autor do projeto:
 
Mario Rodrigues é ex-atleta de tênis de campo, tendo atuado dos 4 aos 13 anos de idade pelo Clube Internacional de Regatas (Santos-SP). Posteriormente, foi atleta da base do Santos FC, atuando como centroavante e meia-atacante. Durante o período universitário, foi atleta de futsal do Citrosuco Paulista, atuando com ala e pivô. É graduado em Psicologia e Pedagogia pela UNISANTOS (1985 / 1994), além de ser pós-graduado em Marketing pela ESPM-SP (1989). Para maiores informações e agendamento de palestra: mrpsicologo@hotmail.com

Megafone do esporte: a arte de torcer

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Arte: Zuca Sardan


“Deixa Falar: o megafone do esporte”, espaço de debates que sai quinzenalmente, sábado sim, sábado não, aqui, no Literatura na Arquibancada, na Carta Maior (http://www.cartamaior.com.br), no blog do Juca (http://blogdojuca.uol.com.br/ ) e no Centro Esportivo Virtual (CEV) (http://cev.org.br/), debatendo o esporte em geral e o futebol em particular, dialogando com a História, Política, Música, Economia, Literatura, Cinema, Humor, traz nesta edição duas crônicas de Flávio Carneiro abordando com maestria este tema: “Torcedores” e “Estrela Solitária”, textos interligados mesclando memória e paixão pelo futebol.

Nelson Rodrigues escreveu certa vez que “a verdadeira, a autêntica e incontrolável paixão clubística dá a sensação de que sempre existiu e de que sempre existirá. Eis a verdade: ela escapa do tempo. O sujeito se sente como se já fosse torcedor em vidas passadas.”

Torcedores
Por Flávio Carneiro

Certa vez escrevi, num breve ensaio sobre o conto A cartomante, de Machado de Assis, que há pelo menos três tipos de leitor: o que nega, o que afirma e o que desconfia.

Arte: Zuca Sardan
Talvez se possa dizer o mesmo do torcedor de futebol. O tipo que nega normalmente aparece quando se trata de torcer pela seleção brasileira. Sim, porque para muitos torcedores há uma diferença abismal entre torcer para um clube e torcer pelo Brasil. Quando se trata do seu clube, há torcedores que vibram até com cobrança de tiro-de-meta. Se, no entanto, diante da televisão está o time de camisa amarela, a emoção só acontece mesmo quando é jogo importante, de Copa do Mundo, ou se for contra a Argentina (aí vale até amistoso).

Veja por exemplo o caso daquele torcedor que aparece numa crônica do Nelson Rodrigues. O Brasil acabara de ganhar de 5 a 1 do Paraguai e depois do jogo Nelson esbarra com o amigo lúgubre. "Mas que cara de enterro é essa?", pergunta. O outro responde: "Estou decepcionado com o escrete!"

E Nelson conclui: "A seleção não tem saída. Se vence de cinco, se dá uma lavagem, o torcedor acha que o adversário não presta. Se empata, quem não presta somos nós. Durma-se com um barulho desses!"


Há também o torcedor que afirma sempre. Seu time pode estar uma porcaria, mas ele não admite. E torce ufanisticamente pela seleção brasileira, mesmo que seja em jogo-treino contra os juvenis do São Cristóvão. Esse é incapaz de autocrítica, pelo menos em público. Pode ser que num domingo à noite, a sós com o travesseiro, ele grite um palavrão contido a ferro e fogo durante o dia e mande seu time inteiro para o inferno! Mas com os amigos, na conversa de segunda-feira, ele volta ao normal.

Os que desconfiam são mais raros. Vão para o estádio com a camisa do time escondida debaixo de uma outra. Seu time é o favorito, aliás, o favoritíssimo, mas ainda assim o torcedor desconfiado não assume sua paixão. E quando algum desavisado - preferencialmente o torcedor crédulo, do parágrafo anterior - estranha o hábito de esconder a camisa, ele, cabisbaixo, apenas sussurra: nunca se sabe, nunca se sabe.
Para o torcedor que desconfia, vale uma máxima futebolística: o jogo só acaba quando termina. Seu time pode estar ganhando de 4 a 0 faltando cinco minutos para terminar o jogo, tanto faz, ele só acredita na vitória quando o juiz pega a bola e apita o final da peleja.

Os três tipos de torcedor de futebol se espalham país afora. E, claro, têm suas manias. Há de tudo nesse tema: as manias de torcedor.

E se algum dia você puder conversar com escritores, talvez se surpreenda com o fato de que também entre eles - cujo ofício parece não ter nada a ver com futebol - existem os que praticam a estranha arte de torcer.


A propósito, fiz recentemente uma seriíssima pesquisa com alguns escritores, perguntando a respeito da relação deles com seus times. Relato a seguir algumas respostas.

O poeta Paulo Henriques Britto não é nada ligado a futebol. É capaz de assistir a um jogo e perguntar quem é aquele sujeito vestido de preto com apito na mão (e querer saber por que nunca pega na bola e seu uniforme é diferente dos outros). Ele respondeu assim à pesquisa: "sou completamente ateu em matéria de futebol".

Pérola das pérolas. Mesmo não gostando do esporte, Paulo reconhece - pelo menos é o que se pode depreender da sua frase - que se trata, mais do que de um mero jogo, de uma verdadeira religião.

José Castello, torcedor do Fluminense, respondeu dizendo que, quando fica nervoso vendo um jogo do seu time (e esse nervosismo é bem freqüente), tira o som da televisão. Diz que, com isso, tem a impressão de que adquire mais controle sobre o que se passa em campo. Faz sentido, se pensarmos que a narração do jogo, as informações do repórter de campo, o barulho das torcidas, tudo isso faz parte do espetáculo. Sem som, a partida perde muito da sua dramaticidade.

Nelson de Oliveira me escreveu surpreso, sem acreditar na incrível coincidência. Disse que, no momento em que recebeu a mensagem, estava justamente trabalhando numa nova antologia de contos brasileiros, que vai se chamar Geração 90 (minutos): manuscritos de torcedor. Imagine o que vai sair daí.


Outro torcedor fanático, o Marcelo Moutinho, revela que quando está no Maracanã não tem muitas manias não. Mas diante da televisão, em casa, precisa morder uma caneta (para não acabar com as unhas). E, se o time dele estiver ganhando, não troca jamais o lado da boca.

Meu conterrâneo André de Leones, torcedor do Goiás, é o desgosto do pai, nascido e criado na Vila Nova, bairro do arquirrival. Na verdade, André assiste a qualquer jogo de futebol como se estivesse hipnotizado. Ele conta que já cansou de perder o ônibus porque atrás do ponto tem um campinho de terra. Quando o ônibus passa, ele só tem olhos para o jogão que está rolando entre os moleques descalços.

Outro André, o Sant'Anna, diz que em casos extremos usa a Figa do João Pelado para inutilizar um jogador adversário e que freqüentemente se vale do Método Silva Mind Control. E faz uma revelação bombástica, mantida em segredo por mais de vinte anos: foi ele, André, o responsável pelo tricampeonato do Fluminense em 1985.

A corintiana Ivana Arruda Leite viveu uma situação dramática. Foi ao estádio com um primo muito mau, que a forçou a assistir à vitória do Corinthians no meio da torcida do São Paulo. Ela saiu de lá direto para o hospital, com uma taquicardia que podia ser ouvida a quilômetros de distância.


Cláudia Lage é um tipo interessante de torcedora: a condicional. Torcedor condicional é aquele que vai sempre lhe responder, se você perguntar se ele vai ou não assistir ao jogo: depende. Se o time vai bem, a Cláudia está lá, firme e forte. Se estiver mal, não quer nem saber. Sua única mania: se o time está perdendo, ela dá um tempo e vai consultar o I Ching sobre a possibilidade de uma virada.

Não é o caso do Raimundo Carrero, apaixonado torcedor do Sport Recife. Esse é do tipo que joga sandália no bandeirinha e volta descalço pra casa, como aconteceu mais de uma vez. E geralmente sonha coisas estranhas na véspera de um clássico. Quando acontece isso, não vai ao estádio, não ouve o jogo no rádio, não vê na televisão. É um dia de muita agonia, e ele repetindo o tempo todo pra si mesmo: deixa de ser idiota, Carrero!

Há os torcedores que, calmos no dia-a-dia, de voz macia e semblante tranqüilo, se desfiguram na hora do jogo. É o que acontece com o Gustavo Bernardo. De tanto susto com os berros do dono durante os jogos do seu time, os cachorros da casa precisaram fazer tratamento antiestresse.

E temos ainda aqueles que pensam a longo prazo, zelando não apenas pelo presente imediato mas pelo futuro do seu time. A esse grupo pertence, por exemplo, a gremista Valesca de Assis, que lá de Porto Alegre revelou que todo dia 31 de dezembro dorme com a camisa do clube, para dar sorte no ano seguinte.

O Rafael Cardoso tem tantas manias que se recusou a enumerá-las, com medo (mania das manias) de esquecer alguma e isso prejudicar seu time no próximo jogo. Mas saiu com uma frase muito boa: "o único escritor a ter uma reação lúcida com relação ao futebol foi Lima Barreto, que era louco".

Comentário, aliás, que lembra o do Milton Hatoum. No meio das suas respostas, ele afirma: "só um louco assiste a um jogo do seu time sem revelar uma reação estranha". A dele é a de mudar de posição na cadeira ou se sentar no chão e xingar o técnico quando o Flamengo está perdendo. Às vezes, complementa, tomar uma cachaça pura também ajuda.

Roberto de Sousa Causo não entende muito de futebol, embora tenha decidido agora enveredar pelo tema. Contou que está escrevendo um conto de ficção científica em que o Flamengo está nas oitavas de final do Campeonato Intergaláctico e vai jogar no Maracanã contra um time do planeta Ocixém, um tal de Acirema. Goleada dos caras do outro planeta: 3 a 0. Cá entre nós, achei o enredo excessivamente realista.

Falando em Flamengo, dizem as más línguas - por favor não espalhe isso, pode ser apenas uma intriga qualquer - que o Luiz Ruffato só vê jogo do seu time em casa, sozinho, trancado no quarto, vestindo um pijama vermelho de bolinhas pretas.
O atleticano (do Paraná) Cristovão Tezza é um torcedor tribal, selvagem. Levanta o tempo todo diante da televisão e tem a mania de dar instruções para os jogadores do seu time, como se pudessem ouvi-lo. "Passa pro Netinho, idiota! Viu? Viu? Perdeu a bola." Seu filho Felipe, um fanático mais apaziguado (se é que isso existe), disse a ele um dia: "Não adianta falar, pai, eles não ouvem daqui. Vai ler um livro que eu vejo o jogo pra você, vai!"

Affonso Romano de Sant'Anna encarna um outro tipo comum entre os torcedores: o eclético. Torcedor eclético é aquele que tem um time em cada estado do país. Desse modo, seja qual for o jogo, há de haver adrenalina à solta. Mas, no caso do Affonso, o time de coração mesmo é o Tupi (há torcedores do Tupi, por que não?), de Juiz de Fora.

Outro que tem times espalhados pelo país é o Braulio Tavares. O primeiro de todos, no entanto, é o grande "galo da Borborema". Não está ligando o nome à pessoa, alienado leitor? É o Treze, da Paraíba. Quando tinha uns quinze anos de idade, Braulio inventou que dava azar ao clube. Sem saber se ia ao estádio ou não, escrevia em dois pedacinhos de papel: IR e FICAR, tirando a sorte na hora. Deixou de ver grandes jogos por causa disso e não consta que tenha interferido muito no destino do Treze.

O Dapieve, o Fernando Molica e o Verissimo responderam que... Bom, esses são botafoguenses. Torcedor do Botafogo merece uma crônica à parte. Fica para a próxima.

ESTRELA SOLITÁRIA
Por Flávio Carneiro

Nas crônicas que escrevia semanalmente para a Manchete Esportiva, Nelson Rodrigues vez ou outra elegia o personagem da semana. Era quase sempre um jogador o tal personagem, alguém que havia se destacado na rodada e merecera sua atenção. Pois numa dessas crônicas, Nelson elegeu como personagem da semana não um jogador mas uma torcida: a do Botafogo.

Nelson Rodrigues

A certa altura da crônica, o tricolor Nelson afirma que "nem todo mundo pode imaginar o que é ‘ser Botafogo'. Vejam um vascaíno, um rubro-negro e um tricolor. Eles se parecem entre si como soldadinhos de chumbo. Reagem diante da derrota, da vitória e do empate de maneiras bem parecidas. Suas euforias e depressões são equivalentes. Mas há, no botafoguense, coisas que só ele tem e que o distinguem de tudo e de todos".

Numa crônica anterior, Nelson já havia escrito que há sempre, nas vitórias do Botafogo, "uma pungência, um patético que faltam às demais". Tanto que ele, naquela semana, passa por cima de uma goleada do América sobre o Corinthians para falar da vitória de 2 x 0 do Botafogo sobre a Portuguesa. O jogo, segundo o cronista, tinha tudo para ser uma festa: o alvinegro, capitaneado por Didi e Garrincha, passeou em campo, dominando plenamente o adversário, e poderia, sem exagero, ter ganhado de 10 x 0. A tal ponto que Nelson se perguntou, ao final da partida, temendo pela sorte do seu Fluminense: "o que seria de nós se o Botafogo jogasse sempre assim?"

Carlito Rocha, pres. Botafogo (1948/51) e Biriba, mascote do time.

A partida, no entanto, terminou apenas num dramático, num suado 2 x 0. Por quê? Responde o cronista: "tudo é mais difícil para o Botafogo e o povo, com seu instinto agudo, costuma dizer: ‘Há coisas que só acontecem ao Botafogo!' Exato". E Nelson decifra o enigma ao dizer que o problema todo é que o time "tem contra si a fatalidade, mesmo quando assombra, mesmo quando esmaga, mesmo quando arrebenta."

O botafoguense Arthur Dapieve sabe bem o que é isso. Numa crônica intitulada Esse nosso amor, Dapieve comenta o espetáculo dantesco que teve como palco o Estádio dos Aflitos (o nome do estádio: ironia do destino?), em Recife, na partida Botafogo e Náutico pelo Campeonato Brasileiro de 2008. Aliás, você por favor me responda, caro leitor: algum jogador do seu time já foi preso em pleno gramado e levado à força por policiais pelo meio da torcida adversária? E caso isso tenha acontecido, o presidente do seu time foi atrás do jogador para protegê-lo e acabou preso também, como naquele jogo? 

Nessa crônica, Dapieve escreve: "tenho dois amigos jornalistas paulistas e são-paulinos que trabalharam no Rio de Janeiro durante algum tempo. Ambos se tornaram botafoguenses porque se assombraram com a nossa incrível concentração dramática. Eles dizem que em um ano de Botafogo acontece o suficiente para encher cinco anos do São Paulo. Sem os títulos, infelizmente".

Se torcer para um time de futebol é sempre uma aventura, torcer para o Botafogo é um pouco mais do que isso. Nunca se sabe como vai acabar a partida, se é que vai acabar. Aliás, não se sabe exatamente nem como é que vai começar. Quer um exemplo? Essa aconteceu comigo. Em 1996, o time estava disputando a Taça Teresa Herrera, na Espanha, e ia jogar contra o Juventus, da Itália. Só consegui chegar em casa no início do segundo tempo e quando liguei a televisão vi o Juventus com sua camisa tradicional (com listras verticais, brancas e pretas) e o adversário (supostamente o Botafogo) de camisa azul!

Levei um tempo até entender aquilo. Parecia outro time. Mas não, lá estava o figuraça Túlio Maravilha, na sua vistosa camisa cor de anil. O que aconteceu: o árbitro achou que as camisas do Juventus e do Botafogo eram parecidas e fez um sorteio para ver quem mudava. O Botafogo foi o escolhido. Como não tinha levado uniforme reserva, pegou emprestadas as camisas do... La Coruña!

No início da década de 1960, o grande time do Botafogo, por superstição, jogou várias partidas com camisas de mangas compridas, mesmo em dias de muito calor.
No início da década de 1960, o grande time do Botafogo, por superstição,  jogou várias partidas com camisas de mangas compridas, mesmo em dias de muito calor.
Agora me responda com sinceridade: é normal isso? E o Botafogo ainda foi o campeão do torneio! A valer a superstição - outro traço típico da torcida botafoguense - o time só deveria jogar de camisa azul, ou pelo menos só deveria disputar outras vezes esse torneio com camisa dessa cor.

Por curiosidade, resolvi investigar se isso já havia acontecido antes. Claro que não me surpreendi quando descobri que sim, várias vezes.

Alguns exemplos. Contra o Americano de Campos, em 1923, o time usou - repare bem - o segundo uniforme do Andarahy Athletico Club! Cor da camisa? Verde! Dez anos depois, mesma confusão de uniforme e o Botafogo novamente joga com camisas emprestadas, agora contra o Engenho de Dentro, entrando em campo com camisas vermelhas (dessa vez sequer se tem registro de quem emprestou o uniforme).

Em 1968, em pleno Maracanã (portanto com mando de campo naquela partida), o time entra com a tradicional camisa listrada, o Grêmio também (com a sua de cores preta, branca e azul) e quem é que vai mudar de uniforme? Adivinha. O Botafogo pega emprestadas as camisas azuis da Adeg (a associação desportiva do antigo estado da Guanabara).

Já na década de 70, o episódio se repete. O estádio é o mesmo Maracanã, o jogo é contra o Paissandu, de Belém. A Adeg agora virou Suderj, quer dizer, o nome é diferente mas a função continua a mesma: emprestar camisa para o Botafogo - dessa feita, amarelas!
Biriba, mascote do Botafogo, em campo com os jogadores.
Talvez por isso, por essa absoluta imprevisibilidade, o Botafogo seja, até prova em contrário, o time que mais combina com quem lida com literatura. Se você, meu amigo ou minha amiga, é poeta, contista, romancista ou exerce a crítica literária e ainda não tem time, não se acanhe: as portas estão abertas. Entre, aperte os cintos e se prepare para embarcar na nave louca!

Não era assim que pensava, por exemplo, o Paulo Mendes Campos? É dele a frase: "Enfim, senhoras e senhores, o Botafogo é um tanto tantã (que nem eu). E a insígnia de meu coração é também (literatura) uma estrela solitária".

E o Vinicius de Moraes? Diz ele que escolheu torcer pelo alvinegro por um muito nobre motivo: alguns nomes de ruas do bairro de Botafogo. Nomes sublimes, sugerindo belas senhoras: Bambina, Mariana, Clarisse.

Dizem que o poeta, em seus tempos de diplomata, conheceu em Los Angeles o magnata Mr. Buster, arquimilionário que se espantou quando o brasileiro decidiu abandonar o poder e a grana que lhe oferecia o cargo e voltar para o Rio. Mais tarde, Vinicius escreveria um poema criticando a vida de luxo de Mr. Buster e afirmando os motivos de sua decisão. Entre eles: torcer para o Botafogo.

E aí estão escritores contemporâneos que não me deixam mentir. De estilos e gerações variados, eles se espalham pelo país e até pelo exterior, como a Adriana Lisboa, botafoguense por herança paterna, materna e o que mais possa existir, e que hoje espalha a glória do clube no país em que futebol se chama soccer.

Agora, nem a Adriana nem o Luis Fernando Verissimo têm manias de torcedor, o que é digno de nota em se tratando de botafoguenses. Quer dizer, o Verissimo só não gosta de falar durante o jogo, mas o Verissimo não querer falar não chega a ser, convenhamos, uma grande novidade. O que é diferente, no caso, é que ele também não gosta que falem com ele enquanto o Botafogo (ou o seu Internacional) está jogando.

João Saldanha, ateu convicto, autor da célebre máxima "se macumba ganhasse jogo, o campeonato baiano terminava emptado", só dirigia o Botafogo e a seleção brasileira com camisas brancas. Saldanha sempre negou ser supersticioso. Na foto, João Saldanha é carregado em comemoração à conquista de campeão carioca de 1957 (com camisa branca, claro), após o Botafogo golear o Fluminense por 6 x 2 no Maracanã.
De manias o Jorge Viveiros de Castro diz que se livrou, depois de tantos anos e várias mandingas fracassadas. Continua roendo unha, xingando juiz, mandando algum jogador para aquele lugar, coisas assim, normais. Agora, mania não tem mais não. Cansou. Quer dizer, dia desses ele foi flagrado assistindo a um jogo do Botafogo, na televisão, encostado na parede e plantando bananeira. Jorge explicou que era apenas um exercício de ioga, para amenizar a tensão. Sei.

Fernando Molica é um botafoguense autêntico, o que equivale a dizer que não regula muito bem da bola (com o perdão do trocadilho). Repetir (ou não) determinada camisa, rezar para que, depois de um primeiro tempo ruim, algo o obrigue a mudar de lugar no estádio (não pode ser por vontade própria, tem que acontecer alguma coisa), variar (ou não) de amigos na arquibancada, pedir aos céus para ver, no dia do jogo, alguém com a camisa do Botafogo antes que apareça alguém com a camisa do adversário são algumas de suas, digamos, estratégias.

O historiador Raul Milliet Filho, autor de Vida que segue: João Saldanha e as Copas de 1996 e 1970, não gosta de ver jogo do Botafogo na televisão. Diz que prefere o estádio porque dali pode ter uma ampla visão do campo e analisar taticamente a partida. "Na televisão você o lance, mas não vê o jogo", justifica. Faz sentido, sem dúvida, mas que pode haver algo estranho por trás disso, pode. Para alguém que jamais cruza as pernas quando está vendo jogo do Botafogo, tudo é possível.

Essas histórias todas levam a crer que, se dependesse de manias, o Botafogo seria campeão mundial todos os anos, com folga. E por que não é? Porque se trata de tolice, mera superstição, dirá você, leitor incrédulo. Pois tenho outra hipótese para a explicação do fenômeno: uma esquisitice atrapalha a outra. Isso mesmo, uma está anulando a outra. E são tantas que, claro, nos perdemos.

Faço aqui, portanto, nesse momento histórico, uma proposta que pode devolver ao alvinegro seus dias de glória: uma uniformização das manias. Se até a língua portuguesa resolveram uniformizar, que façamos também isso, nós que na história já trocamos tantas vezes de uniforme: uma gramática das manias botafoguenses. Sentar bem no meio do sofá: certo ou errado? Vestir a meia do avesso na véspera do clássico: certo ou errado? Entrar de lado na catraca do Maracanã: certo ou errado? Quem sabe funciona.

Sobre o autor:

Flavio Carneiro é botafoguense, além de escritor, roteirista e professor de literatura na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).www.flaviocarneiro.com.br.








Notas do Megafone:

1)      Crônicas publicadas no livro Passe de Letra (Futebol & Literatura), editora Rocco – 2009.
2)      No prefácio, Luis Fernando Veríssimo escreveu:
“Já fizeram bons poemas e tratados sociológicos e ensaios profundos sobre o futebol, claro, nada contra, mas acho que a melhor maneira de escrever sobre ele é como faz o Flávio neste livro, misturando memória e reflexão, o puro gosto pela bola rolando e sua experiência como jogador, torcedor e observador – e nem por isso sendo menos literário.”

Deixa Falar: o megafone do esporte, criação e edição de Raul Milliet Filho.

Sobre os autores do “Deixa Falar: o megafone do esporte”


Ademir Gebara Graduado em História e Educação Física, mestre em História pela USP, PH D em História pela London School of Economics and Political Science., ex-diretor e coordenador de Pós da FEF Unicamp, professor visitante da Universidade Federal da Grande Dourados.




Antonio Edmilson Rodrigues – é América, livre docente em História, professor da UERJ e da PUC-RJ, pesquisador de História do Rio de Janeiro, escritor de temas vinculados à história urbana, coordenador do projeto Conversa de Botequim e autor de João do Rio, a cidade e o poeta.


Bernardo Buarque – professor da Escola Superior de Ciências Sociais (FGV) e pesquisador do CPDOC/FGV. `É editor da coleção Visão de Campo (7 Letras). Em 2012, publicou o livro ABC de José Lins do Rego (Editora José Olympio).


José Paulo Pessoa – é botafoguense, ator, advogado, que achava o Didi mais impressionante que o Garrincha (que foi o maior que já vi!). Diretor, cantor e compositor do Bloco das Carmelitas, de Santa Teresa (RJ).



José Sebastião Witter – é torcedor do São Paulo, professor emérito da USP e professor normalista.


Luiz Carlos Ribeiroé professor do Departamento de História da UFPR e coordenador do Núcleo de Estudos Futebol e Sociedade.


Marcelo W. Proni – economista, doutor em Educação Física pela Unicamp, professor do Instituto de Economia da Unicamp, torcedor do Botafogo de Ribeirão Preto.


Marcos Alvito - É carioca de Botafogo e Flamengo até morrer.  É um antropólogo que dá aula de História na UFF desde o longínquo ano de 1984.  Perna-de-pau consagrado, estuda um jogo que nunca conseguiu jogar direito: o futebol. Mas encara qualquer um no futebol de botão. Acaba de publicar A Rainha de Chuteiras: um ano de futebol na Inglaterra (www.clubedeautores.com.br)


Ney Costa Santos- É Flamengo, Mestre em Comunicação Social e Professor da PUC-Rio. Cineasta, dirigiu os filmes Heleno e Garrincha, Meu Glorioso São Cristovão, O Pulo do Gato, Cinema Interior, Cole in Rio e Padre-Mestre.


Raul Milliet Filho – é botafoguense, mestre em História Política pela UERJ, doutor em História Social pela USP. Como professor, pesquisador e autor prioriza a cultura popular. Gestor de políticas sociais, idealizou e coordenou o Recriança, projeto de democratização esportiva para crianças e jovens.


Ricardo Oliveira – é Vasco, jornalista, educador da prefeitura do Rio de Janeiro e pesquisador da História do futebol. Coordenador da pesquisa do livro Vida que Segue: João Saldanha e as Copas de 1966 e 1970.


Wanderley Marchi Jr – doutor em Educação Física e Sociologia do Esporte e professor da Universidade Federal do Paraná/BRA e da West Virginia University/USA.


Zuca Sardan (Carlos Felipe Saldanha) – É torcedor do Vasco, nasceu no Rio de Janeiro em 1933, mas vive em Hamburgo, na Alemanha. Estudou arquitetura, mas fez diplomacia. Estudou desenho, mas fez letras. Hoje dedica-se a desenhos, vinhetas, poesias e folhetins. Entre seus livros, estão: Ás de coletepoesias, desenhos e Osso do Coração.

Acompanhe as outras edições do Deixa Falar: o megafone do esporte nos links abaixo:


http://www.literaturanaarquibancada.com/2012/12/deixa-falar-o-megafone-do-esporte.html 

Idosos, o esporte e a vida

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Marcelinho
O Brasil trata com respeito seus “velhos” ídolos do esporte? O edito Cesar Oliveira faz interessante reflexão.

UM PAÍS JOVEM, CHEIO DE IDOSOS, QUE TRATA MAL OS SEUS VELHOS
E OS NEM TANTO. POR QUÊ?
Por Cesar Oliveira

Pessoas que chegam aos 60 ou 70 anos em plena saúde física e mental devem se aposentar? O que leva o brasileiro a descartar a experiência dos idosos, no esporte e na vida?

Ao longo dos últimos 50 anos, a população brasileira quase triplicou: passou de 70 milhões, em 1960, para 190,7 milhões, em 2010.

O crescimento do número de idosos, no entanto, foi ainda maior. Em 1960, 3,3 milhões de brasileiros tinham 60 anos ou mais e representavam 4,7% da população. Em 2000, 14,5 milhões, ou 8,5% dos brasileiros, estavam nessa faixa etária. Na última década, o salto foi grande, e em 2010 passou para 10,8% da população (20,5 milhões).


Essa informação está baseada nos censos demográficos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 1960, de 2000 e de 2010, e foi divulgada recentemente pelo site G1, da Infoglobo.

E por que estou escrevendo isso num blog sobre literatura esportiva?

O motivo é o desabafo do atleta Marcelo Elgarten, o Marcelinho, experiente levantador e capitão do Vivo/Minas, que foi eliminado ontem na semifinal da Superliga pela equipe do OGX/Rio de Janeiro.

Entrevistado ao final da partida, Marcelinho desabafou, entristecido e quase revoltado, cobrando que a imprensa esportiva brasileira pare com a lamentável e obscurantista mania de indicar a idade de um atleta como se isso foi empecilho para um desempenho de alto nível, como ele sempre apresentou.

Os títulos dele demonstram quem ele é: foi três vezes campeão da Superliga Masculina (1996/1997, pelo Report/Suzano; 1998/1999, pelo Olympicus/Telesp e em 2003/2004, pelo Unisul/Florianópolis); foi campeão carioca em 2000, pelo Vasco da Gama/Três Corações; e foi campeão da Copa Europeia atuando pelo Sisley Treviso. Pela Seleção Brasileira, foi bicampeão da Liga Mundial em 2006/2007); campeão mundial em 2006; prata nas Olimpíadas de 2008; e bronze no Pan de 2003.

Nilton Santos

É impressionante como os jovens repórteres brasileiros estão sempre com a palavra “aposentadoria” na boca, como se todos os veteranos atletas devessem perdurar as chuteiras, os tênis, as raquetes, as sapatilhas, as luvas etc. porque já estariam velhos demais para continuar competindo.

A história esportiva brasileira está coalhada de veteranos vitoriosos. Nilton Santos foi bicampeão carioca e mundial com 37 anos. Isso sem falar no piloto Emerson Fittipaldi, na saltadora Aída dos Santos, no boxeador Fernando Barreto.

Uma grande corporação jornalística, com atuação em todas as mídias, tem por hábito demitir seus colaboradores quando eles completam 60 anos. Raros escapam da incompreensível guilhotina. Na contramão disso, a ESPN homenageou, no mês de março, nos seus programas Loucos por Futebol e Pontapé Inicial, os veteranos jornalistas Roberto Porto, João Máximo e Fernando Calazans, todos setentões que comemoraram 50 anos de jornalismo esportivo em atividade, com produção de altíssimo nível.


E não é só no esporte. Ano passado, o ministro Massami Uyeda, do Superior Tribunal de Justiça, completou 70 anos e, como manda a Constituição Federal, terá que se aposentar. Ano passado, os ministros Cezar Peluso e Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, em pleno controle de suas funções físicas e mentais, também foram compulsoriamente aposentados por idade. Uma perda enorme para a Justiça Brasileira, que abriu mão de sua larga experiência para decisões de grande importância para o País.

“Se olharmos para o modo como os orientais tratam seus idosos, perceberemos que seus conhecimentos milenares os possibilitam enxergar no ‘ultrapassado’ um grande exemplo para o futuro. Sabiamente valorizam as experiências, os ensinamentos, a visão do que já foi vivido e experienciado em suas vidas e suas relações. É uma grande honra ter em seu lar um idoso da família. Isto, porque são muitas as possibilidades de aprendizado! Uma delas é a oportunidade de poder evitar desperdício de tempo, energia e disposição em alternativas já desgastadas e que nos levam a situações de fracasso”. (Karine Dutra Mesquita Nalini, psicóloga, in Casa de Eurípedes, site espírita).

Somos um País jovem demais para desprezar tudo o que os mais velhos têm para dar e aconselhar. Já passou da hora de pararmos de falar a idade das pessoas (ou o sexo, ou orientação sexual, ou condição social, ou raça ou o que quer que seja...) para desvalorizar seu trabalho e atuação.

Espero, sinceramente, que o recente desabafo do Marcelinho Elgarten, seja um divisor de águas nessa mania da imprensa brasileira. No meu trabalho de editor, mal comparando, prefiro privilegiar a história e as biografias dos grandes atletas, aqueles que performaram com grande qualidade, que conquistaram títulos e glórias, e que foram exemplo para as futuras gerações.

Sobre Cesar Oliveira:
Carioca, quase 60tão, editor de livros de futebol, botafoguense militante, mangueirense apaixonado, tarado por bossa nova, sushi e sorvete, cozinheiro razoável. É editor da www.livrosdefutebol.com , formado na Escola Superior de Propaganda e Marketing, no Rio de Janeiro.


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